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Neuropatia periférica induzida por quimioterapia: revisão para a prática clínica* * Recebido do Laboratório Interdisciplinar de Investigação Médica, Faculdade Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A neuropatia periférica induzida por quimioterapia é a síndrome neurológica mais comum secundária à terapêutica antineoplásica e acomete principalmente pacientes que necessitam de tratamento com taxanes e derivados da platina. A neuropatia sensorial é o tipo mais frequente. O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão narrativa de literatura sobre a fisiopatologia, manifestações clínicas, impacto, avaliação, diagnóstico, tratamento e prevenção da neuropatia periférica induzida por quimioterapia.

CONTEÚDO:

Estudos recentes têm demonstrado associação entre moléculas inflamatórias, estresse oxidativo e o desenvolvimento da neuropatia periférica induzida por quimioterapia. Dentre os sintomas, queixas de dormências e formigamentos nos membros são as mais frequentes, sendo a dor neuropática quadro de significativo impacto na funcionalidade dos pacientes em terapia antineoplásica. Diversos instrumentos de avaliação têm sido testados, sendo a eletroneuromiografia considerada o padrão ouro para o diagnóstico de neuropatia periférica induzida por quimioterapia. A terapêutica e a sua prevenção contam com diferentes estratégias farmacológicas.

CONCLUSÃO:

Reconhece-se que a neuropatia periférica induzida por quimioterapia é uma síndrome frequente e que interfere negativamente no tratamento e na qualidade de vida do paciente com câncer. Fármacos diferentes estão associados a graus variáveis de risco, o que mostra sua complexidade neurobiológica. As estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento precisam evoluir sobremaneira no sentido de minimizar a sua ocorrência e a gravidade.

Descritores:
Câncer; Dor neuro; Neuropatia periférica; Quimioterapia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chemotherapy-induced peripheral neuropathy is the most common neurological syndrome secondary to antineoplastic therapy primarily affecting patients being treated with taxanes and platinum derivatives. Sensory neuropathy is the most frequent type. This study aimed at carrying out a narrative review of the literature on the pathophysiology, clinical manifestations, impact, evaluation, diagnosis treatment and prevention of chemotherapy-induced peripheral neuropathy.

CONTENTS:

Recent studies have shown association among inflammatory molecules, oxidative stress and development of chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Most frequent symptoms are limbs numbness and tingling, with neuropathic pain having significant impact on the functionality of patients submitted to antineoplastic therapy. Several evaluation tools have been tested, being electroneuromyography considered the golden standard for chemotherapy-induced peripheral neuropathy diagnosis. There are different pharmacological strategies for its therapy and prevention.

CONCLUSION:

It is known that chemotherapy-induced peripheral neuropathy is a frequent syndrome negatively interfering with cancer patients’ treatment and quality of life. Different drugs are associated to different risk levels, which show its neurobiological complexity. Prevention, diagnostic and treatment strategies have to greatly evolve to minimize its frequency and severity.

Keywords:
Cancer; Chemotherapy; Neuropathic pain; Peripheral neuropathy

INTRODUÇÃO

Os recentes avanços no desenvolvimento e na administração da terapêutica antineoplásica têm permitido o prolongamento da vida dos pacientes. Entretanto, uma das consequências desse progresso tem sido o aumento da incidência de sintomas relacionados à toxicidade afetando o sistema nervoso, especialmente o sistema nervoso periférico1Malik B, Stillman M. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Curr Neurol Neurosci Rep. 2008;8(1):56-65.. A neuropatia periférica induzida por quimioterapia (NPIQ) é a síndrome neurológica mais comum secundária à terapêutica antineoplásica. A neuropatia sensorial é o tipo mais frequente de NPIQ, acometendo principalmente pacientes que empregam esquemas com taxanes (docetaxel e paclitaxel), derivados da platina (oxaliplatina, cisplatina e carboplatina), alcaloides da vinca (vincristina, vimblastina e vinorelbina), talidomida e bortezomib2Velasco R, Bruna J. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: an unresolved issue. Neurologia. 2010;25(2):116-31.,3Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Piatti M, Rota S, Briani C, et al. The Total Neuropathy Score as an assessment tool for grading the course of chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity: comparison with the National Cancer Institute-Common Toxicity Scale. J Peripher Nerv Syst. 2007;12(3):210-5..

A incidência da NPIQ varia sobremaneira entre os estudos, com taxas de 10 a 100%, especialmente para esquemas terapêuticos envolvendo taxanes e derivados da platina. Essa variabilidade decorre possivelmente das diferentes técnicas para a identificação da NPIQ e das características clínicas das amostras2Velasco R, Bruna J. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: an unresolved issue. Neurologia. 2010;25(2):116-31.. Embora não se associarem a risco de vida, os sintomas da NPIQ, com destaque para a dor neuropática, têm impacto significativo na qualidade de vida (QV) das pessoas e influenciam a adesão ao tratamento antineoplásico3Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Piatti M, Rota S, Briani C, et al. The Total Neuropathy Score as an assessment tool for grading the course of chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity: comparison with the National Cancer Institute-Common Toxicity Scale. J Peripher Nerv Syst. 2007;12(3):210-5..

