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Associação entre dor de dente e absenteísmo em funcionários públicos do sudeste do Brasil* * Recebido da Universidade Federal do Espírito, Vila Velha, ES, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Pesquisas realizadas em todo o mundo demonstram que a ocorrência de dor de dente é uma das razões que levam as pessoas a procurar o serviço odontológico, comprometendo a qualidade de vida. O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência da dor dentária, absenteísmo motivado pela dor e possíveis associações com características sociodemográficas.

MÉTODOS:

Estudo analítico, observacional, transversal utilizou uma amostra aleatória de 312 servidores obtida de um universo de 994 funcionários da Prefeitura do município de Marataízes, ES. Foi utilizado um roteiro estruturado com 27 itens para a coleta de dados, realizada entre maio e junho de 2009, por três servidoras treinadas. Para comparação dos percentuais de dor dentária e absenteísmo com os fatores sociodemográficos foram utilizados os testes Qui-quadrado e Exato de Fisher.

RESULTADOS:

A prevalência de dor dentária entre os funcionários foi de 57,0%, com maior prevalência naqueles com condição socioeconômica C/D/E (OR=1,560). Dos que sentiram dor dentária, 17,8% faltaram ao trabalho, com maior prevalência para os de condição socioeconômica C/D/E (OR=3,816) e com escolaridade até o ensino médio incompleto (OR= 2,298).

CONCLUSÃO:

Alta prevalência de dor de dente foi observada e suficiente para produzir absenteísmo, com maior frequência em trabalhadores inseridos nas classes econômicas menos favorecidas e com menor escolaridade.

Absenteísmo; Odontalgia; Saúde do trabalhador


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Studies carried out worldwide have shown that the incidence of dental pain is one reason leading people to look for dental services and that it impairs quality of life. This study aimed at observing the prevalence of dental pain, pain-related absenteeism and possible associations with sociodemographic characteristics.

METHODS:

This was an analytical, observational and transversal study using a randomized sample of 312 public servants obtained from a universe of 994 employees of the City Hall of Marataízes, ES. A structured script with 27 items was used for data collection, which was carried out between May and June 2009, by three qualified servants. Chi-square and Fisher Exact tests were used to compare dental pain percentages and absenteeism to sociodemographic factors.

RESULTS:

The prevalence of dental pain among employees was 57.0%, with higher prevalence among those with socioeconomic condition C/D/E (OR= 1.560). From those reporting dental pain, 17.8% have missed work, with higher prevalence of those of socioeconomic condition C/D/E (OR= 3.816) and with incomplete high school (OR= 2.298).

CONCLUSION:

High dental pain prevalence was observed and enough to produce absenteeism, with higher frequency among workers of less favored economic classes and with lower education level.

Absenteeism; Dental pain; Worker's health


INTRODUÇÃO

Estudos epidemiológicos demonstram que a ocorrência de dor é o principal motivo de procura por serviços de saúde e representa uma das maiores causas do sofrimento humano, comprometendo a qualidade de vida (QV) e a condição psicossocial e econômica1Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 19/GM. Brasília, 3 jan. 2002. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/Portarias/Port2005/GM/GM-19.htm. Acessado em: 10 de novembro de 2009.
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/Portaria...
.

A dor dentária é uma das mais comuns que afetam a humanidade. É responsável por um grande número de não comparecimento do indivíduo ao trabalho.

Faltas ao trabalho decorrentes de agravos à saúde refletem incapacidades para o desempenho das atividades laborais2Yano SR, Santana VS. Faltas ao trabalho por problemas de saúde na indústria. Cad Saude Publica. 2012;28(5):945-54..

O absenteísmo provocado por problemas bucais é pouco estudado no Brasil. Não existem dados atualizados sobre o número de dias perdidos de trabalho por dor dentária, em nível nacional, estadual e municipal. Não há também informações sobre o ônus que tais faltas acarretam como o impacto psicossocial para o trabalhador. Existem dois tipos de absenteísmo: tipo 1 que se caracteriza pela falta ao trabalho; tipo 2, que se caracteriza pelo corpo presente, com o indivíduo trabalhando com dor3Aguiar GA, Oliveira JR. Absenteísmo: suas principais causas e consequências em uma empresa no ramo de saúde. Rev Ciências Gerenciais. 2009;8(18):95-113..

