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Defensorias Públicas: caminhos e lacunas no acesso à justiça

PUBLIC DEFENSE: PATHS AND GAPS IN ACCESS TO JUSTICE

Resumo

O artigo visa analisar como as Defensorias Públicas têm buscado ampliar a utilização de métodos extrajudiciais de solução de conflitos. Por meio de pesquisa qualitativa, utilizam-se fontes secundárias para descrever o cenário nacional quanto ao acesso à justiça, as formas de solução de conflitos e a constituição das Defensorias Públicas no Brasil, enquanto questionários enviados às Defensorias e entrevistas para delinear um estudo de caso junto à Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) complementaram os procedimentos metodológicos. Os achados de pesquisa apontam que as Defensorias reconhecem a importância da ampliação de sua atuação extrajudicial, mas não como atuação prioritária. Ademais, indicam que a DPMG procura fortalecer seus instrumentos de gestão para ampliar o escopo de sua atuação. Conclui-se que tais instituições ainda não conseguem promover o acesso à justiça em seu sentido amplo, uma vez que seus esforços estão voltados primordialmente à atuação dentro dos processos judiciais. O artigo contribui em termos teóricos para preencher lacuna nos poucos estudos sobre a atuação das Defensorias no país, enquanto a contribuição empírica reforça a necessidade de fortalecimento do papel estratégico dessas instituições em um país de expressiva desigualdade no acesso à justiça.

Palavras-chave
Defensorias Públicas; atuação extrajudicial; acesso à justiça; meios de solução de conflitos; Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais

Abstract

This research paper aims to analyze how Public Defenses have been trying to expand the use of extrajudicial conflict resolution methods. Through qualitative research, secondary sources are used to describe the national scenario regarding access to justice, forms of conflict resolution and the constitution of Public Defense in Brazil, while questionnaires sent to Defenses and interviews to outline a case study of the Public Defense of Minas Gerais (DPMG) complemented the methodological procedures. The research findings point out that the studied Defense’s offices recognize the importance of expanding their extrajudicial action, but that is not a priority. Furthermore, it points out that the DPMG seeks to strengthen its management instruments to expand the scope of its activities. It is concluded that such institutions are still unable to promote access to justice in its broad sense, since their efforts are primarily focused on acting within judicial processes. The article contributes in theoretical terms to fill the gap in the few studies on the work of Defenders in the country, while the empirical contribution reinforces the need to strengthen the strategic role of these institutions in a country with strong inequality in access to justice.

Keywords
Public Defense; extrajudicial action; access to justice; conflict resolution; Public Defense of Minas Gerais

Introdução

O Poder Judiciário tem relevante papel na efetivação de direitos, na resolução de controvérsias e na pacificação dos conflitos sociais. Porém, no Brasil, o acesso a ele se mostra muito distante da realidade de grande parte da população. Os principais entraves referem-se à sua dimensão estrutural, uma vez que sua cobertura não é homogênea no país, o que torna inevitável a exclusão de determinados atores e demandas; à morosidade dos processos; ao desconhecimento, por parte dos cidadãos, de seus próprios direitos e das instituições responsáveis por efetivá-los; e ao fato de que, na maioria dos casos, estar em juízo exige capacidade postulatória, quase sempre restrita aos profissionais do direito, cuja contratação requer recursos de que a maioria dos cidadãos não dispõe, reforçando a complexidade dos procedimentos judiciais e a falta de transparência na prestação jurisdicional, tal como apontam Silva (2017SILVA, Nathane Fernandes da. O diálogo dos excluídos: a mediação social informativa como instrumento de ampliação do acesso à justiça pela via dos direitos no Brasil. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.), Ribeiro (2008RIBEIRO, Ludmila. A Emenda Constitucional 45 e a questão do acesso à justiça. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 465-491, jul. 2008.), Avritzer, Marona e Gomes (2014AVRITZER, Leonardo; MARONA, Marjorie; GOMES, Lílian Cristina Bernardo (orgs.). Cartografia da justiça no Brasil: uma análise a partir de atores e territórios. São Paulo: Saraiva, 2014.) e Vieira e Radomysler (2015VIEIRA, Vanessa Alves; RADOMYSLER, Clio Nudel. A Defensoria Pública e o reconhecimento das diferenças: potencialidades e desafios de suas práticas institucionais em São Paulo. Revista Direito GV, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 455-478, jul./dez. 2015.).

Os estudos de Santos (2011SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.) e Sinhoretto (2011SINHORETTO, Jacqueline. A justiça perto do povo: reformas e gestão de conflitos. São Paulo: Alameda, 2011.) também descrevem tal realidade brasileira de inacessibilidade ao sistema de justiça pelos setores populares, com Wolkmer (2001WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico. São Paulo: Alfa-Omega, 2001.) destacando como entrave um judiciário de cultura positivista, configurado, historicamente, como um órgão elitista, apegado a formalismos que o tornam moroso e oneroso.

O reconhecimento de que o acesso à justiça não se restringe ao acesso ao judiciário tem se mostrado de extrema relevância, segundo Sadek (2009SADEK, Maria Tereza Aina. Acesso à justiça: porta de entrada para a inclusão social. In: LIVIANU, Roberto (coord.). Justiça, cidadania e democracia. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2009. p. 170-180.). Avritzer, Marona e Gomes (2014AVRITZER, Leonardo; MARONA, Marjorie; GOMES, Lílian Cristina Bernardo (orgs.). Cartografia da justiça no Brasil: uma análise a partir de atores e territórios. São Paulo: Saraiva, 2014.) apresentam uma concepção de acesso à justiça denominada acesso à justiça pela via dos direitos. Segundo os autores, ela “envolve dois níveis: ampliação da efetivação dos direitos e ampliação da possibilidade de participação na conformação dos direitos” (AVRITZER, MARONA e GOMES, 2014AVRITZER, Leonardo; MARONA, Marjorie; GOMES, Lílian Cristina Bernardo (orgs.). Cartografia da justiça no Brasil: uma análise a partir de atores e territórios. São Paulo: Saraiva, 2014., p. 20).

A ideia de acesso à justiça pela via de direitos se contrapõe à concepção liberal de acesso à justiça, que se ampara em um projeto político de tipo liberal, que busca a concretização de objetivos universais sem, contudo, se preocupar com particularidades e especificidades existentes na sociedade. Na concepção liberal de acesso à justiça, o indivíduo é visto como um sujeito de direito por excelência e a produção racional do direito é funcionalmente determinada. Dessa forma, o judiciário assume uma posição de neutralidade política. Ocorre que projetos universalistas, amparados na ideia de igualdade, acabam por perpetuar os níveis de desigualdade, principalmente onde há diversidades culturais e desigualdades sociais extremas, como ocorre no Brasil (MARONA, 2013MARONA, Marjorie Corrêa. Acesso à qual justiça? A construção da cidadania brasileira para além da concepção liberal. 2013. 247 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013., p. 22).

Apresentando o que denominam cartografia da justiça brasileira, Avritzer, Marona e Gomes (2014AVRITZER, Leonardo; MARONA, Marjorie; GOMES, Lílian Cristina Bernardo (orgs.). Cartografia da justiça no Brasil: uma análise a partir de atores e territórios. São Paulo: Saraiva, 2014.) demonstram a seletividade do sistema de justiça, concentrado nas áreas de maior índice de desenvolvimento econômico. Ademais, a partir da análise dos atores que acessam esse sistema, os autores apontaram que atores estatais e econômicos impõem um padrão de litigância não apropriado à construção da cidadania. Esse diagnóstico corrobora as limitações da concepção liberal de acesso à justiça, pautada na individualização dos direitos e na igualdade formal dos indivíduos.

