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Carta do editor

Carta do Editor

A consolidação da democracia brasileira trouxe o poder judiciário para o centro do debate público. Sentenças singulares e acórdãos colegiados têm sido cada vez mais discutidos pela sociedade, preocupada com a fundamentação e a justificação das decisões judiciais. Controlar e questionar as escolhas interpretativas feitas pelos juízes está se tornando o cotidiano dos pesquisadores em direito e dos demais participantes da esfera pública.

Esta edição da Revista DIREITO GV reúne textos que se preocupam com esta questão, em especial com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Há dois artigos que não tratam do STF, mas de teoria da interpretação e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou seja, que também se preocupam com a questão da justificação das decisões judiciais.

Além desses textos, a Revista DIREITO GV apresenta um dossiê intitulado Direito e Desenvolvimento: balanço e perspectivas. Os dois artigos aqui reunidos, escritos por Brian Z. Tamanaha e pelos co-autores Kevin E. Davis e Michael J. Trebilcock, fazem um balanço compreensivo da literatura sobre o tema. A leitura de ambos é uma boa introdução a grande parte dos resultados empíricos obtidos pelas pesquisas em direito e desenvolvimento e aos paradigmas teóricos utilizados no campo. Além disso, os textos discutem as perspectivas para os estudos neste campo tendo em vista os as características dos conhecimentos já acumulados.

Além disso, a Revista traz uma resenha de Leonardo Arquimino de Carvalho que trata da pressão para publicar sofrida pelos acadêmicos contemporâneos.

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Os primeiros seis artigos desta edição tratam da jurisprudência do STF. Os quatro primeiros são baseados em pesquisas empíricas e os dois últimos são comentários críticos de decisões selecionadas.

O primeiro texto, " Escrevendo um romance, primeiro capítulo: precedentes e processo decisório no STF" , de Adriana de Moraes Vojvodic, Ana Mara França Machado e Evorah Lusci Costa Cardoso, procura mostrar que um dos motivos para a falta de uma cultura de respeito aos precedentes judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) é a dificuldade de formação de uma ratio decidendi comum entre os ministros nos julgamentos da corte, em virtude, por exemplo, do próprio processo decisório do Tribunal. A falta de padrões de decisão implica que cada caso seja decidido sem referência a casos previamente relacionados. Esse contexto pode colaborar para a falta de transparência decisória e para o que pode ser considerado um deficit democrático do STF.

" Como levar o supremo tribunal federal a sério: sobre a suspensão de tutela antecipada n. 91" , de Vera Karam de Chueiri e Joanna Maria de Araújo Sampaio, analisa a suspensão da tutela antecipada n. 91 pelo Supremo Tribunal Federal, sob a perspectiva da teoria de Ronald Dworkin, relativamente à compreensão da necessária adoção de uma postura crítico-construtiva pelo Poder Judiciário, especialmente pela jurisdição constitucional. O texto defende que toda decisão proferida pela Corte em favor de um direito fundamental deve prevalecer, desde que fundamentada em argumentos de princípio e que seja coerente com o sistema constitucional. O artigo coloca a questão sobre a legitimidade da Corte, leiase, do Supremo Tribunal Federal para ter a última palavra sobre as decisões (políticas) do executivo e do legislativo, especialmente em relação às políticas públicas de governo por eles promovidas.

" O STF e a construção institucional das autoridades reguladoras do sistema financeiro: um estudo de caso das ADIns" , de Camila Duran-Ferreira, avalia a atuação da corte constitucional brasileira, o Supremo Tribunal Federal, como ator no desenho institucional das autoridades reguladoras do sistema financeiro nacional, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BCB). Sua interação com os poderes políticos, por meio do julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), ao longo dos últimos vinte anos, forneceu balizas jurídicas para a construção dessas autoridades. Esta pesquisa, que parte de uma análise qualitativa das decisões do tribunal como estudo de caso, mapeou os temas e atores interessados na regulação do sistema financeiro e na estrutura dessas entidades e procurou demonstrar como a atuação da corte reforçou a competência normativa desses órgãos. Ao final, este artigo delineia parâmetros para eventual edição de futura legislação que vise regular o sistema financeiro, revogando a Lei 4594 de 1964 e conceder eventual autonomia ao Banco Central do Brasil.

