Acessibilidade / Reportar erro

Estudo sobre a retomada das atividades presenciais em meio à pandemia da Covid-19 baseado na percepção dos responsáveis pelas bibliotecas

RESUMO

Introdução:

Desde 2020 o mundo vem sendo afetado pela pandemia de Covid-19, com consequências tais como a paralisação temporária do atendimento presencial ao público por parte das bibliotecas. Apesar de o Brasil ser um dos países mais atingidos pela pandemia tem-se observado tratativas para a retomada das atividades presenciais em muitas instituições de ensino, gerando apreensão e dúvidas nos alunos e servidores. Nesse contexto, as bibliotecas dessas instituições precisam de referências sobre como analisar sua própria situação e, assim, estabelecer uma estratégia de retorno seguro.

Objetivo:

Assim, a pesquisa objetivou traçar e implementar uma rota de análise das condições de retorno de bibliotecas pertencentes a instituições de ensino às atividades presenciais, por meio da coleta e análise da opinião de seus responsáveis quanto ao cumprimento (ou não) dos critérios sanitários indicados pelo protocolo de biossegurança do Conselho Regional de Biblioteconomia do Estado de São Paulo 8a Região (CRB-8).

Método:

A pesquisa classifica-se como exploratória, com abordagem quantitativa e delineamento de estudo de caso, sendo uma instituição de ensino a unidade caso.

Resultados:

Entre outros resultados constatou- se que 15% dos participantes acreditam que o seu campus garantirá a oferta de equipamentos de proteção individual para servidores e usuários e 41% creem que há espaço suficiente para garantir o distanciamento entre seus usuários.

Conclusão:

Conclui-se que o trabalho contribui com o esforço de enfrentamento à pandemia ao colaborar na produção de um instrumento que pode ser replicado a outras instituições, além de inspirar ações de escuta aos implicados nos impedimentos do confinamento.

PALAVRAS-CHAVE:
Biblioteca; Pandemia; COVID-19; Protocolo de biossegurança; Medidas sanitárias

ABSTRACT

Introduction:

Since 2020 the world has been affected by the Covid-19 pandemic, with consequences such as the temporary paralysis of in-person services to the public by libraries. Although Brazil is one of the countries most affected by the pandemic, there have been attempts to return to face-to-face activities in many educational institutions, generating apprehension and doubts among students and employees. In this context, the libraries of these institutions need references on how to analyze their situation and thus establish a safe return strategy.

Objective:

Thus, the research aimed to outline and implement a route of analysis of the conditions for the return of libraries belonging to teaching institutions to face-to-face activities, using the collection and analysis of the opinion of those in charge as to the compliance (or not) of the sanitary criteria indicated by the biosafety protocol of the Regional Council of Library Science of the State of São Paulo 8th Region (CRB-8).

Method:

The research is classified as exploratory, with a quantitative approach and case study design, being an educational institution the case unit.

Results:

Among other results, it was found that 15% of the participants believe that their campus will guarantee the supply of individual protection equipment for servers and users, and 41% believe that there is enough space to guarantee distance between their users.

Conclusion:

It is concluded that the work contributes to the effort of confronting the pandemic by collaborating in the production of an instrument that can be replicated to other institutions, besides inspiring listening actions to those involved in the impediments of confinement.

KEYWORDS:
Library services; Public libraries; Librarian's social responsibility; Promotion of library use; Social inclusion

1 INTRODUÇÃO

No futuro, o ano de 2020 será lembrado como o ano da Covid-19, doença que causou a internação e morte de milhares de pessoas ao redor do mundo, sendo o Brasil um dos países mais afetados. Por um lado, vários países realizaram o fechamento integral ou parcial dos seus estabelecimentos privados e públicos para diminuir a circulação de pessoas e, consequentemente, reduzir o ritmo de contágio. Companhias aéreas, escolas, faculdades, museus, centros comerciais, restaurantes, entre outros locais não considerados essenciais permaneceram meses sem atendimento presencial, levando-os a demitir funcionários, diminuir salários ou mesmo pedir falência.

Para responder a esse novo contexto, instituições de todo tipo precisaram remodelar os seus serviços, investindo sobretudo nas novas tecnologias de comunicação e informação. Grandes e pequenos comércios passaram a oferecer seus produtos nas redes sociais, fazer vídeos de divulgação e disponibilizar aplicativos de comércio eletrônico. Escolas adotaram aulas on- line e os seus funcionários passaram a realizar o seu trabalho através de uma tela de computador.

As bibliotecas, assim como outras instituições culturais e de ensino, também foram afetadas. Se, há anos, muitas delas utilizam catálogos on-line, bases de dados, redes sociais, entre outros recursos, é fato que parte significativa dos seus serviços se baseia em itens físicos e ações presenciais. O empréstimo de livros impressos, por exemplo, ainda é uma das atividades centrais de uma biblioteca e seu espaço físico, utilizado como um local de convivência e de cursos/eventos. As bibliotecas, portanto, foram duramente afetadas pela pandemia na medida em que ficaram impedidas de desempenhar suas atividades presenciais.