Cumpre ressaltar que o panorama do sistema formal de justiça, distante fisicamente da população mais necessitada e incapaz de compreender, em muitas situações, a realidade dos conflitos que chegam a suas mãos, tem o efeito perverso de ampliar os níveis de desigualdade existentes no país, uma vez que constitui uma barreira tanto para o processamento de demandas quanto para o reconhecimento de direitos. Esse cenário aponta para a necessidade de se pensar em “políticas públicas que aproximem os indivíduos e grupos - principalmente os mais necessitados - de mecanismos, para além das instituições judiciárias, que possibilitem a concretização desses direitos” (SILVA, 2017SILVA, Nathane Fernandes da. O diálogo dos excluídos: a mediação social informativa como instrumento de ampliação do acesso à justiça pela via dos direitos no Brasil. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017., p. 40).

Reconhecer o pluralismo jurídico e judicial implicaria reconhecer a legitimidade de instâncias não judiciais desenvolvidas formal ou informalmente tanto pelo próprio Estado quanto pela sociedade (OXHORN e SLAKMON, 2005OXHORN, Philip; SLAKMON, Catherine. Microjustiça, desigualdade e cidadania democrática: a construção da sociedade civil através da justiça restaurativa no Brasil. In: BASTOS, Márcio Thomaz; LOPES, Carlos; RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (orgs.). Justiça restaurativa: coletânea de artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005. p. 187-210.).

Para além do reconhecimento do pluralismo jurídico, a criação das Defensorias Públicas no Brasil buscou superar dificuldades de acesso à justiça e garantir, inicialmente, que os cidadãos que não dispusessem de condições suficientes tivessem suas demandas analisadas pelos órgãos do Poder Judiciário. Sadek (2019SADEK, Maria Tereza Aina. Apresentação: Defensoria Pública e vulnerabilizados. In: SIMÕES, Lucas Diz et al. (orgs.). Defensoria Pública e a tutela dos coletivamente vulnerabilizados. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019. p. 15-18.) destaca que em um país como o Brasil, marcado por significativos índices de desigualdade econômica e social, o papel da Defensoria cresce em importância. Para a autora, a amplitude de atribuições da instituição possibilita que esta possa lutar contra situações que tornem o indivíduo vulnerável e, ainda, contribuir para que o conceito de igualdade jurídica não seja apenas formal.

Entretanto, embora as Defensorias tenham papel fundamental na transformação da sociedade, as dificuldades enfrentadas pelas Defensorias em atender a todas as demandas a elas direcionadas são visíveis. Em muitos estados, a Defensoria só foi instituída recentemente, e, de forma geral, essas instituições ainda contam com um enorme déficit de recursos materiais e humanos e concentram um número expressivo de demandas sociais, sejam elas individuais, sejam coletivas (SANTOS, 2011SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.). Para contornar essas dificuldades e se alinhar à sua missão institucional, as Defensorias têm buscado ampliar sua atuação coletiva e, ainda, sua atuação extrajudicial (VIEIRA e RADOMYSLER, 2015VIEIRA, Vanessa Alves; RADOMYSLER, Clio Nudel. A Defensoria Pública e o reconhecimento das diferenças: potencialidades e desafios de suas práticas institucionais em São Paulo. Revista Direito GV, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 455-478, jul./dez. 2015.).

Diante da problemática apresentada, o presente artigo objetiva analisar a relevância que as Defensorias Públicas têm dado à sua atuação extrajudicial, comparada à sua atuação judicial, e, consequentemente, como essa forma de atuação tem contribuído para o acesso à justiça. Foi utilizada como estudo de caso a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG).

1. Métodos extrajudiciais de solução de conflitos

A compreensão do acesso à justiça, segundo Cappelletti e Garth (1988CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.), começou a ser vista como algo além do simples esforço de garantir a todos os indivíduos acesso a representação judicial. Passou-se a tratar de instituições, mecanismos e pessoas capazes de processar e dirimir conflitos da sociedade, e a preocupar-se com a escolha adequada de técnicas a serem utilizadas para cada demanda.

Mancuso (2015MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015., p. 226) aponta que, em uma democracia participativa e pluralista, a atuação do judiciário deve se pautar em critérios seletivos, “ou seja, deve ser utilizada apenas nos casos em que o conflito não pode ser solucionado por outros métodos auto ou heterocompositivos”. Assim, deve-se priorizar as práticas em que os envolvidos ganhem protagonismo na solução de seus conflitos e possam reconhecer seus direitos e deveres na relação estabelecida.

Na mesma esteira, Sales e Rabelo (2009SALES, Lilia Maia de; RABELO; Cilana de Morais Soares. Meios consensuais de solução de conflitos: instrumentos de democracia. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 182, p. 75-88, abr./jun. 2009.) destacam a natureza democrática da utilização dos meios adequados de solução de controvérsias. Como estes consistem em práticas que buscam resolver o conflito por meio do diálogo e contam com a participação ativa e a valorização dos envolvidos, acabam contribuindo para uma nova visão de cidadania, na qual o indivíduo se torna protagonista de suas escolhas.

Diversos são os métodos de atuação para solução extrajudicial de conflitos e consolidação de direitos. Orsini e Silva (2016ORSINI, Adriana Goulart de Sena; SILVA, Nathane Fernandes da. A pluriparcialidade como novo elemento da mediação: repensando a atuação do mediador a partir das noções de neutralidade, imparcialidade e equidistância. Revista Opinião Jurídica, Fortaleza, ano 14, n. 19, p. 13-32, jul./dez. 2016., p. 15), ao tratarem da “mediação”, salientam que ela “tem por essência proporcionar espaços de participação dialógica aos mediados que, com o auxílio do mediador, têm a oportunidade de se comunicarem sob outro viés, voltado ao entendimento mútuo e à busca de soluções satisfatórias para seus conflitos”. Silva (2017SILVA, Nathane Fernandes da. O diálogo dos excluídos: a mediação social informativa como instrumento de ampliação do acesso à justiça pela via dos direitos no Brasil. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017., p. 16) ressalta, ainda, que a “mediação” possibilita “que indivíduos e grupos marginalizados possam ressignificar suas relações com a justiça e com o direito, de modo a readequá-los às realidades por eles vivenciadas, bem como auxiliá-los no acesso aos direitos de cidadania já consolidados e a serviços básicos para a promoção de uma vida digna”.

Embora não permita esse diálogo mais profundo, a “conciliação” também apresenta vantagens. Cappelletti e Garth (1988CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.) destacam que entre elas está não apenas a solução mais rápida dos problemas, mas também o fato de que as decisões tomadas no curso da “conciliação” são mais facilmente aceitas do que as decisões judiciais, uma vez que as primeiras se fundam em acordos estabelecidos entre as partes.

Outra forma extrajudicial de resolução de conflitos que merece destaque é a chamada “justiça restaurativa”, que, segundo Gimenez e Spengler (2018GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion. A Justiça Restaurativa como instrumento de fortalecimento da cultura de paz: uma nova perspectiva para a execução das medidas socioeducativas no Brasil. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 8, n. 1, p. 264-260, abr. 2018.), encoraja vítima e ofensor a assumirem papéis mais ativos na solução de seus conflitos, cabendo ao agente-público apenas o papel de facilitador. Ademais, ela proporciona a participação da comunidade e procura assegurar ações reparadoras concretas das consequências de um crime. Batitucci et al. (2010BATITUCCI, Eduardo Cerqueira et al. A justiça informal em linha de montagem: estudo de caso da dinâmica de atuação do JECrim de Belo Horizonte. Civitas: revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 245-269, maio/ago. 2010., p. 260) destacam, também, que a adoção dessa estratégia se distancia “da parcialidade e seletividade características das instâncias tradicionais de processamento judicial”, que, no Brasil, têm um caráter extremamente privatista e formalista.