Problemas odontológicos são capazes de produzir dor, desconforto e gerar sinais e sintomas, que vão desde a diminuição de atenção ao trabalho até a ausência, além de comportamentos sociais de isolamento. Esse fato reafirma a necessidade e a importância de os cirurgiões-dentistas (CDs) participarem das equipes multidisciplinares3Aguiar GA, Oliveira JR. Absenteísmo: suas principais causas e consequências em uma empresa no ramo de saúde. Rev Ciências Gerenciais. 2009;8(18):95-113..

A compartimentalização que vê a boca separada do resto do corpo é ultrapassada. A saúde bucal afeta a saúde geral, causando mudanças na qualidade de vida, no bem-estar4Sheiham A. Oral health, general health and quality of life. Bull World Health Organ. 2005;83(9):644..

Não se pode falar em atenção integral à saúde do trabalhador sem inserir as ações de Odontologia, as quais devem ser conduzidas dentro dos Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) por CDs devidamente capacitados para lidar com a especificidade da relação saúde bucal e trabalho5Brasil. Câmara dos Deputados. Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, Brasília. Projeto de Lei, PL nº 957/2003. Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acessado em: 02 de setembro de 2008.
http://www.camara.gov.br...
. A proposta do Projeto de Lei nº 422/2007 parte desse entendimento e busca contribuir para sanar a lacuna existente, promovendo a ampliação do rol de ações voltadas para a prevenção e assistência aos agravos ocupacionais, com a incorporação de ações de Odontologia do Trabalho. Só assim, as empresas estarão cumprindo seu dever social de promover atenção integral à saúde de seus trabalhadores6Brasil. Câmara dos Deputados. Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Brasília. Projeto de Lei, PL n.º 422/2007. Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acessado em: 02 de setembro de 2008.
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.

Problemas bucais podem afetar diretamente o desempenho profissional. Em função de os programas de promoção de saúde no trabalho apresentarem um número limitado de ações específicas em saúde bucal, há necessidade de se implantar um protocolo de promoção de saúde bucal nas empresas. A implantação desse programa evitaria absenteísmo e declínio na produtividade. As equipes de saúde bucal do trabalhador devem nortear sua atuação para a promoção de saúde7Medeiros UV, Abreu CM. Protocolo de promoção de saúde bucal em empresas. Rev Bras Odontol. 2006;63(1/2):29-32..

O objetivo deste estudo foi mensurar a frequência de dor dentária nos últimos seis meses, e a possível ocorrência de absenteísmo provocado pela dor de dente e associações com variáveis sociodemográficas em funcionários efetivos da Prefeitura Municipal de Marataízes, ES.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, realizado em amostra representativa de trabalhadores municipais em um balneário localizado no sul do estado, a 200 km da capital. Para o cálculo amostral, utilizou-se como parâmetros: prevalência esperada de 35% - resultados encontrados em estudos na região - nível de confiança de 95%, erro de 5% e n=994. O cálculo resultou em uma amostra de 260 funcionários acrescida de mais 52 indivíduos, considerando uma possível perda de até 20%. O estudo utilizou uma amostra aleatória de 312 funcionários. Foram excluídos aqueles que estavam em licença-maternidade ou doença.

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário validado com 27 itens, referentes às características sociodemográficas, necessidade de prótese total ou parcial, situação da dentição (presença ou ausência total de dentes), dor dentária, absenteísmo, tipo de serviço utilizado no tratamento.

Os roteiros foram utilizados sob a forma de entrevista padronizada e aplicados por três entrevistadoras treinadas, funcionárias públicas não participantes, garantindo a equivalência cultural, econômica e social com os participantes da pesquisa, entre maio e junho de 2009. Foram realizados testes estatísticos Qui-quadrado e Exato de Fisher para verificação das possíveis associações. O nível de significância adotado foi de 5%. Para verificar a força da associação, foi calculado o Odds Ratio (OR) e os respectivos Intervalos de Confiança. A pesquisa foi conduzida respeitando os princípios da ética, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, em 24 de março de 2009, protocolo 023/09. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

A amostra final foi de 286 funcionários, superior ao cálculo amostral original (n=252). Na amostra selecionada, houve um predomínio do gênero feminino (64%), indivíduos jovens, 65% abaixo de 40 anos, e 61,2% casados. Em relação à escolaridade, a grande maioria (74,1%) declarou ter cursado ensino médio completo ou mais; a renda não acompanhou a escolaridade, 46,1% indicaram uma renda familiar de até dois salários mínimos; 60,8% declararam pertencer à condição socioeconômica C (Tabela 1).

