Resumos
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor de crescimento é entidade clínica que é responsável por 15% das dores nas crianças em fase de crescimento, de etiologia desconhecida, de diagnóstico de exclusão, que leva à dor nos membros inferiores, extra-articular, com predomínio noturno e pode limitar as atividades físicas da criança e levar a ansiedade dos familiares. O objetivo deste estudo foi revisar os principais pontos de divergência como etiologia, diagnóstico e tratamento. CONTEÚDO: A dor do crescimento, mesmo descrita em 1823, continua com etiologia desconhecida e embora seja entidade clínica benigna, gera preocupação para os pais e dificuldade na conduta em consultórios pediátricos. CONCLUSÃO: Apesar de apresentar cura espontânea, é importante o seu tratamento, uma vez que pode ocorrer a cronificação da dor na vida adulta.
Dor; Crescimento; Criança
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Growing pain is a clinical entity responsible for 15% of pain in growing children. Its etiology is unknown with exclusion diagnosis, and leads to lower limbs extra-articular pain, with nocturnal predominance and which may limit children's physical activities and lead to family distress. This study aimed at reviewing major divergent points, such as etiology, diagnosis and treatment. CONTENTS: Growing pain, even having been described in 1823, is still of unknown etiology and although being a benign clinical entity, it brings concerns to parents and management difficulties for pediatric offices. CONCLUSION: Although being spontaneously healed, its treatment is important because it may lead to chronic pain in adult life.
Child; Growth; Pain
ARTIGO DE REVISÃO
Dor do crescimento* * Recebido da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Departamento de Ortopedia e Traumatologia. São José do Rio Preto, SP.
Growing pain
José Eduardo Nogueira ForniI; Wahi JalikhianII
IProfessor Doutor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP); Membro do Centro de Dor da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). São José do Rio Preto, SP, Brasil
IIProfessor Mestre do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de São Jose do Rio Preto (FAMERP). São José do Rio Preto, SP, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. José Eduardo Nogueira Forni Rua Capitão José Verde, 1730 - Boa Vista 15025-530 São José do Rio Preto, SP Fones: (17) 3212-3200 - (17) 9149-1190 - Fax: (17) 3212-3200 E-mail: eduforni@terra.com.br
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor de crescimento é entidade clínica que é responsável por 15% das dores nas crianças em fase de crescimento, de etiologia desconhecida, de diagnóstico de exclusão, que leva à dor nos membros inferiores, extra-articular, com predomínio noturno e pode limitar as atividades físicas da criança e levar a ansiedade dos familiares. O objetivo deste estudo foi revisar os principais pontos de divergência como etiologia, diagnóstico e tratamento.
CONTEÚDO: A dor do crescimento, mesmo descrita em 1823, continua com etiologia desconhecida e embora seja entidade clínica benigna, gera preocupação para os pais e dificuldade na conduta em consultórios pediátricos.
CONCLUSÃO: Apesar de apresentar cura espontânea, é importante o seu tratamento, uma vez que pode ocorrer a cronificação da dor na vida adulta.
Descritores: Dor, Crescimento, Criança.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Growing pain is a clinical entity responsible for 15% of pain in growing children. Its etiology is unknown with exclusion diagnosis, and leads to lower limbs extra-articular pain, with nocturnal predominance and which may limit children's physical activities and lead to family distress. This study aimed at reviewing major divergent points, such as etiology, diagnosis and treatment.
CONTENTS: Growing pain, even having been described in 1823, is still of unknown etiology and although being a benign clinical entity, it brings concerns to parents and management difficulties for pediatric offices.
CONCLUSION: Although being spontaneously healed, its treatment is important because it may lead to chronic pain in adult life.
Keywords: Child, Growth, Pain.
INTRODUÇÃO
A dor de crescimento (DC) é uma queixa extremamente comum no consultório pediátrico e ortopédico correspondendo a 15% das dores nas crianças em fase de crescimento e embora tenha sido descrita desde 1823, é uma entidade que ainda permanece controvérsia, tanto em relação à definição como quanto ao diagnóstico1,2.