É importante enfatizar que não há um rol exaustivo de práticas, podendo surgir outros desenhos de projetos, inclusive mais adequados, a serem utilizados para resolver determinadas demandas. Em geral, verifica-se que a atuação no âmbito extrajudicial tende não apenas a possibilitar novas opções de acesso à justiça, mas a permitir maior participação do cidadão, seja pela escolha do responsável pela solução do conflito, seja pela sua participação na construção do resultado alcançado. Essa participação na busca pela solução e, em algumas situações, pela reconstrução ou manutenção de vínculos pode proporcionar um ganho social e a ampliação do conhecimento sociojurídico dos cidadãos e permitir que as pessoas tenham melhores condições de reconhecer a violação de seus direitos e os meios necessários para defendê-los.

A título de exemplo, menciona-se o Juspopuli - Escritório de Direitos Humanos implementado desde 2001 em bairros de Salvador, Bahia, e cujas práticas de mediação ainda ocorrem. Leonelli e Mesquita (2004LEONELLI, Vera; MESQUITA, Jerônimo. Direitos humanos, acesso à justiça e mediação popular. Bahia: Análise & Dados, Salvador, v. 14, n. 1, p. 79-85, jun. 2004.) frisam a crescente credibilidade e valorização do serviço pela comunidade, que reconhece o agente de cidadania ou o mediador popular responsável pela condução dos trabalhos. Ademais, apontam que os mediadores facilitam a construção de soluções criativas e pacíficas para o conflito, muitas vezes não previstas no ordenamento jurídico.

Destaca-se, ainda, a implementação dos Centros de Atendimento Multidisciplinar (CAM), da Defensoria Pública de São Paulo, pioneira na oferta de atendimento jurídico interdisciplinar em larga escala. Segundo Alves e Nascimento (2020ALVES, Cleber Francisco; NASCIMENTO, Isabela Vitória Bernardo do. A importância do atendimento interdisciplinar na Defensoria Pública para a garantia do acesso integral à justiça. In: OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de et al. (orgs.). Teoria geral da Defensoria Pública. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020. p. 37-68.), em 2017 o CAM registrou 65% de êxito na solução de conflitos pela via extrajudicial, indicando que ele poderá auxiliar na desobstrução do judiciário.

No âmbito da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Kirchner (2020KIRCHNER, Felipe. Defensoria Pública como instância realizadora da resolução extrajudicial de conflitos: potencialidade de atuação institucional na seara da mediação, da conciliação e da arbitragem. In: OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de et al. (orgs.). Teoria geral da Defensoria Pública. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020. p. 255-326.) apresentou diversos projetos extrajudiciais exitosos, entre eles a adoção da metodologia de trabalho em rede de cooperação e gestão sistêmica nas ações de saúde, que, na capital, permitiu que aproximadamente 90% dos assistidos na área da saúde tivessem suas demandas resolvidas pela via extrajudicial e reduziu o tempo de espera para as consultas com especialistas nas Unidades Básicas de Saúde.

Registra-se, por oportuno, que, apesar das inúmeras vantagens trazidas pela utilização das práticas extrajudiciais, não se ignora aqui o relevante papel do judiciário na solução de conflitos. Em muitas circunstâncias, ele é responsável por assegurar a simetria entre as partes, além de deter o poder de exigir o cumprimento de suas decisões. Dessa forma, é importante entender que judiciário e os meios autocompositivos devem ser compreendidos como complementares, e não conflitantes.

Gabbay, Faleck e Tartuce (2013GABBAY, Daniela Monteiro; FALECK, Diego; TARTUCE, Fernanda. Meios alternativos de solução de conflitos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.) mencionam que a adoção de mecanismos diversos é essencial para conceber um sistema de resolução de controvérsias eficiente. Isso porque, dessa forma, é possível abranger pessoas com perfis diferentes e realidades distintas. Os autores esclarecem, ainda, que a opção por um ou por outro meio de solução de controvérsias existente não deve se pautar nas deficiências de outras formas de resolução da demanda, mas sim na sua adequação e potencial aptidão para atender o problema e as pessoas envolvidas. É por isso que não se trata de soluções alternativas de resolução de conflitos, mas sim de meios adequados e complementares de solução de conflitos.

2. Defensoria Pública no contexto contemporâneo

A Constituição de 1988 dispõe que a Defensoria Pública é

instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5o desta Constituição Federal. (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2016. Disponível em: Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf . Acesso em: 16 fev. 2023.
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)

Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 80/2014 ampliou o rol de atribuições das Defensorias, com destaque para o fortalecimento de sua atuação no âmbito dos direitos coletivos e, ainda, a possibilidade de atuação extrajudicial.

Santos (2011SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.), ao tratar das Defensorias, enumera as vantagens potenciais decorrentes de sua implementação, quais sejam, a universalização do acesso pela assistência prestada por profissionais formados e recrutados especialmente para esse fim; a assistência jurídica especializada para a defesa de interesses coletivos e difusos; a diversificação do atendimento e da consulta jurídica para além da resolução judicial dos litígios, por meio da conciliação e da resolução extrajudicial de conflitos; e, ainda, a atuação na educação em direitos.

Santos (2011SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.) destaca quatro grandes dificuldades que assolam essas instituições: as características estruturais, organizacionais e funcionais das Defensorias Públicas estaduais, muito variáveis de estado para estado; o desnível na participação no orçamento das Defensorias em face do judiciário e do Ministério Público; a acanhada estrutura da Defensoria Pública da União; e os reduzidos quadros das Defensorias Públicas estaduais em relação às necessidades de uma sociedade como a brasileira.

Essa realidade também é apontada no IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 2015.), último diagnóstico disponível à época da realização da presente pesquisa, que indica as dificuldades enfrentadas por essas instituições, dentre as quais se destacam a distribuição desigual desses órgãos dentro do território nacional e os déficits no seu quadro de funcionários, tanto na área-meio quanto na área-fim.

As Defensorias, diante desse cenário, têm buscado formas de contornar as dificuldades enfrentadas em razão da insuficiência de recursos materiais e humanos por meio do aprimoramento de seus procedimentos internos de gestão, conforme demonstram os trabalhos de Vidal (2014VIDAL, Josep Pont. A Defensoria Pública do Estado do Pará: uma observação sistêmica da capacidade institucional. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 667-694, maio/jun. 2014.) e de Buta e Filho (2016BUTA, Bernardo Oliveira; SILVA FILHO, Antônio Isidro. Assistência jurídica gratuita: serviços da Defensoria Pública da União na ótica da abordagem integradora da inovação. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 67, n. 3, p. 377-406, 2016.).

Assim, as Defensorias têm procurado ampliar sua atuação no âmbito da tutela coletiva, bem como seu repertório de ações extrajudiciais (VIEIRA e RADOMYSLER, 2015VIEIRA, Vanessa Alves; RADOMYSLER, Clio Nudel. A Defensoria Pública e o reconhecimento das diferenças: potencialidades e desafios de suas práticas institucionais em São Paulo. Revista Direito GV, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 455-478, jul./dez. 2015.). Entretanto, embora essas instituições estejam buscando novas formas de promover acesso à justiça aos seus assistidos, sua atuação no âmbito extrajudicial ainda se mostra bastante deficitária. As dificuldades estão muitas vezes relacionadas à sobrecarga de trabalho dos defensores, como atesta Santos (2011SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011., p. 33), que acabam por ser consumidos “por uma justiça altamente rotinizada (litígios individuais cíveis, casos criminais etc.), dificultando o investimento em áreas que consomem mais tempo de trabalho e preparação (tais como litigação de interesses difusos e coletivos, educação em direitos, resolução extrajudicial de conflitos)”.

