Acessibilidade / Reportar erro

Poder por meio de perguntas: interrogatório do ex-presidente Lula

POWER THROUGH QUESTIONING: FORMER PRESIDENT LULA’S QUESTIONING

Resumo

Este artigo tem por objetivo identificar o exercício do poder institucional por meio de perguntas feitas pelo ex-juiz Sergio Moro quando do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, em maio 2017. Para isso, serão analisadas as perguntas feitas pelo ex-juiz naquele momento. A forma como as perguntas são elaboradas é uma ferramenta de exercício de poder conhecida na Linguística, no entanto, no que tange à oitiva do acusado, ainda não há pesquisas no âmbito do Judiciário brasileiro. Para contribuir com essa área, o presente artigo investiga, quantitativa e qualitativamente, como as perguntas exerceram controle sobre a fala do acusado e até que ponto há características de confrontação nas falas do ex-juiz. O estudo tem como pressuposto teórico os estudos críticos do discurso desenvolvidos por Teun A. van Dijk (2018VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018.). Os resultados mostram que o estilo de fazer perguntas adotado pelo ex-juiz naquele episódio tem traços acusatórios e lembra interrogatórios policiais.

Palavras-chave
Linguística Forense; estudos críticos do discurso; poder institucional; interrogatório do ex-presidente Lula; perguntas ao acusado

Abstract

This paper aims to investigate the exercise of institutional power through questions presented by former judge Sergio Moro in former president Luiz Inácio “Lula” da Silva’s questioning in may 2017. For this, the questions asked by the former judge at that moment will be analyzed. Questioning is a well-known tool in Linguistics to exercise power, however, regarding the defendant’s questioning, no research on Brazilian judicial setting was found. In order to contribute to this research gap, this paper investigates, by means of mixed methods, the control the former judge exercises through his questions, and the extent to which the former judge’s utterances have adversarial traits. This study draws on Teun A. van Dijk’s (2018 VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018. ) approach to critical discourse studies as the main underlying framework. The results show the former judge’s questioning style on that questioning carries accusatory traits and resembles police interviews.

Keywords
Forensic Linguistics; critical discourse studies; institutional power; defendant’s questioning of former president Lula; questions to the defendant

Introdução

Com o objetivo de contribuir com a área de pesquisa do Direito e da Linguística Forense, o presente artigo pretende analisar como um juiz exerce poder institucional quando faz perguntas a um acusado. Apesar de haver pesquisas em Linguística no Brasil sobre interrogatórios policiais (e.g., MARQUES e CABRAL, 2012MARQUES, Débora; CABRAL BASTOS, Liliana. Construindo a culpa em interrogatórios policiais: recontextualizações e formulações de perguntas nas falas de um inspetor. Veredas - Revista de Estudos Linguísticos, Juiz de Fora, v. 16, n. 1, p. 130-148, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/article/view/25044 . Acesso em: 7 nov. 2022.
https://periodicos.ufjf.br/index.php/ver...
; MARQUES, 2008MARQUES, Débora. A tentativa da construção sequencial da verdade num interrogatório policial da delegacia de repressão a crimes contra a mulher. Veredas - Revista de Estudos Linguísticos, Juiz de Fora, v. 1, p. 61-79, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo51.pdf . Acesso em: 7 nov. 2022.
https://www.ufjf.br/revistaveredas/files...
), não foi encontrada nenhuma que abordasse o interrogatório do acusado feito pelo juiz. Neste artigo, analiso a oitiva do então acusado ex-presidente Lula ao então juiz Sergio Moro, em maio de 2017, investigando tanto quantitativa quanto qualitativamente dois aspectos centrais: como a formulação das perguntas exerce controle sobre a fala do acusado e até que ponto existem características de confrontação nas falas do ex-juiz.

A oitiva do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, presidida pelo juiz Sergio Moro em maio de 2017, foi consequência da maior investigação contra corrupção já feita no Brasil, conhecida como Operação Lava Jato. Lula, à época, era acusado de corrupção passiva, e sua condenação - decidida posteriormente pelo ex-juiz Sergio Moro - levou à sua prisão. A Operação Lava Jato teve um impacto considerável na luta contra a corrupção no Brasil, e levou à condenação de aproximadamente 134 indivíduos (MORO, 2019MORO, Sergio. Sobre a operação Lava Jato. In: PINOTTI, Maria Cristina (org.). Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas. São Paulo: Portfólio Penguim, 2019. p. 184-216., p. 185). No entanto, também ocorreram fatos controversos, como o vazamento para a imprensa de um grampo telefônico entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff e, até mesmo, o abandono da magistratura, por parte de Sergio Moro, e sua posse no cargo de Ministro da Justiça do governo que ganhou a eleição da qual Lula não pôde participar por estar preso. A relevância histórica da Operação Lava Jato justifica, portanto, a escolha do objeto de estudo. O material analisado é composto de 2 horas, 29 minutos e 54 segundos não contínuas de vídeo, já que só foram consideradas as interações entre o ex-juiz e o acusado nas quase quatro horas de oitiva. Nessas quase duas horas e meia, foram identificadas 356 perguntas, em 342 turnos de fala, do então juiz Moro.

O arcabouço teórico usado para a presente análise é composto pela abordagem de Teun A. van Dijk (2018VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018.) sobre os estudos críticos do discurso, por levar em consideração os participantes e a assimetria de poder inerente ao contexto institucional, bem como pelos conceitos-base de Michel Foucault (1980FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge. Harlow: Pearson Education, 1980. e 1994FOUCAULT, Michel. Ethics: Essential Works of Foucault 1954-1984. Organização Paul Rabinow. Londres: Penguin, 1994. v. 1.). No que diz respeito ao controle que as perguntas exercem, foi usada a obra de Chris Heffer (2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005.), que relaciona o propósito das perguntas ao maior ou ao menor controle exercido. E, para analisar quão adversário foi o interrogatório, o trabalho de Karen Tracy e Russell M. Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) contribuiu com a indicação de facetas linguísticas que os autores consideram caracterizar um “interrogatório duro”.

O ordenamento jurídico brasileiro prevê que o interrogatório do acusado pelo juiz ou pela juíza seja a última parte do processo (BRASIL, 2017BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Diário Oficial da União de 13 de outubro de 1941, p. 19699, Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529749/codigo_de_processo_penal_1ed.pdf . Acesso em: 19 mar. 2019.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream...
), considerando que o julgador já teve acesso a todas as informações fornecidas, tanto pela acusação quanto pela defesa, e, assim, terá a oportunidade de sanar qualquer dúvida remanescente. Esse contexto leva a uma expectativa de interação entre quem pergunta e quem responde, já que interações institucionais têm padrões previamente definidos e atores específicos.

Para que se entenda melhor tal interação, é importante trazer à tona os diferentes papéis que um juiz pode assumir em um interrogatório. Desde que foi promulgada a Constituição Federal de 1988 (CF/88), o papel do juiz já foi revisado e repensado diversas vezes e ainda há discussão na doutrina jurídica a esse respeito. Alguns teóricos, como Eugenio Florian (1933, p. 318-319 apudMIRZA, 2010MIRZA, Flávio. Processo justo: o ônus da prova à luz dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. Revista Eletrônica de Direito Processual, [s. l.], v. 5, n. 5, 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/download/23103/16456 . Acesso em: 20 ago. 2019.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 552), sugerem que o juiz é responsável por buscar a verdade. Para outros, como Silva (2016SILVA, Fernando Laércio Alves da. A regra do art. 386 do Código de Processo Penal brasileiro e sua incompatibilidade com a garantia constitucional do estado de inocência. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 172-190, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/25039 . Acesso em: 7 nov. 2022.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 174-183), o papel do juiz não é questionar se a verdade foi alcançada por meio das provas coletadas, mas sim questionar se as provas coletadas permitem concluir que os argumentos da acusação foram provados ou não. Há ainda uma terceira vertente, que defende uma natureza híbrida do processo (MORAES, 2014MORAES, Voltaire de Lima. Do interrogatório do réu no processo penal. Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Brasília, 25 nov. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.conamp.org.br/publicacoes/artigos-juridicos/4675-do-interrogatorio-do-reu-no-processo-penal-4675.html . Acesso em: 28 ago. 2019.
https://www.conamp.org.br/publicacoes/ar...
).

O artigo 141 do Código de Processo Civil (CPC), que disserta sobre os poderes, os deveres e as responsabilidades do juiz, prevê que o juiz tomará a decisão dentro dos limites propostos pelas partes, e que a ele é negado o conhecimento de questões que não estejam no processo, já que é responsabilidade das partes levá-las ao processo (OAB RS, 2015OAB RS. Novo Código de Processo Civil anotado. Porto Alegre: OAB RS, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.oabrs.org.br/novocpcanotado/novo_cpc_anotado_2015.pdf . Acesso em: 13 jun. 2019.
http://www.oabrs.org.br/novocpcanotado/n...
, p. 150). O fato de isso estar explicitado na revisão feita em 2015 é uma evidência de que uma prática diferente a essa era comum. Como essa mudança é relativamente recente, é possível pressupor que os diferentes papéis assumidos pelo juiz coexistam na prática ainda hoje. Isso é importante para a análise porque cada papel exerce o poder de maneira diferente. Como um “examinador de provas”, o juiz tem um papel inquisitorial, e, como um “investigador da verdade”, um papel acusatório. Um híbrido, como o nome diz, terá característica dos dois. Cada um desses papéis exercerá controle sobre a voz do acusado em uma oitiva.

Essas diferentes formas de ver o papel do juiz se devem às mudanças (historicamente recentes) que a CF/88 trouxe. O Código de Processo Penal (CPP) teve sua primeira versão escrita em 1941, um momento de ditadura no país. Algumas das revisões feitas nele a partir da promulgação da Constituição dizem respeito exatamente aos direitos do acusado, como a obrigatoriedade da presença do advogado de defesa durante o interrogatório e a colocação do interrogatório ao final do processo (MORAES, 2014MORAES, Voltaire de Lima. Do interrogatório do réu no processo penal. Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Brasília, 25 nov. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.conamp.org.br/publicacoes/artigos-juridicos/4675-do-interrogatorio-do-reu-no-processo-penal-4675.html . Acesso em: 28 ago. 2019.
https://www.conamp.org.br/publicacoes/ar...
). No entanto, um dos vestígios da versão anterior do código, mais acusatória, é o fato de não haver diferença entre o interrogatório do acusado pelo juiz e pelo policial. O CPP indica as mesmas diretrizes para ambos sob o título “interrogatório do acusado”.

As interações entre policiais e acusado e juiz e acusado diferem em vários aspectos, inclusive no papel que cada um exerce no processo. Enquanto o policial atua na fase em que as provas ainda estão sendo colhidas, o juiz deve buscar nas provas já colhidas a verdade dos fatos, de modo a manter sua imparcialidade (BRASIL, 2008BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Código de Ética da Magistratura Nacional, de 26 de agosto de 2008. Diário da Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF: Presidência. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.jus.br/publicacoes/codigo-de-etica-da-magistratura . Acesso em: 13 jun. 2019.
http://www.cnj.jus.br/publicacoes/codigo...
). Nesse sentido, juízes que se veem como “examinadores de provas” exercem um maior controle nas perguntas, que predominantemente se limitam a confirmações e esclarecimentos, já que eles se propõem a basear suas perguntas nas evidências coletadas. Juízes que se veem como “investigadores da verdade” querem determinar se a pessoa é culpada, o que leva a uma interação mais adversária no exercício do poder institucional, apesar de exercerem menos controle.

1. Arcabouço teórico

Para analisar o exercício de poder institucional, a abordagem sociocognitiva de van Dijk (2018VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018.) oferece um aparato analítico útil. A partir do conceito de “modelos mentais”, que são construções sociais e culturais que moldam a forma como entendemos o mundo (VAN DIJK, 2018VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018., p. 21-29), o autor desenvolve a ideia de “modelos de contexto”, que leva em consideração lugar da interação; tempo; participantes e seus papéis, identidades e relações; e como seus discursos se adaptam a ações comunicativas específicas (VAN DIJK, 2018VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018., p. 30-31). Essa abordagem permite-nos examinar melhor o poder institucional por entender os atores sociais como membros de um grupo e que, como tais, compartilham conhecimento, “assim como atitudes, ideologias, normas e valores[,] com outros membros de vários tipos de grupos sociais” (VAN DIJK, 2018VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018., p. 31, ênfase do original, tradução nossa).