Diante de sua relevância clínica, o presente estudo apresenta uma revisão narrativa da literatura sobre fisiopatologia, manifestações clínicas, impacto, avaliação, diagnóstico, tratamento e prevenção da NPIQ.

FISIOPATOLOGIA DA NEUROPATIA PERIFÉRICA INDUZIDA POR QUIMIOTERAPIA

A fisiopatologia da NPIQ está descrita, de modo geral, como uma axoniopatia simétrica e bilateral, em que os corpos celulares dos gânglios da raiz dorsal estariam envolvidos4Miltenburg NC, Boogerd W. Chemotherapy-induced neuropathy: a comprehensive survey. Cancer Treat Rev. 2014;40(7):872-82.. Mecanismos distintos têm sido propostos para as diferentes classes de antineoplásicos (Tabela 1). Derivados da platina (oxaliplatina, cisplatina e carboplatina) são agentes alquilantes que inibem a síntese e a replicação do DNA por meio de ligações cruzadas estabelecidas pelo complexo de platina4Miltenburg NC, Boogerd W. Chemotherapy-induced neuropathy: a comprehensive survey. Cancer Treat Rev. 2014;40(7):872-82.. Esses fármacos podem reduzir o transporte axonal e, consequentemente, induzir apoptose de neurônios sensoriais. Grandes fibras mielinizadas são geralmente as mais afetadas, o que leva à diminuição da propriocepção e dos reflexos tendinosos. O gânglio da raiz dorsal parece ser o local primário de lesão neural, afetando primeiramente nervos dos membros inferiores, como o nervo fibular5Cavaletti G, Tredici G, Marmiroli P, Petruccioli MG, Barajon I, Fabbrica D. Morphometric study of the sensory neuron and peripheral nerve changes induced by chronic cisplatin (DDP) administration in rats. Acta Neuropathol. 1992;84(4):364-71.. Nesse grupo de fármacos, a oxaliplatina pode causar dois tipos de neuropatia: uma aguda e reversível e uma crônica. A neuropatia aguda parece ser decorrente da liberação do oxalato, capaz de quelar o cálcio extracelular, interferindo na despolarização dos neurônios sensoriais com consequente hiperexcitabilidade da membrana6Grolleau F, Gamelin L, Boisdron-Celle M, Lapied B, Pelhate M, Gamelin E. A possible explanation for a neurotoxic effect of the anticancer agent oxaliplatin on neuronal voltage-gated sodium channels. J Neurophysiol. 2001;85(5):2293-7.. A neuropatia crônica tem diversas hipóteses para seu desenvolvimento, incluindo a de que repetidos episódios de neuropatia aguda podem levar a lesões neurais crônicas. Além disso, estudos experimentais mostram acúmulo de compostos de platina nos corpos celulares dos gânglios da raiz dorsal, o que resulta na diminuição do metabolismo celular e no transporte axonal. Parecem ocorrer também lesões mitocondriais com aumento do estresse oxidativo, o que induziria a ocorrência de neuropatia crônica4Miltenburg NC, Boogerd W. Chemotherapy-induced neuropathy: a comprehensive survey. Cancer Treat Rev. 2014;40(7):872-82.. Baptista-de-Souza et al.7Baptista-de-Souza D, Di Cesare Mannelli L, Zanardelli M, Micheli L, Nunes-de-Souza RL, Canto-de-Souza A, et al. Serotonergic modulation in neuropathy induced by oxaliplatin: effect on the 5HT2C receptor. Eur J Pharmacol. 2014;735:141-9. demonstraram em estudo experimental que a oxaliplatina é capaz também de reduzir a expressão do mRNA do receptor 5HT2c no sistema nervoso central, o que poderia contribuir para acentuar a dor neuropática na NPIQ. Isso indicaria o potencial de alterações estruturais e funcionais no sistema límbico decorrente do uso da oxaliplatina7Baptista-de-Souza D, Di Cesare Mannelli L, Zanardelli M, Micheli L, Nunes-de-Souza RL, Canto-de-Souza A, et al. Serotonergic modulation in neuropathy induced by oxaliplatin: effect on the 5HT2C receptor. Eur J Pharmacol. 2014;735:141-9..

Tabela 1
Antineoplásicos e respectivos mecanismos de toxicidade no sistema nervoso periférico

Taxanes, com destaque para o paclitaxel, são agentes que promovem a união dos microtúbulos a partir dos dímeros de tubulina, estabilizando-os e evitando sua despolimerização. Isso interfere na reorganização dinâmica fisiológica da rede de microtúbulos que é essencial para funções vitais celulares8Rowinsky EK, Donehower RC. Paclitaxel (taxol). N Engl J Med. 1995;332(15):1004-14. Erratum in: N Engl J Med. 1995;333(1):75.. A fisiopatologia da neuropatia periférica induzida por taxanes parece estar associada não somente a esse mecanismo de ação, mas também ao estresse oxidativo induzido por tais fármacos, com apoptose inicial das terminações nervosas, seguida por efeitos nas células de Schwann9Argyriou AA, Polychronopoulos P, Koutras A, Iconomou G, Gourzis P, Assimakopoulos K, et al. Is advanced age associated with increased incidence and severity of chemotherapy-induced peripheral neuropathy? Support Care Cancer. 2006;14(3):223-9.. Espécies reativas ao oxigênio (ROS) parecem desempenhar papel relevante no desenvolvimento e na manutenção da dor induzida por paclitaxel1010 Fidanboylu M, Griffiths LA, Flatters SJ. Global inhibition of reactive oxygen species (ROS) inhibits paclitaxel-induced painful peripheral neuropathy. PLoS One. 2011;6(9):e25212..