Publicações ao redor do mundo buscaram registrar os desafios e as transformações que as bibliotecas tiveram que implementar durante esse período inédito. Bibliotecas na Itália (TAMMARO, 2020TAMMARO, A. M. COVID 19 and libraries in Italy. International Information & Library Review, [s. l.], v. 52, n. 3, p. 216-220, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/10572317.2020.1785172. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10572317.2020.1785172. Acesso em: 4 dez. 2020.
https://doi.org/10.1080/10572317.2020.17...
), Irlanda (CARBERY et al., 2020CARBERY, A. et al. Irish libraries and COVID-19: first reflections. Insights the UKSG journal, [s. l.], v. 33, p. 1-20, 2020. DOI: http://doi.org/10.1629/uksg.522. Disponível em: https://insights.uksg.org/articles/10.1629/uksg.522/. Acesso em: 4 dez. 2020.
http://doi.org/10.1629/uksg.522...
), Grécia (KOULOURIS; VRAIMAKI; KOLONIARI, 2020KOULOURIS, A.; VRAIMAKI, E.; KOLONIARI, M. COVID-19 and library social media use. Reference Services Review, [s. l.], ahead-of-print, 2020. DOI: https://doi.org/10.1108/RSR-06-2020-0044. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/RSR-06-2020-0044/full/html. Acesso em: 15 dez. 2020.
https://doi.org/10.1108/RSR-06-2020-0044...
), Lesoto (MBAMBO-THATA, 2020MBAMBO-THATA, B. Responding to COVID-19 in an African university: the case the National University of Lesotho library. Digital Library Perspectives, [s. l.], ahead-of-print, 2020. DOI: https://doi.org/10.1108/DLP-07-2020-0061. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/DLP-07-2020-0061/full/html. Acesso em: 6 dez. 2020.
https://doi.org/10.1108/DLP-07-2020-0061...
), Estados Unidos (WANG; LUND, 2020WANG, T.; LUND, B. Announcement information provided by United States’ public libraries during the 2020 COVID-19 pandemic. Public Library Quarterly, Philadelphia, v. 39, n. 4, p. 283-294, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/01616846.2020.1764325. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01616846.2020.1764325. Acesso em: 6 dez. 2020.
https://doi.org/10.1080/01616846.2020.17...
), Romênia (ERICH, 2020ERICH, A. Libraries reaction of Romania to the crisis caused by COVID 19. Postmodern Openings, [s. l.], v. 11, n. 3, p. 332-343, 2020. DOI: https://doi.org/10.18662/po/11.3/218. Disponível em: https://lumenpublishing.com/journals/index.php/po/article/view/3037. Acesso em: 6 dez. 2020.
https://doi.org/10.18662/po/11.3/218. Di...
), Suécia (TEMIZ; SALELKAR, 2020TEMIZ, S.; SALELKAR, L. P. Innovation during crisis: exploring reaction of Swedish university libraries to COVID-19. Digital Library Perspectives, [s. l.], v. 36, n. 4, p. 365- 375, 2020. DOI: https://doi.org/10.1108/DLP-05-2020-0029. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/DLP-05-2020-0029/full/html. Acesso em: 15 dez. 2020.
https://doi.org/10.1108/DLP-05-2020-0029...
), entre outras, descreveram os desafios do trabalho remoto, os serviços on-line, o empréstimo de computadores para os alunos, entre outras situações. As bibliotecas retratadas nas publicações eram universitárias (MEHTA; WANG, 2020MEHTA, D.; WANG, X. COVID-19 and digital library services - a case study of a university library. Digital Library Perspectives, [s. l.], v. 36, n. 4, p. 351-363, 2020. DOI: https://doi.org/10.1108/DLP-05-2020-0030. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/DLP-05-2020-0030/full/html. Acesso em: 15 dez. 2020.
https://doi.org/10.1108/DLP-05-2020-0030...
), escolares (AHLFELD, 2020AHLFELD, K. Poised to transform: lessons learned from COVID-19 in a school library. Journal of Library Administration, [s. l.], v. 60, n. 8, p. 958-965, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/01930826.2020.1820282. Disponível em: https://www.tandfonline.com/action/journalInformation?journalCode=wjla20. Acesso em: 15 dez. 2020.
https://doi.org/10.1080/01930826.2020.18...
) ou públicas (KOULOURIS; VRAIMAKI; KOLONIARI, 2020).

Apesar da importância dos serviços presenciais, as bibliotecas e suas comunidades comungam da ideia de que, enquanto durar a pandemia, o retorno pleno das atividades só deveria ocorrer se a segurança de usuários e servidores estiver garantida. Para tanto, é preciso que os bibliotecários tenham à sua disposição referências sobre como analisar sua própria situação sanitária e, assim, estabelecer uma estratégia de retorno seguro. Desse modo, a pesquisa objetivou traçar e implementar uma rota de análise das condições de retorno às atividades presenciais de bibliotecas pertencentes a instituições de ensino, por meio da coleta e análise da opinião de seus responsáveis quanto ao cumprimento (ou não) dos critérios sanitários indicados por órgãos nacionais e internacionais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

No Brasil, muitas bibliotecas oferecem, além dos livros físicos, computadores de acesso livre, espaço de estudo e recursos on-line como livros e periódicos que podem ser acessados no local ou remotamente. Assim, a pandemia do novo coronavírus afetou as bibliotecas imensamente, uma vez que as medidas preventivas desaconselhavam as aglomerações, seus espaços físicos e o empréstimo de materiais que ofereciam risco de contágio (KERN, 2020KERN, L. M. A biblioteca universitária e a pandemia do novo coronavírus: reflexões e prospectivas. Revista Informação & Universidade, [s. l.], v. 2, n. esp. Dossiê COVID, p. 1- 21, 2020. Disponível em: http://reviu.febab.org.br/index.php/reviu/article/view/30/36. Acesso em: 16 set. 2021.
http://reviu.febab.org.br/index.php/revi...
), o que resultou na suspensão das atividades presenciais desse setor.

Nesse contexto, os servidores das bibliotecas, assim como os de outros setores de instituições de ensino e cultura, tiveram que repensar e reorganizar o seu trabalho. Não somente as bibliotecas do Brasil, mas bibliotecas de todo o mundo passaram a discutir como oferecer serviços de qualidade sem a disponibilidade do seu acervo e espaço físico. A transição para uma cultura digital já estava em curso antes da pandemia, mas com discrepâncias entre regiões ricas e pobres. Por exemplo, as bibliotecas da Universidade de Toronto, no Canadá, já tinham como meta o oferecimento de serviços híbridos, que poderiam ser acessados tanto presencialmente como on-line (WALSH; RANA, 2020WALSH, B.; RANA, H. Continuity of academic library services during the pandemic: the University of Toronto Libraries’ response. Journal of Scholarly Publishing, Toronto, v. 51, n. 4, p. 237-245, 2020. DOI: https://doi.org/10.3138/jsp.51.4.04. Disponível em: https://utpjournals.press/doi/full/10.3138/jsp.51.4.04. Acesso em: 4 dez. 2020.
https://doi.org/10.3138/jsp.51.4.04...
). Assim, a Covid-19 apenas acelerou e expandiu essa política. Já em países em desenvolvimento, os governos (e as bibliotecas) perceberam que era necessário iniciativas para mitigar as dificuldades de acesso dos grupos mais vulneráveis. Na África, a biblioteca da Universidade Nacional de Lesoto conseguiu, após acordo entre o governo e operadoras de telefone/internet móvel do país, oferecer acesso gratuito às suas plataformas de aprendizagem, sem necessidade de os alunos comprarem dados suplementares (MBAMBO-THATA, 2020MBAMBO-THATA, B. Responding to COVID-19 in an African university: the case the National University of Lesotho library. Digital Library Perspectives, [s. l.], ahead-of-print, 2020. DOI: https://doi.org/10.1108/DLP-07-2020-0061. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/DLP-07-2020-0061/full/html. Acesso em: 6 dez. 2020.
https://doi.org/10.1108/DLP-07-2020-0061...
).