Tabela 1
Dados sociodemográficos de funcionários públicos. Marataízes/ES

Com relação à situação da dentição, 84 (29,4%) declararam não apresentar perda dentária, 201 (70,3%) informaram que apresentam pelo menos uma perda dentária e um funcionário (0,3%) respondeu ser edentado total.

Daqueles participantes que relataram ter perda dentária, 119 (58,9%) perderam dentes posteriores, 14 (6,9%) dentes anteriores e 69 (34,2%) dentes posteriores e anteriores.

Quanto à necessidade declarada de prótese parcial removível (PPR), 191 (66,8%) participantes responderam não precisar, 84 (29,4%) declararam ter necessidade e 11 (3,8%) se recusaram a responder.

Com relação à necessidade declarada de prótese total, 253 (88,5%) responderam não precisar usar, 25 (8,7%) perceberam necessidade e 8 (2,8%) se recusaram a responder (Tabela 2).

Tabela 2
Dados sobre dor dentária em funcionários públicos. Marataízes/ES

A prevalência de dor de dente verificada foi de 57%, considerada alta e suficiente para gerar a utilização de serviços odontológicos em 39,9% desses funcionários.

A utilização de serviços odontológicos públicos (47,7%) ficou muito próxima da registrada nos serviços privados (44,6%). Foi surpreendente o percentual de funcionários (6,2%) que procurou por um falso profissional (Tabela 2).

A prevalência de absenteísmo declarada pelos funcionários motivada por dor de dente foi de 17,8%, gerando perda de até um dia de trabalho para 93,2%. Em relação à produtividade, 27% dos funcionários com dor de dente relataram ter havido interferência nas atividades laborais (Tabela 3).

Tabela 3
Dados sobre absenteísmo entre os funcionários públicos. Marataízes/ES

Com referência às variáveis gênero, faixa etária, condição socioeconômica (CSE), renda familiar e escolaridade, os resultados mostraram que não houve associação estatisticamente significativa com a prevalência de dor de dente. Ao testar a variável CSE, o valor de p (0,054) ficou muito próximo do limite nominal, apontando um resultado potencialmente significativo (Tabela 4).

Tabela 4
Dados sobre dor dentária e características sociodemográficas de funcionários públicos. Marataízes/ES

A prevalência de absenteísmo foi maior entre trabalhadores de classe socioeconômica C/D/E (OR=3,816, IC 95%=1,094;13,333), ou seja, a chance de os indivíduos inseridos nas classes C/D/E faltarem ao trabalho por dor de dente foi de 3,816 vezes maior, quando comparados com aqueles das classes A e B.

Trabalhadores com escolaridade até o ensino médio incompleto tiveram 2,298 vezes mais chance de faltar ao trabalho por dor de dente (OR=2,298, IC 95%=1,005; 5,255), comparados com aqueles com maior escolaridade (Tabela 5).

Tabela 5
Dados sobre absenteísmo por causa de dor dentária de funcionários públicos. Marataízes/ES