No caso do bortezomib, um inibidor de proteossoma, Bruna et al.11 11 Bruna J, Udina E, Alé A, Vilches JJ, Vynckier A, Monbaliu J, et al. Neurophysiological, histological and immunohistochemical characterization of bortezomib-induced neuropathy in mice. Exp Neurol. 2010;223(2):599-608.descreveram redução de fibras mielinizadas e não mielinizadas, e ocorrência de corpos de inclusão anormal em axônios não mielinizados em camundongos tratados com o fármaco, o que alteraria o limiar de dor. Estudo experimental em ratos revelou, por microscopia eletrônica, que não ocorreram alterações patológicas significativas na morfologia da bainha de mielina dos animais tratados com cisplatina, bortezomib e paclitaxel, embora tenha sido constatada redução na velocidade de condução nervosa1212 Gilardini A, Avila RL, Oggioni N, Rodriguez-Menendez V, Bossi M, Canta A, et al. Myelin structure is unaltered in chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Neurotoxicology. 2012;33(1):1-7.. Há evidências de que derivados da platina e taxanes induziriam apoptose das células endoteliais dos vasos sanguíneos, com consequente isquemia das fibras nervosas1313 Kanbayashi Y, Hosokawa T, Okamoto K, Konishi H, Otsuji E, Yoshikawa T, et al. Statistical identification of predictors for peripheral neuropathy associated with administration of bortezomib, taxanes, oxaliplatin or vincristine using ordered logistic regression analysis. Anticancer Drugs. 2010;21(9):877-81.. Dentre os mecanismos fisiopatológicos da NPIQ, reconhece-se atualmente o papel da interação neuroimune, uma vez que a liberação de citocinas e quimiocinas capazes de desencadear lesão neural periférica parece ser um dos mecanismos primários de desenvolvimento da síndrome. Estudos experimentais têm demonstrado que, em resposta à lesão tóxica desencadeada pela quimioterapia antineoplásica, pode ocorrer infiltração neural de monócitos/macrófagos com produção de várias citocinas (TNFα, IL1β, IL6), quimiocinas (CX3, CL1, CCL2, CCL3, CCL4, CCL5 e CXCL8) e outros mediadores inflamatórios como bradicinina, prostaglandinas e óxido nítrico. As células de Schwann podem sofrer alteração fenotípica e também passar a liberar TNFα, IL1β, IL6 e prostaglandinas (PGE2). As mesmas células de Schwann podem produzir fatores anti-inflamatórios, como IL10, em uma tentativa de contrabalançar o processo de lesão e, assim, proteger os axônios de mais danos (Figura 1)1414 Abraham KE, McMillen D, Brewer KL. The effects of endogenous interleukin-10 on gray matter damage and the development of pain behaviors following excitotoxic spinal cord injury in the mouse. Neuroscience. 2004;124(4):945-52..

Figura 1
Papel da comunicação neuroimune na fisiopatologia da neuropatia periférica induzida por quimioterapia

Estudos experimentais têm mostrado o envolvimento de fatores neurotróficos na fisiopatologia da NPIQ. Por exemplo, Aloe et al.1515 Aloe L, Manni L, Properzi F, De Santis S, Fiore M. Evidence that nerve growth factor promotes the recovery of peripheral neuropathy induced in mice by cisplatin: behavioral, structural and biochemical analysis. Auton Neurosci. 2000;86(1-2):84-93. observaram que ocorre redução do NGF (do inglês, “neural growth factor”) com o uso de cisplatina, o que desencadearia NPIQ. Vários estudos propõem papel protetor para o BDNF (do inglês, “brain-derived neurotrophic factor”) nessa síndrome1616 Cavaletti G, Marmiroli P. The role of growth factors in the prevention and treatment of chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity. Curr Drug Saf. 2006;1(1):35-42..

Estudos investigando a influência de mediadores inflamatórios na NPIQ em humanos ainda são pouco frequentes. Um estudo transversal avaliou os níveis de IL6 e IL6R e gp130 em 40 mulheres com câncer de mama, sendo 20 com NPIQ dolorosa e 20 sem NPIQ, e que tinham entre seis e 12 meses de término da terapêutica antineoplásica. Os resultados indicaram associação desses mediadores inflamatórios com os sintomas de NPIQ dolorosa, bem como com piores índices de QV1717 Starkweather A. Increased interleukin-6 activity associated with painful chemotherapy-induced peripheral neuropathy in women after breast cancer treatment. Nurs Res Pract. 2010;2010:281531..