As diferenças sociais e econômicas podem ser verificadas dentro de um mesmo país, como mostrou Tammaro (2020TAMMARO, A. M. COVID 19 and libraries in Italy. International Information & Library Review, [s. l.], v. 52, n. 3, p. 216-220, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/10572317.2020.1785172. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10572317.2020.1785172. Acesso em: 4 dez. 2020.
https://doi.org/10.1080/10572317.2020.17...
) no primeiro período de restrição de circulação na Itália, entre fevereiro e maio de 2020. As bibliotecas do norte provaram possuir mais estrutura tecnológica e de pessoal para responder à crise do que as bibliotecas do sul, historicamente menos providas de recursos. Fechadas, as bibliotecas investiram em eventos on-line, como sessões de leitura, cursos e jogos, mas falhas na conexão e a falta de habilidade dos profissionais para interagir nos novos meios de comunicação revelaram que eles não estavam preparados para contornar a distância imposta pela pandemia. Por outro lado, conseguiram divulgar e aumentar o uso do catálogo e das fontes on-line. Dessa maneira, Tammaro (2020) acredita que, mesmo após a reabertura, as bibliotecas precisarão se reinventar, pois nem todos os serviços serão retomados imediatamente e a pandemia expôs como algumas instituições ainda estão atrasadas na comunicação com o seu público.

Na Irlanda, de acordo com Carbery et al. (2020CARBERY, A. et al. Irish libraries and COVID-19: first reflections. Insights the UKSG journal, [s. l.], v. 33, p. 1-20, 2020. DOI: http://doi.org/10.1629/uksg.522. Disponível em: https://insights.uksg.org/articles/10.1629/uksg.522/. Acesso em: 4 dez. 2020.
http://doi.org/10.1629/uksg.522...
), uma das preocupações foi garantir que os profissionais tivessem os equipamentos e a conexão adequados para o trabalho remoto. A partir de casa, os bibliotecários deveriam divulgar a disponibilidade e orientar o uso do acervo digital, manter atualizados o website e as redes sociais da biblioteca, promover eventos on-line e disseminar informações confiáveis sobre a Covid-19. Algumas bibliotecas foram mais longe e utilizaram as suas impressoras 3D para produzir equipamentos, como máscaras faceshields, e criaram sistemas especiais para o empréstimo de materiais impresso, como o de entrega em domicílio. De qualquer forma, nenhuma instituição alcançou uma situação confortável diante de mudanças tão bruscas. Apesar de apresentar uma resposta positiva das bibliotecas da Universidade de Toronto, Walsh e Rana (2020WALSH, B.; RANA, H. Continuity of academic library services during the pandemic: the University of Toronto Libraries’ response. Journal of Scholarly Publishing, Toronto, v. 51, n. 4, p. 237-245, 2020. DOI: https://doi.org/10.3138/jsp.51.4.04. Disponível em: https://utpjournals.press/doi/full/10.3138/jsp.51.4.04. Acesso em: 4 dez. 2020.
https://doi.org/10.3138/jsp.51.4.04...
) compartilharam as mesmas angústias de bibliotecários ao redor do mundo: como será o serviço da biblioteca após a pandemia? A demanda por livros impressos diminuirá? Os espaços de convivência continuarão como antes?

Quais as demandas da comunidade após um ano de estudo e trabalho remoto?

Wang e Lund (2020WANG, T.; LUND, B. Announcement information provided by United States’ public libraries during the 2020 COVID-19 pandemic. Public Library Quarterly, Philadelphia, v. 39, n. 4, p. 283-294, 2020. DOI: https://doi.org/10.1080/01616846.2020.1764325. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01616846.2020.1764325. Acesso em: 6 dez. 2020.
https://doi.org/10.1080/01616846.2020.17...
) sublinharam a ansiedade dos usuários que, diante um evento inédito, foram bombardeados por informações sobre os riscos de contaminação, formas de tratamento, equipamentos de segurança etc., muitas delas de origem duvidosa ou mesmo falsas. Nessa perspectiva, reforçaram a importância da biblioteca no combate às fake news e na comunicação com o seu público, divulgando os seus serviços e decisões durante esse período. Contudo, as dúvidas e a busca por respostas não se limitam aos usuários, mas podem atingir os próprios bibliotecários que, muitas vezes, não estão preparados para um trabalho totalmente remoto e que temem o futuro de suas instituições após o retorno presencial.

Os bibliotecários das IE enfrentaram inúmeros desafios durante o período da quarentena, como alunos que tinham dificuldade de utilizar os recursos on-line por falta de letramento digital; alunos com planos básicos de internet que eram insuficientes para a navegação nas plataformas adotadas; usuários, sejam professores ou alunos, que pediam para acessar o acervo impresso mesmo com os campi fechados, entre outras situações que expunham as limitações da interrupção do atendimento presencial. Com a previsão de retorno das atividades presenciais em 2021, esses profissionais passaram a questionar quais critérios seriam adotados para o oferecimento dos serviços da biblioteca, já que, sem uma vacinação universal, os riscos permaneceriam.

A maioria dos trabalhos publicados até o momento analisa os desafios e as conquistas das bibliotecas durante o período da pandemia, mas pouco ainda se sabe sobre o seu funcionamento após o final desse período. Em seu website, a International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) cita experiências tanto com o trabalho remoto como com a reabertura das bibliotecas. Verifica-se que cada país ou até cada biblioteca tem adotado o seu próprio protocolo, estabelecendo diferenças em sua resposta institucional que vão desde a abertura mínima a critérios para a realização de grandes eventos presenciais. Ainda assim, identificam-se algumas tendências, como limitar o número de usuários dentro da biblioteca, restringir o uso de determinados espaços e serviços, estabelecer um distanciamento entre os usuários e incentivar o uso de recursos on-line. Uma característica comum é a adoção de equipamentos de segurança, como máscaras, a medição da temperatura corporal e o uso de sanitizantes para as mãos. A IFLA também apresenta sugestões para a segurança dos funcionários, como reduzir o número de pessoas trabalhando ao mesmo tempo no mesmo local, assim como diminuir o compartilhamento de computadores e materiais de escritório. Em todos os casos, a IFLA enfatiza a importância da comunicação da biblioteca com a sociedade, que deve ser informada sobre as novas condições de atendimento (INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS, 2020).