Em 1933 a dor do crescimento (DC) foi definida como dor muscular vaga, recorrente e afebril que compromete crianças3, porém não houve concordância com a definição, com a alegação que não era possível dar uma definição exata à síndrome4. Outros autores introduziram o conceito de tempo, no qual a dor deve estar presente em pelo menos três meses como fator importante na caracterização da DC5.
A DC também foi conceituada como dor que inicia na infância e termina na vida adulta de caráter musculoesquelética intermitente, geralmente bilateral localizada na coxa ou na perna, conhecida também como dor óssea recorrente benigna6 e mais recentemente outros autores completaram a definição como dor noturna, intermitente na musculatura da coxa ou na perna que compromete crianças na idade pré-escolar e que ocorre após atividade física ou estresse respondendo bem ao tratamento com massagem manual e acetaminofeno7-9.
Outros autores definiram a DC como síndrome dolorosa musculoesquelética não inflamatória que compromete de 3% a 37% das crianças sendo mais frequente do que as outras doenças inflamatórias na infância10.
Como não há testes clínicos ou de imagem que confirmem o diagnóstico alguns autores a definem como dor em membros inferiores de diagnóstico de exclusão8,11,12.
Os critérios de inclusão incluem dor em ambos os membros inferiores de caráter intermitente, localizada nos músculos, não articular, que ocorre no final da tarde e início da noite e os testes laboratoriais são normais11-13.
Pode-se conceituá-la de maneira mais completa como dor que ocorre em crianças na fase de crescimento, que compromete membros inferiores, extra-articular, intermitente, que incide mais no final da tarde ou início da noite, que pode intercalar períodos remissivos que podem durar dias, semanas ou meses, melhora com massagem manual ou uso de anti-inflamatórios, analgésicos não opioides e que desaparecem espontaneamente após o término do crescimento e cujo diagnóstico é de exclusão.
PREVALÊNCIA
A prevalência da dor do crescimento varia de acordo com os autores, com os métodos de diagnóstico de 2,6% a 49,4%8,10,12-15 e de 4% a 50%16.
A idade em que ocorre o início da dor assim como a prevalência entre os sexos também apresenta discordância entre os autores, variando de 3 a 12 anos e com predomínio de 57% entre os meninos versus 43% das meninas10, entre 3 e 12 anos17 com incidência entre 6 e 13 anos mais frequente em meninas18 e 2 a 12 anos e maior prevalência entre meninas19. Nos países escandinavos a prevalência é de 6% a 19% anos com predomínio entre as meninas2.
ETIOLOGIA
A etiologia da dor do crescimento ainda é desconhecida ou controversa, o conceito de diagnóstico por exclusão é aceito por alguns autores8,11,12. Outras etiologias também aceitas com responsáveis pela DC a de origem por fadiga, por hiperatividade (over use), fatores anatômicos (pés planos, genus valgum), ou psicogênicos (insatisfação para alguma atividade) e pode ser acompanhada por cefaleia ou dor abdominal5,18,20.
Estudo experimental com carneiros verificou que 90% do crescimento ósseo se faz a noite e isto explicaria a dor pelo estiramento da placa de crescimento21, porém como o crescimento se faz de maneira gradual e constante, não seria motivo de promover dor somente no período noturno6.
QUADRO CLÍNICO
O quadro clínico também descrito pelos autores não é padronizado, porém alguns sintomas estão sempre presentes como, dor em crianças em fase de crescimento que ocorre nos membros inferiores abaixo dos joelhos e extra-articular, unilateral22, embora alguns autores aceitem que seja bilateral10,23, mais frequente no período noturno de curta duração, com frequência de duas a três vezes por semana e que melhora com massagem ou analgésicos como acetaminofeno6,23. Compromete mais os músculos da coxa, da perna, panturrilha, região posterior dos joelhos e extra-articular e que ocorre à noite após um dia de atividade física exagerada pode ou não provocar choro e dificulta a criança de dormir23.