DISCUSSÃO

A prevalência da dor dentária entre os participantes deste estudo foi de 57,0%, considerada alta; entretanto, semelhante a outros resultados encontrados no Espírito Santo, de 43%, entre funcionários da Prefeitura Municipal de Venda Nova do Imigrante8Miotto MH, Silotti JC, Barcellos LA. Dor dentária como motivo de absenteísmo em uma população de trabalhadores. Cien Saude Colet. 2012;17(5):1355-63.; de 46,7% em trabalhadores de uma empresa alimentícia em Linhares9Miotto MH, Barcellos LA, Lopes ZV. Dor de dente como preditor de absenteísmo em trabalhadores de uma indústria de sucos da Região Sudeste do Brasil. Cienc Saúde Colet. 2013;18(11):3183-90.. Estudos internacionais também encontraram resultados semelhantes1010 Sanders AE, Spencer AJ. Job characteristics and the subjective oral health of Australian workers. Aust N Z J Public Health. 2004;28(3):259-66., de 51,9%, entre trabalhadores australianos1111 Jaafar N, Razak IA, Zain RB. The impact of oral and facial pain in an industrial population. Ann Acad Med Singapore. 1989;18(5):553-5., de 43,6%, entre trabalhadores de duas indústrias na Malásia. Alguns estudos nacionais obtiveram resultados com menor prevalência: 33,7% registrados entre escolares de 12 a 13 anos de idade em Florianópolis-SC1212 Nomura LH, Bastos, JL, Peres MA. Prevalência de dor de dente e associação com cárie e condições socioeconômicas em escolares, sul do Brasil, 2002. Braz Oral Res. 2004;18(2):134-40.; 28% entre trabalhadores metalúrgicos e mecânicos de Xanxerê, SC1313 Lacerda JT, Traebert J, Zambenedetti ML. Dor orofacial e absenteísmo em trabalhadores da indústria metalúrgica e mecânica. Saúde Soc. 2008;17(4):182-91.; 20,7%, entre funcionários do Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre-RS1414 Gomes AS, Abegg C. O impacto odontológico no desempenho diário dos trabalhadores do departamento municipal de limpeza urbana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007;23(7):1707-14.. Tais comparações são dificultadas pelas variações entre faixas etárias, intervalos de observação (duas últimas semanas, seis meses ou até 12 meses), e regiões distintas dentro do Brasil e no mundo. É importante salientar que aspectos metodológicos de futuros estudos epidemiológicos sobre a temática devem ser padronizados, de forma a permitir comparações com maior confiabilidade1515 Nardi A, Michel-Crosato M, Biazevic MG, Cosato E, Pizzatto E, Queluz DP. Relationship between orofacial pain and absenteeism among workers in Southern Brasil. Braz J Oral Sci. 2009;8(1):50-4..

Nesta pesquisa, dor de dente não esteve associada à variável gênero, estando de acordo com outros estudos1616 Locker D, Grushka M. The Impact dental and facial pain. J Dent Res. 1987;66(9):1414-7.,1717 Pau AK, Croucher R, Marcenes W. Prevalence estimates and associated factors for dental pain: a review. Oral Health Prev Dent. 2003;1(3):209-20.. Existem relatos que demonstram que ser do gênero masculino aumenta as chances de sentir dor dentária1818 Alexandre GC, Nadanovsky P, Lopes CS, Faerstein E. Prevalência e fatores associados à ocorrência da dor de dente que impediu a realização de tarefas habituais em uma população de funcionários públicos no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(5):1073-8.,1919 Nardi A, Michel-Crosato E, Biazevic MG. Dores dental e facial em trabalhadores do sul do Brasil, 2003. Rev Odontol UNESP. 2006;35(1):81-7..

Trabalhadores de classes C/D/E tiveram 56% mais chance de experimentar dor de dente, comparados com aqueles das classes mais favorecidas. Uma extensa literatura tem demonstrado uma maior prevalência de cárie dentária e suas consequências nas populações mais pobres. Os piores índices em todo o mundo são encontrados nas regiões de privação social. A posição social é a causa fundamental da doença, pois medeia o acesso aos recursos da sociedade, e isso determina o acesso a todos os pontos da corrente causal do processo saúde/doença2020 Graham H. Social determinants and their unequal distribution: clarifying policy understandings. Milbank Q. 2004;82(1):101-24.. A maioria das pesquisas sobre determinantes sociais em saúde bucal associa as variáveis classe social, classe socioeconômica, renda e escolaridade com condição de saúde bucal2121 Newton JT, Bower EJ. The social determinants of oral health: new approaches to conceptualizing and researching complex causal networks. Community Dent Oral Epidemiol. 2005;33(1):25-34..