1.1. Poder institucional

O estudo do poder analisa por que algumas pessoas “conseguem coisas” e outras não (CONLEY e O’BARR, 2005CONLEY, John M.; O’BARR, William M. Just Words: Law, Language and Power. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2005., p. 8). A análise do poder institucional verifica como normas institucionais determinam a pessoa “que consegue”. Nas instituições há uma ordem na qual os eventos ocorrem, regras de interação e uso especializado da língua. Essas dinâmicas sociais não foram previamente pensadas e implementadas por um poderoso desconhecido. Como Foucault (1980FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge. Harlow: Pearson Education, 1980., p. 159) coloca,

[e]stas táticas foram inventadas e organizadas a partir de condições locais e necessidades específicas. Elas tomaram forma de maneira gradativa, anterior a qualquer estratégia de classe desenhada para fundi-las em conjuntos vastos e coerentes. Deve ser notado também que esses conjuntos não consistem em uma homogeneização, mas sim em um jogo complexo de apoios de engajamento mútuo, mecanismos diferentes de poder que retêm toda sua especificidade. (Tradução nossa)

Toda essa organização se dá a partir da necessidade dos atores sociais nas interações. Como Heffer (2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 10) pontua, criar novos discursos a cada nova interação demandaria uma “carga cognitiva grande demais” (tradução nossa), portanto, são criados padrões para serem seguidos nas interações. Analisando essas interações padronizadas, é possível identificar como “procedimentos de poder são adaptados, reforçados e transformados” (FOUCAULT, 1980FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge. Harlow: Pearson Education, 1980., p. 142).

Foucault (1980FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge. Harlow: Pearson Education, 1980., p. 164) também enfatiza a importância de especificar quem são os participantes, qual é a situação em que a relação de poder acontece e como e onde acontece, de forma a identificar, ou restringir, que tipo de exercício de poder ocorre. Na situação analisada no presente artigo, a instituição (onde) define os participantes (quem), e as especificidades do interrogatório do acusado determinam a situação (o que) e as restrições linguísticas (como) ao exercício do poder. É a estrutura tratada por Diana Eades (2010EADES, Diana. Sociolinguistics and the Legal Process. Bristol: Multilingual Matters, 2010., p. 32) quando menciona que “turnos de fala são regulados dentro de uma estrutura de participação hierárquica e governada por regras”; isto é, o ambiente institucional determina quem fala, quando fala, o que fala e como fala.

Quando a instituição é o Judiciário, o conceito de poder está relacionado a uma rede que se espalha e que é sustentada por mecanismos estruturais da instituição, relações interpessoais entre juízes, promotores, advogados e o público leigo (testemunhas, vítimas e acusado), conhecimento especializado de leis, doutrinas e jurisprudências, e comportamento linguístico. O público leigo está no nível mais baixo da “hierarquia organizacional” (GIBBONS, 2003GIBBONS, John. Forensic Linguistics: An Introduction to Language in the Justice System. Oxford: Blackwell Publishing, 2003., p. 75) de um tribunal. Na outra extremidade do espectro, os juízes são os participantes mais poderosos. Além de ter o conhecimento legal para controlar os procedimentos e a pertinência dos tópicos abordados (MALEY, 1995 apudGNISCI e PONTECORVO, 2004GNISCI, Augusto; PONTECORVO, Clotilde. The Organization of Questions and Answers in the Thematic Phases of Hostile Examination: Turn-by-Turn Manipulation of Meaning. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 36, n. 5, p. 965-995, 2004. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2003.10.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 967), eles fazem com que as “regras de evidência” (rules of evidence) sejam seguidas (EADES, 2010EADES, Diana. Sociolinguistics and the Legal Process. Bristol: Multilingual Matters, 2010., p. 33) e detêm o conhecimento institucional e o controle do que pode ser feito e dito, por quem e quando. Próximo aos juízes estão os promotores e advogados, que têm o conhecimento legal, conhecem as regras de interação e têm certo controle sobre as narrativas que estão sendo contadas.

Baseado no que foi explicado anteriormente, é possível afirmar que ter conhecimento institucional é ter poder institucional. O público leigo não tem o mesmo treinamento e compreensão (HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 15), tampouco o conhecimento especializado dos demais participantes. Juízes, promotores e advogados são ensinados não só a identificar o que é judicialmente relevante para o caso em questão (MERTZ, 1996 inCONLEY e O’BARR, 2005CONLEY, John M.; O’BARR, William M. Just Words: Law, Language and Power. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2005., p. 134-135), mas também a usar “temas, rótulos e itens lexicais” (EADES, 2010EADES, Diana. Sociolinguistics and the Legal Process. Bristol: Multilingual Matters, 2010., p. 49, tradução nossa) que desencadearão “modelos mentais” (VAN DIJK, 2003VAN DIJK, Teun A. Ideology and Discourse: A Multidisciplinary Introduction. Barcelona: Ariel, 2003. Disponível em: Disponível em: http://www.discursos.org/unpublished%20articles/Ideology%20and%20discourse.pdf . Acesso em: 5 jan. 2019.
http://www.discursos.org/unpublished%20a...
, p. 21-29) para emoldurar suas narrativas no tribunal. O conhecimento a respeito do funcionamento da instituição permite, portanto, que “membros de um grupo” usem a “linguagem a serviço do conhecimento” (HYMES, 1996HYMES, Dell. Ethnography, Linguistics, Narrative Inequality: Towards an Understanding of Voice. Londres: Taylor & Frances, 1996., p. 115, tradução nossa).

As perguntas são uma ferramenta conhecida de exercício de poder, seja no estágio adversário de um processo no sistema common law (COULTHARD e JOHNSON, 2007COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic Linguistics: Language and Evidence. Nova York: Routledge, 2007.; EADES, 2010EADES, Diana. Sociolinguistics and the Legal Process. Bristol: Multilingual Matters, 2010.; GIBBONS, 2003GIBBONS, John. Forensic Linguistics: An Introduction to Language in the Justice System. Oxford: Blackwell Publishing, 2003.; HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., 2010HEFFER, Chris. Narrative in the Trial: Constructing Crime Stories in Court. In: COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. The Routledge Handbook of Forensic Linguistics. Londres, 2010. DOI: https://doi.org/10.4324/9780203855607
https://doi.org/https://doi.org/10.4324/...
; STYGALL, 1994STYGALL, Gail. Trial Language: Differential Discourse Processing and Discursive Formation. Filadélfia: John Benjamins Publishing Co., 1994.), seja em interrogatórios policiais (INBAU et al., 2004INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession. 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004.; SHUY, 1998SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception. Londres: Sage Publications, 1998.; VRIJ, HOPE e FISHER, 2014VRIJ, Aldert; HOPE, Lorraine; FISHER Ronald P. Eliciting Reliable Information in Investigative Interviews. Policy Insights from Behavioral and Brain Sciences, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 129-136, 2014. DOI: https://doi.org/10.1177/2372732214548592
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
). A próxima seção explica como cada participante usa perguntas para limitar e guiar as respostas do respondente.

1.2. Perguntas como forma de controle em tribunais

Perguntas em um âmbito forense estão relacionadas aos mecanismos de poder que o contexto impõe. Em um interrogatório judicial ou policial, fica claro quem faz as perguntas e quem é compelido a respondê-las (GIBBONS, 2008GIBBONS, John. Questioning in Common Law Criminal Courts. In: GIBBONS, John; TURELL, M. Teresa (orgs.). Dimensions of Forensic Linguistics. Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2008., p. 115; GNISCI e PONTECORVO, 2004GNISCI, Augusto; PONTECORVO, Clotilde. The Organization of Questions and Answers in the Thematic Phases of Hostile Examination: Turn-by-Turn Manipulation of Meaning. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 36, n. 5, p. 965-995, 2004. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2003.10.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 967; HAWORTH, 2006HAWORTH, Kate. The Dynamics of Power and Resistance in Police Interview Discourse. Discourse and Society, [s. l.], v. 17, n. 6, p. 739-759, 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/0957926506068430
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 740). Ter controle das perguntas a serem feitas permite ao inquisidor limitar o tópico (GNISCI e PENTECORVO, 2004GNISCI, Augusto; PONTECORVO, Clotilde. The Organization of Questions and Answers in the Thematic Phases of Hostile Examination: Turn-by-Turn Manipulation of Meaning. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 36, n. 5, p. 965-995, 2004. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2003.10.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 967), a quantidade de informação que pode ser dada na resposta (COULTHARD e JOHNSON, 2007COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic Linguistics: Language and Evidence. Nova York: Routledge, 2007., p. 102-106; GIBBONS, 2003GIBBONS, John. Forensic Linguistics: An Introduction to Language in the Justice System. Oxford: Blackwell Publishing, 2003., p. 103-107; HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 94) e, até mesmo, infiltrar informações (ALDRIDGE e LUCHJENBROERS, 2007ALDRIDGE, Michelle; LUCHJENBROERS, June. Linguistic Manipulations in Legal Discourse: Framing Questions and ‘Smuggling’ Information. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 85-107, 2007. DOI: 10.1558/ijsll.v14i1.85
https://doi.org/10.1558/ijsll.v14i1.85...
, p. 94). Portanto, ter o controle das perguntas significa ter poder.

No sistema common law, dois lados opostos constroem narrativas opostas para ouvintes que tomarão uma decisão (júri e juiz). De um lado, um advogado (ou promotor) ajuda sua testemunha a tornar a narrativa legalmente relevante usando paráfrases, ou melhorando e guiando a narrativa, por exemplo (HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 108). Do outro lado, o outro advogado (ou promotor), quando interroga a mesma testemunha, tenta desacreditar aquela narrativa, podendo, como estratégia, desacreditar a própria testemunha (ALDRIDGE e LUCHJENBROERS, 2007ALDRIDGE, Michelle; LUCHJENBROERS, June. Linguistic Manipulations in Legal Discourse: Framing Questions and ‘Smuggling’ Information. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 85-107, 2007. DOI: 10.1558/ijsll.v14i1.85
https://doi.org/10.1558/ijsll.v14i1.85...
, p. 87; GIBBONS, 2003GIBBONS, John. Forensic Linguistics: An Introduction to Language in the Justice System. Oxford: Blackwell Publishing, 2003., p. 112; GNISCI e PONTECORVO, 2004GNISCI, Augusto; PONTECORVO, Clotilde. The Organization of Questions and Answers in the Thematic Phases of Hostile Examination: Turn-by-Turn Manipulation of Meaning. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 36, n. 5, p. 965-995, 2004. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2003.10.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 972).

As estratégias de controle são variadas. Um promotor/advogado pode criar uma realidade alternativa e imputar diálogos ao acusado de forma a moldar a cena como melhor lhe convenha (BAFFY e MASTERS, 2015BAFFY, Marta; MARSTERS, Alexandria. The Constructed Voice in Courtroom Cross-Examination. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 22, n. 2, p. 143-165, 2015. DOI: 10.1558/ijsll.v22i2.17895
https://doi.org/10.1558/ijsll.v22i2.1789...
, p. 144), ou incluir sorrateiramente informações nas perguntas, de forma a construir uma imagem negativa do acusado para o júri ou o juiz (ALDRIDGE e LUCHJENBROERS, 2007ALDRIDGE, Michelle; LUCHJENBROERS, June. Linguistic Manipulations in Legal Discourse: Framing Questions and ‘Smuggling’ Information. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 85-107, 2007. DOI: 10.1558/ijsll.v14i1.85
https://doi.org/10.1558/ijsll.v14i1.85...
, p. 87). Além disso, o advogado de defesa pode dar mais espaço para o seu cliente falar do que o advogado de acusação, a depender do tipo de informação que pedem ao acusado, se uma narrativa, uma especificação ou uma confirmação (HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 111-112). Na verdade, as estratégias de controle dos advogados estruturam e moldam as histórias da forma como eles querem que sejam contadas (EADES, 2010EADES, Diana. Sociolinguistics and the Legal Process. Bristol: Multilingual Matters, 2010., p. 47; HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 102-125; COULTHARD e JOHNSON, 2007COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic Linguistics: Language and Evidence. Nova York: Routledge, 2007., p. 97-111). Dessa maneira, quanto mais controle as perguntas exercem, mais poder exerce o inquisidor.