Mesmo que ainda não tenham ganhado a prioridade necessária dentro das Defensorias, as ações extrajudiciais já são práticas consideradas fundamentais. Dados do Ministério da Justiça (2015MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 2015.) demonstram uma participação significativa de defensores em conselhos de políticas públicas, conferências, comissões, audiências públicas e em outras instituições ou instâncias participativas, principalmente no âmbito de direitos humanos, liberdade criminal e saúde.

As informações obtidas por meio da coleta de dados realizada na presente pesquisa corroboram os dados apresentados pelo Ministério da Justiça (2015MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 2015.) no que tange à busca pelo fortalecimento das ações extrajudiciais pelas Defensorias. No entanto, também apontam alguns entraves para a instituição dessas ações como prática prioritária.

3. Procedimentos metodológicos

A metodologia utilizada nesta pesquisa foi de natureza qualitativa, como sugerido por Denzin e Lincoln (2006DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.), em que se estudam as situações em seu cenário natural e se busca compreender e interpretar os fenômenos nas formas e nos significados que as pessoas a eles conferem.

Inicialmente, realizou-se levantamento bibliográfico, como indicado por Creswell (2010CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e misto. Porto Alegre: Artmed, 2010.), relativo aos temas acesso à justiça, formas adequadas de solução de conflitos e constituição das Defensorias Públicas no Brasil. Posteriormente, coletaram-se dados para preparação de panorama das Defensorias por meio de consulta a seus sítios eletrônicos. Em seguida, elaborou-se questionário enviado a todas as Defensorias do país, que teve como objetivo o levantamento das práticas extrajudiciais em curso em cada instituição e seus resultados, das parcerias realizadas para sua execução, dos desafios para sua implementação e da eventual ocorrência de resistência institucional a essas práticas. O questionário foi respondido integralmente apenas pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro e parcialmente pelas Defensorias Públicas do Amazonas, de Goiás, do Rio Grande do Sul, do Piauí e de São Paulo, o que demonstra baixa adesão ao instrumento e revela as dificuldades de pesquisa na área, conforme relata Machado (2017MACHADO, Maíra Rocha. O estudo de caso na pesquisa em Direito. In: MACHADO, Maíra Rocha. (org.). Pesquisar empiricamente o Direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em Direito, 2017. p. 357-390.).

Seguindo a mesma linha do questionário, elaborou-se roteiro semiestruturado de entrevista, utilizado para a coleta de dados junto à DPMG, escolhida como estudo de caso em razão de sua acessibilidade pelos autores. Além das perguntas incluídas no questionário enviado a todas as Defensorias, indagou-se acerca da implementação do Planejamento Estratégico da DPMG, que traz como prioridade a ação extrajudicial da instituição. Destaca-se que o aprofundamento da análise por meio do estudo de caso realizado teve como objetivo permitir uma compreensão mais precisa do tema proposto e complementar a consulta por questionário (CRESWELL, 2010CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e misto. Porto Alegre: Artmed, 2010.). Justifica-se tal escolha, uma vez que a DPMG foi a segunda Defensoria brasileira a conquistar a posição de órgão autônomo, em 2003, e compartilha dos mesmos problemas e desafios que as demais, conforme o IV Diagnóstico das Defensorias Públicas no Brasil do Ministério da Justiça (2015MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 2015.): quadro de pessoal deficitário, tanto na área-meio como na área-fim, percepção de sobrecarga de trabalho dos defensores e ausência de atendimento em boa parte das comarcas do estado. Ademais, todas as Defensorias no país compartilham dos mesmos objetivos, funções e princípios institucionais, o que as aproxima em sua forma de atuação. Assim, mesmo que se verifiquem diferenças estruturais entre elas, bem como nas escolhas estratégicas de programas e projetos por elas executados, foi possível obter, a partir do estudo de caso, considerações mais amplas acerca da forma de atuação dessas instituições.

Foi realizado um total de 16 entrevistas, sendo 15 com defensores públicos e uma com a coordenadora auxiliar do Centro de Conciliação. Dentre os titulares de Defensorias especializadas, foram entrevistados três de Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH), um da Defesa da Mulher Vítima de Violência - Nudem -, um da Infância e Juventude - DEINJ-Cível -, um da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência, um de Saúde, um da Execução Penal, um de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise, além de quatro defensores da Coordenação Cível da Capital e dois defensores da Coordenação de Família da Capital. A escolha dos entrevistados teve como objetivo conhecer as diversas áreas de atuação da DPMG.

Todas as entrevistas foram transcritas, e a seleção dos dados considerados relevantes foi estruturada com base na seguinte categorização: (i) projetos e ações extrajudiciais em prática na DPMG; (ii) fatores que contribuem para a ampliação da prática extrajudicial; e (iii) fatores que dificultam a ampliação da prática extrajudicial.

A Figura 1, a seguir, sintetiza o percurso metodológico adotado na presente pesquisa.

Figura 1 -
Percurso metodológico

Os obstáculos à realização da pesquisa abrangeram a dificuldade de localizar dados referentes às práticas extrajudiciais, bem como o endereço eletrônico para envio do questionário às instituições, pouco divulgados nos seus sítios eletrônicos, o que reforça a falta de transparência; o baixo número de respondentes aos questionários encaminhados; e a limitada agenda para as entrevistas.

Em relação à DPMG, não houve resistência à realização das entrevistas. Além dos 15 defensores entrevistados e da Coordenadora Auxiliar do Núcleo de Mediação e Conciliação, foram contatados três outros defensores e a Coordenadora de Projetos, Convênios e Parcerias da DPMG, não tendo a entrevista ocorrido com esses últimos por indisponibilidade de agenda.

4. Defensoria Pública: breve panorama nacional

Em levantamento realizado em 2019 e 2020 nos sítios eletrônicos das 26 Defensorias Públicas Estaduais, da Defensoria Pública do Distrito Federal e da Defensoria Pública da União, bem como nos sítios eletrônicos de suas respectivas escolas superiores, verificou-se que ações voltadas ao acesso à justiça para além do acesso ao Poder Judiciário já estão disseminadas nessas instituições. A partir dos dados coletados, foi possível verificar ações e projetos desenvolvidos pelas Defensorias, que estão delineados no Quadro 1.

Quadro 1 -
Formas de atuação extrajudicial das Defensorias Públicas

Verifica-se que todas as Defensorias do país promovem assessoria jurídica consultiva e preventiva, bem como realizam postulação e defesa administrativa. As “conciliações e mediações”, ações que buscam proporcionar a participação direta dos envolvidos na conformação de seus direitos, também são apresentadas como práticas implementadas em todas as entidades. No entanto, os sítios eletrônicos não dispõem de dados estatísticos sobre a questão, por isso não foi possível aferir o grau de efetividade dessas ações, o que reforça os achados de Oliveira e Cunha (2020OLIVEIRA, Fabiana Luci de; CUNHA, Luciana Gross. Os indicadores sobre o Judiciário brasileiro: limitações, desafios e o uso da tecnologia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 16, n. 1, e1948, mar. 2020.), que, ao tratarem dos indicadores sobre o judiciário brasileiro, apontam a necessidade de aprimorar a forma como se produzem os dados, de forma que eles possibilitem, de fato, o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.