" O princípio da capacidade contributiva na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal" , de Leonel Cesarino Pessoa, analisa a aplicação do princípio da capacidade contributiva pelo Supremo Tribunal Federal. A partir de uma pesquisa realizada no site do tribunal, foram verificadas setenta ocorrências das palavras-chave " capacidade contributiva" nos acordãos da suprema corte brasileira até novembro de 2008. Para analisar as decisões, partiu-se dos trabalhos de alguns juristas italianos, em especial de Pietro Boria, que procuraram mostrar como, na Itália, o princípio da capacidade contributiva foi aplicado tanto na proteção do interesse do contribuinte, como na proteção do interesse do fisco. Os acórdãos foram divididos em cinco grupos, de acordo com o interesse protegido e a matéria envolvida. Concluiu-se que, no Brasil, ainda que, algumas vezes, o princípio tenha sido utilizado na proteção do interesse do contribuinte, ele foi quase sempre aplicado para a proteção do interesse do fisco.

" O problema da igualdade real: comentário de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal" , de Walter Claudius Rothenburg, comenta criticamente algumas decisões do STF sobre o princípio da igualdade para destacar sua análise consequencialista. Ao invés de uma abordagem conceitual, optou-se por uma mais casuísta, a partir de duas decisões selecionadas em razão do conteúdo (benefícios e sua repercussão em relação às pessoas pobres) e do enfoque (avaliação das consequências econômicas). Os julgamentos foram submetidos a uma avaliação em que se verificou como o princípio da igualdade é efetivamente aplicado pela jurisprudência e como as consequências socioeconômicas das possíveis respostas foram consideradas. O STF, ao interpretar a igualdade e preocupar-se com as consequências das decisões, realiza a justiça social apenas quando contempla uma distribuição de direitos mais ampla e voltada aos mais carentes.

" O Supremo Tribunal e a Compensação SNUC. a ADI 3.378-DF" , de José Marcos Domingues, examina e critica recente julgamento do STF, ainda não definitivo, que julga legítima a chamada compensação financeira Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), embora dando parcial procedência à ação direta ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria, para " declarar a inconstitucionalidade das expressões indicadas no voto reajustado do Relator" . O texto discute as possibilidades de interpretação das cláusulas gerais relativas ao caso, abordando os limites da atuação do poder jurisdicional e sugerindo o que julga ser a melhor solução para o caso concreto.

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Os dois últimos artigos publicados nesta edição discutem, respectivamente, teoria da interpretação judicial e decisões judiciais do STJ sobre danos morais.

" A filosofia hermenêutica para uma jurisdição constitucional democrática: fundamentação/ aplicação da norma jurídica na contemporaneidade" , de Valéria Ribas do Nascimento, analisa a filosofia heideggeriana-gadameriana, bem como a influência desses autores para o direito na contemporaneidade, de forma a evitar decisionismos e arbitrariedades. O texto sublinha a transformação operada na jurisdição com o surgimento do neoconstitucionalismo.

" A previsibilidade nas condenações por danos morais: uma reflexão a partir das decisões do STJ sobre relações de consumo bancárias" , de Júlia Caiuby de Azevedo Antunes, mostra como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça arbitra os valores indenizatórios relativos a danos morais relativos a relações de consumo bancárias, cujos valores indenizatórios foram revistos pela corte especial, em sede de recurso especial, no período de outubro de 2000 e abril de 2007. O artigo mostra que, em geral, a intervenção do Superior Tribunal de Justiça se faz sentir pela redução substancial dos valores fixados nas instâncias anteriores. Assim, este trabalho também põe em relevo a possibilidade de, na prática, haver um limite monetário ou tarifação dos valores indenizatórios, no âmbito da corte especial e de indagar-se o suposto tabelamento pode funcionar, futuramente, como inibidor do ajuizamento de processos judiciais pelos consumidores lesados.

O Editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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