No Brasil, não obstante compartilharmos essa característica adversária no interrogatório de testemunhas, no interrogatório do acusado o principal inquisidor é o juiz. Apesar de, aparentemente, não existirem pesquisas específicas sobre o papel do juiz no interrogatório do acusado, outras pesquisas mostram que juízes são influenciados por suas ideologias. Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) analisaram perguntas feitas em tribunais de apelação nos Estados Unidos e descobriram que os juízes eram mais “duros” nas perguntas que faziam para os advogados que defendiam visões ideológicas opostas às suas quanto à questão do casamento entre pessoas de mesmo sexo. Philips (1998PHILIPS, Susan U. Ideology in the Language of Judges: How Judges Practice Law, Politics, and Courtroom Control. Oxford: Oxford University Press, 1998.) analisou as perguntas feitas por juízes quando emitiam suas sentenças e identificou traços ideológicos nas decisões. Esse comportamento não é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, porque contradiz o princípio de imparcialidade (BRASIL, 2008BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Código de Ética da Magistratura Nacional, de 26 de agosto de 2008. Diário da Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF: Presidência. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.jus.br/publicacoes/codigo-de-etica-da-magistratura . Acesso em: 13 jun. 2019.
http://www.cnj.jus.br/publicacoes/codigo...
). Consoante a exigência de imparcialidade, o papel do juiz é ser “examinador de provas”; suas perguntas devem ser baseadas nas evidências apresentadas, e suas decisões não devem considerar informações ou fatores externos.

1.3. Perguntas como forma de controle em entrevistas policiais

No âmbito policial, até o começo do século XX, abusos físicos eram prática comum no Brasil para obter uma confissão (OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, Wellington de. Aplicando técnicas de entrevista e interrogatório na investigação: método Reid. Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.pc.ms.gov.br/?page_id=344 . Acesso em: 7 nov. 2022.
http://www.pc.ms.gov.br/?page_id=344...
). Ocorreu uma mudança na legislação quando o Brasil se tornou um Estado Democrático de Direito, com a CF/88 (OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, Wellington de. Aplicando técnicas de entrevista e interrogatório na investigação: método Reid. Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.pc.ms.gov.br/?page_id=344 . Acesso em: 7 nov. 2022.
http://www.pc.ms.gov.br/?page_id=344...
). Portanto, ao não diferenciar interrogatório policial de interrogatório judicial, o CPP original, escrito em 1941, carrega em sua letra sobre interrogatório traços acusatórios. Daí a pertinência de se discutir também as características e o exercício de poder nas perguntas em entrevistas policiais.

Primeiro, no tocante à terminologia, prefere-se hoje o uso da palavra “entrevista” em detrimento de “interrogatório”, porque o último tem caráter mais acusatório e sugere a intenção primeira de conseguir uma confissão, enquanto a primeira é um evento de “busca de fatos” (SHUY, 1998SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception. Londres: Sage Publications, 1998., p. 188). O objetivo de uma entrevista investigativa é que os policiais estabeleçam se o suspeito está sendo verdadeiro (VRIJ, HOPE e FISHER, 2014VRIJ, Aldert; HOPE, Lorraine; FISHER Ronald P. Eliciting Reliable Information in Investigative Interviews. Policy Insights from Behavioral and Brain Sciences, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 129-136, 2014. DOI: https://doi.org/10.1177/2372732214548592
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 130) por meio de autogeração de informação do próprio suspeito (SHUY, 1998SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception. Londres: Sage Publications, 1998., p. 189). Portanto, a assimetria explícita de poder institucional tende a ser diminuída para que o acusado/suspeito se sinta confortável para falar livremente (SHUY, 1998SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception. Londres: Sage Publications, 1998., p. 189).

De modo ideal, em uma entrevista com perguntas que buscam reunir informações (INBAU et al., 2004INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession. 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004., p. 6), é importante que seja estabelecida uma boa relação com o acusado/suspeito, que o entrevistador lhe explique as acusações e peça a sua versão dos eventos (VRIJ, HOPE e FISHER, 2014VRIJ, Aldert; HOPE, Lorraine; FISHER Ronald P. Eliciting Reliable Information in Investigative Interviews. Policy Insights from Behavioral and Brain Sciences, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 129-136, 2014. DOI: https://doi.org/10.1177/2372732214548592
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 132). Em outras palavras, policiais devem exercer menos controle por meio das perguntas, e, consequentemente, menos poder, para que o suspeito fale mais. Outras estratégias incluem acomodar o discurso policial a um registro mais informal (SHUY, 1998SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception. Londres: Sage Publications, 1998., p. 189) e não interromper (INBAU et al., 2004INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession. 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004., p. 105).

Na prática, Haworth (2006HAWORTH, Kate. The Dynamics of Power and Resistance in Police Interview Discourse. Discourse and Society, [s. l.], v. 17, n. 6, p. 739-759, 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/0957926506068430
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 744) identificou quatro tipos de pergunta no seu estudo sobre entrevista policial: a que busca por informação; a que busca por confirmação; a que busca por explicação; e a que é acusatória. Ao analisar algumas entrevistas, ela observou que até naquelas em que o objetivo era deixar o suspeito falar, quando o policial tinha seu poder desafiado, ele usava repetições e perguntas que exerciam mais controle (HAWORTH, 2006HAWORTH, Kate. The Dynamics of Power and Resistance in Police Interview Discourse. Discourse and Society, [s. l.], v. 17, n. 6, p. 739-759, 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/0957926506068430
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 747). Ou seja, mesmo em uma interação que pretende balancear a assimetria de poder para que o suspeito fale mais, o exercício do poder institucional é usado como estratégia quando o poder do participante mais poderoso é desafiado.

2. Metodologia

Como explicado na Introdução, o objeto deste estudo é a oitiva do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva (LL) pelo ex-juiz Sergio Moro (JM). Os dados coletados somam quase duas horas e meia de vídeo. Além do vídeo (DEPOIMENTO..., 2017DEPOIMENTO de Lula ao juiz Sérgio Moro - Completo. Curitiba, 2017. Son., color. Publicado pelo canal EXAME. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PcQo35lle0Y&t=9s . Acesso em: 8 nov. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=PcQo35ll...
), a transcrição oficial (SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ, 2017SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ. 13a Vara Federal do Paraná. Termo de transcrição: do interrogatório de Luiz Inácio Lula da Silva, colhido na ação penal n. 5046512­94.2016.404.7000. Curitiba, 2017. 118 p. Disponível em: Disponível em: https://static.poder360.com.br/2017/05/transcricao_interrogatorio_lula_moro_10.mai_.pdf . Acesso em: 8 nov. 2022.
https://static.poder360.com.br/2017/05/t...
) também foi usada para a produção da transcrição linguística. A transcrição oficial por si só não era suficiente para essa análise por ser uma “transcrição naturalizada”, que privilegia características escritas (BUCHOLTZ, 2000BUCHOLTZ, Mary. The Politics of Transcription. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 32, n. 10, p. 1439-1465, 2000. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(99)00094-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 1461-1462). Por exemplo, perguntas com entonação de pergunta eram representadas com ponto de interrogação ao final, mas perguntas que não tinham tal entonação eram representadas com reticências, que podem inferir diferentes aspectos interacionais. A transcrição seguiu a convenção de Jefferson (apudHEPBURN e BOLDEN, 2013HEPBURN, Alexa; BOLDEN, Galina B. The Conversation Analytic Approach to Transcription. In: SIDNELL, Jack; STIVERS, Tanya (orgs.). The Handbook of Conversation Analysis. West Sussex: Blackwell Publishing, 2013.).1 1 Convenções de transcrição [ Sobreposição [] Sobreposição ao fundo = Sem espaço entre pergunta e resposta . Entonação final para baixo (.) Micropausa , Entonação que indica continuação ? Entonação que indica pergunta - Corte : Alongamento de som Underlying Ênfase CAPITAL LETTER Volume alto >< Rapidez (1) Pausa de 1 segundo (HEPBURN e BOLDEN, 2013, p. 59-62) Na seleção dos dados a serem usados, primeiro foi feito um processo de eliminação do que não era pergunta: discussões paralelas sobre a permissão do uso do celular, apresentação do número do processo ao reiniciar as gravações depois dos intervalos, esclarecimento de datas, etc. Em seguida, foram consideradas todas as falas do ex-juiz que se dirigissem ao acusado e selecionadas as que explicitamente pediam uma resposta e, por fim, as que, por consequência do ambiente institucional, foram respondidas.

Definir o que é uma pergunta não é tão fácil quanto pode parecer. Heritage (2002HERITAGE, John. The Limits of Questioning: Negative Interrogatives and Hostile Question Content. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 34, n. 10-11, p. 1427-1446, 2002. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00072-3
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 1427) descreve pergunta a partir do propósito de buscar informação e da sintaxe interrogativa. Sua pesquisa considerou resposta como um colaborador na construção da pergunta (HERITAGE, 2002HERITAGE, John. The Limits of Questioning: Negative Interrogatives and Hostile Question Content. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 34, n. 10-11, p. 1427-1446, 2002. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00072-3
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 1443). A pesquisa de Tracy (2004, p. 206), por sua vez, constatou que algumas perguntas não eram interrogativas. Gnisci e Pontecorvo (2004GNISCI, Augusto; PONTECORVO, Clotilde. The Organization of Questions and Answers in the Thematic Phases of Hostile Examination: Turn-by-Turn Manipulation of Meaning. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 36, n. 5, p. 965-995, 2004. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2003.10.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 971) alertam que o contexto pode levar uma afirmação a ser interpretada como “um item de informação” ou como a requisição de uma resposta. Como o evento analisado no presente artigo se deu em uma instituição judicial, e em razão do estágio do processo, a maior parte das falas do ex-juiz na interação com o acusado foi identificada como demandas de uma resposta ou, no mínimo, uma confirmação de que foi ouvido. Na análise da Tracy (2009TRACY, Karen. How Questioning Constructs Judges’ Identities: Oral Argument about Same-Sex Marriage. Discourse Studies, [s. l.], v. 11, n. 2, p. 199-221, 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/24049758 . Acesso em: 7 nov. 2022.
https://www.jstor.org/stable/24049758...
, p. 26) sobre práticas de questionamento de juízes, ela estabeleceu que, “com a exceção de comentários relacionados a formato e estrutura, em que o juiz reconhecia que estava falando e indicava quando deveriam parar de falar, praticamente todas as falas do juiz tinham a força de uma pergunta” (tradução nossa). Levando isso em consideração, todas as falas do ex-juiz Moro que resultaram em uma pergunta ou em uma confirmação de compreensão, de que foi ouvido, foram classificadas como perguntas, mesmo que seu propósito tenha sido apenas de esclarecimento.

Entrando mais especificamente no aspecto linguístico das perguntas, a literatura acadêmica define “pergunta” a partir do propósito que ela tem na interação (GIBBONS, 2003GIBBONS, John. Forensic Linguistics: An Introduction to Language in the Justice System. Oxford: Blackwell Publishing, 2003., p. 95; HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 112; HERITAGE, 2002HERITAGE, John. The Limits of Questioning: Negative Interrogatives and Hostile Question Content. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 34, n. 10-11, p. 1427-1446, 2002. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00072-3
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, p. 1427) e classifica esses propósitos ou tipos de perguntas em um espectro de controle. Para identificar o propósito que as perguntas do ex-juiz tinham, foi adotada a classificação de Heffer (2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 112): pedido de narrativa, pedido de especificação e pedido de confirmação. Contudo, também tive de expandir para mais duas classificações: pedido de esclarecimento e fornecimento de esclarecimento. A escolha pela classificação de Heffer em detrimento das de outros autores se deve ao pequeno número de categorias e porque ela é mais facilmente aplicada a outras línguas, que não o inglês.