Este estudo não encontrou diferença estatisticamente significativa, com relação à renda familiar, na prevalência do relato de dor dentária, ficando em desacordo com pesquisas que mostram que famílias com baixa renda foram mais suscetíveis à experiência de dor dentária1212 Nomura LH, Bastos, JL, Peres MA. Prevalência de dor de dente e associação com cárie e condições socioeconômicas em escolares, sul do Brasil, 2002. Braz Oral Res. 2004;18(2):134-40.,1717 Pau AK, Croucher R, Marcenes W. Prevalence estimates and associated factors for dental pain: a review. Oral Health Prev Dent. 2003;1(3):209-20.,1818 Alexandre GC, Nadanovsky P, Lopes CS, Faerstein E. Prevalência e fatores associados à ocorrência da dor de dente que impediu a realização de tarefas habituais em uma população de funcionários públicos no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(5):1073-8.,2222 Bastos JL, Nomura LH, Peres MA. Dor de dente e sua relação com condições sócio-econômicas e cárie dentária em adultos jovens do sexo masculino no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21(5):1416-23.,2323 Goes PSA, Sheiham A, Watt RG, Hardy R. The prevelence and severity of dental in Brazilian in 14-15 years old schoolchildren. Community Dental Health. 2007; 24: 217-24, 2007.. Uma possível explicação para esse achado é que, neste estudo, não se reproduziu a desigualdade salarial existente no Brasil, havendo proximidade salarial no ponto de corte para a análise da variável.

O relato de absenteísmo por dor dentária identificado neste estudo foi de 17,8%, muito próximo aos resultados encontrados no Espírito Santo8Miotto MH, Silotti JC, Barcellos LA. Dor dentária como motivo de absenteísmo em uma população de trabalhadores. Cien Saude Colet. 2012;17(5):1355-63.,9Miotto MH, Barcellos LA, Lopes ZV. Dor de dente como preditor de absenteísmo em trabalhadores de uma indústria de sucos da Região Sudeste do Brasil. Cienc Saúde Colet. 2013;18(11):3183-90. e no Brasil1515 Nardi A, Michel-Crosato M, Biazevic MG, Cosato E, Pizzatto E, Queluz DP. Relationship between orofacial pain and absenteeism among workers in Southern Brasil. Braz J Oral Sci. 2009;8(1):50-4.,1919 Nardi A, Michel-Crosato E, Biazevic MG. Dores dental e facial em trabalhadores do sul do Brasil, 2003. Rev Odontol UNESP. 2006;35(1):81-7..

Este estudo demonstrou que 20,0% dos trabalhadores com dor de dente declararam perda na produtividade durante suas atividades laborais, devido a pouca atenção ou a erro na execução de tarefas. Esse fato assume importância não apenas pela diminuição da produtividade, mas pelo aumento do risco de acidentes de trabalho. Gemeli2424 Gemeli TR. Aplicação e análise de metodologia investigatória de causalidade entre morbidez odontológica e acidentes de trabalho. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br. Acesso em: 20 de fevereiro de 2009].
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investigou a ocorrência de acidentes de trabalho e encontrou que, em 11,0% dos casos, o entrevistado relatou ter sentido dor dentária no dia do acidente, sugerindo possível interferência da dor dentária na atenção e concentração dos trabalhadores.

O Brasil é um dos campeões nas estatísticas de acidentes de trabalho.É sempre importante lembrar que essas estatísticas refletem os acidentes registrados pela Previdência Social. Estima-se que ainda haja no Brasil uma alta taxa de subnotificação dos acidentes2525 Binder MCP, Almeida IM. Acidentes de trabalho: acaso ou descaso. In: Mendes R, (editor). Patologia do trabalho. São Paulo: Atheneu; 2005. 769-810p..

Este trabalho encontrou que 39,9% dos participantes que sentiram dor dentária procuraram o serviço odontológico. O tipo de serviço mais utilizado foi o serviço público (47,7%), seguido do serviço privado (40%). Nota-se que a amostra é composta por funcionários municipais, o que poderia, de certo modo, motivar a utilização do serviço de saúde bucal do sistema público. Ainda assim, mesmo ten-do grande parte (46%) declarado renda familiar de até dois salários, um grande percentual utilizou o serviço privado. Estudos são necessários para o entendimento de valores e crenças em saúde bucal e da existência de barreiras que podem afetar a utilização dos serviços públicos. Pesquisas também são necessárias para a compreensão do fato que 6,2% dos trabalhadores procuraram por um falso profissional, sendo funcionários de uma prefeitura da Região Sudeste que disponibiliza serviços odontológicos e que, pela Constituição Brasileira2626 Brasil. Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988., deveria garantir acesso a todos os cidadãos, sobretudo em casos de urgência2727 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. 2004. Disponível em: http//www.saude.ms.gov.br. Acesso em 13 de junho de 2010.
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A utilização de serviços de saúde bucal é determinada por uma série de variáveis com força de predição diferentes2828 Baldani MH, Brito WH, Lawder JA, Mendes YB, da Silva F de F, Antunes JL. Determinantes individuais da utilização de serviços odontológicos por adultos e idosos de baixa renda. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(1):150-62.. Muitos estudos têm mostrado a percepção da necessidade como a característica de maior poder explicativo para a busca de atendimento odontológico. Dor de origem dental nem sempre é suficiente para motivar uma visita ao serviço odontológico2929 Reisine ST. Dental disease and work loss. J Dent Res. 1984;63(9):1158-61..

