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Ocorrência de cinesiofobia e fatores associados em idosas com dor crônica musculoesquelética: um estudo piloto

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O medo de movimento e reincidência de lesão (cinesiofobia) é um fator associado à dor crônica e incapacidade. Visto que a população idosa é altamente atingida por problemas crônicos de saúde acompanhados por dor, especialmente musculoesqueléticos, faz-se relevante a compreensão dos impactos do medo relacionado à dor sobre a saúde das idosas. O objetivo deste estudo foi determinar a ocorrência de cinesiofobia em idosas atendidas em um ambulatório geriátrico e gerontológico, bem como investigar possíveis correlações com desempenho físico e outras variáveis de saúde e sócio-demográficas.

MÉTODOS:

Estudo transversal exploratório com amostra por conveniência não probabilística de 30 idosas, realizado por meio de entrevista, teste físico e revisão de prontuário. Foram avaliadas quanto à presença de cinesiofobia, ao desempenho físico e a outras variáveis relacionadas à saúde e à dor crônica musculoesquelética, além de informações sócio-demográficas.

RESULTADOS:

A amostra estudada revelou ocorrência de cinesiofobia de 80%. Houve correlação significativa moderada entre desempenho físico e cinesiofobia (r=541; p=0,002). Não foram encontradas demais correlações.

CONCLUSÃO:

Os dados revelam alta ocorrência de cinesiofobia nas idosas avaliadas e comprometimento do desempenho físico associado à mesma.

Descritores:
Cinesiofobia; Desempenho; Dor crônica; Idosas; Incapacidade

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Fear of movement and re/injury (kinesiophobia) is factor associated to chronic pain and incapacity. Since elderly population is highly affected by chronic health problems followed by pain, especially musculoskeletal problems, it is important to understand the impact of pain-related fear on elderly females' health. This study aimed at determining the incidence of kinesiophobia in elderly females assisted in a geriatrics and gerontology ambulatory, as well as at investigating possible correlations with physical performance and other health and socio-demographic variables.

METHODS:

This is a crossover exploratory study with nonprobabilistic convenience sample of 30 elderly females, carried out with interviews, physical tests and medical charts review. Patients were evaluated for the presence of kinesiophobia, physical performance and other variables related to chronic musculoskeletal pain, in addition to socio-demographic information.

RESULTS:

There has been kinesiophobia in 80% of the sample. There has been significant moderate correlation between physical performance and kinesiophobia (r=541; p=0.002). No other correlations were found.

CONCLUSION:

Data have shown high incidence of kinesiophobia among evaluated elderly females, in addition to physical performance impairment associated to it.

Keywords:
Chronic pain; Elderly females; Incapacity; Kinesiophobia; Performance.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial que desafia os sistemas de saúde, pois está associado ao aumento de doenças crônicas e limitações funcionais11 Veras R. [Population aging today: demands, challenges and innovations]. Rev Saude Publica. 2009;43(3):548-54. English, Portuguese., muitas vezes acompanhadas de dor crônica22 Dellaroza MS, Pimenta CA, Duarte YA, Lebrão ML. [Chronic pain among elderly residentes in São Paulo, Brazil: prevalence, characteristics, and association with functional capacity and mobility (SABE study)]. Cad Saude Publica. 2013;29(2):325-34. Portuguese.. No Brasil, estima-se alta prevalência de dor crônica em idosas da comunidade (51 a 67%), especialmente dores musculoesqueléticas (14 a 47%)22 Dellaroza MS, Pimenta CA, Duarte YA, Lebrão ML. [Chronic pain among elderly residentes in São Paulo, Brazil: prevalence, characteristics, and association with functional capacity and mobility (SABE study)]. Cad Saude Publica. 2013;29(2):325-34. Portuguese..