Por meio da aplicação da categorização de Heffer para analisar as perguntas do ex-juiz, os propósitos das perguntas foram identificados e quantificados para que se pudesse discutir os traços estilísticos de questionamento em termos de poder e controle sobre o discurso do acusado. No entanto, o reconhecimento de que o ex-juiz mais ou menos controlou a fala do acusado não é suficiente, uma vez que o ambiente institucional e o momento do processo já restringem bastante a voz do acusado, como visto na Introdução deste artigo. Por isso, foi feita então uma análise de quão adversário é o estilo do ex-juiz.

Um estilo adversário ou “duro” é esperado de advogados quando questionam testemunhas que não são suas (COULTHARD e JOHNSON, 2007COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic Linguistics: Language and Evidence. Nova York: Routledge, 2007., p. 105-111; ALDRIDGE e LUCHJENBROERS, 2007ALDRIDGE, Michelle; LUCHJENBROERS, June. Linguistic Manipulations in Legal Discourse: Framing Questions and ‘Smuggling’ Information. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 85-107, 2007. DOI: 10.1558/ijsll.v14i1.85
https://doi.org/10.1558/ijsll.v14i1.85...
, p. 93-105); também é esperado de policiais (ALDRIDGE e LUCHJENBROERS, 2007ALDRIDGE, Michelle; LUCHJENBROERS, June. Linguistic Manipulations in Legal Discourse: Framing Questions and ‘Smuggling’ Information. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 85-107, 2007. DOI: 10.1558/ijsll.v14i1.85
https://doi.org/10.1558/ijsll.v14i1.85...
, p. 92). No entanto, por ter que garantir tratamento igual às partes (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 7 nov. 2022.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
, art. 139, I), é esperado dos juízes brasileiros um equilíbrio entre interrogatório amigável e interrogatório mais duro. Analisar quão duro foi o estilo do ex-juiz no interrogatório examinado, visa, então, compreender como o poder institucional é representado em traços linguísticos de “perguntas duras”.

A presença de ideologia na chamada “imparcialidade judicial” é um tópico comum de pesquisa (BUSHWAY e PIEHL, 2001BUSHWAY, Shawn D.; PIEHL, Anne Morrison. Judging Judicial Discretion: Legal Factors and Racial Discrimination in Sentencing. Law & Society Review, [s. l.], v. 35, n. 4, p. 733-764, 2001. DOI: https://psycnet.apa.org/doi/10.2307/3185415
https://doi.org/https://psycnet.apa.org/...
; CHOI et al., 2016CHOI, Hansoo et al. Too Big to Jail? Company Status and Judicial Bias in an Emerging Market. Corporate Governance: An International Review, [s. l.], v. 24, n. 2, p. 85-104, 2016. DOI: https://doi.org/10.1111/corg.12142
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005.; HENNING, 1999HENNING, Tim. Judicial Summation: The Trial Judge’s Version of the Facts or the Chimera of Neutrality. International Journal for the Semiotics of Law, [s. l.], v. 12, p. 171-213, 1999. DOI: https://doi.org/10.1023/A:1008942707893
https://doi.org/https://doi.org/10.1023/...
; PHILIPS, 1998PHILIPS, Susan U. Ideology in the Language of Judges: How Judges Practice Law, Politics, and Courtroom Control. Oxford: Oxford University Press, 1998.; ULMER e JOHNSON, 2004ULMER, Jeffery T.; JOHNSON, Brian. Sentencing in Context: A Multilevel Analysis. Criminology, [s. l.], v. 42, n. 1, p. 137-177, 2004. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.2004.tb00516.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; ULMER, 2012ULMER, Jeffery T. Recent Developments and New Directions in Sentencing Research. Justice Quarterly, Greenbelt (Maryland), v. 29, n. 1, p. 1-40, 2012. DOI: https://doi.org/10.1080/07418825.2011.624115
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
; entre outros). No que tange a perguntas, Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) identificaram traços de “perguntas duras” em perguntas feitas por juízes em cortes de apelação nos Estados Unidos. Os autores descobriram que as características das perguntas feitas para cada uma das partes, a favor e contra casamento do mesmo sexo, dependiam da posição ideológica do juiz a respeito do assunto.

Para identificar “perguntas duras” nos dados analisados neste artigo, reproduziu-se o modelo de Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
). Os autores consideraram as perguntas “duras” quando os juízes i) faziam mais perguntas para uma parte do que para a outra; ii) elaboravam perguntas mais complexas; iii) insistiam em um mesmo tópico, resultando em um número grande de turnos de fala sobre o mesmo assunto; iv) começavam seu turno interrompendo o advogado; v) começavam o turno de fala com negações; e vi) usavam perguntas hipotéticas. Levando em conta o ordenamento jurídico brasileiro, que tem o juiz como principal inquisidor, a primeira categoria não é aplicável à presente análise - pois, em um interrogatório, as perguntas são feitas a apenas uma das partes -, mas as outras o são.

No que diz respeito à complexidade das perguntas, Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
, p. 14) definem complexidade apenas pelo tamanho das falas. Portanto, neste artigo a referência será a “tamanho da pergunta” e não a “complexidade da pergunta”. Outro traço que não é muito bem definido por Tracy e Parks é a “insistência no tópico”. Eles a relacionam tão somente à colocação sequencial dentro de uma mesma fala (TRACY e PARKS, 2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
, p. 14). Ante a insuficiência dessa forma de medida para o objetivo do presente artigo, para identificar a insistência em um mesmo tópico foi usado um programa de análise de linguística de corpus chamado Sketch Engine. Nesse programa, foram identificados os dez substantivos mais frequentes (depois de eliminados os vocativos) dentro do escopo do tópico analisado. Em uma primeira análise qualitativa, foram definidos cinco grandes assuntos: i) instrução; ii) apartamento tríplex; iii) Petrobras; iv) Mensalão; e v) atitudes do acusado no decorrer do processo. Em uma análise quantitativa, 50% dos turnos de fala do ex-juiz abordam a questão do tríplex, daí a escolha desse assunto para exemplificar a insistência em um tópico. Dos 171 turnos de fala, houve 78 ocorrências da palavra “apartamento”, 40 ocorrências de “OAS”, 37 de “reforma”, 33 de “esposa”, 30 de “tríplex”, 29 de “conhecimento”, 23 de “Leo” (Léo Pinheiro), 19 de “cozinha” e 18 de “sítio”.

3. Análise dos dados

3.1. Controle exercido pelas perguntas

Como já apresentado, ter controle sobre que perguntas fazer e como elaborá-las significa ter poder sobre a liberdade de fala do respondente. Na literatura acadêmica, que versa predominantemente sobre o sistema common law, é bem estabelecido que o ato de perguntar no âmbito de um tribunal tem grande importância na forma como a história é contada para o juiz e/ou júri (HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 65-72; COULTHARD e JOHNSON, 2007COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic Linguistics: Language and Evidence. Nova York: Routledge, 2007., p. 97-111). No caso brasileiro, é possível pensar que as perguntas feitas pelo juiz no interrogatório do acusado são multifuncionais, nos moldes da classificação de Heffer das perguntas. Portanto, cada pergunta carrega um propósito específico que influencia a quantidade de controle que o inquisidor exerce sobre o respondente.

Um pedido de narrativa dará ao acusado mais liberdade de fala e, consequentemente, a possibilidade de contar seu lado da história. Em contrapartida, também pode levar o acusado a divagar e fugir da pergunta, usando a oportunidade para falar o que ele acha importante, mesmo que não seja o que tenha sido perguntado. Um pedido de especificação busca mais informações sobre um tópico em particular. Tal pedido pode tanto levar a uma resposta curta e direta, formada por uma única palavra, como permitir certa liberdade de fala. Um pedido de confirmação restringe consideravelmente o tipo de resposta, já que quem pergunta acha que já sabe a resposta e só precisa de uma confirmação, um sim ou não. Um pedido de esclarecimento tem como objetivo elucidar dúvidas ou verificar se o que o inquisidor entendeu está certo; portanto, no caso de dúvida, pode exigir uma explicação mais longa, e, no caso de verificação, pode restringir a resposta. Por fim, em um fornecimento de esclarecimento, o propósito de quem pergunta é ter certeza de que foi claro, o que não seria considerado uma pergunta se a interação não ocorresse em um ambiente jurídico, no qual o juiz é o inquisidor. O modelo de contexto faz com que o acusado responda, ou pelo menos dê sinal de que entendeu o que foi dito.

Os pedidos de narrativa foram identificados quando havia dicas narrativas (HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 113) com construções como “O senhor sabe explicar como/por que”, “o que o senhor acha que aconteceu” e o uso de verbos como “descrever” e “explicar” ou substantivos como “processo” e “explicação”. O Excerto 1, a seguir, traz alguns exemplos:

Excerto 1

JM: o senhor presidente sabe explicar por que em princípio nenhum dos executivos da OAS Empreendimentos ouvidos em juízo (.) informou ter conhecimento de que o senhor ex-presidente teria desistido da compra do apartamento tríplex?

[...]

JM: o senhor tem ideia como um jornalista lá em 2010 do Globo poderia ter feito uma matéria se referindo a essa cobertura tríplex que o senhor iria ficar nesse mesmo local nesse mesmo prédio?

[...]

JM: quanto à pergunta específica o senhor pode responder como era o processo de nomeação do presidente e diretores da Petrobras?

Nos exemplos apresentados, JM dá oportunidade para o acusado explicar a contradição entre os testemunhos e descrever o processo de nomeação de presidentes e diretores da Petrobras. Independentemente de o acusado responder ou desviar-se do tópico, JM está exercendo menos controle sobre as respostas do acusado.

Os pedidos de especificação incluem perguntas com “quem”, “como” e “onde”, que não se encaixam nos pedidos de narrativa (HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 113), e qualquer pergunta que demande informação. O Excerto 2 ilustra um pedido de narração seguido de dois pedidos de especificação, que buscam mais informações:

Excerto 2

JM: >o preço total da conta que levaria à aquisição do imóvel seria 95- 195 mil< (.) e a identificação do apartamento dormitórios como sendo apartamento 141 (.) do edifício návea que depois virou edifício salinas (.) quando o empreendimento passou à OAS. o senhor ex-presidente poderia me descrever as circunstâncias da aquisição dessa cota (.) correspondente a esse apartamento?

LL: é simplesmente a minha mulher resolveu comprar uma cota da cooperativa bancoop.

JM: o [sen=

LL: [e comprou

JM: o senhor acompanhou a senhora sua esposa [nessa ocasião?

LL: [não não não

JM: o senho:r ah ela relatou ao senhor ex-presidente como ela teria feito essa aquisição?

Os dados frequentemente apresentaram pedidos de especificação depois de pedidos de narrativa. Dezessete dos 42 pedidos de narrativa (40,5%) foram seguidos de pedidos de especificação. No exemplo, JM pede que LL descreva como adquiriu o tríplex. Como o ex-juiz não conseguiu toda a informação que queria na resposta dada, ele fez perguntas mais específicas, de forma a ter mais controle sobre o que seria respondido. Como a resposta de LL foi apenas “minha mulher resolveu comprar uma cota”, JM pergunta se ele a acompanhou e se ela contou para ele como havia adquirido a cota. Apesar de pedidos de especificação buscarem informações específicas, perguntas como “ela relatou ao senhor ex-presidente como ela teria feito essa aquisição?” poderiam ter uma resposta mais longa. Essa possibilidade de o acusado dar uma resposta mais longa justifica Heffer (2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 111) localizar pedidos de especificação exatamente abaixo de pedidos de narrativa no espectro de controle, antes de pedidos de confirmação.