Dos trabalhadores que declararam dor de dente nos últimos seis meses e não procuraram o serviço de saúde bucal, 46,9% não perceberam necessidade e 12,0% não o fizeram por falta de dinheiro, o que pode sugerir ausência de terceiro turno de atendimento odontológico no serviço público ou a não dispensa para tratamento. Alta prevalência de dor e absenteísmo encontrada neste estudo justifica a implementação de ações que incluem desde a criação do terceiro turno no serviço público de saúde até a inserção do CD na empresa8Miotto MH, Silotti JC, Barcellos LA. Dor dentária como motivo de absenteísmo em uma população de trabalhadores. Cien Saude Colet. 2012;17(5):1355-63.. Não se descarta a possibilidade do uso da automedicação, um procedimento muito utilizado no Brasil, preocupante por ser realizada de forma inadequada e abusiva, e, na maioria das vezes, com fármacos sujeitos a prescrição médica3030 Mastroianni P de C, Lucchetta RC, Sarra J dos R, Galduróz JC. Estoque doméstico e uso de medicamentos em uma população cadastrada na estratégia saúde da família no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2011;29(5):358-64.. A automedicação é uma prática bastante difundida também em outros países. Com o sistema de saúde pouco estruturado, a ida à farmácia representa a primeira opção para resolver um problema referente à saúde. Fármacos de uso mais simples e comum, como analgésicos, estão disponíveis em farmácias e até em supermercados, podem ser obtidos sem receita médica e são os mais utilizados entre os que se automedicam3131 Loyola Filho AI, Uchoa E, Guerra HL, Firmo JO, Lima-Costa MF. Prevalência e fatores associados à automedicação: resultados do projeto Bambuí. Rev Saúde Pública. 2002;36(1):55-62.,3232 Schmid B, Bernal R, Silva NN. Automedicação em adultos de baixa renda do município de São Paulo. Rev Saúde Pública. 2010;44(6):1039-45..

Este estudo encontrou que funcionários de condição socioeconômica C/D/E tiveram quase quatro vezes mais chance de faltar ao trabalho por dor dentária, comparados com os de nível A/B. Os estudos nacionais citados não trabalharam com essa variável; os internacionais utilizam outro instrumento categorizando os sujeitos segundo a classe social, dificultando comparações.

Os resultados mostraram que funcionários com menor grau de escolaridade apresentaram uma chance 2,3 vezes maior de faltar ao trabalho por dor de dente. Esses resultados são similares e comparáveis com outros estudos8Miotto MH, Silotti JC, Barcellos LA. Dor dentária como motivo de absenteísmo em uma população de trabalhadores. Cien Saude Colet. 2012;17(5):1355-63.,1818 Alexandre GC, Nadanovsky P, Lopes CS, Faerstein E. Prevalência e fatores associados à ocorrência da dor de dente que impediu a realização de tarefas habituais em uma população de funcionários públicos no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(5):1073-8.,3333 Reisine ST, Miller J. A longitudinal study of work loss related to dental diseases. Soc Sci Med. 1985;21(12):1309-14..

CONCLUSÃO

Observou-se neste estudo alta prevalência de dor de dente que produziu absenteísmo, com maior frequência em trabalhadores inseridos nas classes econômicas menos favorecidas e com menor escolaridade.

Estratégias direcionadas à promoção da saúde e à melhoria de acesso ao serviço odontológico certamente serão capazes de reduzir as frequências observadas.

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    Recebido da Universidade Federal do Espírito, Vila Velha, ES, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2014
  • Aceito
    21 Ago 2014
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