Em maio de 2020, o Conselho Regional de Biblioteconomia do Estado de São Paulo - 8a Região (CRB-8) publicou um comunicado com medidas consideradas imprescindíveis para a segurança e a saúde dos funcionários e usuários da biblioteca durante a pandemia. Ao contrário de documentos generalistas, o comunicado do CRB-8 possui recomendações pouco vistas em protocolos internacionais, como “manter as unhas curtas”, “manter cabelos compridos constantemente amarrados/presos”, “recomendar que os funcionários com barba as retirem para melhor fixação da máscara”, “utilizar calçado fechado durante o expediente de trabalho”, “manter a temperatura em até 22°”, entre outras. O comunicado também orienta a própria divisão do trabalho, pedindo para “organizar turnos de trabalho diferenciado para os trabalhadores da biblioteca” e que “a limpeza e higienização do ambiente deverá ser diária sempre antes da abertura da Biblioteca. Se possível, duas vezes ao dia”. Desse modo, independente da eficácia de tais medidas, elas se mostram de difícil execução, o que pode gerar estresse entre os profissionais. Muitas bibliotecas/instituições já trabalham com um número pequeno de funcionários, impedindo, por exemplo, que a limpeza e higienização sejam realizadas duas vezes ao dia. Também é questionável o poder de um bibliotecário/administrador em determinar o tamanho de unhas, cabelo e barba dos seus subordinados. O próprio CRB-8 reconhece essa dificuldade e afirma que “temos ciência das dificuldades de atendimento das recomendações por parte das bibliotecas e ainda da necessidade de cumprir as orientações de cada instituição”. Portanto, ainda que possa ser útil para a reabertura das bibliotecas, a recomendação também pode produzir novos conflitos, insegurança e, assim sendo, não ser efetiva (CONSELHO REGIONAL DE BIBLIOTECONOMIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2020). A Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias (CBBU), subordinada à Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas de Informação e Instituições (FEBAB), por outro lado, publicou, em 14 de março de 2020, as suas recomendações para a reabertura das bibliotecas universitárias apenas sugerindo algumas ações e, em alguns casos, apontando mais de uma opção de conduta diante de determinada situação. Por exemplo, ao discorrer sobre a entrega de materiais bibliográficos solicitados para empréstimo, afirma que ela pode ocorrer das seguintes formas: a) mediante agendamento, b) no período que a biblioteca estiver aberta ou c) por serviços alternativos (entrega pelos Correios, por entregador, drive- through, digitalização de documentos etc.). Ainda que seja menos assertiva do que as recomendações do CRB-8, algumas afirmações também apontam desafios para as bibliotecas, como a de que “as devoluções de material são os principais meios de contaminação”. Considerando que a devolução de materiais tende a ser contínua e em grande número, os funcionários estariam em um contexto de risco constante e iminente, mesmo que adotassem as medidas recomendadas, como usar caixas de devolução e deixar os itens em quarentena (COMISSÃO BRASILEIRA DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS, 2020).

Como vimos, diversas organizações/instituições publicaram seus protocolos com diferenças significativas, podendo causar, quando comparados, mais dúvidas do que respostas sobre quais medidas tomar, quais são viáveis e como garantir que elas sejam cumpridas. Em meio a essa falta de orientação oficial, sem a garantia de uma data para o retorno presencial e sem um protocolo adotado pela instituição, mesmo que existissem diversos protocolos nacionais e internacionais já publicados e alguns critérios já estivessem sendo utilizados largamente (uso de máscaras, álcool em gel 70% e distanciamento social), os profissionais das bibliotecas se encontraram diante de inúmeras incertezas, uma vez que alguns critérios dependiam da instituição em que atuavam.

Nessa perspectiva, esse artigo não vislumbra apresentar as ações realizadas pelas bibliotecas durante a pandemia de Covid-19, mas sim discutir os anseios e preocupações dos coordenadores ou responsáveis pelas bibliotecas de uma IE pública em relação ao retorno presencial durante a pandemia e antes que a vacinação em massa da população do país tivesse completa. Assim como outras bibliotecas, as da IE aqui analisada, realizaram atividades remotas durante o ano de 2020, como divulgação dos acervos digitais, treinamentos por videoconferência, publicações contra fake news, entre outras, mas entendemos ser importante destacar o estresse e as dúvidas dos coordenadores nesse momento de indefinição, o que deve ser compartilhado pelos profissionais de outras instituições no Brasil e no exterior.

3 MÉTODO

A pesquisa classifica-se como exploratória quanto aos seus objetivos, aplicada quanto aos seus fins (GIL, 2010GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.) e utiliza abordagem quantitativa. Além disso, define-se como um estudo de caso considerando o seu delineamento (GIL, 2010), sendo as bibliotecas de uma IE pública do Estado de São Paulo a unidade-caso selecionada para a realização da pesquisa. Tal escolha deve-se à abrangência geográfica da instituição, que possui vários campi distribuídos em praticamente todas as regiões do Estado de São Paulo e uma biblioteca em cada um deles, o que representa um número suficiente para submeter a abordagem a diferentes pontos de vista.

Para a coleta de dados houve a aplicação de questionário estruturado fechado enviado por e-mail e redes sociais aos respondentes. O questionário foi elaborado com base no protocolo de biossegurança divulgado pelo CRB-8 (que se baseou em textos técnicos científicos) e passou por um pré-teste, tendo sido enviado a quatro bibliotecários da IE selecionada que já haviam sido coordenadores de biblioteca da instituição, mas que não ocupavam mais a função na época da pesquisa. Após a devolutiva de três dos participantes, com as análises e modificações, o questionário foi então enviado por e-mail e redes sociais aos coordenadores das bibliotecas da IE selecionada (ou seus responsáveis, na falta do coordenador). Considerando que esses profissionais são os responsáveis pela tomada de decisões no setor, tornaram-se os respondentes alvo da pesquisa.

