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Hipotensão intracraniana espontânea tratada com tamponamento sanguíneo peridural: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Hipotensão intracraniana espontânea (HIE) é uma síndrome caracterizada por cefaleia postural associada à baixa pressão liquórica e que desaparece rapidamente ao decúbito. A terapia varia de tratamento conservador a procedimentos invasivos, como a realização de tampão sanguíneo peridural. O objetivo deste estudo foi apresentar o caso de uma paciente com cefaleia postural secundária à HIE tratada com tampão sanguíneo peridural. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 33 anos, branca, há 7 meses com quadro de cefaleia ortostática diária, holocraniana, acompanhada de náuseas e vômitos, desencadeada pelo ortostatismo e aliviada pelo decúbito. Sem história de punção dural ou outra causa de fístula. História prévia de enxaqueca há mais de 10 anos. Ao exame neurológico sem déficits, porém com dificuldade para deambular devido a tonturas e cefaleia. Punção lombar evidenciou hipotensão liquórica. Foi realizado tampão sanguíneo peridural em nível de L3-L4 com 20 mL de sangue autólogo, sem intercorrências e com resolução da cefaleia. CONCLUSÃO: O tampão sanguíneo peridural foi uma opção efetiva no tratamento da HIE não solucionada com o tratamento conservador.

Cefaleia postural; Hipotensão intracraniana; Pressão do líquido cefalorraquidiano; Punção lombar; Tampão sanguíneo; Tratamento


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Spontaneous intracranial hypotension (SIH) is a syndrome characterized by postural headache associated to CSF hypotension, which is rapidly resolved with decubitus. Therapy varies from conservative approaches to invasive procedures, such as epidural blood patch. This study aimed at presenting a case of postural headache secondary to SIH and treated with epidural blood patch. CASE REPORT: Female patient, 33 years old, Caucasian, for seven months suffering from daily orthostatic holocrainal headache, followed by nausea and vomiting, triggered by orthostatism and relieved by decubitus. No history of dural puncture or other reason for fistula. Previous history of migraine for more than ten years. Neurological evaluation has shown no deficits, however she had difficulties to walk due to dizziness and headache. Lumbar puncture has shown CSF hypotension. An epidural blood patch was performed in L3-L4 with autologous blood, without intercurrences and resolving her headache. CONCLUSION: Epidural blood patch was effective to treat SIH not resolved with conservative approaches.

Epidural blood patch; CSF pressure; Intracranial hypotension; Lumbar puncture; Postural headache; Treatment


RELATO DE CASO

Hipotensão intracraniana espontânea tratada com tamponamento sanguíneo peridural. Relato de caso* * Recebido da Liga da Dor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS.

Florentino Fernandes MendesI; Annelise Nicotti GonçalvesII; Betânia NoveloII; Camila Roos Mariano da RochaII; Natália Falcão Motta MarquesII

IProfessor Adjuvante Anestesiologia Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Porto Alegre, RS, Brasil

IIAluna do curso de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Betânia Novelo Rua Sarmento Leite, 245 – Centro 90050-170 Porto Alegre, RS. Fone: (51) 3303-9000 E-mail: ligadador@ufcspa.edu.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Hipotensão intracraniana espontânea (HIE) é uma síndrome caracterizada por cefaleia postural associada à baixa pressão liquórica e que desaparece rapidamente ao decúbito. A terapia varia de tratamento conservador a procedimentos invasivos, como a realização de tampão sanguíneo peridural. O objetivo deste estudo foi apresentar o caso de uma paciente com cefaleia postural secundária à HIE tratada com tampão sanguíneo peridural.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 33 anos, branca, há 7 meses com quadro de cefaleia ortostática diária, holocraniana, acompanhada de náuseas e vômitos, desencadeada pelo ortostatismo e aliviada pelo decúbito. Sem história de punção dural ou outra causa de fístula. História prévia de enxaqueca há mais de 10 anos. Ao exame neurológico sem déficits, porém com dificuldade para deambular devido a tonturas e cefaleia. Punção lombar evidenciou hipotensão liquórica. Foi realizado tampão sanguíneo peridural em nível de L3-L4 com 20 mL de sangue autólogo, sem intercorrências e com resolução da cefaleia.

CONCLUSÃO: O tampão sanguíneo peridural foi uma opção efetiva no tratamento da HIE não solucionada com o tratamento conservador.