Segundo a International Association for the Study of Pain (IASP), dor é uma sensação ou experiência emocional desagradável, associada a lesão tecidual real ou potencial33 Ministério da Saúde (BR) - Secretaria de Atenção à Saúde; Portaria nº 1083, de 02 de outubro de 2012., e dor crônica é aquela sem aparente valor biológico que persiste além do tempo esperado para a recuperação tecidual, usualmente considerado como 3 meses44 Carr DB. How prevalent is chronic pain? Pain. 2003;11(2):1-4.. Fatores cognitivos, afetivos, ambientais e sociais apresentam influência sobre a persistência da dor. Estudo propôs um "modelo cognitivo de medo de movimento e reincidência de lesão", no qual se espera dois extremos de respostas à dor: a crença de que movimentos e atividades poderiam agravar a dor e por isso são evitados; e a confrontação, associada a melhores desfechos55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24..

O termo cinesiofobia foi, então, introduzido para denominar o "medo irracional, excessivo e limitante aos movimentos e atividades físicas, resultante de uma sensação de vulnerabilidade a uma possível lesão física"55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.. Em médio prazo, medo e evitação de movimento em antecipação à dor podem trazer consequências físicas (perda de mobilidade, força e condicionamento até desuso) e psicossociais (perda de autoestima, depressão, isolamento)66 Vlaeyen J, Kole-Snijders AMJ, Boeren RGB, van Eek H. Fear of movement/(re) injury in chronic low back pain and its relation to behavioral performance. Pain. 1995;(62):363-72..Adequados processos de avaliação, mensuração e tratamento da dor devem ser dispensados aos idosos, identificando possíveis fatores associados à deterioração de sua capacidade funcional e qualidade de vida (QV)77 Andrade FA, Pereira LV, Sousa FA. [Pain measurement in the elderly: a review]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(2):271-6. Portuguese..

Sendo assim, foi realizado este estudo piloto com 30 idosas com dor crônica musculoesquelética atendidas em um ambulatório gerontológico na cidade do Rio de Janeiro com os objetivos de identificar a ocorrência de cinesiofobia entre elas e avaliar possíveis correlações entre desempenho físico e outras variáveis de saúde e sócio-demográficas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, exploratório, com amostra por conveniência, não probabilística.

O estudo foi composto de idosas com idade igual ou superior a 60 anos, que realizam acompanhamento multidisciplinar de saúde em um ambulatório de gerontologia de uma universidade pública na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

A seleção dos pacientes ocorreu entre outubro e dezembro de 2014, dentro dos horários de atendimento do ambulatório geral ou em horários previamente marcados para a realização da avaliação. Dessa forma, obteve-se um total de 36 participantes, sendo 33 mulheres e 3 homens. Para não comprometer a homogeneidade da amostra, os participantes do gênero masculino foram excluídos do estudo.

Os critérios de inclusão foram idosas com queixa de dor musculoesquelética; de acordo com a descrição do documento do ano mundial contra a dor musculoesquelética da IASP, de 2009: "variedade de distúrbios que causam dor em ossos, articulações, músculos e estruturas adjacentes"; por 3 meses ou mais e com pontuação normal no mini-exame do estado mental (MEEM). Os critérios de exclusão consistiram em diagnóstico ou investigação de síndrome demencial ou doenças mentais que dificultassem a compreensão; deficiência visual e/ ou auditiva grave não corrigida; incapacidades físicas que impedissem a locomoção; dor crônica de outras causas e pós-operatórios recentes. A variável dependente do estudo foi a cinesiofobia. As variáveis independentes quantitativas foram: número de regiões do corpo acometidas por dor, intensidade da dor, número de comorbidades (físicas), anos de escolaridade, idade, número de quedas no último ano e desempenho físico (resultado do teste em segundos). Estado conjugal, região de maior intensidade de dor, depressão e fisioterapia foram as variáveis independentes qualitativas.