O questionário com as respostas foi recebido entre os dias 07 e 17 de dezembro de 2020, visto que houve grande taxa de retorno nos dois primeiros dias, demonstrando grande aderência dos profissionais em participar da pesquisa. A população original foi composta por 35 respondentes. Desse total (35 respondentes aptos), obteve-se 34 respostas válidas (apenas um campus não respondeu), que correspondeu a uma taxa de retorno de 97%. Não houve a colaboração dos bibliotecários que participaram do pré-teste nessa fase. Após a tabulação e interpretação dos dados extraídos dos questionários, criaram-se gráficos e quadros contendo os resultados mais significativos, utilizando-se o MS Excel. Sua apresentação e análise encontram- se a seguir.

4 RESULTADOS

A pesquisa foi composta por 34 respondentes, dos quais 32 atuam como bibliotecários (94%) e 2 como auxiliares de biblioteca (6%). Desse total, 30 são os atuais coordenadores da biblioteca em que atuam (que corresponde a 88% do total), sendo os 4 demais responsáveis pela biblioteca, mas sem a função de coordenador. Isso ocorre por haver substituição do coordenador efetivo durante o seu período de férias.

As próximas figuras (Figura 1 a Figura 6) apresentam algumas das características dos coordenadores ou responsáveis pelas bibliotecas da IE levantadas pelo estudo.

Figura 1
Sexo dos participantes

Pode-se notar, na Figura 1, que aproximadamente 2/3 dos participantes da pesquisa são do sexo feminino (74%) e aproximadamente 1/3 foi composta por participantes do sexo masculino (26%).

A Figura 2 apresenta a faixa etária dos responsáveis pelas bibliotecas da IE.

Figura 2
Faixa Etária

Observa-se pela figura que a maioria dos participantes possui idade entre 31 e 40 anos (70%), e que apenas 6% estão abaixo dessa faixa etária principal.

A Figura 3 apresenta o tempo total de atividade como bibliotecário de cada participante. Ressalta-se que para a construção da figura não foram considerados os dois servidores que atuam como auxiliares de biblioteca.

Figura 3
Tempo total de atuação como bibliotecário

Através da figura (Figura 3) nota-se que 19% dos bibliotecários têm até 5 anos de atuação profissional, enquanto 31% possuem de 6 a 10 anos, 22% de 11 a 15 anos, 25% têm de 16 a 20 anos e apenas 3% têm de 30 a 35 anos de atividade como bibliotecário.

Abaixo, a Figura 4 mostra o tempo de atuação dos coordenadores e responsáveis como bibliotecário na instituição.

Figura 4
Tempo de atuação como bibliotecário na instituição

Através da Figura 4 é possível constatar que 53% dos bibliotecários atuam na instituição de 6 a 10 anos, 28% atuam há no máximo 5 anos e 19% de 11 a 15 anos. Assim como na Figura 3, ressalta-se que para a construção da Figura 4 não foram considerados os dois servidores que atuam como auxiliares de biblioteca.

A figura 5 apresenta o tempo de experiência de cada respondente como coordenador ou responsável por qualquer biblioteca em que tenha atuado.

Figura 5
Tempo total de experiência como coordenador(a) de biblioteca

É possível observar na figura acima que a maioria dos participantes (71%) atuou por até 5 anos como responsável pela biblioteca, enquanto 15% atuaram por um perigoso entre 6 e 10 anos, 12% entre 11 e 15 anos e 3% por um período entre 26 e 30 anos.

Na Figura 6 apresenta-se o tempo de experiência de cada respondente como coordenador ou responsável por uma biblioteca considerando-se apenas a instituição atual.

Figura 6
Tempo como coordenador(a) ou responsável pela biblioteca na instituição atual

Observa-se que 88% dos respondentes disseram que atuaram (ou atuam) por até 5 anos como coordenadores ou responsáveis pelas bibliotecas da instituição, enquanto 12% atuaram (atuam) entre 6 e 10 anos.

Pelas figuras anteriores (da Figura 1 até 6), podemos inferir que as bibliotecas da IE, analisada no estudo, são em sua maioria gerenciadas por mulheres com idade entre 31 e 40 anos, que possuem entre 6 e 20 anos de experiência profissional (78% dos bibliotecários) e, apesar de haver uma parte desses líderes que atua na instituição há no máximo 5 anos, a maioria atua por um período entre 6 e 15 anos (72%), o que demonstra que o sistema de liderança dessas bibliotecas possui bibliotecários com um amplo tempo de atividade na instituição.

As próximas figuras, as Figuras 7, 8 e 9, apresentam algumas características das bibliotecas da IE, considerando a quantidade de servidores, de usuários potenciais e número de itens que compõem o acervo.

A Figura 7 (Quantidade de servidores) indica o quantitativo de servidores nas bibliotecas.

Figura 7
Quantidade de servidores

De acordo com o gráfico acima, tem-se que 12% das bibliotecas possuem entre 1 e 2 servidores, enquanto 79% possuem entre 3 e 5 servidores e 9% possuem 6 ou mais servidores.

A próxima figura apresenta a quantidade de usuários potenciais (discentes e servidores) de cada biblioteca da instituição, separadas por faixas que variam de 201 a 500 até de 6001 a 10000.

Figura 8
Usuários potenciais

De acordo com a figura 8: 2% dos respondentes indicaram um quantitativo entre 201 e 500 usuários potenciais, 26% indicaram que possuem de 501 a 1000 usuários potenciais, 59% entre 1001 e 3000 e 3% entre 6001 e 10000 usuários potenciais. Essa variável apresenta as disparidades entre bibliotecas de campi menores que oferecem menos cursos e por consequência possuem menos alunos matriculados e servidores em relação às bibliotecas de campi maiores que possuem mais cursos e com isso um quantitativo maior alunos e servidores.

A Figura 9 (Acervo) aponta a quantidade de itens que compõem os acervos das bibliotecas da IE, dividida em faixas de 3000 itens.

Figura 9
Acervo

Observa-se na figura acima que 9% das bibliotecas possuem até 3000 itens, 26% possuem entre 3001 e 6000 itens, 24% entre 60001 e 9000 itens, 24% entre 9001 e 12000 itens, 15% entre 120001 e 15000 itens e 3% acima de 15000 itens (máximo de 35 mil itens).

