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Prevalência de dor musculoesquelética em adolescentes e sua associação com o uso de dispositivos eletrônicos* Recebido da Universidade de Pernambuco, Petrolina, PE, Brasil.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O uso de dispositivos eletrônicos reconfigurou o cotidiano dos adolescentes, porém a utilização excessiva pode estar associada a problemas de saúde. O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de dor musculoesquelética em adolescentes e sua associação com o uso de computador e jogos eletrônicos.

MÉTODOS:

A amostra foi composta por 265 adolescentes de ambos os gêneros (14 a 19 anos), estudantes de uma escola pública, que responderam um questionário sobre uso de dispositivos eletrônicos, dor musculoesquelética, atividade física e dados sócio-demográficos. Para análise descritiva, foram expressos valores de frequência absoluta, relativa, intervalos de confiança e média e desvio padrão. Foram utilizados o teste t independente e Qui-quadrado para comparação entre gêneros, e modelo de regressão logística múltipla para teste de associação. Todos os testes tiveram nível de significância de 5%.

RESULTADOS:

A prevalência de dor musculoesquelética foi de 72,1%, sendo significativamente maior no gênero feminino. Não foi encontrada associação entre dor musculoesquelética e uso de dispositivos eletrônicos. Porém, foi identificado que o gênero feminino apresenta 10,66 mais probabilidades de referir esse tipo de dor. As dores cervicais e toracolombares tiveram associação com gênero feminino (OR=1,80) e os indivíduos que cursam o 2º e 3º ano tiveram associação com dor cervical (OR≥2,26).

CONCLUSÃO:

Evidenciou-se alta prevalência de dor musculoesquelética nos adolescentes, principalmente do gênero feminino. Embora não se tenha observado associação entre dor e uso de dispositivos eletrônicos, notou-se que aqueles que cursam os últimos anos do ensino médio e do gênero feminino apresentam maior risco de desenvolver dores musculoesqueléticas.

Descritores:
Adolescente; Computador; Dor musculoesquelética; Jogos de vídeo; Tecnologia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The use of electronic devices has reconfigured the daily life of adolescents; however, their excessive use may be associated to health problems. This study aimed at observing the prevalence of musculoskeletal pain among adolescents and its association with the use of computers and videogames.

METHODS:

Sample was made up of 265 adolescents of both genders (14 to 19 years old), students of a public school, who have answered a questionnaire about the use of electronic devices, musculoskeletal pain, physical activity and demographics. Values of absolute and relative frequency, confidence intervals and mean and standard deviation were expressed for descriptive analysis. Independent t and Chi-square tests were used for comparison between genders, and multiple logistic regression model was used for association test. All tests had significance level of 5%.

RESULTS:

The prevalence of musculoskeletal pain was 72.1%, being significantly higher for females. There has been no association between musculoskeletal pain and the use of electronic devices; however it was identified that females had 10.66 times more probability of reporting this type of pain. Cervical and thoraco-lumbar pains were associated to females (OR=1.80), and individuals attending the 2nd and 3rd year were associated to cervical pain (OR≥2.26).

CONCLUSION:

There has been high prevalence of musculoskeletal pain among adolescents, especially females. Although not observing association between pain and use of electronic devices, it was noted that those attending the last years of high school and of the female gender had higher risk to develop musculoskeletal pain.

Keywords:
Adolescent; Computer; Musculoskeletal pain; Technology; Videogames

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento tecnológico ocorrido nos últimos anos tem aumentado e facilitado o acesso pessoal aos dispositivos eletrônicos. O uso desses dispositivos (computadores, tablets, celulares e jogos eletrônicos) tem transformado o cotidiano dos adolescentes, tornando-se parte central de suas vidas, seja para fins de socialização, diversão, aprendizagem ou trabalho, ampliando o interesse dos adolescentes1Hakala P, Rimpela A, Salminen JJ, Virtanen SM, Rimpela M. Back, neck and shoulder pain in Finish adolescentes: national cross sectional surveys. BMJ. 2002;325(7363):743-5.