Pedidos de confirmação incluem afirmações, “tag questions” (HEFFER, 2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 113) e falas que citam uma afirmação anterior, demonstrando que JM não tinha dúvida nem havia compreendido errado o que havia sido dito. Alguns dos traços linguísticos que se repetiram foram: repetições sem entonação de pergunta; perguntas com o uso explícito de “confirmar”; ou expressões como “certo?” e “foi isso que aconteceu?”. O Excerto 3 traz um exemplo:

Excerto 3

JM: senhor ex-presidente o senhor deu uma entrevista em 2005 nove semanas após esse escândalo do mensalão a uma jornalista brasileira que trabalhava na França Melissa Monteiro que foi- passou no Fantástico essa entrevista está disponível inclusive na rede mundial de computadores e se encontra juntada nos autos. na ocasião o senhor disse o seguinte e aqui citando com aspas nós precisamos aproveitar esse momento que está acontecendo no Brasil para sermos mais duros para criarmos mais mecanismos de proteção do estado brasileiro (.) e vamos fazer gostar quem gostar doa a quem doer nós vamos continuar sendo implacáveis na apuração da corrupção (.) o senhor se recorda dessa entrevista e desse trecho?

Os pedidos de confirmação são os que exercem mais controle sobre a resposta do respondente na classificação de Heffer porque demandam como resposta apenas “sim” ou “não”. Depois de contextualizar a pergunta com a evidência previamente coletada, JM pede a confirmação: “o senhor se recorda dessa entrevista e desse trecho?”. Não há dúvida de que a entrevista aconteceu, JM só espera como resposta um sim ou não.

A necessidade de expandir a classificação de Heffer surgiu da existência de falas de JM que foram consequência de algo que LL falou antes, e que diferem da maioria das perguntas que parecem ter sido previamente formuladas. Os pedidos de esclarecimento tiveram várias formas; no entanto, houve três predominantes: o uso de palavras ditas por LL, a repetição das próprias palavras e trechos explícitos de pedidos de esclarecimento. A Tabela 1, a seguir, resume a frequência das formas.

Tabela 1 -
Formato dos pedidos de esclarecimento

Mais da metade dos pedidos de esclarecimento feitos por JM incluiu palavras ditas antes por LL, seja repetindo uma ou mais palavras, relatando o que ele dissera, seja parafraseando o que fora dito da forma como JM entendeu. Outro formato consistiu no ex-juiz usar palavras que ele próprio havia usado anteriormente, parafraseando ou repetindo o que já tinha perguntado. Esse formato foi inesperado, já que não serviu para fornecer esclarecimento, mas para pedir esclarecimento. Além deles, trechos explícitos como “eu não entendi”, “para deixar claro”, “você pode esclarecer” e “não está claro para mim” somaram 17,5% dos pedidos de esclarecimento. Outros formatos incluem afirmações, um “é isso?” e repetições que não incluíam paráfrases nem palavras de JM ou LL.

No Excerto 4, a seguir, há três pedidos que, à primeira vista, poderiam ser classificados como pedidos de especificação, mas os pedidos se baseiam em uma fala anterior do acusado e, portanto, foram classificados como pedidos de esclarecimento.

Excerto 4

LL: doutor Moro o senhor se sente responsável

JM: hum

LL: da operação lava jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? (.) o senhor se sente responsável por 600 milhões de pessoas que já perderam o emprego no setor de óleo e gás da construção civil? Eu tenho certeza que não.

JM: o senhor entende que o que prejudicou essas empresas foi a [corrupção ou=

LL: [não é o método de combater a corrupção

JM: =o combate à corrupção?

LL: [o método

JM: [a que o senhor se refere?

LL: [é o que eu falei aqui

JM: é o processo contra as pessoas que pagaram propina?

LL: é que quando um juiz me desculpe isso quando um juiz e os acusadores se submetem à imprensa para poder prender as pessoas (.) aí tudo mais (.) é possível doutor

JM: de que forma que o juiz teria se [submetido à imprensa senhor ex-presidente?

Como resposta à pergunta se LL se sentia responsável pelo que as pessoas no seu governo tinham feito, LL responde com uma pergunta que culpa JM pela crise na indústria de construção civil devido às investigações da Operação Lava Jato. JM, então, usa o que LL disse: “o senhor entende que o que prejudicou essas empresas foi a corrupção ou o combate à corrupção?”. Essa estratégia de esclarecimento não apenas limita a resposta que LL pode dar, como enquadra o que LL havia dito de forma negativa, com uma ideia embutida de que LL seria contrário à luta contra a corrupção. As falas seguintes se baseiam nela e, algumas vezes, restringem mais a resposta de LL, e, outras vezes, dão mais chance para que LL fale mais livremente, como em “a que o senhor se refere?”.

A diferença entre um pedido de esclarecimento e um pedido de confirmação, dentro da expansão de classificação feita nesta pesquisa, é que o pedido de confirmação se baseia em informações previamente colhidas pelo ex-juiz, enquanto o pedido de esclarecimento se baseia em informação dada pelo acusado ou repetida na fala do ex-juiz e que este queira esclarecer ou desafiar. O Excerto 5 traz uma situação em que é possível ver um pedido de esclarecimento seguido de um de confirmação para, em seguida, haver outro pedido de esclarecimento baseado na resposta que fora dada:

Excerto 5

LL: é achismo

JM: essa matéria então não seria verdadeira? [Pedido de esclarecimento]

LL: não na minha opinião não (10.4)

JM: o Ministério Público senhor presidente afirma que o senhor transferiu formalmente este imóvel para o seu nome somente em decorrência da prisão do senhor Leo Pinheiro em novembro de 2014 e pela descoberta da- pela imprensa desse apartamento em dezembro de 2014 foi isso mesmo que ocorreu? [Pedido de confirmação]

LL: h doutor eu vou falar sobre o Ministério Público na hora que eu puder falar e depois de ouvi-los.

JM: certo. essa afirmação então não é verdadeira [que eles fazem? [Pedido de esclarecimento]

LL: [não é verdadeira

JM: não foi isso que aconteceu o senhor Leo Pinheiro foi preso=

LL: [não ;é verdadeira]

JM: =o apartamento foi descoberto pela imprensa e aí sim o senhor (.) ex-presidente e sua esposa [resolveram não ficar? [Pedido de esclarecimento]

Depois da recusa de LL a desenvolver o assunto, JM constrói seu pedido de esclarecimento a partir do que foi dito (“é achismo”) e tanto a construção negativa seguinte quanto o uso de “então” mostram a demanda do ex-juiz por uma posição mais clara do acusado. Isso também acontece quando LL evita o pedido de confirmação e o ex-juiz usa a mesma construção negativa somada a um “então”. Apesar de pedidos de confirmação e de esclarecimento serem similares, no Excerto 5 é possível ver que o pedido de esclarecimento dá mais liberdade de fala para o acusado do que o pedido de confirmação. Portanto, no que tange ao controle exercido por meio das perguntas, o pedido de esclarecimento seria mais controlador do que o pedido de especificação, mas menos controlador do que o pedido de confirmação.

Finalmente, fornecimentos de esclarecimento foram identificados quando as falas do ex-juiz incluíram a expressão “certo?” ao final, ou quando o acusado não entendeu a pergunta e o ex-juiz precisou esclarecer o que fora perguntado. Muitos fornecimentos de esclarecimento estão relacionados a falas que explicam os procedimentos, como exemplificado a seguir.

Excerto 6

JM: a: senhor presidente boa tarde já aqui desejei boa tarde antes eu vou esclarecer que o: senhor ex-presidente vai ser tratado com o máximo respeito (1) como qualquer acusado e igualmente pela condição do cargo que o senhor ocupou no passado. o senhor ex-presidente pode ficar absolutamente tranquilo quanto a isso. eu gostaria aqui de colocar mais uma vez para o senhor ex-presidente que esse interrogatório é um ato normal do processo (.) no fundo é a oportunidade que o senhor ex-presidente vai ter (.) de (.) falar no processo e apresentar a sua defesa diretamente. >seus advogados podem fazer isso< mas é a melhor oportunidade que o senhor tem de falar diretamente nos autos certo?

LL: certo.

O exercício do poder institucional é evidente no Excerto 6 já que, apesar de “certo?” ser apenas uma expressão usada repetidas vezes pelo ex-juiz e que não necessariamente demanda uma resposta, o ambiente jurídico leva a crer que é necessário haver pelo menos um reconhecimento de que o acusado ouviu o que foi dito. Os fornecimentos de esclarecimentos que não foram verbalmente respondidos foram reconhecidos com um balançar de cabeça. Essa última classe de pedidos é o tipo que exerce mais controle, uma vez que não exige resposta alguma, a não ser o reconhecimento de que algo foi dito.

A partir da aplicação de todos os critérios apresentados, as 356 falas do ex-juiz direcionadas ao acusado foram também quantitativamente analisadas. Pedidos de narrativa ocorreram 11,8% vezes; pedidos de especificação, 52,5%; pedidos de esclarecimento, 22,8%; pedidos de confirmação, 8,1%; e fornecimento de esclarecimento, 4,8%. A Tabela 2 ajuda a visualizar os resultados.

Tabela 2 -
Frequência dos tipos de pergunta

A ordem dos tipos de pergunta reflete o espectro de controle do que exerce menos controle para o que exerce mais controle sobre a resposta do acusado. Dos números apresentados, é possível inferir que JM não usa com frequência estratégias que exerçam muito controle sobre a fala do acusado. A questão de exercício de controle por meio de perguntas já foi estudada exaustivamente no sistema common law: ao guiar a testemunha, os advogados controlam a história que está sendo criada (HEFFER, 2010HEFFER, Chris. Narrative in the Trial: Constructing Crime Stories in Court. In: COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. The Routledge Handbook of Forensic Linguistics. Londres, 2010. DOI: https://doi.org/10.4324/9780203855607
https://doi.org/https://doi.org/10.4324/...
, p. 205). Coulthard e Johnson (2007COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic Linguistics: Language and Evidence. Nova York: Routledge, 2007., p. 102) descobriram que o advogado pede mais confirmação da própria testemunha para que possa “guiar a testemunha por um caminho mais direto de contar suas histórias” (tradução nossa). Ao contrário, Heffer (2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 114) descobriu que advogados adversários pedem mais confirmação às testemunhas da outra parte, enquanto pedem mais narrativas e especificações às próprias testemunhas. Independentemente de quem está controlando as perguntas, pesquisas anteriores reiteradamente indicam que há mais exercício de controle sobre o respondente na busca por confirmação do que na produção de narrativas.

Já que no Brasil o principal inquisidor no interrogatório do acusado é o juiz e é esperado dele que não tome partido, os resultados enquadram-se no comportamento esperado, que equilibra a complacência de dar ao acusado espaço de fala (11,8% de pedidos de narrativa) e o controle sobre as respostas do acusado (12,9% da soma de pedidos de confirmação e fornecimentos de esclarecimento). O que chama a atenção é a abundância de pedidos de especificação (52,5%). A busca por informações pode fazer parte do papel do juiz no interrogatório do acusado, já que o juiz precisa juntar os fatos que entende necessários para dar o veredito. Apesar de este ser apenas um estudo de caso e, consequentemente, os dados produzidos não poderem ser generalizados, eles mostram que o estilo de JM é mais adequado a outro ambiente forense, em que a prioridade é a busca por informação: a investigação policial.

Como mencionado anteriormente, a palavra “interrogatório” remete à busca por obtenção de confissão e, por isso, manifesta a presença de mais poder do que “entrevista”. Vrij, Hope e Fisher (2014VRIJ, Aldert; HOPE, Lorraine; FISHER Ronald P. Eliciting Reliable Information in Investigative Interviews. Policy Insights from Behavioral and Brain Sciences, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 129-136, 2014. DOI: https://doi.org/10.1177/2372732214548592
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 130) vão mais adiante e distinguem dois estilos de entrevista: a que busca informação e a que é acusatória. A primeira “usa perguntas abertas, exploratórias para conseguir informação e estabelecer a culpa”, e a segunda “usa perguntas fechadas, de confirmação para conseguir confissão” (VRIJ, HOPE e FISHER, 2014VRIJ, Aldert; HOPE, Lorraine; FISHER Ronald P. Eliciting Reliable Information in Investigative Interviews. Policy Insights from Behavioral and Brain Sciences, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 129-136, 2014. DOI: https://doi.org/10.1177/2372732214548592
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 130, tradução nossa). A partir dos resultados encontrados, o estilo de questionamento de JM se enquadraria na entrevista que busca informação.