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A ocorrência e a gravidade da NPIQ estão diretamente relacionadas à dose, ao número de ciclos de tratamento, à administração prévia ou concomitante de agentes antineoplásicos neurotóxicos e ao tipo de fibra nervosa comprometida1313 Kanbayashi Y, Hosokawa T, Okamoto K, Konishi H, Otsuji E, Yoshikawa T, et al. Statistical identification of predictors for peripheral neuropathy associated with administration of bortezomib, taxanes, oxaliplatin or vincristine using ordered logistic regression analysis. Anticancer Drugs. 2010;21(9):877-81.,1818 Reyes-Gibby CC, Morrow PK, Buzdar A, Shete S. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy as a predictor of neuropathic pain in breast cancer patients previously treated with paclitaxel. J Pain. 2009;10(11):1146-50.. Por exemplo, quando se usa cisplatina isoladamente, a frequência de sintomas neuropáticos fica em torno de 50%, ao passo que 90 a 100% das mulheres que recebem a associação cisplatina e paclitaxel para o tratamento do câncer de ovário podem apresentar esses sintomas. A presença de alcoolismo e outras doenças sistêmicas, como diabetes, relacionadas ao maior risco de ocorrência de neuropatia periférica, predispõe ao aparecimento desses sintomas mais frequentes e mais intensos, mesmo com o emprego de baixas doses dos antineoplásicos1818 Reyes-Gibby CC, Morrow PK, Buzdar A, Shete S. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy as a predictor of neuropathic pain in breast cancer patients previously treated with paclitaxel. J Pain. 2009;10(11):1146-50..

A manifestação dos sintomas da NPIQ geralmente ocorre no início do tratamento, entre o primeiro e o terceiro ciclos, com pico de gravidade aproximadamente no terceiro mês da terapia1919 Verstappen CC, Postma TJ, Hoekman K, Heimans JJ. Peripheral neuropathy due to therapy with paclitaxel, gemcitabine, and cisplatin in patients with advanced ovarian cancer. J Neurooncol. 2003;63(2):201-5.. Após o término da terapia, ao contrário de outros efeitos adversos, os sintomas da NPIQ podem não cessar, podendo, inclusive, se agravar.

Independentemente do tipo de antineoplásico, os sintomas afetam os membros inferiores, superiores e região orofacial. Os sintomas sensitivos são bem mais comuns que os sintomas motores ou autonômicos. Dentre os sintomas autonômicos, destacam-se os cardiovasculares (oscilação da pressão arterial), gastrointestinais (constipação) e urológicos (problemas de ereção e retenção urinária). Os sintomas motores normalmente se manifestam como fraqueza distal (como fraqueza nos pés), distúrbios de marcha e equilíbrio, e dificuldades com movimentos finos (escrever, abotoar roupas, corte e costura)2020 Argyriou AA, Zolota V, Kyriakopoulou O, Kalofonos HP. Toxic peripheral neuropathy associated with commonly used chemotherapeutic agents. J BUON. 2010;15(3):435-46..

Sintomas sensitivos são descritos como parestesias bilaterais, frequentemente relatadas como dormência e formigamentos em 90% dos casos de NPIQ. Além disso, é comum o relato de sensação de “estar vestindo meia ou luva fina”, bem como “dificuldade em segurar as coisas” e em discriminar a forma, textura e/ou temperatura. Conforme classificação da International Association for the Study of Pain (IASP), dor neuropática é definida como: “a dor causada por uma lesão ou doença do sistema somatossensorial”. A dor neuropática é caracterizada pela combinação dos sintomas negativos, como perda parcial ou completa de sensibilidade, assim como sintomas positivos os quais incluem disestesia, parestesia e dor. Apresenta incidência de 40% dos pacientes com dor no câncer, sendo descrita como uma dor “em queimação” e “sensação de choque” geralmente envolvendo mãos e pés. A NPIQ pode ser considerada preditora da dor neuropática, sendo que pacientes com NPIQ têm três vezes mais probabilidade de desenvolver dor neuropática após o término do tratamento1818 Reyes-Gibby CC, Morrow PK, Buzdar A, Shete S. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy as a predictor of neuropathic pain in breast cancer patients previously treated with paclitaxel. J Pain. 2009;10(11):1146-50..

Cabe destacar a síndrome de dor aguda por paclitaxel (P-APS) e o risco subsequente de desenvolver NPIQ. A P-APS é caracterizada por dores musculares e articulares difusas, especialmente nos membros inferiores e quadril, que se iniciam durante a administração do fármaco com evolução de até uma semana após o término da infusão. Acredita-se que essa síndrome possa servir como um alerta para a necessidade de administração de agente profilático para impedir ou minimizar o desenvolvimento de NPIQ por taxane. A gravidade dos sintomas da P-APS parece estar diretamente proporcional à gravidade dos sintomas neuropáticos2121 Carlson K, Ocean AJ. Peripheral neuropathy with microtubule-targeting agents: occurrence and management approach. Clin Breast Cancer. 2011;11(2):73-81..