Foi possível constatar, ainda, que as Defensorias vêm buscando ampliar sua atuação junto a outras instituições públicas e privadas, bem como junto a lideranças comunitárias e movimentos sociais. Essa forma de atuação interinstitucional ou em parceria com a sociedade civil tende a permitir a solução de situações que demandem atuação em rede e atendimento multidisciplinar, e pode otimizar o atendimento e ampliar o impacto das ações desenvolvidas pelas Defensorias. Ademais, a atuação em rede, principalmente ao lado de instituições públicas, possibilita que muitos casos de violação de direitos se resolvam sem a intervenção do judiciário, pela via administrativa.

Aferiu-se, também, que as Defensorias têm participação ampla em conselhos e comissões, fator que pode ser considerado relevante, haja vista permitir que essas instituições tenham influência na formulação de políticas públicas e estabeleçam um maior contato com outras instituições e com a sociedade civil.

Ações voltadas à promoção de educação em direitos, realizadas por meio das redes sociais, disponibilização de material informativo, realização de seminários e palestras, mostram-se bastante comuns e apresentam certa uniformidade dentro do território nacional. A formação de “Defensores e Defensoras Populares”, capacitação realizada pelas Defensorias com o objetivo de preparar cidadãos para atuarem dentro de suas comunidades, também ocorre em vários estados da federação. Ademais, verifica-se que muitas Defensorias se preocupam em ofertar cursos ou outros programas para indivíduos em cumprimento de penas e para jovens em cumprimento de medidas socioeducativas.

Percebe-se, além disso, que essas instituições têm promovido audiências públicas com frequência, abrindo a possibilidade de diálogo com a sociedade.

Um retrato das articulações realizadas pelas Defensorias Públicas são as parcerias para a realização de testes de paternidade sem a interferência do judiciário. Vistorias em unidades prisionais, visitas a unidades de saúde, escolas e unidades de acolhimento também ocorrem em boa parte das entidades.

Verifica-se, ainda, que as próprias Defensorias Públicas se preocupam em realizar ações de proximidade com os cidadãos, normalmente denominadas “Defensoria Itinerante”.

Já as práticas de “justiça restaurativa” ocorrem em algumas Defensorias, não sendo o número de entidades que aderiram a elas tão expressivo, situação similar à da “arbitragem”, ainda pouco utilizada nessas instituições.

Em síntese, diversas ações e projetos realizados pelas Defensorias Públicas são comuns em várias unidades da federação, podendo-se notar certa uniformidade entre essas instituições no que tange à forma de atuação extrajudicial. Percebe-se, no entanto, que algumas entidades apresentam projetos inovadores voltados à promoção de direitos, geralmente imbricados com a realidade local.

Embora seja possível mapear quais ações são promovidas pelas Defensorias no âmbito nacional a partir dos dados coletados, não foi possível verificar com que frequência e em que condições elas ocorrem, tampouco se as entidades possuem dificuldades para implementá-las. Por esse motivo, realizou-se o aprofundamento da análise por meio de um estudo de caso junto à DPMG, a fim de melhorar a compreensão dessas e de outras questões.

5. Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais: estudo de caso

Atualmente, a DPMG possui unidades instaladas em apenas 110 dos 853 municípios mineiros e conta com 631 defensores públicos e 143 outros servidores (DPMG, 2020DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (DPMG). Transparência. Quadro de Pessoas. Belo Horizonte: DPMG, 2020.).

Buscando aprimorar sua atuação, a DPMG elaborou de 2016 a 2018 o Planejamento Estratégico da instituição e elencou dez desafios para o período 2018-2023, sendo o primeiro o de promover a institucionalização da sua atuação extrajudicial, fator que indica que a DPMG tem compreendido a importância dessa forma de atuação e buscado estabelecer mecanismos para sua ampliação (DPMG, 2018bDEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (DPMG). Planejamento estratégico da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) 2018-2023. Belo Horizonte: DPMG, 2018b.).

A DPMG, além de contar com as Coordenadorias Regionais (Coordenadorias Locais e Defensores do Interior) e as Coordenadorias da Capital (Atendimento, Cível, Criminal e Família e Sucessões), possui nove especializadas, quais sejam, Consumidor; Defesa da Mulher Vítima de Violência; Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais; Pessoa Idosa e Pessoa com Deficiência; Infância e Juventude - Cível; Infância e Juventude - Ato Infracional; Saúde; Urgências Criminais; Segunda Instância e Tribunais Superiores. Além disso, conta com o Núcleo de Atuação Junto aos Tribunais Superiores, o Núcleo Estratégico da Execução Penal e o Núcleo Estratégico da Defensoria Pública de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise.

A pesquisa aponta que a DPMG executa dois projetos extrajudiciais institucionalizados, o “Direito a Ter Pai” e o “Defensoria Pública Itinerante”. O primeiro, criado em 2011, acontece, atualmente, em 52 comarcas do Estado, tendo atendido 30.786 pessoas entre 2014 e 2018 (DPMG, 2018aDEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (DPMG). Relatório de gestão DPMG 2014-2018. Belo Horizonte: DPMG, 2018a.). A ação busca, em parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e o Centro de Reconhecimento de Paternidade (CRP), oferecer, gratuitamente, reconhecimento espontâneo de paternidade/maternidade, reconhecimento socioafetivo e exame de DNA, a fim de evitar o ajuizamento de demandas nessa área. O segundo consiste no atendimento in loco em comunidades que não contam diretamente com estrutura física da instituição. O projeto realizou 3.335 atendimentos em 54 municípios entre 2014 e 2018 (DPMG, 2018aDEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (DPMG). Relatório de gestão DPMG 2014-2018. Belo Horizonte: DPMG, 2018a.).

O desenvolvimento dos demais projetos e das ações normalmente ocorre no âmbito de cada uma das coordenadorias, especializadas ou núcleos, razão pela qual serão descritas a seguir as principais atividades desenvolvidas.

Um dos projetos de destaque da Coordenadoria Cível é o “Defensoria no Lar”, em que os defensores comparecem à casa dos assistidos para solucionar conflitos de vizinhança, o que acontece de forma consensual, na maioria dos casos.

Na Coordenadoria de Família e Sucessões, funciona o “Centro de Mediação e Conciliação Familiar”, que faz atendimento de casos relacionados a alimentos (com exceção de execução de alimentos), divórcio, guarda e reconhecimento espontâneo de paternidade. Atualmente, o Centro de Mediação, que apresenta bons resultados em termos de obtenção de acordos, segundo os entrevistados, funciona na capital e em mais sete comarcas do estado e atua em parceria com o TJMG.

Além do Centro, outros projetos são ou foram desenvolvidos no âmbito da Coordenação de Família. O projeto “Sala de Espera”, por exemplo, é voltado à realização de “Oficinas de Cidadania” e abrange diversas áreas (jurídica, educação, saúde, cultura, segurança e política social). Já o projeto “Casamento Comunitário”, que formalizou a união de 1.629 casais em Belo Horizonte e de 462 no interior do estado entre 2014 e 2018 (DPMG, 2018aDEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (DPMG). Relatório de gestão DPMG 2014-2018. Belo Horizonte: DPMG, 2018a.), objetiva promover a regularização jurídica de casais que ainda não possuem a união oficializada e conta com a participação de diversos parceiros. Outro projeto de destaque, relacionado à educação em direitos, é o “Gestação legal”, que conta com oficinas e palestras que abordam os direitos da gestante e do bebê, realizado em parceria com a Escola Superior da Defensoria de Minas Gerais (ESDEP).

No que se refere às especializadas, verifica-se que todas possuem ações e projetos no âmbito extrajudicial e dialogam, em maior e menor grau, com diversas entidades públicas e privadas. A participação de defensores dessas especializadas em conselhos e comissões, seja na qualidade de membros, seja na qualidade de convidados, também é bastante comum.