As características sócio-demográficas foram representadas pelas variáveis: idade, escolaridade, e estado conjugal. O número de comorbidades, de quedas no último ano e a depressão consistiu nas variáveis do estado de saúde. Quanto ao quadro doloroso, foram obtidos o número de regiões dolorosas e a região mais dolorosa, intensidade da dor, e fisioterapia.

O medo de movimento e reincidência de lesão foi avaliado por meio da versão brasileira da Escala Tampa para Cinesiofobia (ETC). Trata-se de um questionário com 17 afirmativas pontuadas de 1 a 4. A pontuação total é calculada após a inversão dos itens 4, 8, 12 e 16, e varia entre 17 e 68 pontos. Quanto maior a pontuação total, maior a cinesiofobia55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.. Um total de 37 pontos ou menos sugere baixos níveis de cinesiofobia, enquanto que pontuações acima de 37 sugerem altos níveis de cinesiofobia66 Vlaeyen J, Kole-Snijders AMJ, Boeren RGB, van Eek H. Fear of movement/(re) injury in chronic low back pain and its relation to behavioral performance. Pain. 1995;(62):363-72.,88 Oosterwijck JV, Nijs J, Meeus M, Truijen S, Craps J, Keybus NV, et al. Pain neurophysiology education improves cognitions, pain thresholds, and movement performance in people with chronic whiplash: a pilot study. J Rehabil Res Dev. 2011;48(1):43-58.. Como descrito pela versão brasileira da escala, as afirmativas foram lidas e, quando necessário, explicadas aos participantes55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.. É amplamente empregada na mensuração da cinesiofobia, com alta consistência interna e adequada confiabilidade teste-reteste55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24..

O desempenho físico foi avaliado pelo teste "Timed Up and Go" (TUG). O idoso deve partir da posição inicial com as costas apoiadas no encosto da cadeira, levantar, caminhar 3 metros, virar, voltar e sentar novamente. A cronometragem inicia com o comando de partida e finaliza quando o participante volta à posição inicial do teste. Um desempenho de até 12 segundos pode ser considerado normal para idosos comunitários; acima de 20 segundos sugere déficit importante da mobilidade física e risco de quedas99 Karuka AH, Silva JA, Navega MT. Análise da concordância entre instrumentos de avaliação do equilíbrio corporal em idosas. Rev Bras Fisioter. 2011;15(6):460-6..

Para rastreio cognitivo das participantes foi utilizado o MEEM, instrumento composto de questões agrupadas em 7 categorias de funções cognitivas e escore total de 0 a 30 pontos, amplamente utilizado como avaliação cognitiva. No Brasil foram estabelecidos pontos de corte compatíveis com a escolaridade: 19-20 para analfabetos e 2324 para indivíduos com um ano ou mais de estudo1010 Almeida OP. Mini exame do estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 1998;56(3-B):605-12.. Aquelas que obtiveram pontuação abaixo do corte foram excluídas do estudo para evitar problemas de compreensão das escalas.

O mapa corporal para localização da dor foi empregado como meio de estabelecer a quantidade de regiões acometidas por dor há mais de 3 meses. Dentre os locais nele assinalados, as idosas foram solicitadas a identificar aquele de maior intensidade dolorosa (pior local de dor) de acordo com a escala visual numérica (EVN) de 11 pontos. O ponto zero equivale à ausência de dor e 10 à pior dor possível. Essa escala mostrou-se fidedigna para a mensuração da dor em idosas77 Andrade FA, Pereira LV, Sousa FA. [Pain measurement in the elderly: a review]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(2):271-6. Portuguese..

O número de quedas nos últimos 12 meses foi obtido por meio do autorrelato, considerando-as "um evento inesperado no qual o sujeito venha a se posicionar no solo ou nível inferior ao seu"1111 Soares WJ, Moraes AS, Ferriolli E, Perracini MR. Fatores associados a quedas e quedas recorrentes em idosas: estudo de base populacional. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(1):49-60.. As participantes também foram questionadas a respeito de estarem em tratamento fisioterapêutico para alívio da dor. Número de comorbidades, estado conjugal e os anos de escolaridade foram obtidos na entrevista e/ou por revisão dos prontuários. A presença de depressão foi constatada em relato de prontuário clínico, feito pelos geriatras e/ ou psicólogos da equipe do ambulatório.