A NPIQ pode ser dose limitante. Isso significa que os sintomas podem evoluir a ponto de a pessoa não conseguir conviver com eles, sendo necessária a redução da dose do antineoplásico ou mesmo a interrupção do tratamento2222 Engle DB, Belisle JA, Gubbels JA, Petrie SE, Hutson PR, Kushner DM, et al. Effect of acetyl-l-carnitine on ovarian cancer cells' proliferation, nerve growth factor receptor (Trk-A and p75) expression, and the cytotoxic potential of paclitaxel and carboplatin. Gynecol Oncol. 2009;112(3):631-6.. Nesse contexto, muitos pacientes evitam relatar os sintomas, atrasando o diagnóstico de NPIQ pelos profissionais de saúde, o que ocorre apenas quando a condição se torna grave e de manuseio mais difícil2121 Carlson K, Ocean AJ. Peripheral neuropathy with microtubule-targeting agents: occurrence and management approach. Clin Breast Cancer. 2011;11(2):73-81..

IMPACTO

A NPIQ tem significativo impacto na QV, interferindo diretamente nas atividades de vida diária (AVD), na funcionalidade e no comportamento das pessoas com câncer2323 Speck RM, DeMichele A, Farrar JT, Hennessy S, Mao JJ, Stineman MG, et al. Scope of symptoms and self-management strategies for chemotherapy-induced peripheral neuropathy in breast cancer patients. Support Care Cancer. 2012;20(10):2433-9.. É comum a verbalização de sentimentos de frustração em decorrência do comprometimento do papel social, da angústia pelas alterações nas habilidades funcionais, além de desânimo e perda de propósitos decorrentes da necessidade de se afastar ou desistir de determinadas atividades2424 Hong JS, Tian J, Wu LH. The influence of chemotherapy-induced neurotoxicity on psychological distress and sleep disturbance in cancer patients. Curr Oncol. 2014;21(4):174-80.. Um estudo investigou 240 mulheres com câncer de mama e NPIQ, observando relatos frequentes de dificuldades para dirigir, perceber diferenças de textura e temperatura, andar de saltos altos, abotoar uma blusa, pen-tear os cabelos ou mesmo cozinhar2323 Speck RM, DeMichele A, Farrar JT, Hennessy S, Mao JJ, Stineman MG, et al. Scope of symptoms and self-management strategies for chemotherapy-induced peripheral neuropathy in breast cancer patients. Support Care Cancer. 2012;20(10):2433-9..

Além disso, pacientes que desenvolvem a dor neuropática precisam comparecer duas vezes mais aos serviços de saúde, necessitam de mais cuidados e de maior número de fármacos comparado àqueles que não desenvolvem a NPIQ dolorosa1818 Reyes-Gibby CC, Morrow PK, Buzdar A, Shete S. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy as a predictor of neuropathic pain in breast cancer patients previously treated with paclitaxel. J Pain. 2009;10(11):1146-50..

Um estudo transversal avaliou 706 pacientes quanto à influência da NPIQ no desenvolvimento de transtornos mentais e do sono após a 4ª semana de tratamento antineoplásico potencialmente neurotóxico. Quanto pior a gravidade da NPIQ, maior a frequência de ansiedade, depressão e distúrbios do sono, quadros agravados na presença de dor neuropática2424 Hong JS, Tian J, Wu LH. The influence of chemotherapy-induced neurotoxicity on psychological distress and sleep disturbance in cancer patients. Curr Oncol. 2014;21(4):174-80.. Comprometimento cognitivo, não aderência ao tratamento e perda da capacidade de autocuidado são descritos.

Efeitos sobre a mobilidade e o equilíbrio em até 2,5 anos após o término do tratamento são relatados, estando relacionados ao declínio clínico de idosos que receberam quimioterapia. Pacientes em quimioterapia potencialmente neurotóxica têm maior risco de quedas, o qual aumenta a cada ciclo de quimioterapia, principalmente em pacientes que recebem paclitaxel quando comparados aos que recebem derivados da platina2525 Simão DAS, Lima ED, Souza RS, Alves KR, Maia WM. Instrumentos de avaliação da neuropatia periférica induzida por quimioterapia: revisão integrativa e implicações para a prática de enfermagem oncológica. Reme Rev Min Enferm. 2012;16(4):609-15..

DIAGNÓSTICO E AVALIAÇÃO DA NEUROPATIA PERIFÉRICA INDUZIDA POR QUIMIOTERAPIA

Discute-se muito a respeito de métodos de diagnóstico e de avaliação de gravidade da NPIQ, mas ainda não se tem um consenso sobre qual seria a melhor estratégia na prática clínica2525 Simão DAS, Lima ED, Souza RS, Alves KR, Maia WM. Instrumentos de avaliação da neuropatia periférica induzida por quimioterapia: revisão integrativa e implicações para a prática de enfermagem oncológica. Reme Rev Min Enferm. 2012;16(4):609-15.. Consequentemente, as pesquisas sobre prevenção e tratamento da NPIQ têm sido comprometidas pela ausência de um instrumento simples, clinicamente útil, psicometricamente válido, em uma linguagem universalmente conhecida em oncologia e que possa ser implementado pelos diferentes profissionais de saúde que cuidam dessa população2626 Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Mattavelli L, Susani E, Alberti P, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity assessment: a critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46(3):479-94..