A Especializada de Direitos Humanos (EDH) foca na atuação extrajudicial, com ações na proteção à dignidade; no combate à tortura, ao trabalho análogo à escravidão ou em condição degradante e ao tráfico de pessoas; no acolhimento dos imigrantes; nas questões voltadas ao urbanismo; nas varas agrárias (composição de mesa para realização de acordo em ocupações rurais); na proteção à população em situação de rua e à população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e de pessoas intersexo (LGBTQI+); e no sistema prisional. Ela possui, em tese, atuação não regionalizada, e deve abranger todo o estado.

Segundo relatado, é comum ocorrer a mediação de conflitos dentro da EDH, mesmo dentro do judiciário, quando este chama as partes em reunião. Há, ainda, a realização de procedimentos administrativos extrajudiciais para alinhar condutas do poder público, o que ocorre de forma similar ao TAC. A EDH também realiza procedimento administrativo diante do recebimento de denúncias sobre violações ocorridas dentro do sistema carcerário e prática de tortura pelas organizações policiais, de forma a verificar se há necessidade de ingressar com um procedimento judicial ou se é possível estabelecer um diálogo com esses órgãos, a fim de que eles alinhem sua conduta às previsões legais.

Na área de diversidade sexual, a DPMG trabalha com o acesso à informação e à educação em direitos, haja vista que esse público tem dificuldade de acessar o sistema formal para reivindicar seus direitos, e a falta de conhecimento é o principal empecilho para isso.

A EDH ainda desenvolve um projeto chamado “Nenhum direito a menos: combate integral às violações de direitos LGBTI”, em que se busca abarcar todas as questões voltadas ao resguardo de direitos de diversidade sexual, como acertamento de gênero e combate à LGBTFobia, com foco na educação em direitos, no acesso ao trabalho e emprego e no direito à moradia.

No tocante à atuação voltada à população de rua, foi relatado que ela também ocorre principalmente pela via extrajudicial. Destaca-se que a DPMG tem participação no Fórum da População em Situação de Rua, no Comitê Municipal de Monitoramento e Consultoria de Políticas Públicas (na Capital) e no Comitê Estadual. Ademais, realiza atendimento jurídico em conjunto com a Organização não Governamental (ONG) “Banho de Amor”. O projeto é de grande relevância, pois o público atendido tem muita dificuldade de acessar a Defensoria por se sentir constrangido em comparecer à instituição, seja pelas condições de higiene e vestimenta, seja por medo de ser preso.

Outra atuação da DPMG é a realizada contra o recolhimento compulsório de bebês nas maternidades, a qual foi batizada de “Mães Órfãs”, projeto que contou com forte mobilização nacional. A ação é promovida pela EDH e pela Especializada da Infância, com uma rede de parceiros. Atualmente, a retirada compulsória de bebês tem base em duas recomendações elaboradas pelo Ministério Público e em uma portaria do judiciário. A Defensoria foi capaz de dar visibilidade à demanda e, depois de grande mobilização, conseguiu que fossem expedidos pareceres e recomendações de Secretarias Municipais, Estaduais, Federais e de Ministérios com atuação nas áreas da criança e adolescente, da mulher, de direitos humanos e da população em situação de rua. A repercussão chamou a atenção do CNJ, que compareceu na comarca para verificar a situação. A atuação também contou com representação perante a Organização das Nações Unidas (ONU).

A atuação da Especializada de Infância e Juventude - Cível é prioritariamente extrajudicial e em rede.

Participa do “Grupo de Trabalho de Proteção Infantil”, que conta com a colaboração do Ministério Público da Educação, da Secretaria de Assistência Social, do Movimento de Lutas Pró-creche, do Conselho Municipal da Educação e, dependendo do tema a ser discutido, de profissionais da assistência e da saúde. Foi relatado que as reuniões do Grupo geram efeitos concretos para o cidadão e reduzem de forma significativa o número de demandas judiciais, haja vista que elas beneficiam uma coletividade que não necessariamente seria usuária da Defensoria.

Na Especializada na Defesa da Mulher Vítima de Violência (Nudem), as defensoras participam, rotineiramente, de diversas ações que envolvem educação em direitos e prevenção da violência. O “Curso de Defensoras Populares”, realizado em parceria com a ESDEP, foi apontado como uma das ações mais relevantes. O projeto consistiu na oferta de um curso com recorte de gênero, voltado à formação de lideranças femininas, que criou uma rede local de proteção para atender às mulheres vítimas de violência. Foi inspirado em outros cursos realizados nos estados da Bahia e do Espírito Santo e formou mais de cem líderes comunitárias em direito da mulher, para que elas se transformassem em braços das Defensorias dentro das comunidades.

O Nudem também realizou, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, a capacitação de professores da rede pública municipal de Belo Horizonte, para que possam debater em sala a questão da igualdade de gênero, da masculinidade vinculada a violência e noções básicas da Lei Maria da Penha e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Na Especializada da Pessoa Idosa e Pessoa com Deficiência, ocorrem sessões semanais de conciliação, que normalmente abordam conflitos familiares envolvendo idosos. Além disso, a Especializada também tem realizado um trabalho extrajudicial na área de educação da pessoa com deficiência, haja vista que é muito procurada por famílias de alunos com deficiência em decorrência de vários problemas na rede de educação.

Por sua vez, a Especializada da Saúde possui um Termo de Cooperação Técnica com o estado e o município, que já existe desde 2011, cujo objetivo é buscar soluções não judicializadas para os atendimentos na saúde pública.

O Núcleo Estratégico da Defensoria Pública de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise assumiu a maior parte das ações realizadas nos casos dos rompimentos de barragens e impactos em Brumadinho e em outras cidades mineiras. Nesse caso, a DPMG faz um trabalho extrajudicial muito mais de protagonismo das pessoas atingidas pelo rompimento das barragens do que de simples acesso à informação. Segundo relatado, foi realizado, inicialmente, um processo de educação em direitos, de apresentação da Defensoria e de informações sobre os trâmites de uma ação judicial e das possibilidades a serem buscadas no caso. Com esse processo de empoderamento, os próprios atingidos passaram a construir as pautas que gostariam que a Defensoria levasse ao judiciário. Assim, o acompanhamento virou menos uma representação e mais uma orientação. Os atingidos passaram, a partir dessas orientações, a identificar outros órgãos capazes de atender às suas pautas, que não fossem apenas as instituições de justiça. Dessa forma, além da articulação com a Defensoria, eles também conseguem buscar solucionar demandas sem passar pela instituição.

6. Motivações e desafios à consolidação da atuação extrajudicial nas Defensorias Públicas

A pesquisa aponta que as ações extrajudiciais são práticas recentes na DPMG e vêm crescendo gradativamente. Há um consenso, entre os entrevistados, sobre a importância dessa ampliação, principalmente quando ela possibilita conquistas no âmbito coletivo. No entanto, alguns alertam que essa disseminação pode levar algum tempo, pois necessita de mudanças na forma como os defensores pensam sua atuação.

Ainda que a instituição reconheça a importância dessas práticas, os entrevistados relataram que ela não oferece o suporte necessário à sua construção. Nesse sentido, o desenho de um projeto nessa área, via de regra, parte da iniciativa do defensor, que tem ampla liberdade para executá-lo. Os entrevistados destacaram que a submissão de um projeto para a análise da instituição não é um pré-requisito para que ele seja colocado em prática.