Análise estatística

Para o cálculo amostral foi utilizada a análise para estimativa de uma proporção, a qual leva em consideração a prevalência do evento no estudo, a precisão relativa de 5% e o nível de significância de 5%. Dessa forma, o tamanho da amostra calculado foi de 384. A ocorrência de cinesiofobia foi calculada considerando pontuações acima de 37 na ETC.

As variáveis estado conjugal e pior local de dor foram reagrupadas em dicotômicas: união estável ou união não estável (esta incluindo viúvas) e tronco ou não tronco, respectivamente, para realizar análise bivariada.

A normalidade de distribuição dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. Obedeceram aos padrões de normalidade as variáveis quantitativas cinesiofobia, número de comorbidades e idade, e todas as variáveis qualitativas. O coeficiente de correlação de Pearson foi empregado para verificar as variáveis quantitativas com distribuição normal e o de Spearman para as que não atenderam aos critérios de normalidade. O teste t de Student para amostras independentes foi usado para avaliar as diferenças entre as médias das variáveis quantitativas e qualitativas. Um nível de significância de 0,05 foi considerado em todas as análises estatísticas.

Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ sob o protocolo de pesquisa nº 32966914.7.0000.5259, em 20 de agosto de 2014.

RESULTADOS

Três idosas foram excluídas pelo MEEM, assim, a amostra foi composta de 30 participantes do gênero feminino com idade média de 79,4±7,03 anos. Quanto ao estado conjugal, houve predominância de viúvas (60%). A escolaridade média do grupo foi de aproximadamente 8 anos. O número de comorbidades do grupo variou de 1 a 7. A ocorrência de quedas variou de nenhum a 14 episódios, com média de 1,2 episódios no último ano. As idosas apontaram presença de dor crônica musculoesquelética em 1 a 12 regiões do corpo no mapa corporal de localização da dor. Dentre elas, a coluna lombar foi marcada como o local de maior intensidade de dor por 40% das participantes. A intensidade da dor teve média de 8 pontos. Quanto à depressão, 9 idosas (30%) apresentavam diagnóstico de depressão em prontuário. Vinte e duas (73,3%) não estavam em tratamento fisioterapêutico no momento da avaliação. A frequência das variáveis qualitativas e a análise descritiva das variáveis quantitativas estão demonstradas nas tabelas 1 e 2, respectivamente.

Tabela 1
Frequência das variáveis qualitativas. Rio de Janeiro - RJ, 2014-2015
Tabela 2
Análise descritiva das variáveis quantitativas (n=30). Rio de Janeiro - RJ, 2014-2015

A pontuação na ETC variou de 29 a 62 pontos, com média de 45,8±8,9 pontos. Vinte e quatro idosas obtiveram mais de 37 pontos na ETC, e apenas 6 fizeram 37 ou menos pontos. Sendo assim, a ocorrência de cinesiofobia no grupo foi de 80%.

O grupo apresentou desempenho médio no teste TUG de 15,2±4,5 segundos, variando de 9,96 a 28 segundos para sua execução.

Foi observada correlação positiva moderada e estatisticamente significativa entre a cinesiofobia e o resultado no teste TUG (r=,541; p=0,002). A figura 1 ilustra essa correlação. Não houve correlação significativa com as demais variáveis. Não foi encontrada diferença significativa entre as médias das variáveis qualitativas (p>0,05).