Silva CA, Zapata, AL, Moraes AJ, Doria Filho U, Leon C. Utilizacao do computador e de jogos eletronicos e avaliacao da ergonomia com uso do computador em adolescentes de uma escola privada na cidade de Sao Paulo. Rev Paul Pediatr. 2006;24(2):104-10.
-3Hakala PT, Saarni LA, Punamaki RL, Wallenius MA, Nygard CH, Rimpela AH. Musculoskeletal symptoms and computer use among Finnish adolescentes-pain intensity and inconvenience to everyday life: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Dis. 2012;13:41..

Especula-se que o expressivo desenvolvimento tecnológico aliado ao crescimento econômico brasileiro tem acarretado maior exposição do uso excessivo desses dispositivos entre os adolescentes. Além disso, programas de inclusão digital, possivelmente, também têm aumentado o tempo despendido com tais tecnologias2Silva CA, Zapata, AL, Moraes AJ, Doria Filho U, Leon C. Utilizacao do computador e de jogos eletronicos e avaliacao da ergonomia com uso do computador em adolescentes de uma escola privada na cidade de Sao Paulo. Rev Paul Pediatr. 2006;24(2):104-10.. Em 2012, um desses programas foi realizado pela Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco que distribuiu Tablet ou Notebook para estudantes do ensino médio, com o intuito de facilitar o acesso a esses meios de comunicação.

Todavia, o uso abusivo pode gerar sobrecarga mental, excesso de peso, sedentarismo, dores musculoesqueléticas e diminuição das horas de sono desses adolescentes, acarretando sintomas de agressividade, irritabilidade e cansaço. A manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado, comumente adotadas durante o uso dos dispositivos, pode justificar a presença de alguns desses sintomas3Hakala PT, Saarni LA, Punamaki RL, Wallenius MA, Nygard CH, Rimpela AH. Musculoskeletal symptoms and computer use among Finnish adolescentes-pain intensity and inconvenience to everyday life: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Dis. 2012;13:41.

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Van den Bulck J. Television viewing, computer game playing, and Internet use and self-reported time to bed and time out of bed in secondary-school children. Sleep. 2004;7(1):101-4.
-8Anderson CA, Bushman BJ. Effects of violent video games on aggressive behavior, aggressive cognition, aggressive affect, psychological arousal and prosocial behavior: a meta-analytic review of the scientific literature. Psychol. Sci. 2001;12(5):353-9..

No Brasil, o único estudo que buscou evidenciar associação entre uso excessivo de computador e dores musculoesqueléticas foi realizado em 2003 e não encontrou tal associação9Zapata AL, Moraes AJ, Leone C, Doria-Filho U, Silva CA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165(6):408-14.. Estudos mais recentes realizados em países desenvolvidos1010 Bostrom M, Dellve L, Thomee S, Hagberg M. Risk factors for generally reduced productivity-a prospecyive cohort study of young adults with neck or upper-extremity musculoskeletal symptoms. Scand J Work Environ Health. 2008;34(2):120-32.

11 Smith L, Louw Q, Crous L, Grimmer-Somers K. Prevalence of neck pain and headaches: impact of computer use and other associative factors. Cephalgia. 2009;29(2):250-7.
-1212 Jacobs K, Hudak S, McGiffert J. Computer-related posture and musculoskeletal discomfort in middle school students. Work. 2009;32(3):275-83. encontraram associação e com isso é possível inferir que o fator temporal, somado ao nível de desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, pode influenciar esses resultados.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de dores musculoesqueléticas em adolescentes de uma escola pública e sua associação com o uso de computador e jogos eletrônicos.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo e correlacional de corte transversal realizado no Colégio de Aplicação Professora Vande de Souza Ferreira, Petrolina. A amostra foi composta por 262 adolescentes de ambos os gêneros. Para o cálculo amostral realizado no programa WinPepi1313 Abramson JH. WINPEPI (PEPI-for-Windows): computer programs for epidemiologists. Epidemiol Perspect Innov. 2004;1(1):1-6., foi considerada a população da escola em questão (n=600), estatística bilateral com α=0,05, poder de 80%, proporção estimada de 50%, erro de 5% e perda amostral de 10%.