De acordo com o CPC, o juiz deve ser um examinador de provas e usar apenas as provas coletadas pelas partes (OAB RS, 2015OAB RS. Novo Código de Processo Civil anotado. Porto Alegre: OAB RS, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.oabrs.org.br/novocpcanotado/novo_cpc_anotado_2015.pdf . Acesso em: 13 jun. 2019.
http://www.oabrs.org.br/novocpcanotado/n...
, p. 150). Nesse cenário, espera-se que as perguntas sejam predominantemente mais controladoras, com o uso de pedidos de confirmação e de esclarecimento, já que o papel do juiz é esclarecer, a partir das informações que já tem, as dúvidas que possam surgir. No entanto, os resultados da análise mostram que JM não exerce muito controle, uma vez que mais de 75% das perguntas são pedidos de especificação e de esclarecimento. Apesar de os pedidos de esclarecimento serem esperados, os 52% de pedidos de especificação mostram que JM estava procurando informações que não estavam no processo, estava em “busca da verdade”.

Apesar de essa característica de “busca da verdade” ter um traço acusatório no ambiente judicial brasileiro, a característica de “busca por informações” (explicitada pelos pedidos de especificação) é encontrada no cenário de entrevista policial, que propõe uma menor assimetria de poder. Entrevistas policiais dependem muito de perguntas de follow up, que se baseiam no que foi dito pelo suspeito (INBAU et al., 2004INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession. 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004., p. 7) - e, de acordo com os dados desta pesquisa, contam 40,5% dos pedidos de especificação - e nas informações geradas pelo suspeito (SHUY, 1998SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception. Londres: Sage Publications, 1998., p. 189), o que significa mais liberdade de fala para ele. Apesar de predominantemente pedir especificações e dar oportunidade de narrativa a LL, JM também usou do controle das perguntas quando achou que as respostas não foram suficientes, como exemplificado no Excerto 2. Esse mesmo tipo de controle foi encontrado no âmbito policial pela pesquisa de Haworth (2006HAWORTH, Kate. The Dynamics of Power and Resistance in Police Interview Discourse. Discourse and Society, [s. l.], v. 17, n. 6, p. 739-759, 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/0957926506068430
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 746-747).

Resumindo, as perguntas de JM enquadram-se nos propósitos de quem busca informação, pelo alto número de pedidos de especificação, e de quem precisa de elucidação, pelo uso de pedidos de esclarecimento. O fato de não exercer tanto poder distancia JM do papel de “examinador de provas” estipulado pelo CPC. A função de busca de informação, própria do pedido de especificação, exerce o nível de controle esperado em uma entrevista policial que busca informações.

3.2. Confrontação

Poder pode ser exercido de diversas maneiras. No que tange ao poder institucional, o próprio ambiente dá mais ou menos poder a determinados participantes. No interrogatório do acusado, a estrutura social da instituição coloca o juiz na posição de maior poder. Como mostrado na subseção anterior, uma forma de exercer poder é controlar a voz do acusado por meio do tipo de pergunta que é feito (por exemplo, seu design e propósito). Quanto mais controle uma pessoa exerce, mais adversário seu interrogatório é. No entanto, controle é apenas uma entre várias características que correspondem a traços de confrontação. Nesta subseção, serão usadas as categorias de “interrogatório duro” de Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) para analisar as falas de JM.

Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) analisaram a interação entre juízes e advogados atuantes em cortes de apelação relacionada a casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos. Eles descobriram que os juízes tinham características linguísticas similares quando se dirigiam à parte da qual discordavam. Por exemplo, se os juízes eram contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, eram mais duros com os advogados dos autores das ações, que buscavam o reconhecimento do direito de casar-se com alguém do mesmo sexo. Se os juízes eram a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, eram mais duros com os representantes do Estado, que defendiam o casamento heteronormativo como única opção. As características compartilhadas das falas dos juízes naqueles casos e que se aplicam à presente pesquisa são: i) tamanho da pergunta; ii) insistência em um tópico; iii) interrupção; iv) sinalização negativa no começo da interação; e v) perguntas hipotéticas.

Nesta subseção de análise, as 356 perguntas viraram 342 turnos de fala de JM. Essa diferença se dá porque um turno de fala é definido por um curso de fala do juiz (TRACY e PARKS, 2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
, p. 14). No presente artigo, como algumas partes da fala do ex-juiz foram descartadas por consistirem em interações com os advogados ou com o Ministério Público, um “turno” é considerado iniciado quando JM começa a contextualizar a pergunta ou explicitamente se dirige ao acusado, e terminado quando ele é interrompido, quando outro participante fala ou quando a entonação indica término.

Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
, p. 14) identificaram o tamanho da pergunta como um traço de “interrogatório duro”. Na sua pesquisa (2012, p. 17), descobriram que juízes que eram contra casamento entre pessoas do mesmo sexo costumavam usar turnos de fala mais longos ao se dirigirem aos advogados dos autores (49 palavras, em média), enquanto juízes que eram a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo usavam turnos mais longos ao se dirigirem aos representantes do Estado (52 palavras, em média). No presente artigo, em que apenas uma pessoa é interrogada, a média de palavras foi 31,4 por turno de fala de JM.

Os turnos curtos são a maioria. Com a média em 31,4 palavras, a classificação como curto é dada a turnos com 31 palavras ou menos. Consideraram-se longos turnos com mais de 31 palavras. Dos 342 turnos, 243 (71%) foram curtos e 99 (29%), longos. Tendo em conta apenas os valores quantitativos, é possível afirmar que o estilo de JM não teve muitos traços adversários. No entanto, quando se analisam qualitativamente os turnos longos, encontram-se três situações distintas: quando JM introduz um tópico; quando JM dá instruções; e quando JM não fica satisfeito com a resposta do acusado. A presente análise não levará em conta a introdução de um tópico, já que seu tamanho pode estar relacionado à sua função de contextualização, em vez do nível de confrontação (TRACY e PARKS, 2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
, p. 17). O foco será nas outras duas categorias, porque dar instruções coincide com o que foi classificado na subseção anterior como fornecimento de esclarecimento; e a insatisfação com a resposta do acusado diz respeito a follow-up questions, que não só são uma forma de insistir em um tópico, como em entrevistas são reconhecidamente úteis “para identificar verdade e enganação” (INBAU et al., 2004INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession. 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004., p. 117).

Quanto à sobreposição entre dar instruções e a categoria de fornecimento de esclarecimento, perguntas mais longas foram usadas quando JM exerceu mais controle no interrogatório, ilustrando situações em que o ex-juiz exerceu poder institucional. Além do Excerto 6, que pode ser um exemplo, o Excerto 7 mostra JM exercendo poder tanto por meio do controle da pergunta como usando um turno longo:

Excerto 7

JM: além disso senhor ex-presidente eu queria deixar claro (.) em que pese a: algumas alegações nesse sentido da minha parte não têm qualquer desavença pessoal (.) em relação ao senhor ex-presidente certo? (.) o que vai determinar o resultado desse processo no final são as provas que vão ser colecionadas e a lei. (3) e também vamos deixar claro que quem fez a acusação nesse processo é o Ministério Público e não o juiz. eu estou aqui para ouvi-lo e para proferir um julgamento ao final do processo certo? também vou deixar claro senhor ex-presidente houve alguns boatos (.) no sentido de que haveria a possibilidade de ser decretada a sua prisão durante esse ato. (.) isso são boatos que não têm qualquer fundamento. imagino que seus advogados já tenham lhe alertado que não haveria essa. possibilidade mas pra deixar o senhor absolutamente tranquilo eu lhe asseguro de pronto e expressamente que isso não vai acontecer,

LL: [mas eu=

JM: [o senhor] vai ser exclusivamente ouvido nesse processo.

LL: mas eu tinha consciência disso

Nesse exemplo, JM usa a parte de instrução, em que o acusado não tem voz, para explicar e justificar longamente, falando inclusive de alegações de desavença pessoal com LL. JM usa seu poder institucional de esclarecer procedimentos para elucidar tópicos que ele, pessoalmente, entendia como importantes, o que mostra explicitamente seu poder institucional de ressaltar, marcar sua posição (imparcial) em face do acusado.

A afirmação de Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) de que turnos mais longos são uma característica de “dureza”, de confrontação, é corroborada pelo resultado desta pesquisa, em que se aferiu que JM fez perguntas mais longas quando não estava satisfeito com a resposta. Enquanto follow-up questions pedem especificidades do que foi dito e, “no geral, são mais curtas do que a primeira em uma sequência” (TRACY e PARKS, 2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
, p. 17, tradução nossa), perguntas mais longas expõem a necessidade de dar mais informação (explicação, justificativa) para tentar conseguir uma resposta aceitável. Por exemplo, no Excerto 8, os trechos mais longos de JM seguem uma resposta divergente de LL.

Excerto 8

JM: =teriam sido feitas- efetuadas juntas então eu mantenho essa pergunta (.) ah ao senhor. mas sigo adiante. o senhor ex-presidente tratou com executivos da OAS com Leo Pinheiro por exemplo dos projetos de reforma do tríplex da implantação da cozinha do tríplex igualmente dos projetos de reforma do sítio em Atibaia e da implantação da cozinha do sítio de Atibaia?

LL: não

JM: (1) foi identificado no aparelho celular utilizado pelo presidente da OAS (.) José Aldemário Pinheiro Filho troca de mensagens em 12 3 12/02/2014 com Paulo Cesar Gordilho diretor técnico da OAS (.) da qual é possível inferir que segundo o Ministério Público (.) os destinatários da cozinha instalada pela OAS naquele mesmo ano no apartamento 164a e no sítio de Atibaia seriam o ex-presidente e sua esposa segundo o Ministério Público. eu vou lhe mostrar aqui essa imagem=

O exemplo mostra duas perguntas longas (57 e 75 palavras, respectivamente) em que JM combina uma pergunta relacionada ao tríplex com outra sobre o sítio de Atibaia. Apesar de o advogado de Lula e o próprio LL já terem avisado que não responderiam a perguntas sobre o sítio de Atibaia, tendo em vista que se tratava de objeto de outro processo, JM os ignora e mantém a pergunta. Ele então elabora melhor a pergunta, trazendo a evidência das mensagens que contradiriam o que LL respondera.

Corroborando com o resultado de que os turnos longos se deviam parcialmente ao fato de JM não estar satisfeito com as respostas, o turno mais longo examinado no último excerto se deu após o advogado de defesa ter aconselhado LL a não responder às perguntas. Esses achados sugerem que JM assumiu uma abordagem mais adversária, desenhando longos turnos, quando não tinha as respostas para as quais pudesse dar sequência.

No que tange à insistência em um mesmo tópico, Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) não definem “sequência de insistência” e, portanto, como explicado na seção 2, no presente artigo a ferramenta Sketch Engine foi usada para identificar os substantivos mais frequentes, de modo a se poder identificar suas ocorrências no contexto.

O apartamento tríplex é o maior argumento da acusação e, como tal, ocorre em 50% (171 dos 342) dos turnos de fala. É, portanto, o foco da presente análise de insistência em um tópico. A insistência fica evidente na repetição de perguntas que já haviam sido respondidas, como exemplificado no Excerto 9, a seguir.

Excerto 9

JM: o senhor Leo Pinheiro disse que iria fazer alguma reforma nesse apartamento?=

LL: =não na- no dia que eu fui lá não disse

[...]

LL: tá? e o Leo disse exatamente eu vou pensar numa proposta e te faço (1) e nunca mais eu conversei com o Leo sobre o apartamento.

JM: mas uma proposta de reforma do apartamento?

LL: não sei qual era a proposta ele me disse que ia fazer uma proposta.

[...]