Figura 1
Correlação entre cinesiofobia e o teste timed up and go. Rio de Janeiro, RJ, 2014-2015

DISCUSSÃO

O presente estudo incluiu 30 idosas com queixa de dor crônica musculoesquelética, e evidenciou altos níveis de cinesiofobia em 80% delas. O medo de movimento e reincidência de lesão tem sido visto como preditor de dor crônica e incapacidade. Desuso, incapacidade e sintomas depressivos são morbidades associadas a esse comportamento55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.,1212 Rusu AC, Kreddig N, Hallner D, Hülsebusch J, Hasenbring MI. Fear of movement/(re)injury in low back pain: confirmatory validation of a German version of the Tampa Scale for Kinesiophobia. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:280-9.,1313 Verbunt JA, Seelen HA, Vlayen JW, van der Heijden GJ, Knottnerus JA. Fear of injury and physical deconditioning in patients with chronic low back pain. Arch Phys Med Rehabil. 2003;84(8):1227-32.. A alta ocorrência de cinesiofobia encontrada neste estudo ressalta a importância de se estudar esse fenômeno, especialmente na população idosa, que estaria mais sujeita às perdas relacionadas à presença de dor e medo de movimento. Há evidências de que a incapacidade por dor aumenta com a idade e está associada ao maior risco de quedas e fragilidade1414 Pereira LS, Sherrington C, Ferreira ML, Tiedemann A, Ferreira PH, Blyth FM, et al. Self-reported chronic pain is associated with physical performance in older people leaving aged care rehabilitation. Clin Interv Aging. 2014;14(9):259-65..

Pesquisas sobre dor, cinesiofobia e outros fatores associados costumam excluir sujeitos acima de 65 anos. Dessa forma, um grupo amplamente acometido por dor crônica associada a desordens musculoesqueléticas77 Andrade FA, Pereira LV, Sousa FA. [Pain measurement in the elderly: a review]. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(2):271-6. Portuguese. permanece pouco estudado.

A dor crônica é vista como um fator de piora do desempenho físico1414 Pereira LS, Sherrington C, Ferreira ML, Tiedemann A, Ferreira PH, Blyth FM, et al. Self-reported chronic pain is associated with physical performance in older people leaving aged care rehabilitation. Clin Interv Aging. 2014;14(9):259-65.,e o medo de movimento é associado à incapacidade, com redução da força muscular e da mobilidade, além de piores resultados em testes físicos55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.. Corroborando essas evidências, foi encontrada correlação moderada, porém significativa, entre cinesiofobia e o desempenho físico no presente estudo. Esse resultado sugere que quanto mais cinesiofobia, pior o desempenho físico das idosas com dor crônica. Contudo, deve ser interpretado com cautela, devido à possibilidade de alterações associadas ao envelhecimento terem também influenciado o desempenho no teste.

A média de intensidade da dor dentre as participantes foi de 8 pontos, considerada intensa de acordo com a EVN, porém não houve correlação significativa com a pontuação na ETC. Outros autores também não evidenciaram em seus estudos correlação significativa entre a intensidade da dor e o grau de cinesiofobia55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.,1212 Rusu AC, Kreddig N, Hallner D, Hülsebusch J, Hasenbring MI. Fear of movement/(re)injury in low back pain: confirmatory validation of a German version of the Tampa Scale for Kinesiophobia. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:280-9..

No estudo de Dellaroza et al.22 Dellaroza MS, Pimenta CA, Duarte YA, Lebrão ML. [Chronic pain among elderly residentes in São Paulo, Brazil: prevalence, characteristics, and association with functional capacity and mobility (SABE study)]. Cad Saude Publica. 2013;29(2):325-34. Portuguese., 25,4% das idosas entrevistadas relataram dor mais intensa na região lombar, seguida de 21,9%, nos membros inferiores. Evidenciou-se o mesmo padrão no presente estudo, onde 40% citaram a lombar como pior local de dor, seguida dos MMII, por 36,7%.