Foram incluídos estudantes com idade entre 14 e 19 anos, com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) devidamente datado e assinado por eles ou pelos responsáveis, quando menores. Excluíram-se da amostra adolescentes com algum comprometimento mental ou cognitivo para responder o questionário, incapacidade física que impossibilitasse ou comprometesse as medidas, e também gestantes, além de estudantes com dores ou lesões musculoesqueléticas por doenças infecciosas, onco-hematológicas, genéticas e traumáticas recentes.

O questionário continha questões para avaliar as variáveis: idade, gênero, série cursada, presença de atividade remunerada, renda familiar em salários mínimos, uso de computador e jogos eletrônicos, presença de dor musculoesquelética e nível de atividade física. Para tanto foram utilizadas 46 questões do questionário autoaplicável: Síndromes e lesões musculoesqueléticas em crianças e adolescentes e sua relação com computador e vídeo games e uma figura representativa do corpo para localizar a dor, conforme Jannini et al.1414 Jannini SN, Doria-Filho U, Damiani D, Silva CA. [Musculoskeletal pain in obese adolescents]. J Pediatr. 2011;87(4):329-35. English, Portuguese.. Esse instrumento inclui aspectos sobre sintomas dolorosos do sistema musculoesquelético presentes nos últimos três meses e questões relacionadas ao uso de computador e jogos eletrônicos. Algumas questões foram adaptadas para facilitar a compreensão e abrangência do estudo, substituindo-se laptop e videogames por Notebook/Tablet e jogos eletrônicos, respectivamente.

Quanto ao uso do computador, foi avaliado o uso de computador (tipos), disponibilidade domiciliar, aparelho próprio, idade de início de uso, frequência de uso (segunda a sexta-feira e fim de semana) e atividades realizadas no aparelho. Com relação aos jogos eletrônicos, foram avaliados: uso dos jogos, disponibilidade domiciliar, aparelho próprio, frequência e tempo de uso (segunda a sexta-feira, no sábado e domingo), utilização no dia anterior à pesquisa e tempo de uso.

Quanto aos sintomas dolorosos, o questionário avaliou: época de inicio, periodicidade, duração e horário, fatores modulares e desencadeantes, características sensoriais, interferência nas atividades diárias, uso de fármacos analgésicos, localização, avaliação da intensidade através da escala visual numérica de 10 pontos. Para o nível de atividade física, foram avaliadas respostas ao Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) - Versão Curta1515 Matsudo S, Araujo T, Matsudo V, Andrade E, Oliveira LC, Braggion G. Questionario internacional de atividade fisica (IPAC): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2001;6(2)8-18..

Para coleta do índice de massa corpórea (IMC) e estatura, foi utilizada balança eletrônica portátil (Camry) e estadiômetro portátil (Welmy), respectivamente, de acordo com a padronização da International Society for the Advance of Kinanthropometry (ISAK)1616 Marfell-Jones M, Olds T, Stewart A, Carter L. International standards for anthropometric assessment. Potchefstroom, South Africa, ISAK, 2006.. A categorização dos indivíduos quanto ao IMC obedeceu a critérios sugeridos por Cole et al.1717 Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 2000;320(7244):1240-3..

Análise estatística

Foram consideradas as variáveis independentes gênero, idade, nível socioeconômico, atividade profissional, nível de atividade física, estado nutricional, tempo de uso de computadores, tempo de uso de jogos eletrônicos e tempo total de uso de dispositivos, e a variável dependente como presença de dor. Para diferenciar os locais de dor, considerou-se a sua presença nas regiões cervical e cintura escapular, toracolombar e nos membros superiores e inferiores.