JM: uhum (1) e o senhor Leo não falou ao senhor que: ia reformar o apartamento pra ver [se o senhor se interessava

Em momentos diferentes do interrogatório, JM voltava à mesma pergunta repetidas vezes, usando basicamente a mesma paráfrase: “O senhor Léo Pinheiro disse ao senhor que faria a reforma?” ou “O senhor Léo não te contou que reformaria o apartamento?”, por exemplo.

As outras características que Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) identificaram como caracterizadoras de “interrogatório duro” ou estavam ausentes (pergunta hipotética), ou tiveram ocorrências insignificantes: oito interrupções e 31 sinalizações negativas no começo do turno. Esses números corroboram os resultados da subseção anterior sobre controle, segundo os quais o estilo de JM lembra uma investigação policial, em que o mais importante é ter o acusado falando. De acordo com Inbau et al. (2004INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession. 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004., p. 105), “se o investigador interrompe para fazer perguntas, o suspeito que esteja contando a verdade pode editar o conteúdo para poder fornecer o que acredita ser o que o investigador quer saber”.

Na presente subseção, os mesmos dados foram analisados por outra perspectiva: até que ponto os turnos de fala de JM pareceriam adversários. Em outras palavras, como alguém que busca a verdade, poderia o ex-juiz ainda ser imparcial, como o Código de Ética da Magistratura demanda? Os resultados apontam que não houve muitos traços de confrontação. No entanto, JM se posicionou, sim, como um adversário quando não ficava satisfeito com as respostas dadas. Isso pode ser visto tanto no uso de turnos mais longos, quando LL se recusou a responder a algumas perguntas, quanto pela insistência no tópico, independentemente das respostas fornecidas por LL. O alto número de turnos curtos é próprio de entrevistas policiais que buscam informação e são menos adversárias. No entanto, olhando com mais cuidado os turnos, a insistência em um tópico esteve muito presente, o que tornou o interrogatório, até certo ponto, adversário.

Conclusão

Este artigo visou investigar como o poder institucional é exercido em um estudo de caso, a saber, a oitiva do ex-presidente Lula (LL) pelo ex-juiz Sergio Moro (JM). Tendo em mente que juízes podem entender seus papéis no interrogatório do acusado como aquele que busca a verdade, ou aquele que examina as provas, e/ou híbrido, com características dos dois (MORAES, 2014MORAES, Voltaire de Lima. Do interrogatório do réu no processo penal. Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Brasília, 25 nov. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.conamp.org.br/publicacoes/artigos-juridicos/4675-do-interrogatorio-do-reu-no-processo-penal-4675.html . Acesso em: 28 ago. 2019.
https://www.conamp.org.br/publicacoes/ar...
), e que cada um desses papéis pode gerar um tipo diferente de exercício de poder, primeiro foram analisados os propósitos das perguntas de JM, para, em seguida, serem investigados traços de confrontação nos seus turnos de fala.

Identificar os propósitos de JM ao fazer as perguntas revelou quanto poder ele exerceu no interrogatório. O contexto judicial e seu “modelo de contexto” (VAN DIJK, 2018VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies. Londres: Taylor &Francis Group, 2018., p. 30-31) dão ao juiz muito poder, já que ele é o representante máximo da instituição. Foi explicado como as perguntas exercem controle sobre o respondente, sendo, portanto, uma estratégia de exercício de poder. Os resultados mostraram que JM usou essa estratégia com parcimônia: ele deu muita liberdade para o acusado falar, mas, quando não se satisfazia com as respostas de LL, usava perguntas mais controladoras.

Na subseção 3.1, foi mostrado que mais de 52% das falas de JM (incluindo pedidos e fornecimentos) foram de pedidos de especificação, e quase 12% foram pedidos de narrativa, somando 64% das perguntas do ex-juiz. Na escala de controle de Heffer (2005HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005., p. 111), esses dois são os tipos de perguntas que exercem menos controle. É possível inferir, portanto, que o ex-juiz queria que o acusado falasse e lhe deu liberdade para tal. No entanto, 40% dos pedidos de especificação ocorreram depois de um pedido de narrativa, o que mostra que JM usou quase metade de seus pedidos de especificação não para dar ao acusado a chance de falar, mas para controlar as respostas que recebia. Quando LL não usava a oportunidade de narrativa ou não dava a JM a resposta que ele buscava, JM controlava a narrativa com pedidos de informações específicas. Tal estratégia de exercício do poder institucional contribui para a construção de um estilo que se parece com uma entrevista policial que busca informações.

A ideia de entrevistas policiais pretende um distanciamento da abordagem acusatória dos interrogatórios, depende da criação de uma boa relação com o suspeito e de fazê-lo falar mais livremente, de forma a fornecer mais informações que possam ser usadas como evidência mais para a frente (SHUY, 1998SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception. Londres: Sage Publications, 1998., p. 189; VRIJ, HOPE e FISHER, 2014VRIJ, Aldert; HOPE, Lorraine; FISHER Ronald P. Eliciting Reliable Information in Investigative Interviews. Policy Insights from Behavioral and Brain Sciences, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 129-136, 2014. DOI: https://doi.org/10.1177/2372732214548592
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, p. 132). Apesar da diferença entre os estágios do processo criminal, o CPP brasileiro não diferencia o interrogatório do suspeito do interrogatório do acusado. O código original, escrito em 1941, tinha uma natureza mais acusatória (SILVA, 2016SILVA, Fernando Laércio Alves da. A regra do art. 386 do Código de Processo Penal brasileiro e sua incompatibilidade com a garantia constitucional do estado de inocência. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 172-190, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/25039 . Acesso em: 7 nov. 2022.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 174), sendo possível inferir que essa não diferenciação de âmbitos pode ser um resquício da natureza do juiz que assume o papel de quem busca a verdade. Portanto, encontrar nos resultados da presente pesquisa que os propósitos das perguntas de JM são próximos dos usados em entrevistas policiais, em que se busca exercer menos controle para que o suspeito forneça as provas e mais controle quando as perguntas não são respondidas como previsto, revelou um exercício de poder institucional que parece ter traços acusatórios.

Outra forma de exercício de poder institucional é a natureza adversária do interrogatório. Portanto, identificar até que ponto o ex-juiz usou elementos de confrontação para interrogar o ex-presidente traz à tona a questão se o estilo de JM está de acordo com a imparcialidade exigida pelo ordenamento jurídico brasileiro ou se ele foi “duro” nas suas perguntas como parte da disputa de poder. A subseção 3.2 mostrou que JM usou alguns elementos de confrontação quando não obtinha a resposta para a informação que pedira. Os resultados corroboram a conclusão de Tracy e Parks (2012TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1...
) de que perguntas longas e insistência em um tópico são usadas como estratégia de confrontação. No entanto, a maioria das falas de JM foram curtas (menos de 31 palavras) e eram follow-up questions, perguntas que davam continuidade a algo que fora dito antes. Esse tipo de pergunta não só é comum em entrevistas policiais, como é mais útil para identificar “verdade ou enganação” (INBAU et al., 2004INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession. 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004., p. 117), o que contribui para a conclusão de que o estilo de questionamento é relativamente acusatório.

Enquanto Eades (2010EADES, Diana. Sociolinguistics and the Legal Process. Bristol: Multilingual Matters, 2010., p. 18) identificou que juízes no sistema civil law são inquisitivos, o presente estudo encontrou vários traços de elementos acusatórios, como i) fazer com que o acusado fale mais, de forma a dar espaço para que gere evidências que possam incriminá-lo; ii) usar elementos de controle e confrontação quando as respostas não respondiam à pergunta ou não davam o que o ex-juiz considerava ser informação suficiente; iii) repetir e parafrasear perguntas sobre o mesmo tópico incansavelmente na tentativa de conseguir uma resposta diferente. Características de um interrogatório mais inquisitivo também estiveram presentes, com mais de 22% de pedidos de esclarecimento e 8,1% de pedidos de confirmação, que somam aproximadamente 30% de perguntas relacionadas a provas que já tinham sido coletadas. Em resumo, no caso examinado, o poder institucional foi exercido de forma sistemática com uma abordagem predominantemente acusatória.

Um juiz imparcial que examina as provas e esclarece dúvidas a respeito dessas mesmas provas sem influência externa é o ideal, mas inalcançável. Resquícios da natureza acusatória do CPP (como a não diferença entre o interrogatório do suspeito, pela polícia, e do acusado, pelo juiz) dão validade à natureza acusatória de interrogatórios, que coloca as instituições judiciárias brasileiras na perigosa posição de “responsáveis pela verdade” (FOUCAULT, 1994FOUCAULT, Michel. Ethics: Essential Works of Foucault 1954-1984. Organização Paul Rabinow. Londres: Penguin, 1994. v. 1., p. 295). Como um estudo de caso, há limitações na generalização dos resultados desta pesquisa (THOMAS, 2017THOMAS, Gary. How to Do Your Research Project: A Guide for Students. 3. ed. Londres: Sage, 2017., p. 156); no entanto, “a construção do conhecimento jurídico deve partir da realidade, a qual deve ser profundamente ‘devassada’ e estudada, a partir da observação das práticas forenses e da interlocução com os atores e sujeitos do processo” (BAPTISTA e PUERARI, 2017BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti; PUERARI, Daniel Navarro. A difícil tarefa de ser um juiz “ativo e imparcial”: um olhar empírico sobre os poderes instrutórios do juiz e o princípio da imparcialidade. Revista de Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídica, Florianópolis, v. 3, n. 1, p. 101-120, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0251/2017.v3i1.2040
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.266...
, p. 103). Além do mais, para se analisar as relações de poder, é importante estabelecer “concretamente - em cada caso específico - quem está engajado na relação, sobre o que a disputa de poder se dá e como, onde, de que forma, por quais meios e qual o processo racional que envolve” (FOUCAULT, 1980FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge. Harlow: Pearson Education, 1980., p. 164, tradução nossa).

O objeto deste artigo é muito rico e poderia ter sido abordado de diversas maneiras. A escolha de focar apenas na interação entre juiz e acusado deixa de lado as interações entre o juiz e os advogados e promotores, por exemplo. Outro aspecto que deixou de ser mencionado foi a questão de construção da identidade. Considerando os três papéis que um juiz pode assumir em um processo (MORAES, 2014MORAES, Voltaire de Lima. Do interrogatório do réu no processo penal. Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Brasília, 25 nov. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.conamp.org.br/publicacoes/artigos-juridicos/4675-do-interrogatorio-do-reu-no-processo-penal-4675.html . Acesso em: 28 ago. 2019.
https://www.conamp.org.br/publicacoes/ar...
), uma análise sobre construção de identidade social poderia ter enriquecido o trabalho. Essas, contudo, podem ser pesquisas futuras.

O presente estudo mostrou que o interrogatório do acusado pode parecer-se com uma entrevista policial. Esse é um achado importante, porque os dois ambientes estão não só em momentos diametralmente opostos do processo, como têm propósitos diferentes. Na realidade, perceber que juízes acham que podem intervir em todos os estágios de um processo (investigação, elaboração e exame de provas) nos faz perguntar se essa prática é condizente com o Código de Ética da Magistratura e se deixa espaço para um processo justo.

AGRADECIMENTOS

A autora agradece à Dra. Tereza Spilioti pelo apoio e pela orientação durante o mestrado, que resultou neste artigo. Agradece também aos revisores e ao grupo editorial da Revista Direito GV pelas observações construtivas.