A resposta de evitar atividades físicas e até sociais em antecipação à dor está associada à depressão55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.,66 Vlaeyen J, Kole-Snijders AMJ, Boeren RGB, van Eek H. Fear of movement/(re) injury in chronic low back pain and its relation to behavioral performance. Pain. 1995;(62):363-72.,1212 Rusu AC, Kreddig N, Hallner D, Hülsebusch J, Hasenbring MI. Fear of movement/(re)injury in low back pain: confirmatory validation of a German version of the Tampa Scale for Kinesiophobia. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:280-9.,1313 Verbunt JA, Seelen HA, Vlayen JW, van der Heijden GJ, Knottnerus JA. Fear of injury and physical deconditioning in patients with chronic low back pain. Arch Phys Med Rehabil. 2003;84(8):1227-32., a qual já foi correlacionada com maiores escores na ETC1212 Rusu AC, Kreddig N, Hallner D, Hülsebusch J, Hasenbring MI. Fear of movement/(re)injury in low back pain: confirmatory validation of a German version of the Tampa Scale for Kinesiophobia. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:280-9.. Contudo, não foi encontrada diferença significativa entre a presença de depressão e a pontuação na ETC no presente estudo.

Em relação a quedas nos últimos 12 meses, houve grande variação no número de episódios relatados, porém a média foi de 1,2 quedas no ano. A presença de dor e medo tem sido observada como fator de comprometimento do desempenho físico, levando ao maior risco de quedas em idosas que relatam dor ou incapacidade por dor1414 Pereira LS, Sherrington C, Ferreira ML, Tiedemann A, Ferreira PH, Blyth FM, et al. Self-reported chronic pain is associated with physical performance in older people leaving aged care rehabilitation. Clin Interv Aging. 2014;14(9):259-65..

A ETC foi testada em várias línguas, inclusive o português55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24., e em diferentes desordens musculoesqueléticas e foi encontrada boa validade de construto1212 Rusu AC, Kreddig N, Hallner D, Hülsebusch J, Hasenbring MI. Fear of movement/(re)injury in low back pain: confirmatory validation of a German version of the Tampa Scale for Kinesiophobia. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:280-9.. No entanto, há versões diferentes com possibilidade de exclusão dos itens com pontuação invertida, e não há um ponto de corte estabelecido1212 Rusu AC, Kreddig N, Hallner D, Hülsebusch J, Hasenbring MI. Fear of movement/(re)injury in low back pain: confirmatory validation of a German version of the Tampa Scale for Kinesiophobia. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:280-9.. Dessa forma, o seu uso em pesquisa e na clínica é dificultado. Atualmente a escala apresenta adaptação transcultural no Brasil (ETC - Brasil)55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24., mas ainda não foi validada. Mostra alta consistência interna dos itens e adequada confiabilidade teste-reteste, mas há itens que podem comprometer a validade de construto55 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala Tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24..O ponto de corte utilizado aqui não é validado no Brasil, e por isso pode representar uma limitação do estudo.

Não foi encontrada evidência de avaliação da escala para uso em população acima de 65 anos. Portanto, é importante que a ETC seja mais bem estudada para que se estabeleça a versão apropriada a ser utilizada, um possível ponto de corte para dividir os sujeitos em grupos de intensidade de cinesiofobia, além do seu estudo com idosos. Acredita-se que mais resultados significativos podem ser encontrados utilizando o "n" total obtido pelo cálculo amostral.

CONCLUSÃO

O presente estudo evidenciou alta ocorrência de cinesiofobia entre as idosas avaliadas. Houve correlação estatisticamente significativa entre a cinesiofobia e o resultado no teste de velocidade de marcha, sugerindo que o desempenho físico das participantes estaria prejudicado pela presença de medo de movimento. Mais estudos são necessários a fim de compreender melhor a ocorrência do medo de movimento e suas consequências no idoso, além de estabelecer padrões para a utilização dos instrumentos disponíveis para a sua avaliação.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2015
  • Aceito
    08 Ago 2016
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