Os dados foram tabulados no programa Microsoft Excel, através de dupla entrada dos dados. A análise de dados foi realizada no programa estatístico SPSS (versão 20). Na análise descritiva, foi incluída a distribuição de frequência relativa e absoluta das variáveis categóricas e intervalo de confiança (IC95%) para proporções. Para variáveis numéricas, foram calculados valores de média e desvio padrão.

Na análise inferencial, foram utilizados os testes de Kolgomorov-Sminorv para análise da distribuição dos dados, o teste de Qui-quadrado de Pearson para verificar possíveis associações entre duas variáveis e teste t independente, para analisar diferenças entre gêneros. Utilizou-se regressão logística múltipla para expressar o grau de associação entre variáveis, através da estimativa da razão de chances (Odd Ratio=OR) e intervalo de confiança de 95%. Tal análise permitiu observar as variáveis que entraram no modelo e explorar fatores de confusão, identificando possível necessidade de ajustamento da análise. Ressalta-se que apenas as variáveis com valor p<0,20 na regressão entraram no modelo final múltiplo. E o valor Hosmer-Lemeshow descreveu o poder explicativo do modelo final. A significância estatística foi considerada quando p<0,05.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UPE CAAE: 13598313.5.0000.5207.

RESULTADOS

Participaram do estudo 262 adolescentes, com idade entre 14 e 19 anos. As características sócio-demográficas, antropométricas, estado nutricional, nível de atividade física e profissional estão apresentadas na tabela 1. Comparando os gêneros, os adolescentes homens apresentaram maior estatura, IMC e nível de atividade física (Tabela 1). Quanto ao uso dos dispositivos, a média de uso do computador foi de 228,75 min por semana e 3,83h por dia; enquanto que para jogos eletrônicos, a média foi de 52,07 min por semana e 0,9h por dia. O tempo total apresentou uma média de 4,69h.

Tabela 1
Características sócio-demográficas, antropométricas, estado nutricional, nível de atividade física e atividade profissional dos adolescentes, estratificados por gênero

Na comparação entre os gêneros, o tempo de uso de computador não apresentou diferença significativa (p=0,947). Porém, os meninos apresentam maior tempo de uso de jogos eletrônicos (p=0,001) e maior tempo total (p=0,007) (Figura 1).

Figura 1
Comparação entre os gêneros quanto ao tempo de uso de computador, jogos eletrônicos e tempo total em minutos por semana *p<0,05.

Os dados relacionados às queixas musculoesqueléticas estão representados na tabela 2. As meninas apresentaram maior proporção de queixas dolorosas, especialmente na região toracolombar, e sensação de cansaço ao acordar e durante o dia. Além disso, elas relataram maior uso de analgésicos (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição das frequências absolutas e relativas da presença de sintomas dolorosos, sensação de cansaço ao acordar e ao longo do dia, dificuldade para dormir, intensidade da dor e localização das queixas em adolescentes, estratificados por gênero

A análise de regressão logística múltipla demonstrou que as variáveis gênero e série mantiveram-se no modelo final, sendo que o gênero feminino mostrou maior probabilidade de apresentar dor musculoesquelética (p=0,001). No entanto, os adolescentes da 8ª série apresentaram menores probabilidades de queixas (p=0,036) (Tabela 3). O valor de Hosmer-Lemeshow foi de 98%.

Tabela 3
Associação das variáveis independentes com a presença e ausência de dor musculoesquelética nos adolescentes

Com relação às diferentes regiões anatômicas e a sintomas dolorosos, as adolescentes e os estudantes do segundo e terceiro ano apresentaram quase duas vezes mais probabilidades de relatar dor na região cervical e cintura escapular (p<0,021) (Tabela 4).

Tabela 4
Associação das variáveis independentes com a presença e ausência de dor na região cervical e cintura escapular nos adolescentes

Para a região toracolombar, apenas a variável gênero se manteve no modelo final, demonstrando que adolescentes do gênero feminino apresentam maior probabilidade de relatar queixas álgicas nessa região (p=0,035) (Tabela 5).