Analisando as Figuras 7, 8 e 9 em conjunto, nota-se que há variedade no quantitativo de servidores, usuários potenciais e acervo em cada campus da instituição. Como não há nenhuma legislação da IE sobre o quantitativo de servidores por setor, horário de atendimento ou aquisição de material para a biblioteca, cada campus realiza tal determinação de acordo com critérios estabelecidos pelos seus dirigentes.

As Figuras 10, 11, 12, 13 e 14 apresentam informações sobre cuidados necessários para a proteção de servidores e usuários das bibliotecas da IE que foram elencados no protocolo de biossegurança publicado pelo CRB-8 (CONSELHO REGIONAL DE BIBLIOTECONOMIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2020).

A Figura 10 traz as respostas dos responsáveis pelas bibliotecas sobre a existência de janelas e portas capazes de garantir a ventilação natural no setor.

Figura 10
Janelas e portas para garantir a ventilação natural

Verifica-se que 59% dos respondentes acreditam que a biblioteca onde trabalham possui portas e janelas para garantir a ventilação natural, 29% acreditam que não possuem e 12% não tem certeza. A importância de tal item dá-se pois, de acordo com a Organização Mundial da Saúde e confirmado por Correia et al. (2020CORREIA, G. et al. Airborne route and bad use of ventilation systems as non-negligible factors in SARS-CoV-2 transmission. Medical Hypotheses, [s. l.], v. 141, p. 1-5, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S030698772030801X. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
), é possível que haja a transmissão por aerossóis (que permitem que o vírus seja transportado por distâncias maiores) em ambientes fechados por meio do fluxo de ar do sistema de ar-condicionado, ventilação e aquecimento (CORREIA et al., 2020CORREIA, G. et al. Airborne route and bad use of ventilation systems as non-negligible factors in SARS-CoV-2 transmission. Medical Hypotheses, [s. l.], v. 141, p. 1-5, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S030698772030801X. Acesso em: 20 fev. 2021.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
). Nesse sentido, a fim de prevenirem-se, bibliotecas de alguns países (por exemplo, Estados Unidos, República Tcheca, Portugal, Polônia) incluíram em suas diretrizes a utilização da ventilação natural em substituição ao uso de aparelhos de ar- condicionado (INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS, 2020).

As bibliotecas da IE não possuem uma arquitetura padrão: algumas possuem prédios próprios, mas outras funcionam em salas adaptadas (como muitas bibliotecas do país), o que poderia explicar (totalmente ou em parte) os 29% de respondentes que acreditam haver portas e janelas insuficientes para garantir a circulação natural do ar em suas bibliotecas. Além disso, é possível que parte dos respondentes não tenham considerado uma mudança na estrutura física do ambiente para garantir que haja ventilação natural do ambiente, como por exemplo, a retirada de telas de proteção ou aumento de número de janelas (quando isso for estruturalmente possível).

A figura 11 (espaço para distanciamento entre os servidores da biblioteca) aborda a percepção dos responsáveis pelas bibliotecas sobre a possiblidade de distanciamento de ao menos 1,5m entre os servidores do setor em suas atividades presenciais (CONSELHO REGIONAL DE BIBLIOTECONOMIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2020).

Figura 11
Espaço para distanciamento entre os servidores

Como mostra a figura 11, 59% dos respondentes acreditam que possuem espaço suficiente para que haja o distanciamento dos servidores do setor, 38% acreditam que não há espaço suficiente e apenas 3% não têm certeza sobre o assunto.

De acordo com a IFLA (2020), a distância entre uma pessoa e outra não pode ser inferior a 1 metro e cita como exemplo as bibliotecas dos Estados Unidos que foram fechadas por não ser possível manter o distanciamento entre funcionários e usuários. A CBBU orienta que as estações de trabalho sejam redistribuídas para que haja o distanciamento recomendado entre os servidores e salienta que a prioridade das instituições deve ser a segurança de todos os servidores das bibliotecas (COMISSÃO BRASILEIRA DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS, 2020). De acordo com a recomendação do CRB-8 (2020), é preciso que haja um distanciamento de no mínimo 2 metros entre as mesas de trabalho de servidores do setor.

Como dito anteriormente, há bibliotecas que funcionam em espaços adaptados, com espaço reduzido, o que pode justificar as respostas negativas quanto ao distanciamento social entre servidores do setor. Além disso, alguns respondentes podem ter desconsiderado a possibilidade de mudança no layout da biblioteca, com redistribuição ou retirada de mobiliário de modo que haja o distanciamento mínimo entre os servidores.

A Figura 12 (Espaço para distanciamento entre usuários da biblioteca) mostra se os respondentes acreditam que a biblioteca possui espaço suficiente para garantir o distanciamento de ao menos 1,5m entre os usuários, em qualquer serviço que ele queira utilizar no setor (mesas de estudos, atendimento, computadores, etc.).

Figura 12
Espaço para distanciamento entre usuários

Nesse quesito, 41% deles acreditam que a biblioteca possui espaço suficiente para que haja distanciamento entre os usuários, enquanto 47% acreditam que não possuem e 12% não souberam opinar.

O distanciamento entre os usuários também é um importante critério encontrado nos protocolos de retomada das atividades presenciais de bibliotecas. De acordo com a IFLA (2020), as bibliotecas procuram seguir as recomendações de distanciamento utilizadas para os estabelecimentos comerciais, que no Brasil é de no mínimo 1 metro (BRASIL, 2020), mas pode variar de um país para outro (de 2,5 metros na Irlanda, Portugal e Eslovênia a 1 metro no México) (INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS, 2020). Para atender tais recomendações sanitárias de distanciamento, a Biblioteca de Guangzhou, por exemplo, diminuiu o número de assentos e manteve uma distância mínima de 1,5 metro entre cada um (CHINA GLOBAL TELEVISION NETWORK, 2020). A mudança no layout da biblioteca com a diminuição de móveis juntamente com a sinalização de distanciamento no chão são recomendações da CBBU (2020) para que as bibliotecas consigam atender às medidas sanitárias de distanciamento entre os usuários.