O padrão ouro para avaliação da NPIQ é a eletroneuromiografia (ENMG), método capaz de detectar alterações da condução nervosa, especialmente de fibras mielínicas, definindo o comprometimento neuropático2727 Wilson RH, Lehky T, Thomas RR, Quinn MG, Floeter MK, Grem JL. Acute oxaliplatin-induced peripheral nerve hyperexcitability. J Clin Oncol. 2002;20(7):1767-74.. A ENMG mostra mais comumente redução ou ausência da amplitude de potenciais sensitivos, sobretudo no nervo sural. A velocidade de condução nervosa também pode estar diminuída2828 Chaudhry V, Rowinsky EK, Sartorius SE, Donehower RC, Cornblath DR. Peripheral neuropathy from taxol and cisplatin combination chemotherapy: clinical and electrophysiological studies. Ann Neurol. 1994;35(3):304-11.. Contudo, a ENMG convencional não detecta neuropatia de fibras finas, podendo não identificar casos de NPIQ restritas a estas, que cursam geralmente apenas com dor. Há outros fatores limitantes como o fato de ser um exame desconfortável e de alto custo realizado por especialista em neurofisiologia clínica2727 Wilson RH, Lehky T, Thomas RR, Quinn MG, Floeter MK, Grem JL. Acute oxaliplatin-induced peripheral nerve hyperexcitability. J Clin Oncol. 2002;20(7):1767-74..

Busca bibliográfica no Medline utilizando os descritores “CIPN” (chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity), “evaluation” e “diagnosis” identificou instrumentos que vêm sendo utilizados na prática clínica (Tabela 2). Cada um deles apresenta vantagens e desvantagens relacionadas à aplicabilidade, à confiabilidade e à associação a outros parâmetros clínicos como QV2626 Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, Mattavelli L, Susani E, Alberti P, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity assessment: a critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46(3):479-94.. Recentemente, o CI-PeriNoms Group, constituído por 46 centros de pesquisa de diferentes países, empenhou-se em estabelecer a validade e a confiabilidade de diferentes instrumentos de medida da NPIQ. Segundo a conclusão do trabalho, as escalas disponíveis têm confiabilidade bastante divergente entre si, existindo lacunas especialmente na determinação da gravidade dos sintomas de NPIQ2929 Cavaletti G, Cornblath DR, Merkies IS, Postma TJ, Rossi E, Frigeni B, et al. The chemotherapy-induced peripheral neuropathy outcome measures standardization study: from consensus to the first validity and reliability findings. Ann Oncol. 2013;24(2):454-62..

Tabela 2
Estudos de avaliação e diagnóstico da neuropatia periférica induzida por quimioterapia empregando diferentes instrumentos clínicos

No Brasil, pesquisadores têm estudado o uso dos Monofilamentos de Semmes-Weistein (MSW) e do Questionário de Neuroxicidade Induzida por Antineoplásicos (QNIA) na avaliação da NPIQ. O QNIA mostrou alta confiabilidade, sendo claramente compreendido pelos entrevistados. Por meio de um estudo transversal, QNIA e MSW foram aplicados em 87 pessoas em tratamento antineoplásico potencialmente neurotóxico e em 30 controles saudáveis. Houve diferenças significativas entre os grupos para todos os itens avaliados, assim como boa concordância entre os instrumentos. Os MSW foram capazes de detectar quadros subclínicos de NPIQ3030 Simão DAS, Teixeira AL, Souza RS, de Paula Lima ED. Evaluation of the Semmes-Weinstein filaments and a questionnaire to assess chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Support Care Cancer. 2014;22(10):2767-73..

TRATAMENTO E PREVENÇÃO

Com o objetivo de prevenir a NPIQ, diversas substâncias vêm sendo estudadas como a vitamina E, aminofostina, glutationa, análogos de hormônio adrenocorticortrófico (ACTH) e dietilcitiocarbamato. Até o momento, a eficácia dessas abordagens não está claramente definida. Uma revisão Cochrane acerca de intervenções para a prevenção de neuropatia por cisplatina concluiu que os dados são insuficientes para corroborar a eficácia de qualquer dos agentes estudados3131 Albers JW, Chaudhry V, Cavaletti G, Donehower RC. Interventions for preventing neuropathy caused by cisplatin and related compounds. Cochrane Database Syst Rev. 2011(2):CD005228..

