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Avaliação da dor do recém-nascido através da escala Codificação da Atividade Facial Neonatal durante o exame de gasometria arterial* * Recebido da Universidade Federal do Ceará, Departamento de Enfermagem, Fortaleza, CE, Brasil.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Avaliar as respostas de dor dos recém-nascidos, submetidos à gasometria arterial, por meio da escala de Codificação da Atividade Facial Neonatal, assim como comparar os parâmetros fisiológicos do recém-nascido, antes e durante a punção arterial.

MÉTODOS:

Estudo exploratório, descritivo e transversal, que avaliou 26 recém-nascidos em gasometria arterial, internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Os dados foram coletados em abril e maio de 2010, a partir de um formulário de identificação para os recém-nascidos e as alterações fisiológicas apresentadas antes e durante o procedimento.

RESULTADOS:

Constatou-se presença de manifestações faciais de dor nos recém-nascidos (100%), alteração na frequência cardíaca (50%) e redução da saturação de oxigênio (34,7%).

CONCLUSÃO:

Quando comparados os parâmetros fisiológicos do recém-nascido, antes e durante a punção arterial, constatou-se que houve presença de manifestações faciais de dor em todos os recém-nascidos e alterações fisiológicas como diminuição dos níveis de saturação de oxigênio e aumento da frequência cardíaca, de acordo com a escala Codificação da Atividade Facial Neonatal, demonstrando que, apesar de não verbalizar, conseguem demonstrar alterações que expressam a dor sentida no momento da realização da punção arterial. A aplicação dessa escala foi importante, especialmente para favorecer a sensibilização e um cuidar de enfermagem holística ao recém-nascido com dor.

Descritores:
Dor; Gasometria; Recém-nascido

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

This study aimed at evaluating pain of newborns submitted to blood gases analysis by means of the Neonatal Facial Activity Coding scale, as well as at comparing newborns’ physiological parameters before and during arterial puncture.

METHODS:

This was an exploratory, descriptive and cross-sectional study with 26 newborns submitted to blood gases analysis and admitted to a Neonatal Intensive Care Unit. Data were collected in April and May 2010, by means of an identification form and physiological changes presented by newborns before and during the procedure.

RESULTS:

There have been newborn facial manifestations of pain (100%), heart rate changes (50%) and decreased oxygen saturation (34.7%).

CONCLUSION:

When physiological parameters were compared before and during arterial puncture, there have been pain facial manifestations in all newborns as well as physiological changes such as decreased oxygen saturation levels and increased heart rate, according to the Neonatal Facial Activity Coding scale, showing that, although unable to verbalize, newborns are able to show changes expressing the pain felt at arterial puncture. The application of this scale was especially important for favoring sensitization and a holistic nursing care for painful newborns.

Keywords:
Blood gases analysis; Newborn; Pain

INTRODUÇÃO

O nascimento de uma criança é considerado um momento importante, com grandes repercussões no meio familiar. Estudiosos1Campos AC, Cardoso MV. Enfermagem humanística: ênfase na comunicação com as mães de neonatos sob fototerapia. Petrópolis, RJ: EPUB; 2008. 12-20p.,2Cruz AR, Oliveira MM, Cardoso MV, Lúcio IM. Sentimentos e expectativas da mãe com filho prematuro em ventilação mecânica. Rev Eletr Enf. 2010;12(1):133-9. referem que os pais, em especial as mães, sofrem os agravos decorrentes de uma separação, quando impossibilitados de estar juntos do seu filho sadio; seja devido à prematuridade, instabilidade hemodinâmica ou na presença de malformações, que são fatores que podem levar à internação do recém-nascido (RN) na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)1Campos AC, Cardoso MV. Enfermagem humanística: ênfase na comunicação com as mães de neonatos sob fototerapia. Petrópolis, RJ: EPUB; 2008. 12-20p.,2Cruz AR, Oliveira MM, Cardoso MV, Lúcio IM. Sentimentos e expectativas da mãe com filho prematuro em ventilação mecânica. Rev Eletr Enf. 2010;12(1):133-9..