Descritores: Cefaleia postural, Hipotensão intracraniana, Pressão do líquido cefalorraquidiano, Punção lombar, Tampão sanguíneo, Tratamento.

INTRODUÇÃO

Hipotensão intracraniana espontânea (HIE) é uma síndrome caracterizada por cefaleia postural, associada à baixa pressão liquórica, que inicia após adoção da posição ereta e alivia rapidamente com o decúbito1.

Apesar de ser uma doença rara e ter sua apresentação clínica bem caracterizada2, a HIE continua desconhecida por muitos profissionais que acabam por diagnosticar erroneamente como migrânea, cefaleia tensional e meningite viral, entre outros, o que atrasa o tratamento correto e contribui para agravar o quadro clínico3.

A terapia varia de tratamento conservador, como repouso, hidratação e analgésicos, a procedimentos invasivos, como a realização de tamponamento sanguíneo peridural (TSP)4.

O objetivo deste estudo foi descrever um caso típico de paciente com cefaleia postural secundária à HIE tratada com TSP lombar, para salientar os critérios diagnósticos da doença e a efetividade do tratamento.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 33 anos, branca, com quadro de cefaleia ortostática, caracterizada por cefaleia quase diária, holocraniana, de forte intensidade, acompanhada de náuseas e vômitos, com 7 meses de evolução. Negava fono e fotofobia. A dor surgia poucos segundos após a adoção da posição ortostática e desaparecia rapidamente com o decúbito horizontal. Não havia relato de febre e a paciente negava punção dural prévia ou qualquer outra possível causa de fístula liquórica. História de enxaqueca há mais de 10 anos, caracterizada por cefaleia hemicraniana, pulsátil, de forte intensidade, com náuseas, fono e fotofobia. Fez uso de sibutramina durante três meses anteriores ao início dos sintomas, com perda de aproximadamente 10 kg. Na ocasião da internação não fazia uso de nenhuma medicação. Negava tabagismo, uso de álcool e drogas ilícitas. Realizou exame ressonância nuclear magnética de crânio cujo laudo descrevia área de hiperintensidade T1 em hipófise posterior. Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, lúcida, orientada e consciente, exame neurológico sem déficits, porém com dificuldade para deambular devido às tonturas e à cefaleia. Pela história e o exame físico a impressão diagnóstica foi de hipotensão liquórica como causa de cefaleia. Raquicentese realizada a seguir, demonstrou pressão de fluido inicial de 25 mmH2O, o que confirmou o diagnóstico. Não realizou cisternografia por tomografia computadorizada (TC) por apresentar história de alergia ao contraste. Foi tratada com repouso no leito e hidratação por dois dias sem apresentar resolução do quadro. Após consentimento informado dado por escrito realizou-se, no centro cirúrgico, tampão sanguíneo peridural em nível de L3-L4, utilizando-se agulha de Tuohy 15, com a paciente mantida em decúbito lateral e em posição de céfalodeclive. Após localização do espaço peridural pela técnica de perda da resistência injetou-se, em aproximadamente 90 segundos, 20 mL de sangue autólogo, coletados com técnica asséptica da fossa antecubital esquerda. Não houve intercorrências técnicas com o procedimento e a paciente foi para a sala de recuperação pós-anestésica. Houve resolução da cefaleia ortostática e a paciente recebeu alta, três dias após o procedimento com orientação de utilizar paracetamol caso fosse necessário.

DISCUSSÃO

Entre pacientes com queixas de cefaleia a HIE é rara, com estimativa de incidência de 1:50.000, mas constitui-se em um diagnóstico diferencial importante para paciente com cefaleia nova, persistente e diária1,2.

Pacientes com HIE são frequentemente mal diagnosticados e têm o início do tratamento efetivo retardado, provavelmente devido ao desconhecimento da doença por parte dos médicos. Em estudo no qual 94% de pacientes com HIE foram diagnosticados erroneamente, a demora em chegar ao diagnóstico correto foi de 4 meses a 13 anos, o que expôs muitos pacientes a riscos de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários, como arteriografia e craniotomia3.