Um dos entrevistados observa que a DPMG está começando a entender a importância da atuação extrajudicial, no entanto, possui uma forma de investimento institucional inadequada; destaca que a instituição não pensa com criatividade, foca apenas em replicar os projetos extrajudiciais de atendimento individual para todo o estado.

O fato de o projeto ser de iniciativa do defensor foi considerado natural por um dos entrevistados, haja vista que é o defensor de ponta que tem o conhecimento da área em que atua. Para outros, no entanto, esse fator coloca em risco a continuidade das ações postas em funcionamento. Como as práticas dependem da disponibilidade do defensor que as idealizou para mantê-las, ou da boa vontade do colega que irá substituí-lo em continuar o trabalho, muitas vezes elas são interrompidas ou suspensas.

As entrevistas indicam que muitos defensores compreendem que atuar em determinado projeto é uma opção, já que eles são detentores de independência funcional. De acordo com um dos entrevistados, esse ponto de vista é, inclusive, replicado pela gestão da DPMG, que entende que não tem o poder de exigir do defensor atuação em determinada prática extrajudicial, mesmo existindo no Manual da Corregedoria uma orientação no sentido de que essa forma de atuação é prioritária. Para outro entrevistado, a compreensão correta sobre o que é a independência funcional deve partir da gestão, que deve estabelecer procedimentos para alinhar a atuação da instituição, haja vista que esta deve atuar não de acordo com sua conveniência, mas de acordo com a conveniência do serviço.

Os depoimentos revelam que muitos defensores não compreendem que a atuação extrajudicial é uma de suas atribuições, por isso não se sentem obrigados a executá-la. Há defensores que cooperam com outros defensores na atuação judicial, mas não atuam no extrajudicial porque acham que a instituição está cobrando deles mais do que deveriam fazer. Essa percepção também pode estar ligada à forma como se constrói a formação jurídica, muito voltada a incentivar a litigiosidade e o ajuizamento de demandas. É nesse contexto que Santos (2011SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.) aponta para a necessidade de se repensar o ensino jurídico, incentivando que este estabeleça um diálogo com outros campos do saber e torne os operadores do direito mais aptos a lidarem com os conflitos sociais.

No que tange aos defensores que optam por atuar em projetos extrajudiciais, verifica-se que alguns acreditam que estão realizando uma atividade extra e que merecem ser amplamente reconhecidos pela iniciativa. Há, também, relatos de que a prática extrajudicial, embora seja gratificante, é muito trabalhosa e atrapalha a execução das atividades “normais”. Alguns entrevistados citam simples desinteresse dos colegas na participação em projetos dessa natureza; outros, que algumas pessoas não têm “vocação”, haja vista que a atuação extrajudicial demanda maior disponibilidade e atuação em horários não necessariamente escolhidos pelo defensor. Foi mencionado, ainda, que a atuação vinculada a uma vara do judiciário acaba permitindo um maior controle da agenda por parte do defensor. Isso porque se trata de uma atividade individualizada, em que o profissional define o seu próprio horário de atendimento. No extrajudicial, ele nem sempre tem essa possibilidade, já que a atividade envolve outros atores.

Não se pode perder de vista que essa forma de atuação, fortemente atrelada ao judiciário, desatende à previsão constitucional que incumbe às Defensorias prestar a assistência jurídica integral aos necessitados, tal como defendem Avritzer, Marona e Gomes (2014AVRITZER, Leonardo; MARONA, Marjorie; GOMES, Lílian Cristina Bernardo (orgs.). Cartografia da justiça no Brasil: uma análise a partir de atores e territórios. São Paulo: Saraiva, 2014.) quando afirmam que essas instituições deveriam auxiliar na construção de uma cidadania popular, o que requer uma atuação para além da esfera defensiva e voltada aos tribunais.

Boa parte dos entrevistados relatou que algumas áreas facilitam o desenvolvimento de práticas extrajudiciais, e ressalta que, dentro das coordenadorias, a atuação é mais voltada a atender o volume de processos, uma vez que os prazos impõem um ritmo de trabalho que não permite uma atuação mais preventiva. Já as especializadas propiciam uma atuação extrajudicial mais consistente, por não haver uma infinidade de demandas judiciais. Vieira e Radomysler (2015VIEIRA, Vanessa Alves; RADOMYSLER, Clio Nudel. A Defensoria Pública e o reconhecimento das diferenças: potencialidades e desafios de suas práticas institucionais em São Paulo. Revista Direito GV, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 455-478, jul./dez. 2015.) também afirmam que dentro das especializadas há maior liberdade de trabalho, visto poderem selecionar seus casos e recursos de acordo com seus objetivos.

Os entrevistados destacam, ainda, que nas relações envolvendo o estado, há maior dificuldade em se chegar a soluções consensuais. Freitas (2017FREITAS, Juarez. Direito administrativo não adversarial: a prioritária solução consensual de conflitos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 276, p. 25-46, set./dez. 2017.) ressalta que na administração pública a estratégia principal deve ser a de pacificação, mas ressalta que existem situações inegociáveis. Wrasse e Werle (2019WRASSE, Helena Pacheco; WERLE, Caroline Cristiane. A (im)possibilidade de tratamento consensual de conflitos envolvendo o estado e a administração pública: da legitimação estatal ao empoderamento social. Revista de Direito, [s. l.], v. 2, n. 1, 10 jul. 2019.), por sua vez, embora defendam a necessidade de se incentivar a consensualidade entre cidadão e Estado, apontam que a administração pública se pauta em uma série de regras e princípios que a distinguem do âmbito do direito privado.

Especificamente como implementação de práticas autocompositivas, nota-se, em certos depoimentos, que alguns defensores entendem que o assistido não está apto a reconhecer que um acordo é ruim e que, por isso, não deve fazê-lo. Outros destacam a importância de se admitir que as pessoas têm conhecimento sobre a melhor forma de gerir sua vida, e que o defensor deve reconhecer que o assistido tem o direito de fazer um acordo “ruim”, desde que ele compreenda os termos pactuados. Salientam que para muitos assistidos estar em um processo é algo que causa desconforto e medo, e que o defensor, na sua posição de privilégio, muitas vezes não compreende isso.

Foi destacado, no que tange ao empoderamento do assistido, que a DPMG tem uma visão um pouco ultrapassada, haja vista que ela ainda pensa no protagonismo da instituição, e não no do indivíduo. Há uma dificuldade em se entender a Defensoria como instrumento de mobilização social e de fortalecimento do cidadão, como sugerem Vieira e Radomysler (2015VIEIRA, Vanessa Alves; RADOMYSLER, Clio Nudel. A Defensoria Pública e o reconhecimento das diferenças: potencialidades e desafios de suas práticas institucionais em São Paulo. Revista Direito GV, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 455-478, jul./dez. 2015.). De acordo com um dos entrevistados, a base de atendimento da instituição ainda é muito focada no individual (quantas ações em curso, quantos assistidos atendidos, quantos atendimentos extrajudiciais realizados) e pautada em mecanismos de produtividade.

Há um consenso de que há um déficit de defensores nos quadros da instituição e, ainda, de que há carência de profissionais de outras áreas que possam lançar um olhar técnico e auxiliar o trabalho dos defensores. No mesmo sentido, Vidal (2014VIDAL, Josep Pont. A Defensoria Pública do Estado do Pará: uma observação sistêmica da capacidade institucional. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 667-694, maio/jun. 2014.) aponta que entre as principais dificuldades relatadas na resolução de situações e processos dos assistidos estão o volume de trabalho e a necessidade de fortalecer a estrutura física da Defensoria. Esses dados também estão em consonância com Santos (2011SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011.), que destaca o quadro reduzido de servidores das Defensorias, se comparado às demandas da sociedade, e a sobrecarga de trabalho desses profissionais, que acabam dispendendo boa parte do seu tempo em rotinas relacionadas à judicialização de demandas individuais.