Quando internados na UTIN, os RN são, constantemente, manuseados. Estima-se que recebem cerca de 134 procedimentos dolorosos nas duas primeiras semanas de vida ou até 14 procedimentos dolorosos por dia3Brigitte L, Hogan DL, Gaboury I, Sherlock R, Blanchard C, Moher D. How effective is tetracaine 4% gel, before a venipuncture, in reducing procedural pain in infants: a randomized double-blind placebo controlled Trial. BMC Pediatrics. 2007;7(1):1471-2431..

Dentre os diversos procedimentos dolorosos realizados durante a internação do RN na UTIN pode-se citar intubação orotraqueal, aspiração de vias aéreas, instalação de sonda orogástrica, retirada de adesivos, drenagem de tórax, obtenção de vias centrais, punção lombar, punções venosas e arteriais4Lélis AL, Farias LM, Rebouças CB, Cardoso MV. Health promotion and nurse facing newborn pain in the neonatal unit: an exploratory-descriptive study. Online Braz J Nurs. 2010;9(2). Disponível em: <http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2010.2996>. Acesso em: 13/7/2015.
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.

A gasometria arterial é um procedimento doloroso, caracterizado como um exame invasivo fundamental e rotineiro nas unidades neonatais, nos RN que experimentam desordens respiratórias. Tal exame fornece os valores para analisar os gases sanguíneos e o equilíbrioácido-base do organismo. É realizado por meio da punção arterial5Silva TM, Chaves EM, Cardoso MV. Dor sofrida pelo recém-nascido. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(4):726-32..

A dor do RN não foi considerada, por muito tempo, motivo de preocupação para profissionais clínicos e pesquisadores, pois existia a crença de que ele era incapaz de sentir dor. Atualmente, no entanto, pesquisadores têm documentado que o RN possui todos os componentes funcionais e neuroquímicos necessários para a recepção e transmissão do estímulo doloroso6Sousa BB, Santos MH, Sousa FG, Gonçalves AP, Paiva SS. Avaliação da dor como instrumento para o cuidar de recém-nascidos pré-termo. Texto Contexto Enferm. 2006;15(n.esp):88-96..

Para tanto, foram elaboradas escalas que possibilitam a mensuração e a identificação de manifestações de dor no RN, esta como o quinto sinal vital. Dentre as várias escalas de dor, as mais estudadas são escala de Codificação da Atividade Facial Neonatal (NFCS), a escala de Avaliação de Dor (NIPS) e o Perfil de Dor do Prematuro (PIPP)7Guinsburg R. A Linguagem da dor no recém-nascido. São Paulo (SP): Sociedade Brasileira de Pediatria; 2000. Disponível em: http://www.sbp.com.br/src/uploads/2015/02/doc_linguagem-da-dor-out2010.pdf. Acesso em: 13/7/2015.
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. O objetivo da avaliação da dor deve proporcionar dados acurados, a fim de determinar quais ações devem ser adotadas para prevenir, aliviar ou abolir a dor e, ao mesmo tempo, avaliar a sua eficácia8Raquel A C, Roberta C. Métodos não farmacológicos para alívio do desconforto e da dor no recém-nascido: uma construção coletiva da enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2014;23(1):185-92..

Frente a esse conjunto de ideias, surgiram questionamentos como: quais as respostas do RN diante do procedimento de gasometria arterial, por meio da escala NFCS? Existem alterações dos níveis de saturação de oxigênio (SatO2) e frequência cardíaca (FC) do RN durante o procedimento de gasometria arterial?

O estudo justifica-se à medida que propõe identificar as manifestações faciais e alterações fisiológicas durante o procedimento de gasometria arterial, com utilização de uma escala como instrumento de medida para caracterização da dor no RN. Propondo-se, assim, a ser um instrumento facilitador para a enfermeira, atuante na UTIN, reconhecer as manifestações de dor no RN durante a realização de gasometria arterial. Além de favorecer a capacitação e sensibilização dos profissionais de maneira que estejam habilitados em relação à avaliação e manuseio da dor do RN internado em UTIN.