Sinais clínicos como edema, pontos gatilhos, sinais inflamatórios não estão presentes, podendo ocorrer retração da musculatura ísquio tibial6. As crianças podem apresentar à DC cefaleia e dor abdominal e em algumas há história familiar de doença reumática.
Estas crianças apresentam limiar de dor menor do que as outras crianças24, geralmente são crianças com peso 5% maior do que a média, embora ocorra discordância de autores e há relato em 70% dos casos de história de dor do crescimento na família13 e de modo geral, algum familiar possui alteração do humor21.
EXAMES COMPLEMENTARES
Os exames complementares laboratoriais e de imagem, geralmente a proteína C-reativa, VHS e hemograma são normais, com exceção do número de leucócitos que pode estar discretamente aumentado23. A análise de elementos no cabelo evidenciou aumento de zinco e chumbo e diminuição de cobre e magnésio, porém de pouco valor no diagnóstico da DC25.
Dentre os exames de imagem a radiografia dos membros inferiores não evidencia alteração e a cintilografia óssea não demonstra aumento ou diminuição do fluxo sanguíneo24. Em alguns pacientes a densitometria óssea evidenciou alteração da densidade abaixo do normal, levando-se a possibilidade de falta de oligoelementos como o cálcio, porém até o momento não ficou evidenciada essa hipótese10.
TRATAMENTO
O desconhecimento do mecanismo da dor e o comportamento benigno da doença não contra-indicam o tratamento dessas crianças, pois a criança pode limitar suas atividades físicas, promover faltas escolares e levar à ansiedade e sofrimento familiar. O tratamento da DC deve ser realizado, pois a incidência de dor crônica em criança é de 15% com maior incidência na faixa etária dos 14 anos e o seu não tratamento pode levar a dor crônica no adulto e implicar em prejuízo da qualidade de vida e social para estas crianças26.
O tratamento farmacológico durante a crise pode ser feito com o uso de acetaminofeno, Ibuprofeno ou pomadas de anti-inflamatórios não esteroides, uso de compressas mornas, a massagem manual suave, assim como, a presença dos pais prestando apoio psicológico e afetivo com um bom suporte emocional, geralmente promove redução da dor e melhora das manifestações clínicas17. O uso diário da aspirina durante um período de três a seis meses foi proposto como método de tratamento para as formas mais crônicas de DC16. Outros autores propõem o alongamento da musculatura dos membros inferiores como quadríceps, hamstrings e tríceps sural27. As crianças portadoras de hipermobilidade articular e com DC devem evitar esporte de impacto, assim como nas crianças que apresentem possibilidade de serem portadoras de fibromialgia, porém devem ser estimuladas para as atividades físicas7 e os pais devem ser orientados que, de maneira geral, essa entidade clínica é benigna e desaparece com o crescimento da criança6.
CONCLUSÃO
A dor do crescimento apresenta diagnóstico de exclusão, sendo os exames complementares necessários para excluir o diagnóstico de outras doenças normais. Embora a doença tenha caráter benigno, ela deve ser tratada a fim de tranquilizar os familiares, reduzir a possibilidade da cronificação da dor na vida adulta, mas principalmente para combater a dor e aliviar o sofrimento da criança acometida.
Apresentado em 28 de fevereiro de 2011.
Aceito para publicação em 21 de agosto de 2011.
Conflito de interesses: Nenhum.
- 1. Duchamp M. Maladies de la croisance. In: Levrault FG, (editor). Mémoires de médicine practique. Paris: Jean-Frédéric Lobstein; 1823.
- 2. Oster J, Nielsen A. Growing pains. A clinical investigation of school population. Acta Paediatr Scand 1972;61(3):329-34.
- 3. Seham M, Hilbert EH. Muscular rheumatism in childhood. Am J Dis Child 1933;46(4):826-53.