Tabela 5
Associação das variáveis independentes com a presença e ausência de dor na região torácica e lombar nos adolescentes

Nenhuma associação foi observada entre variáveis independentes e dor nos membros superiores e inferiores (Tabela 6).

Tabela 6
Associação das variáveis independentes com a presença e ausência de dor na região de membro superior e inferior nos adolescentes

DISCUSSÃO

A realização deste estudo foi estimulada pela carência de trabalhos no Brasil que verificassem a prevalência de dor musculoesquelética em adolescentes e sua possível associação com uso de computador e jogos eletrônicos. Verificou-se alta prevalência (72,1%) de queixas musculoesqueléticas, principalmente no gênero feminino. Taxas inferiores (4-40%) foram encontradas em uma revisão sistemática1818 King S, Chambers CT, Huquet A, Macnevin RC, Mcgrath PJ, Parker L, Macdonald AJ. The epidemiology of chronic pain in children and adolescents revisited: a systematic review. Pain. 2011;152(12):2729-38., e seus autores justificaram que tal disparidade se deve aos critérios metodológicos e amostrais dos estudos avaliados.

Contudo, um estudo prévio9Zapata AL, Moraes AJ, Leone C, Doria-Filho U, Silva CA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165(6):408-14. com adolescentes de uma escola privada de São Paulo, utilizando procedimento metodológico similar ao presente estudo, observou prevalência de queixas musculoesqueléticas na ordem de 39,4%. Acredita-se que a diferença de prevalência possa ser justificada por questões relacionadas ao tipo de ensino (público e privado) o que interfere diretamente no status socioeconômico, por questões regionais (nordeste e sudeste do Brasil), pelo tipo de questionário (associado ou não ao uso de aparelhos eletrônicos) e pela análise temporal das respostas (dor nos últimos 3 meses e nos últimos 6 meses). Além disso, as possíveis mudanças no estilo de vida ocorridas ao longo dos anos parecem influenciar esses resultados, fato que reforça a importância de tal investigação sobre os fatores associados a esse problema, assim como se torna imprescindível a avaliação e atenção integral à saúde desses indivíduos.

Em relação ao gênero, pôde-se observar que a ocorrência de dor musculoesquelética entre os adolescentes apresentou valor significativamente maior (78,9%) no gênero feminino quando comparado ao gênero masculino (61,4%) com probabilidade de queixa de dor 10,66 vezes maior entre elas. Corroborando este achado, outros estudos3Hakala PT, Saarni LA, Punamaki RL, Wallenius MA, Nygard CH, Rimpela AH. Musculoskeletal symptoms and computer use among Finnish adolescentes-pain intensity and inconvenience to everyday life: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Dis. 2012;13:41.,6Punamaki RL, Wallenius M, Nygard CH, Saarni L, Rimpela A. Use of information and communication technology (ICT) and perceived health in adolescence: the role of sleeping habits and waking-time tiredness. J Adolesc. 2007;30(4):569-85.,9Zapata AL, Moraes AJ, Leone C, Doria-Filho U, Silva CA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165(6):408-14.,1818 King S, Chambers CT, Huquet A, Macnevin RC, Mcgrath PJ, Parker L, Macdonald AJ. The epidemiology of chronic pain in children and adolescents revisited: a systematic review. Pain. 2011;152(12):2729-38. também observaram que a dor musculoesquelética era mais comum entre as meninas. Porém os fatores que podem influenciar essa diferença entre os gêneros na prevalência de dor musculoesquelética ainda não estão totalmente definidos1818 King S, Chambers CT, Huquet A, Macnevin RC, Mcgrath PJ, Parker L, Macdonald AJ. The epidemiology of chronic pain in children and adolescents revisited: a systematic review. Pain. 2011;152(12):2729-38..