Assim como em outros critérios já citados, as diferenças encontradas nas estruturas físicas das bibliotecas da IE podem ser um dos fatores que interferem na possibilidade de um distanciamento mínimo entre os usuários do setor. É possível ainda que uma parte dos respondentes não tenha considerado a alteração no layout da biblioteca, com a retirada de mobiliários e redução de assentos, o que justificaria os 41% dos respondentes que responderam que sua biblioteca não possui espaço suficiente para que haja o distanciamento de 1,5m entre os usuários do setor. É possível ainda que uma parte delas conseguisse manter o distanciamento de 1 metro entre seus usuários, já que esse é o distanciamento utilizado em muitos estabelecimentos comerciais no país (BRASIL, 2020).

Considerando a possibilidade de que não seja possível a uma parte das bibliotecas atender o critério de distanciamento entre os profissionais do setor, mesmo que fosse possível realizar o revezamento, uma parte das bibliotecas não conseguiria, uma vez que não possuem quantitativo de servidores para manter o setor aberto em casos de adoecimento de profissionais do setor (Figura 7).

Na Figura 13 apresenta-se as respostas dos responsáveis pelas bibliotecas sobre se a instituição possui os meios para garantir os itens de higienização para mãos (álcool em gel, água e sabão)

Figura 13
Meios para garantir o acesso adequado aos meios de higienização das mãos

Sobre esse item observa-se que 50% dos participantes entendem que a instituição tem condições de garantir o acesso a tais itens, 26% acreditam que não e 24% não sabem opinar. De acordo com os respondentes que declararam que seu campus não tem condições de garantir o acesso a itens de higienização das mãos, a dúvida é em relação à aquisição de álcool em gel em quantidade suficiente ou sobre a clareza nas informações sobre a compra.

Há consenso na literatura científica em saúde sobre a necessidade de higienização constante das mãos com água e sabão ou utilização de álcool em gel 70% como formas de prevenção à contaminação pelo vírus (BRASIL, 2020). Nesse sentido, o comunicado do CRB- 8 (2020) orienta a disponibilização de álcool em 70% e sabonete líquido neutro (para banheiros) nas dependências das bibliotecas, a CBBU orienta que os usuários das bibliotecas tenham acesso a álcool em gel para que possa utilizar o espaço da biblioteca, o que está de acordo com as orientações do Ministério da Saúde, que indica que, para uma retomada segura das atividades presenciais, haja estrutura adequada para a higienização das mãos, incluindo lavatórios com água e sabão e disponibilização de álcool em gel 70% (BRASIL, 2020).

A Figura 14 (Acesso a EPIs por servidores e usuários da biblioteca) expõe a opinião dos participantes sobre a garantia, pela instituição, de oferta de EPI’s - Equipamentos de Proteção Individual (máscaras, luvas, faceshield, etc.) a servidores e usuários.

Figura 14
Acesso a EPIs por servidores e usuários da biblioteca

Nesse item, 56% dos participantes não tinham certeza se a instituição garantirá o acesso, 29% acreditam que não e 15% acreditam que a instituição conseguirá oferecer os EPI’s a servidores e usuários. Para os respondentes que não acreditam no acesso a EPI’s, suas justificativas são de que a compra dos EPI’s ainda não havia sido realizada, ou foi realizada em quantidade insuficiente ou não houve a divulgação de qualquer informação sobre o assunto até o momento da pesquisa.

As máscaras são equipamentos obrigatórios em muitos locais públicos, incluindo-se as bibliotecas (BRASIL, 2020). O CRB-8 (2020) orienta que seja obrigatório o uso de máscara (de pano ou descartável) por servidores e usuários de bibliotecas e que, além disso, para maior proteção e segurança dos servidores, haja utilização de outros EPI’s como óculos de proteção, luva nitrílica e avental de proteção corporal. De acordo com as orientações da CBBU (2020), as bibliotecas devem fornecer além do álcool em gel, máscaras descartáveis e luvas aos usuários das bibliotecas e todos devem utilizar os EPI’s indicados pelas organizações de saúde. De acordo com a IFLA (2020), há bibliotecas incluindo uma tela de proteção (placa acrílica, por exemplo) para diminuir o contato entre servidores e usuários.

Apesar de alguns campi da IE terem confeccionado máscaras, faceshield e álcool em gel para doação aos profissionais da saúde, não existe no momento previsão de retorno ou quaisquer informações da reitoria sobre a aquisição desses itens. As aquisições são na maioria das vezes realizadas pelos próprios campi, o que justifica que alguns campi já possuam álcool em gel e EPI’s e outros não (Figuras 13 e 14).

Através da consolidação dos dados das respostas dos responsáveis pelas bibliotecas sobre alguns critérios sanitários apresentados nas figuras 10 a 14, elaborou-se o quadro 1 (Biblioteca x Critérios sanitários que seriam atendidos na percepção dos responsáveis pelas bibliotecas).

Quadro 1
Biblioteca x Critérios sanitários que seriam atendidos na Percepção dos responsáveis pelas bibliotecas

Através do quadro nota-se que, caso houvesse a retomada das atividades presenciais no início de 2021, de acordo com a percepção dos responsáveis pelas bibliotecas da IE, nenhum dos campi atenderiam a todos os critérios sanitários elencados nos protocolos de biossegurança publicados por instituições como o CRB-8 e Ministério da Educação (CRB-8, 2020; BRASIL, 2021) no que tange às bibliotecas da instituição.

Através do quadro observa-se ainda que apesar da cor verde (i.e., o coordenador/responsável acredita que sua biblioteca seria capaz de cumprir o requisito sanitário) ser a mais abundante (45%), o percentual de 21% da cor amarela (o coordenador/responsável não tem certeza do atendimento do requisito sanitário) e 34% da cor vermelha (o requisito não seria cumprido, na opinião do coordenador/responsável pela biblioteca) são bastante altos. É possível visualizar que o critério relacionado a EPI’s é o maior problema que as bibliotecas da instituição terão que enfrentar, uma vez que há grande predomínio das cores amarela e vermelha. Os critérios relacionados à ventilação natural e distanciamento entre servidores são os que receberam maior quantidade de avaliações positivas, pois possuem maior concentração da cor verde.