O vazamento espinhal espontâneo do líquido cefalorraquidiano (LCR) é a causa típica de HIE1. Na maioria dos pacientes, estudos de neuroimagem revelam o local do vazamento3,4. A etiologia precisa deste vazamento permanece desconhecida, mas se suspeita que ocorra fraqueza estrutural subjacente das meninges espinhais, com a presença de fendas durais ou cistos na aracnoide5,6, semelhantes aos verificados na presença de doença generalizada do tecido conjuntivo, como a síndrome de Marfan7-9. No presente caso, o diagnóstico de cefaleia atribuída a hipotensão liquórica espontânea foi possível pela anamnese e exames complementares, os quais preencheram os critérios diagnósticos propostos pela Sociedade Internacional de Cefaleia10. Em alguns pacientes, contudo, a despeito da presença de cefaleia ortostática típica, os estudos diagnósticos falham em demonstrar qualquer evidência de vazamento ou de hipotensão liquórica11.

É possível que exista um mecanismo distinto responsável pela hipotensão do LCR e pela cefaleia, provavelmente relacionado com maior complacência do saco dural no segmento medular inferior. Quando o paciente assume a posição ortostátical, a distribuição anormal da elasticidade crânio-espinhal determina distribuição anormal da pressão hidrostática, diminuindo a pressão intracraniana de LCR12. Dentro do crânio, de acordo com a hipótese de Monroe-Kellie a soma dos volumes intracranianos de líquor e de sangue é constante. Assim, a diminuição de um deve causar aumento equivalente no outro, ou em ambos. A diminuição da pressão intracraniana de líquor leva, portanto, à dilatação compensatória de estruturas venosas intracranianas sensíveis a dor, causando cefaleia ortostática13.

O tratamento proposto na literatura consiste em repouso no leito com suplementação de líquidos, agentes analgésicos e cafeína. Se as medidas conservadoras não aliviarem completamente os sintomas e a cefaleia persistir a realização de TSP está indicada2,6. O TSP é o tratamento mais efetivo para HIE3. O mecanismo responsável pelo seu efeito permanece indeterminado, mas pode envolver aumento temporário da pressão do espaço peridural, vedação do vazamento pela coagulação do sangue injetado e cicatrização da fenda da dura-máter pela resposta inflamatória14.

As fístulas liquóricas são localizadas mais frequentemente nos segmentos cérvico-torácico e lombar, segmentos com maior mobilidade da coluna. Estudo mostrou que a realização do TSP guiado por imagem apresenta melhor resultado quando comparado com a punção cega4.

TSP guiados por imagem podem associar a risco mais elevado de compressão medular e de raiz nervosa, de meningite química, de injeção intratecal de sangue e de rigidez cervical. Além disso, somente um pequeno volume de sangue pode ser injetado em nível torácico ou cervical, quando comparado com o volume injetado em nível lombar. Por razões de segurança, a recomendação atual para TSP é a injeção de 20 mL de sangue autólogo no espaço peridural, em coluna lombar15, uma vez que neste local 90% dos TSP são eficazes para o tratamento de HIE16, mesmo quando o TSP é realizado em local distante da fístula liquórica, ou quando o local da fuga não for determinado17. É importante que a aplicação seja feita no espaço peridural, pois injeção no músculo paraespinhal é insuficiente para alívio do quadro de cefaleia, necessitando de intervenção adicional18.

O TSP é considerado tratamento eficaz para cefaleia pós-punção dural. Na HIE não existe uma indicação precisa do local da punção. A existência de fístulas, ou herniações da dura-máter, é mais comum nos segmentos da coluna com maior mobilidade. Na inexistência de dados objetivos, a região lombar deve ser escolhida para o procedimento. Inicialmente, utiliza-se cerca de 10 a 20 mL de sangue, sendo eficaz para o alívio dos sintomas em cerca de um terço dos pacientes, provavelmente pela formação de um tamponamento da dura-máter, estancando a fuga de líquor.

CONCLUSÃO

O TSP foi opção efetiva no tratamento da hipotensão intracraniana espontânea não controlada pelo tratamento conservador.

Apresentado em 19 de janeiro de 2012.

Aceito para publicação em 31 de maio de 2012.

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  • Endereço para correspondência:

    Betânia Novelo
    Rua Sarmento Leite, 245 – Centro
    90050-170 Porto Alegre, RS.
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    Recebido da Liga da Dor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Jan 2012
    • Aceito
      31 Maio 2012
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