Especula-se que essa questão possa ser explicada por aspectos sociais e educacionais, uma vez que se observa que a mulheres geralmente são mais atentas a questões relacionadas à saúde e consequentemente relatariam com maior frequência possíveis queixas ou sintomas. Além disso, a presença das alterações hormonais nas meninas durante a puberdade pode influenciar os resultados1919 Shan Z, Deng G, Li J, Li Y, Zhang Y, Zhao Q. Correlational analysis of neck/shoulder pain and low back pain with the use of digital products, physical activity and psychological status among adolescents in Shanghai. PLoS One. 2013;8(10):e78109.. Por outro lado, Costigan et al.2020 Costigan, SA, Barnett L, Plotnikoff RC, Lubans DR. The health indicators associated with screen-based sedentary behavior among adolescent girls: a systematic review. J Adolesc Health. 2013;52(4):382-92. relatam que meninas apresentam níveis menores de atividade física e um maior tempo despendido em comportamentos sedentários, que associados aos fatores descritos contribuem negativamente para diversos indicadores de saúde, inclusive queixas de dores musculoesqueléticas.

No presente estudo foi observada média de uso de 3,83h diárias de computador e tempo total de 4,69h/dia. Na literatura, os valores utilizados como ponto de referência para a caracterização do tempo de uso elevado dos dispositivos eletrônicos variam entre 2 e 5h/dia2121 Barbosa Filho VC, De Campos W, Lopes Ada S. Epidemiology of physical inactivity, sedentary behaviors, and unhealthy eating habits among Brazilian adolescents: a systematic review. Cienc Saude Colet. 2014;19(1):173-93.. Com isso pode-se inferir que é alto o tempo despendido com o uso de computador e tempo total de uso encontrado entre os adolescentes avaliados. Segundo estudos prévios, o tempo total despendido por adolescentes em uma semana utilizando computadores pode variar em torno de 80 a 840 min1Hakala P, Rimpela A, Salminen JJ, Virtanen SM, Rimpela M. Back, neck and shoulder pain in Finish adolescentes: national cross sectional surveys. BMJ. 2002;325(7363):743-5.,2Silva CA, Zapata, AL, Moraes AJ, Doria Filho U, Leon C. Utilizacao do computador e de jogos eletronicos e avaliacao da ergonomia com uso do computador em adolescentes de uma escola privada na cidade de Sao Paulo. Rev Paul Pediatr. 2006;24(2):104-10., o que corrobora os resultados deste estudo. Essa variação pode ser explicada pelo nível de desenvolvimento tecnológico e econômico de determinado país ou região. Nesse sentido, a carga horária excessiva do uso desses equipamentos, por parte da amostra estudada, possivelmente se deve ao aumento das atividades que são possíveis de ser realizadas por meio dos dispositivos eletrônicos, bem como à maior disponibilidade desses equipamentos nos mais diversos locais2121 Barbosa Filho VC, De Campos W, Lopes Ada S. Epidemiology of physical inactivity, sedentary behaviors, and unhealthy eating habits among Brazilian adolescents: a systematic review. Cienc Saude Colet. 2014;19(1):173-93.. Além disso, esse resultado pode ser um reflexo do programa implementado pela Secretaria Estadual de Educação que distribuiu esses equipamentos a todos os alunos do ensino médio da rede estadual e contribuiu para o aumento do acesso a essa tecnologia, antes somente acessível a famílias com maior nível socioeconômico2Silva CA, Zapata, AL, Moraes AJ, Doria Filho U, Leon C. Utilizacao do computador e de jogos eletronicos e avaliacao da ergonomia com uso do computador em adolescentes de uma escola privada na cidade de Sao Paulo. Rev Paul Pediatr. 2006;24(2):104-10.. A quantidade de horas consumidas pelos adolescentes do presente estudo traduz o uso excessivo desses dispositivos e pode servir de alerta para possíveis queixas dolorosas. A série cursada pelos adolescentes mostrou-se um fator relevante no desencadeamento da dor musculoesquelética. O presente estudo identificou que alunos da 8ª série apresentaram menores probabilidades de queixas álgicas (OR=0,41) e aqueles que cursam o 2° e 3° ano do ensino médio apresentaram respectivamente, 2,52 e 2,56 mais probabilidades de relatarem dor na região cervical e cintura escapular. Tal resultado pode-se dever ao fato de os alunos estarem em fase preparatória para o vestibular, apresentando altos níveis de estresse devido a cobranças quanto à escolha profissional, podendo aumentar as probabilidades de surgimento de dores, principalmente musculoesqueléticas2222 Eustaquio E, Cassimiro. Frequencia do uso de psicofarmacos entre jovens estudantes que cursam pre-vestibular. Adolesc Saude. 2012;9(4):27-36..