REFERÊNCIAS

  • ALDRIDGE, Michelle; LUCHJENBROERS, June. Linguistic Manipulations in Legal Discourse: Framing Questions and ‘Smuggling’ Information. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 85-107, 2007. DOI: 10.1558/ijsll.v14i1.85
    » https://doi.org/10.1558/ijsll.v14i1.85
  • BAFFY, Marta; MARSTERS, Alexandria. The Constructed Voice in Courtroom Cross-Examination. International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 22, n. 2, p. 143-165, 2015. DOI: 10.1558/ijsll.v22i2.17895
    » https://doi.org/10.1558/ijsll.v22i2.17895
  • BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti; PUERARI, Daniel Navarro. A difícil tarefa de ser um juiz “ativo e imparcial”: um olhar empírico sobre os poderes instrutórios do juiz e o princípio da imparcialidade. Revista de Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídica, Florianópolis, v. 3, n. 1, p. 101-120, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0251/2017.v3i1.2040
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0251/2017.v3i1.2040
  • BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Código de Ética da Magistratura Nacional, de 26 de agosto de 2008. Diário da Justiça da República Federativa do Brasil, Brasília, DF: Presidência. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.jus.br/publicacoes/codigo-de-etica-da-magistratura Acesso em: 13 jun. 2019.
    » http://www.cnj.jus.br/publicacoes/codigo-de-etica-da-magistratura
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 7 nov. 2022.
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Diário Oficial da União de 13 de outubro de 1941, p. 19699, Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529749/codigo_de_processo_penal_1ed.pdf Acesso em: 19 mar. 2019.
    » http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529749/codigo_de_processo_penal_1ed.pdf
  • BUCHOLTZ, Mary. The Politics of Transcription. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 32, n. 10, p. 1439-1465, 2000. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(99)00094-6
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0378-2166(99)00094-6
  • BUSHWAY, Shawn D.; PIEHL, Anne Morrison. Judging Judicial Discretion: Legal Factors and Racial Discrimination in Sentencing. Law & Society Review, [s. l.], v. 35, n. 4, p. 733-764, 2001. DOI: https://psycnet.apa.org/doi/10.2307/3185415
    » https://doi.org/https://psycnet.apa.org/doi/10.2307/3185415
  • CHOI, Hansoo et al Too Big to Jail? Company Status and Judicial Bias in an Emerging Market. Corporate Governance: An International Review, [s. l.], v. 24, n. 2, p. 85-104, 2016. DOI: https://doi.org/10.1111/corg.12142
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/corg.12142
  • CONLEY, John M.; O’BARR, William M. Just Words: Law, Language and Power. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2005.
  • COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. An Introduction to Forensic Linguistics: Language and Evidence. Nova York: Routledge, 2007.
  • DEPOIMENTO de Lula ao juiz Sérgio Moro - Completo. Curitiba, 2017. Son., color. Publicado pelo canal EXAME. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PcQo35lle0Y&t=9s Acesso em: 8 nov. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=PcQo35lle0Y&t=9s
  • EADES, Diana. Sociolinguistics and the Legal Process Bristol: Multilingual Matters, 2010.
  • FOUCAULT, Michel. Ethics: Essential Works of Foucault 1954-1984. Organização Paul Rabinow. Londres: Penguin, 1994. v. 1.
  • FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge Harlow: Pearson Education, 1980.
  • GIBBONS, John. Questioning in Common Law Criminal Courts. In: GIBBONS, John; TURELL, M. Teresa (orgs.). Dimensions of Forensic Linguistics Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2008.
  • GIBBONS, John. Forensic Linguistics: An Introduction to Language in the Justice System. Oxford: Blackwell Publishing, 2003.
  • GNISCI, Augusto; PONTECORVO, Clotilde. The Organization of Questions and Answers in the Thematic Phases of Hostile Examination: Turn-by-Turn Manipulation of Meaning. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 36, n. 5, p. 965-995, 2004. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2003.10.005
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.pragma.2003.10.005
  • HAWORTH, Kate. The Dynamics of Power and Resistance in Police Interview Discourse. Discourse and Society, [s. l.], v. 17, n. 6, p. 739-759, 2006. DOI: https://doi.org/10.1177/0957926506068430
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177/0957926506068430
  • HEFFER, Chris. Narrative in the Trial: Constructing Crime Stories in Court. In: COULTHARD, Malcolm; JOHNSON, Alison. The Routledge Handbook of Forensic Linguistics Londres, 2010. DOI: https://doi.org/10.4324/9780203855607
    » https://doi.org/https://doi.org/10.4324/9780203855607
  • HEFFER, Chris. The Language of Jury Trial: A Corpus-Aided Analysis of Legal-Lay Discourse. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2005.
  • HENNING, Tim. Judicial Summation: The Trial Judge’s Version of the Facts or the Chimera of Neutrality. International Journal for the Semiotics of Law, [s. l.], v. 12, p. 171-213, 1999. DOI: https://doi.org/10.1023/A:1008942707893
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1023/A:1008942707893
  • HEPBURN, Alexa; BOLDEN, Galina B. The Conversation Analytic Approach to Transcription. In: SIDNELL, Jack; STIVERS, Tanya (orgs.). The Handbook of Conversation Analysis West Sussex: Blackwell Publishing, 2013.
  • HERITAGE, John. The Limits of Questioning: Negative Interrogatives and Hostile Question Content. Journal of Pragmatics, [s. l.], v. 34, n. 10-11, p. 1427-1446, 2002. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00072-3
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00072-3
  • HYMES, Dell. Ethnography, Linguistics, Narrative Inequality: Towards an Understanding of Voice. Londres: Taylor & Frances, 1996.
  • INBAU, Fred E.; REID, John E.; BUCKLEY, Joseph P.; JAYNE, Brian C. Criminal Interrogation and Confession 4. ed. Massachusetts: Jones and Bartlett Publishers, 2004.
  • KERCHE, Fábio. Independência, Poder Judiciário e Ministério Público. Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 84, p. 567-580, 2018. DOI: https://doi.org/10.9771/ccrh.v31i84.24661
    » https://doi.org/https://doi.org/10.9771/ccrh.v31i84.24661
  • MARQUES, Débora. A tentativa da construção sequencial da verdade num interrogatório policial da delegacia de repressão a crimes contra a mulher. Veredas - Revista de Estudos Linguísticos, Juiz de Fora, v. 1, p. 61-79, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo51.pdf Acesso em: 7 nov. 2022.
    » https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/artigo51.pdf
  • MARQUES, Débora; CABRAL BASTOS, Liliana. Construindo a culpa em interrogatórios policiais: recontextualizações e formulações de perguntas nas falas de um inspetor. Veredas - Revista de Estudos Linguísticos, Juiz de Fora, v. 16, n. 1, p. 130-148, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/article/view/25044 Acesso em: 7 nov. 2022.
    » https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/article/view/25044
  • MIRZA, Flávio. Processo justo: o ônus da prova à luz dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo Revista Eletrônica de Direito Processual, [s. l.], v. 5, n. 5, 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/download/23103/16456 Acesso em: 20 ago. 2019.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/download/23103/16456
  • MORAES, Voltaire de Lima. Do interrogatório do réu no processo penal. Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Brasília, 25 nov. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.conamp.org.br/publicacoes/artigos-juridicos/4675-do-interrogatorio-do-reu-no-processo-penal-4675.html Acesso em: 28 ago. 2019.
    » https://www.conamp.org.br/publicacoes/artigos-juridicos/4675-do-interrogatorio-do-reu-no-processo-penal-4675.html
  • MORO, Sergio. Sobre a operação Lava Jato. In: PINOTTI, Maria Cristina (org.). Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas. São Paulo: Portfólio Penguim, 2019. p. 184-216.
  • OAB RS. Novo Código de Processo Civil anotado Porto Alegre: OAB RS, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.oabrs.org.br/novocpcanotado/novo_cpc_anotado_2015.pdf Acesso em: 13 jun. 2019.
    » http://www.oabrs.org.br/novocpcanotado/novo_cpc_anotado_2015.pdf
  • OLIVEIRA, Wellington de. Aplicando técnicas de entrevista e interrogatório na investigação: método Reid. Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.pc.ms.gov.br/?page_id=344 Acesso em: 7 nov. 2022.
    » http://www.pc.ms.gov.br/?page_id=344
  • PHILIPS, Susan U. Ideology in the Language of Judges: How Judges Practice Law, Politics, and Courtroom Control. Oxford: Oxford University Press, 1998.
  • SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ. 13a Vara Federal do Paraná. Termo de transcrição: do interrogatório de Luiz Inácio Lula da Silva, colhido na ação penal n. 5046512­94.2016.404.7000. Curitiba, 2017. 118 p. Disponível em: Disponível em: https://static.poder360.com.br/2017/05/transcricao_interrogatorio_lula_moro_10.mai_.pdf Acesso em: 8 nov. 2022.
    » https://static.poder360.com.br/2017/05/transcricao_interrogatorio_lula_moro_10.mai_.pdf
  • SHUY, Roger W. The Language of Confession, Interrogation and Deception Londres: Sage Publications, 1998.
  • SILVA, Fernando Laércio Alves da. A regra do art. 386 do Código de Processo Penal brasileiro e sua incompatibilidade com a garantia constitucional do estado de inocência. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 172-190, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/25039 Acesso em: 7 nov. 2022.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/25039
  • STYGALL, Gail. Trial Language: Differential Discourse Processing and Discursive Formation. Filadélfia: John Benjamins Publishing Co., 1994.
  • THOMAS, Gary. How to Do Your Research Project: A Guide for Students. 3. ed. Londres: Sage, 2017.
  • TRACY, Karen. How Questioning Constructs Judges’ Identities: Oral Argument about Same-Sex Marriage. Discourse Studies, [s. l.], v. 11, n. 2, p. 199-221, 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/24049758 Acesso em: 7 nov. 2022.
    » https://www.jstor.org/stable/24049758
  • TRACY, Karen; PARKS, Russell M. ‘Tough Questioning’ as Enactment of Ideology in Judicial Conduct: Marriage Law Appeals in Seven US Courts. The International Journal of Speech, Language and the Law, [s. l.], v. 19, n. 1, p. 1-25, 2012. DOI: 10.1558/ijsll.v19i1.1
    » https://doi.org/10.1558/ijsll.v19i1.1
  • ULMER, Jeffery T. Recent Developments and New Directions in Sentencing Research. Justice Quarterly, Greenbelt (Maryland), v. 29, n. 1, p. 1-40, 2012. DOI: https://doi.org/10.1080/07418825.2011.624115
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/07418825.2011.624115
  • ULMER, Jeffery T.; JOHNSON, Brian. Sentencing in Context: A Multilevel Analysis. Criminology, [s. l.], v. 42, n. 1, p. 137-177, 2004. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.2004.tb00516.x
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.2004.tb00516.x
  • VAN DIJK, Teun A. Socio-Cognitive Discourse Studies. In: FLOWERDEW, John; RICHARDSON, John E. (orgs.). The Routledge Handbook of Critical Discourse Studies Londres: Taylor &Francis Group, 2018.
  • VAN DIJK, Teun A. Ideology and Discourse: A Multidisciplinary Introduction. Barcelona: Ariel, 2003. Disponível em: Disponível em: http://www.discursos.org/unpublished%20articles/Ideology%20and%20discourse.pdf Acesso em: 5 jan. 2019.
    » http://www.discursos.org/unpublished%20articles/Ideology%20and%20discourse.pdf
  • VRIJ, Aldert; HOPE, Lorraine; FISHER Ronald P. Eliciting Reliable Information in Investigative Interviews. Policy Insights from Behavioral and Brain Sciences, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 129-136, 2014. DOI: https://doi.org/10.1177/2372732214548592
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177/2372732214548592
  • 1 Convenções de transcrição
    [ Sobreposição
    [] Sobreposição ao fundo
    = Sem espaço entre pergunta e resposta
    . Entonação final para baixo
    (.) Micropausa
    , Entonação que indica continuação
    ? Entonação que indica pergunta
    - Corte
    : Alongamento de som
    Underlying Ênfase
    CAPITAL LETTER Volume alto
    >< Rapidez
    (1) Pausa de 1 segundo (HEPBURN e BOLDEN, 2013HEPBURN, Alexa; BOLDEN, Galina B. The Conversation Analytic Approach to Transcription. In: SIDNELL, Jack; STIVERS, Tanya (orgs.). The Handbook of Conversation Analysis. West Sussex: Blackwell Publishing, 2013., p. 59-62)
  • 3
    Como citar este artigo: CABRAL, Débora. Poder por meio de perguntas: interrogatório do ex--presidente Lula. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2310, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202310

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2021
  • Aceito
    13 Set 2022
Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo Rua Rocha, 233, 11º andar, 01330-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799 2172 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistadireitogv@fgv.br