O papel da infusão de cálcio e magnésio na prevenção de NPIQ por oxaliplatina em pacientes portadores de câncer colorretal foi avaliado em meta-análise envolvendo quatro estudos prospectivos e três retrospectivos envolvendo 1.170 pacientes. Dentre eles, 892 receberam infusões de cálcio e magnésio (Ca++/Mg++) e 368 constituíram o grupo controle. A incidência de neurotoxicidade aguda grau 3 foi menor no grupo que recebeu cálcio e magnésio (OR=0,26; IC95%=0,11-0,62; p=0,0002). As taxas de toxicidade cumulativa e toxicidade tardia grau 3 também foram menores no grupo que recebeu a infusão dos íons (OR=0,42; IC95% 0,26-0,65; p=0,0001; OR=0,60; IC95% 0,39-0,92; p=0,02, respectivamente). A diferença entre o número de ciclos de oxaliplatina entre os grupos também foi significativa, indicando melhor tolerância ao tratamento pelo grupo experimental. Não foram encontradas diferenças quanto à sobrevida livre de progressão, à sobrevida global ou à taxa de resposta, mostrando que a administração de cálcio e magnésio não diminuiu a eficácia da quimioterapia3232 Wen F, Zhou Y, Wang W, Hu QC, Liu YT, Zhang PF, et al. Ca/Mg infusions for the prevention of oxaliplatin-related neurotoxicity in patients with colorectal cancer: a meta-analysis. Ann Oncol. 2013;24(1):171-8..

No entanto, o estudo N08CB contraria esses resultados. 353 pacientes que recebiam oxaliplatina adjuvante para câncer de cólon foram randomizados para três braços: Ca++/Mg++ por via venosa (EV), 1g de gluconato de cálcio, 1g de sulfato de magnésio antes e depois da oxaliplatina; placebo antes e depois da oxaliplatina, e ainda o braço que recebeu Ca++/Mg++ EV, antes da oxaliplatina e placebo depois. O desfecho primário era a neurotoxicidade cumulativa. Não foi demonstrado beneficio da administração de íons, sendo que a neurotoxicidade cumulativa, a neurotoxicidade aguda e as taxas de descontinuação de quimioterapia foram semelhantes entre os grupos3333 Loprinzi CL, Qin R, Dakhil SR, Fehrenbacher L, Flynn KA, Atherton P, et al. Phase III randomized, placebo-controlled, double-blind study of intravenous calcium and magnesium to prevent oxaliplatin-induced sensory neurotoxicity (N08CB/Alliance). J Clin Oncol. 2014;32(10):997-1005..

O possível benefício do uso de venlafaxina foi sugerido em um pequeno estudo controlado por placebo com 48 pacientes portadores de neuropatia aguda por oxaliplatina. No grupo que recebeu 50mg de venlafaxina 1h antes da infusão de oxaliplatina, seguidos de 37,5mg duas vezes ao dia do segundo ao 11º dia, houve alívio dos sintomas agudos comparados com o grupo que recebeu placebo (31 versus 5%). Mesmo três meses após o tratamento, menos pacientes apresentavam sintomas de neurotoxicidade no grupo venlafaxina (6 versus 39%). Apesar de promissores, esses dados necessitam de confirmação em estudos mais robustos3434 Durand JP, Deplanque G, Montheil V, Gornet JM, Scotte F, Mir O, et al. Efficacy of venlafaxine for the prevention and relief of oxaliplatin-induced acute neurotoxicity: results of EFFOX, a randomized, double-blind, placebo-controlled phase III trial. Ann Oncol. 2012;23(1):200-5..

Recentemente, foi publicado o primeiro grande estudo fase III a descrever uma intervenção eficaz para NPIQ. No estudo duplo-encoberto, controlado por placebo (CALGB 170601) envolvendo 231 portadores de NPIQ induzida por taxanes ou oxaliplatina, avaliou-se a eficácia da duloxetina. Os participantes recebiam um capsula (30mg) ao dia durante uma semana e em seguida duas capsulas (60mg) por dia durante quatro semanas. Para classificação do grau de NPIQ dolorosa foi utilizado o National Cancer Institute-Common Terminology Criteria for Adverse Events (NCI-CTCAE) uma escala subjetiva que avalia eventos adversos relacionados à toxicidade que inclui neuropatia periférica, sensorial e motora, disestesia, parestesias bem como neuralgias pontuando de 1 a 5 de acordo com a gravida-de dos sintomas. Com relação à presença de dor e QV foram utilizados os instrumentos: Short Form of the Brief Pain Inventory (BPI-SF) que mensura a intensidade e a interferência da dor, Functional Assessment of Cancer Therapy/Gynecologic Oncology Group-Neurotoxicity (FACT/GOG-Ntx) que avalia QV e neurotoxicidade assim como European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC) e a Quality of Life Questionnaire 30 (QLQ-30) utilizado para avaliar QV. Comparado com o placebo, o risco relativo de redução de 30% da dor com duloxetina foi de 1,96 (IC95%=1,15-3,35) e de redução de 50% foi de 2,43 (IC95%=1,11-5,30). Os pacientes tratados com oxaliplatina tiveram maior benefício quando comparados aos tratados com taxanes. Duloxetina foi também associada à melhora funcional e da QV3535 Smith EM, Pang H, Cirrincione C, Fleishman S, Paskett ED, Ahles T, et al. Effect of duloxetine on pain, function, and quality of life among patients with chemotherapy-induced painful peripheral neuropathy: a randomized clinical trial. JAMA. 2013;309(13):1359-67.. Uma crítica ao estudo diz respeito aos instrumentos para avaliar o grau da neuropatia, que foram baseados apenas em julgamento subjetivo.