Por fim, não foi encontrada associação entre dor musculoesquelética e uso de computador e jogos eletrônicos. Esse resultado destoa da literatura internacional1010 Bostrom M, Dellve L, Thomee S, Hagberg M. Risk factors for generally reduced productivity-a prospecyive cohort study of young adults with neck or upper-extremity musculoskeletal symptoms. Scand J Work Environ Health. 2008;34(2):120-32.

11 Smith L, Louw Q, Crous L, Grimmer-Somers K. Prevalence of neck pain and headaches: impact of computer use and other associative factors. Cephalgia. 2009;29(2):250-7.
-1212 Jacobs K, Hudak S, McGiffert J. Computer-related posture and musculoskeletal discomfort in middle school students. Work. 2009;32(3):275-83., mas corrobora um estudo brasileiro9Zapata AL, Moraes AJ, Leone C, Doria-Filho U, Silva CA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165(6):408-14.. Esses achados retratam a realidade de dois estados de um país que ainda se encontra em desenvolvimento. Já nos países desenvolvidos é evidente que o tempo de uso de dispositivos eletrônicos é bastante elevado, e aumenta o risco de dores musculoesqueléticas3Hakala PT, Saarni LA, Punamaki RL, Wallenius MA, Nygard CH, Rimpela AH. Musculoskeletal symptoms and computer use among Finnish adolescentes-pain intensity and inconvenience to everyday life: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Dis. 2012;13:41.,5Hakala PT, Rimpela AH, Saarni LA, Salminen JJ. Frequent computer-related activities increase the risk of neck-shoulder and low back pain in adolescents. Eur J Public Health. 2006;16(5):536-41.. Apesar dos resultados encontrados, o estudo limitou-se a avaliar apenas uma escola pública de uma cidade do interior de Pernambuco, restringindo tanto a generalização dos resultados para estudantes de escola pública quanto a extrapolação para escolares de ensino particular. Além disso, o uso do questionário autoaplicado pode admitir o viés de memória dos entrevistados, super ou subvalorizando suas respostas. Estudos com delineamento longitudinal, baseados em amostras representativas, com estudantes de ensino público e/ou particular podem oferecer contribuições significativas para o estudo das relações entre uso de dispositivos eletrônicos e dores musculoesqueléticas. Apesar das limitações do estudo, os resultados encontrados servem de alerta para os possíveis surgimentos de dor baseados no gênero e na idade dos adolescentes. Os resultados do presente estudo sugerem um acompanhamento dos adolescentes que fazem uso excessivo desses dispositivos, a fim de reduzir ao máximo as possíveis repercussões negativas aliadas a esse uso.

CONCLUSÃO

Os resultados desta pesquisa evidenciaram alta prevalência de dor musculoesquelética em adolescentes, principalmente no gênero feminino. Apesar do uso excessivo de computador e de jogos eletrônicos, não foi possível observar associações com dores musculoesqueléticas. Foi observado apenas que a presença de dor está associada ao gênero e à série cursada, sendo o gênero feminino e alunos nos últimos anos escolares os mais expostos aos riscos de dores musculoesqueléticas.

  • Fontes de fomento: não há.
  • Recebido da Universidade de Pernambuco, Petrolina, PE, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2015
  • Aceito
    04 Maio 2015
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