De acordo com um dos entrevistados, no interior do estado, as dificuldades estruturais são ainda maiores. Em muitas comarcas, o defensor fica sozinho, não há nem mesmo alguém para realizar o serviço de limpeza. Ele também tem que acumular suas atribuições com as de gestão da unidade, o que inclui até mesmo a escolha da sede e a condução dos trâmites para locação do imóvel. Quando há remoção do defensor, em muitos casos, a unidade fica sem pessoal, o que impossibilita a continuidade da atuação.

Verifica-se, ainda, a partir das entrevistas, que não há capacidade institucional para uma gestão da informação adequada. A DPMG desconhece, até mesmo, o quantitativo de processos em que atua. Não há um sistema de gerenciamento de processos, e os dados e registros sobre eles são feitos de maneira isolada pelas especializadas, pelas coordenadorias ou até mesmo pelo próprio defensor. Ou seja, não há um conhecimento sistêmico e centralizado sobre a atuação da instituição, fato que pode ocasionar a sobreposição da mesma atividade por mais de um setor, gerar retrabalho, dificultar a atuação em rede e gerar um ônus para o assistido, que, em alguns casos, precisa explicar sua demanda mais de uma vez, caso haja substituição do defensor que trabalha em seu caso. A gestão de informação sobre as práticas extrajudiciais realizadas é ainda pior. As ações, em muitos casos, só são conhecidas pelos defensores que as desenvolveram e por aqueles profissionais que são mais próximos a eles.

O Quadro 2 sintetiza alguns fatores e motivações que contribuem para a ampliação da atuação extrajudicial da DPMG, bem como os fatores e desafios que contribuem para o não desenvolvimento dessas práticas.

Quadro 2 -
Motivações e desafios para a ampliação da atuação extrajudicial

Assim, os dados apontam a coexistência de entraves e motivações à ampliação da atuação extrajudicial da DPMG, os quais possivelmente se reproduzem nas demais Defensorias Públicas do país.

Considerações finais

A partir da análise da forma de atuação da DPMG, é possível constatar que a instituição compreende a importância das ações extrajudiciais e a necessidade de ampliá-las. Há o entendimento de que tal linha de atuação é capaz de ampliar o número de atendimentos e o impacto de suas ações, que podem ter influência direta na elaboração de políticas públicas. A instituição também sabe que o foco na atuação extrajudicial gera um ganho econômico para o Estado e, ainda, um ganho social. Ademais, para os defensores, as práticas extrajudiciais têm a capacidade de promover a educação em direitos e, em muitos casos, possuem um efeito multiplicador.

Apesar disso, é possível constatar, por meio dos dados coletados, que a DPMG ainda não promoveu a institucionalização dessas atividades. Não há, na estrutura administrativa da instituição, um setor responsável por canalizar os projetos dessa natureza, ficando a cargo de cada defensor a elaboração, a execução e a manutenção das ações que entende cabíveis na esfera de sua atuação.

Ademais, embora haja incentivo da alta gestão à promoção e à ampliação das atividades extrajudiciais, como explicitado na documentação consultada, constata-se que o apoio institucional ainda se encontra aquém do necessário. Esse cenário acaba por gerar inúmeros entraves, entre os quais o fato de muitos projetos permanecerem no papel por insuficiência de recursos e, no caso daqueles em andamento, o constante risco de descontinuidade, seja por indisponibilidade de tempo do defensor, seja pela ocorrência de remoção do responsável pelo projeto, seja pela suspensão das parcerias celebradas com outras entidades.

Além da ausência de institucionalização dos projetos e do suporte insuficiente para consolidação de algumas ações, verifica-se que a deficiência no quadro de servidores da instituição compromete sobremaneira sua atuação, principalmente a extrajudicial. Além disso, a falta de servidores nas áreas-meio dificulta a realização de uma série de projetos, que dependem da realização de parcerias com outras instituições.

Outro aspecto que merece destaque relaciona-se à forma como muitos defensores percebem a atuação extrajudicial do órgão. Embora seja função institucional da Defensoria promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, muitos veem as práticas extrajudiciais como atividades que vão além das suas atribuições rotineiras, sentem-se atrelados à vara em que atuam e acreditam que seu trabalho se restringe à demanda judicial que ela gera.

Segundo os entrevistados, para muitos defensores, sua independência funcional é extensiva aos trâmites procedimentais internos e às regras de funcionamento da instituição. Há uma crença de que a independência funcional lhes confere a liberdade para atuar da forma que lhes convém. Não há a percepção de que essa independência está relacionada apenas à sua forma de atuação diante das demandas sociais que lhes são apresentadas. Nesse sentido, não há padronização de atendimento e dos procedimentos, além de não existir a fixação do horário de funcionamento do órgão, uma vez que o defensor entende que tem a liberdade para tomar decisões relacionadas à gestão.

Quanto às ações e aos projetos extrajudiciais em curso, os dados da pesquisa demonstram que boa parte deles só é realizada na capital. Outros são estendidos a poucas comarcas. No interior, dependendo da comarca, só há um defensor lotado e ele acumula todas as funções administrativas, judiciais e extrajudiciais, o que torna difícil a ampliação dessa última.

Os dados coletados junto aos sítios eletrônicos das demais defensorias, bem como por meio das respostas aos questionários, indicam semelhanças em relação à DPMG no que tange à consolidação de práticas extrajudiciais. Dessa forma, verifica-se que essas instituições ainda não conseguem promover o acesso à justiça pela via dos direitos, mantendo-se fortemente vinculadas ao judiciário.

A partir dessa análise, é possível constatar que a ampliação das práticas extrajudiciais das Defensorias no caso brasileiro demanda muito mais do que a simples melhoria de sua estrutura. É necessário que essas instituições repensem sua forma de atuação e reconheçam a importância de promover práticas que fortaleçam as comunidades e os indivíduos. Isso exige a realização de mudanças amplas, que permitam que seus recursos também sejam investidos em projetos que não dependam da simples vontade do defensor.

Embora a atuação das Defensorias junto ao sistema judiciário se mostre extremamente relevante, principalmente no âmbito coletivo, dispender boa parte de seus esforços no âmbito judicial pode implicar dependência do assistido em relação à instituição no que tange à consolidação de seus direitos e à solução de conflitos. Nesse sentido, é importante que essas instituições passem a ampliar práticas que promovam a emancipação e o empoderamento dos indivíduos, uma vez que elas são apontadas pelos estudos sobre a temática como as mais efetivas na promoção do acesso à justiça.

Tendo em vista a amplitude do tema, as dificuldades de acesso aos dados de todas as Defensorias do país e as transformações pelas quais essas instituições têm passado, sugere-se a realização de outros estudos sobre a temática, com a realização de novas coletas de dados e de estudos de casos nas demais defensorias que não foram examinadas de forma direta no presente trabalho, a fim de se promover o debate constante sobre a forma de atuação dessas instituições.

AGRADECIMENTOS

Este artigo é fruto de pesquisa voltada para a elaboração de dissertação do curso de Mestrado em Administração Pública da Escola de Governo “Professor Paulo Neves de Carvalho” da Fundação João Pinheiro. Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro à pesquisa.

REFERÊNCIAS

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  • Como citar este artigo: FAUSTINO, Marcella Raphaella; BATITUCCI, Eduardo Cerqueira; CRUZ, Marcus Vinícius Gonçalves da. Defensorias Públicas: caminhos e lacunas no acesso à justiça. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2314, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202314

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2020
  • Aceito
    14 Out 2022
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