- 4. Hawksley JC. The incidence and significance of growing pains in children and adolescents. J R Inst Public Health Hyg 1938;1(12):798-805.
- 5. Naish JM, Apley J. "Growing pain": a clinical study of non-arthritic limb pains in children. Arch Dis Child 1951;26(126):134-40.
- 6. Amador EV, Perilla R, Alvarez G. Dolor de crecimiento: revisión de la literatura. Rev Colomb Ortop Traumatol 2008;22(3):192-5.
- 7. Barbosa CMPL, Hangai L, Terreri MT, et al. Dor em membros em um serviço de reumatologia pediátrica. Rev Paul Pediatr 2005;23(2):63-8.
- 8. Peterson H. Growing pains. Pediatr Clin North Am 1986;33(6):1365-72.
- 9. Bowyer SL, Hollister JR. Limb pain in childhood. Pediatr Clin North Am 1984;31(5):1053-81.
- 10. Uziel Y, Chapnick G, Jaber L, et al. Five-year outcome of children with "growing pains": correlations with pain threshold. J Pediatr 2010;156(5):838-40.
- 11. Peterson HA. Leg aches. Pediatr Clin North Am 1977;24(4):731-6.
- 12. Evans AM, Scutter SD. Prevalence of "growing pains" in young children. J Pediatr 2004;145(2):255-8.
- 13. Evans AM, Scutter SD. Are foot posture and functional health different in children with growing pains? Pediatr Int 2007;49(6):991-6.
- 14. Abu-Arafeh I, Russel G. Recurrent limb pain in school children. Arch Dis Child 1996;74(3):336-9.
- 15. Williams MF. Rheumatic conditions in school children: an investigation into growing pains and nodules (grains). Lancet 1928;211(5458):720-1.
- 16. Calabro JJ, Wachetel AE, Holgerson WB, et al. Growing pains fact or fiction? Postgrad Med 1976;59(2):66-72.
- 17. Horlé B, Wood CH. Growing pains in children: myth or reality? Arch Pediatr 2008;15(8):1362-5.
- 18. Brennig R. Growing pains. Acta Soc Med Ups 1960;65(4):185-201.
- 19. Kaspiris A, Zafiropoulou C. Growing pains in children: epidemiological analysis in a Mediterranean population. Joint Bone Spine 2009;76(5):486-90.
- 20. Oberklaid F, Amos D, Liu C, et al. "Growing pains": clinical and behavioral correlates in a community sample. J Dev Behav Pediatr 1997;18(2):102-6.
- 21. Noonan KJ, Farnum CE, Leiferman EM, et al. Growing pains: are they due to increased growth during recumbency as documented in a lamb model? J Pediatr Orthop 2004;24(6):726-31.
- 22. Evans AM. Growing pains: contemporary knowledge and recommended practice. J Foot Ankle Res 2008;1(1):4.
- 23. Asadi-Pooya A, Bordbar MR. Are laboratory tests necessary in making the diagnosis of limb pains typical for growing pains in children? Pediatr Int 2007;49(6):833-5.
- 24. Hashkes PJ, Friedland O, Jaber L, et al. Decreased pain threshold in children with growing pains. J Rheumatol 2004;31(3):610-3.
- 25. Lech T. Lead, copper, zinc, and magnesium levels in hair of children and young people with some disorders of the osteomuscular articular system. Biol Trace Elem Res 2002;89(2):111-25.
- 26. Eccleston C, Malleson P. Managing chronic pain in children and adolescents. We need to address the embarrassing lack of data for this common problem. BMJ 2003;326(7404):1408-9.
- 27. Baxter MP, Dulberg C. «Growing pains» in childhood - a proposal for treatment. J Pediatr Orthop 1988;8(4):402-6.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Out 2011 -
Data do Fascículo
Set 2011
Histórico
-
Aceito
21 Ago 2011 -
Recebido
28 Fev 2011