Esses resultados demonstram que a instituição precisará atuar em todos os campi para atender os critérios sanitários em suas bibliotecas. Os dados do quadro indicam que, no que diz respeito à ventilação natural, distanciamento entre servidores e itens de higienização das mãos, os problemas ocorrem num número menor de campi que aqueles relacionados ao distanciamento entre usuários e a disponibilidade de EPI’s.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos próximos anos, novas pesquisas devem surgir sobre o impacto da Covid-19 na atuação das bibliotecas. Parte delas será realizada de modo retrospectivo, com um distanciamento que será importante para responder inúmeras questões, mas que também limitará o registro dos sentimentos e dúvidas que os profissionais das bibliotecas experimentaram durante a pandemia. Assim sendo, essa pesquisa pretendeu destacar a percepção de um conjunto de bibliotecários sobre o retorno das atividades presenciais das bibliotecas que coordenavam durante a pandemia e antes da vacinação completa da população.

Através da pesquisa foi possível verificar que o item mais preocupante para os coordenadores/responsáveis pelas bibliotecas da IE, analisada no estudo, é o fornecimento de EPI’s, já que a maioria deles não têm certeza (56%) ou não acredita (29%) que terão condições de oferecê-los a usuários e servidores, haja vista o fato deles não terem sido adquiridos até o momento da pesquisa. Ressalta-se a importância do planejamento da aquisição de EPI’s, uma vez que com o retorno às atividades presenciais de todas as instituições que no momento estão em trabalho remoto, pode ocorrer a falta ou aumento dos preços desses materiais, o que poderá acarretar problemas semelhantes ao que ocorreram no país quanto à aquisição de seringas e outros insumos relacionados à pandemia de Covid-19 pelo governo federal.

Outra importante descoberta é que, considerando apenas a opinião dos coordenadores/responsáveis pelas bibliotecas, apesar de haver critérios que obtiveram a maior parte de respostas positivas, nenhuma das bibliotecas da IE atenderia simultaneamente todos os critérios sanitários básicos. Assim, para que seja bem-sucedido em seu retorno, a instituição deveria realizar uma análise das necessidades e riscos das bibliotecas, considerando as especificidades de cada uma delas, uma vez que há diferenças entre as estruturas físicas, layouts, quantidade de servidores, usuários e acervos em cada uma delas e dificilmente uma única análise resolverá os problemas de todas as bibliotecas.

Em suma, infere-se que para um retorno presencial seguro e que também inspire segurança em servidores e usuários, há de haver um planejamento antecipado em parceria com a instituição. Os bibliotecários da IE se organizaram e criaram um protocolo de retomada e já demandaram da reitoria os meios para que os critérios sanitários sejam cumpridos. Uma outra possibilidade de atuação seria a criação de um grupo de debate entre os responsáveis pelas bibliotecas, uma vez que o problema de uma unidade pode ocorrer nas demais e o trabalho em colaboração poderia apontar caminhos mais efetivos para a sua resolução.

Apesar das limitações da pesquisa (ter sido aplicada em uma única instituição de ensino, pública, e em apenas um Estado brasileiro), os questionamentos que inspiraram os resultados apresentados - principalmente da Figura 10 em diante - representam na verdade uma “rota”, aplicável a qualquer biblioteca pertencente a uma instituição de ensino (com eventuais adaptações em função de suas especificidades), para a análise das condições de retorno às atividades presenciais sob a ótica do bibliotecário-chefe. Baseada no protocolo de biossegurança publicado pelo CRB-8, tal rota agrega valor à medida em que transforma os protocolos em perguntas, facilitando a aplicação dos mesmos num contexto real.

Além disso, o presente trabalho, mesmo tendo se baseado num conjunto de bibliotecas, e de ter, inclusive, desenvolvido respostas baseadas nessa característica (vide Quadro 1), também se aplica a instituições que possuem uma única biblioteca. Desse modo, bibliotecários responsáveis por bibliotecas em IE poderão enxergar nesse trabalho uma referência sobre como analisar sua própria situação, documentá-la e discuti-la com a sua equipe e com a própria instituição no sentido de conduzir todas as partes interessadas na direção de um retorno seguro e sem atropelos.

Nesse sentido, a presente pesquisa serve tanto como alerta (baseado na experiência dos bibliotecários da IE) sobre a condição de incerteza na qual se encontra grande parte dos coordenadores e responsáveis pelas bibliotecas em todo o país, mas também como um chamamento - e uma inspiração - à implementação de medidas diagnósticas por parte das bibliotecas e instituições de ensino no sentido de planejar soluções que garantirão o retorno seguro das atividades presenciais das bibliotecas.

O estudo também oferece contribuições e perspectivas para análises futuras, inclusive em outros contextos. Como se discutiu os receios e percepções dos profissionais bibliotecários sobre um possível retorno presencial, uma segunda etapa do projeto pode indagar se essas expectativas se confirmaram ou não após o retorno e quais as consequências de cada medida no funcionamento da biblioteca.

Outra investigação possível é se as preocupações expressas neste artigo foram consideradas nos protocolos de biossegurança adotados pela instituição no período de retorno às atividades presenciais. Por se tratar de uma IE, o presente estudo pode servir de referência e comparação para outras pesquisas sobre a relação entre as medidas de controle da pandemia e o funcionamento das bibliotecas em outras IE pelo país. Por fim, uma oportunidade que o retorno presencial oferece é observar as opiniões dos alunos sobre o tema e poder confrontá-las com a dos servidores. A pandemia da Covid-19 impactou o setor cultural e educacional de modo expressivo entre 2020 e 2021, com consequências que perdurarão por anos, o que ocasionará novos debates e questionamentos.

REFERÊNCIAS

  • 1
    JITA: AC. Relationship of LIS with other fields.
  • RECONHECIMENTOS:

    Não é aplicável.
  • FINANCIAMENTO:

    Não é aplicável.
  • APROVAÇÃO ÉTICA:

    Não é aplicável.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS E MATERIAL:

    Não é aplicável.

Disponibilidade de dados

Não é aplicável.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2021
  • Aceito
    16 Set 2021
  • Publicado
    20 Set 2021
Universidade Estadual de Campinas Rua Sérgio Buarque de Holanda, 421 - 1º andar Biblioteca Central César Lattes - Cidade Universitária Zeferino Vaz - CEP: 13083-859 , Tel: +55 19 3521-6729 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: rdbci@unicamp.br