Outra perspectiva no tratamento da NPIQ seria o Alcar, um éster de L-carnitina, que auxilia no metabolismo energético e pode ser produzido endogenamente ou ser adquirido na dieta2222 Engle DB, Belisle JA, Gubbels JA, Petrie SE, Hutson PR, Kushner DM, et al. Effect of acetyl-l-carnitine on ovarian cancer cells' proliferation, nerve growth factor receptor (Trk-A and p75) expression, and the cytotoxic potential of paclitaxel and carboplatin. Gynecol Oncol. 2009;112(3):631-6.. Estudos preliminares indicaram que o Alcar provavelmente não influenciaria o tratamento de câncer do ovário e poderia ter efeito neuroprotetor por diferentes mecanismos, inclusive por aumento da expressão de NGF-receptor de NGF2222 Engle DB, Belisle JA, Gubbels JA, Petrie SE, Hutson PR, Kushner DM, et al. Effect of acetyl-l-carnitine on ovarian cancer cells' proliferation, nerve growth factor receptor (Trk-A and p75) expression, and the cytotoxic potential of paclitaxel and carboplatin. Gynecol Oncol. 2009;112(3):631-6.. O estudo S0715 do Southwest Oncology Group (SWOG) contrariou o otimismo inicial, quando avaliou pa-pel do Alcar na prevenção de NIPQ em 409 pacientes recebendo taxanes durante terapia adjuvante para câncer de mama. Em relação ao grupo controle, houve tendência a piora de sintomas neurológicos no grupo intervenção após 24 semanas de seguimento3636 Hershman DL, Unger JM, Crew KD, Minasian LM, Awad D, Moinpour CM, et al. Randomized double-blind placebo-controlled trial of acetyl-L-carnitine for the prevention of taxane-induced neuropathy in women undergoing adjuvant breast cancer therapy. J Clin Oncol. 2013;31(20):2627-33..

Um estudo randomizado, placebo-controlado, avaliou a eficácia de baclofeno (10mg), amitriptilina (40mg) e cetamina (20mg) em uma lecitina em organogel (BAK-OLP) versus placebo (OLP) no tratamento da NPIQ durante 4 semanas. 208 pacientes foram avaliados e esse gel tópico permitiu pequena melhora dos sintomas em relação ao grupo placebo, tanto nos sintomas sensoriais quanto motores. Não foram relatados efeitos tóxicos locais indesejáveis com o BAK-OLP ou efeitos de toxicidade sistêmica3737 Barton DL, Wos EJ, Qin R, Mattar BI, Green NB, Lanier KS, et al. A double-blind, placebo-controlled trial of a topical treatment for chemotherapy-induced peripheral neuropathy: NCCTG trial N06CA. Support Care Cancer. 2011;19(6):833-41..

Do ponto de vista farmacológico, em resumo, não existem evidências consistentes sobre a eficácia de estratégias de prevenção da NPIQ. Para o tratamento dos sintomas relacionados à NPIQ, a melhor evidência disponível é para a duloxetina. Dada a eficácia no tratamento da dor neuropática, antidepressivos tricíclicos (nortriptilina, amitriplina) e gabapentina podem ser considerados no contexto da NPIQ dolorosa3838 Hershman DL, Lacchetti C, Dworkin RH, Lavoie Smith EM, Bleeker J. Loprinzi CL, et al. Prevention and management of chemotherapy-induced peripheral neuropathy in survivors of adult cancers: American Society of Clinical Oncology clinical practice guideline. J Clin Oncol. 2014;32(18):1941-67..

Mesmo carecendo de evidências científicas, estratégias não farmacológicas são muito empregadas no manuseio dos sintomas de NPIQ, incluindo a fisioterapia, a acupuntura, a prática de atividade física, as massagens, a terapia ocupacional, além de intervenções educativas que visam estimular o paciente e a família a ter atenção aos sintomas bem como para o planejamento do ambiente doméstico2323 Speck RM, DeMichele A, Farrar JT, Hennessy S, Mao JJ, Stineman MG, et al. Scope of symptoms and self-management strategies for chemotherapy-induced peripheral neuropathy in breast cancer patients. Support Care Cancer. 2012;20(10):2433-9..

CONCLUSÃO

Reconhece-se que a NPIQ é um problema frequente e que interfere negativamente no tratamento antineoplásico. Diferentes fármacos estão associados a graus variáveis de risco, o que mostra a complexidade neurobiológica da NPIQ. As estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento precisam ainda evoluir no sentido de minimizar a ocorrência e a gravidade da NPIQ. Pacientes devem ser informados sobre as limitações das evidências científicas para a prevenção e o tratamento da NPIQ, assim como seus potenciais riscos, benefícios e custos.

  • Fontes de fomento: não há.
  • *
    Recebido do Laboratório Interdisciplinar de Investigação Médica, Faculdade Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi parcialmente apoiado pelo CNPq & Fapemig, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2015
  • Aceito
    27 Jul 2015
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