Os objetivos foram avaliar as respostas de dor dos recém-nascidos, submetidos à gasometria arterial, por meio da escala de NFCS, assim como comparar os parâmetros fisiológicos do RN, antes e durante a punção arterial.

MÉTODOS

Estudo exploratório, descritivo e transversal, realizado na UTIN de um hospital-escola da rede pública estadual, referência em atendimento obstétrico e neonatal de alta complexidade.

Os participantes foram 26 RN internados na UTIN da referida instituição, que atenderam aos critérios de inclusão do estudo: ter até 28 dias de vida; estar internado na referida UTIN, estar monitorado com oxímetro de pulso e ter indicação para gasometria arterial.

Os dados foram coletados em abril e maio de 2010, a partir da escala de NFCS e com o auxílio de um formulário de identificação dos RN, bem como a presença de sedação, suporte de oxigenoterapia, número de tentativas de punção arterial e as respostas de SatO2 e FC antes e durante o procedimento.

A escala NFCS tem a finalidade de avaliar a presença ou ausência de dor, a partir de oito movimentos faciais: fronte saliente, boca estirada (horizontal/vertical), fenda palpebral estreitada, língua tensa, sulco nasolabial aprofundado, protrusão da língua, boca entreaberta e tremor de queixo9Grunau RV, Craig KD. Pain expression in neonates: facial action and cry. Pain.1987;28(3):395-410..

Os dados foram analisados e interpretados a partir da literatura pertinente à temática utilizando estatística descritiva, e foram organizados por meio de tabelas.

Os aspectos ético-legais da Resolução 466/20121010 Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº466/2012. Atualização da Resolução nº 196/96 que estabelece critérios sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Bioética em 1996. 2012. (bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html).
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do Ministério da Saúde, foram respeitados, tendo sido o estudo aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição sob protocolo nº 390/2010.

RESULTADOS

Para análise dos resultados, estão expostas as variáveis categóricas dos recém-nascidos participantes do estudo, as quais são: dias de vida, gênero, peso ao nascer, idade gestacional e índice de Apgar.

Na tabela 1 está apresentada a distribuição dos RN participantes do estudo, segundo as variáveis sócio-demográficas. Em relação ao gênero percebe-se igualdade, sendo 50,0% de RN do gênero feminino e o mesmo percentual do gênero masculino. Quanto aos dias de vida, constatou-se um predomínio de 80,8% entre um e sete dias; e 92,3% de RN pré-termos, ou seja, com idade gestacional entre 20 e 37 semanas; fator contribuinte para os elevados índices de mortalidade neonatal.

Tabela 1
Caracterização da amostra. Fortaleza, CE, abr. maio/2010

No que se refere ao peso, constatou-se que 95,8% nasceram com peso inferior ao adequado ao nascimento, destes 50% são classificados como extremo baixo peso, variando de 455 a 970g, sendo importante ressaltar a influência desse fator para morbimortalidade e complicações clínicas do RN durante a internação na UTIN. Considerando o índice de Apgar, obteve-se uma média de sete no 5º minuto, já que todos os RN estudados obtiveram um Apgar no 5º minuto entre cinco e 10, classificando-os em asfixia leve ou sem asfixia.

No que se refere ao suporte ventilatório identificou-se o predomínio de 88,5% de ventilação mecânica invasiva, seguida de 7,7% de RN sob CPAP nasal.

Quanto ao motivo da internação, destacaram-se: a prematuridade, encontrada em 80,7% dos RN; e 19,2% devido à síndrome do desconforto respiratório (SDR), seguida de cardiopatia a esclarecer, encefalopatia anóxia isquêmica e crise convulsiva, malformação congênita e taquipneia transitória do RN com 3,8% dos RN (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos recém-nascidos em relação às manifestações das faces de dor por meio da escala Codificação da Atividade Facial Neonatal. Fortaleza-CE, abr-maio/2010

Na tabela 2 observa-se, dentre as manifestações faciais dos RN durante a coleta do exame, que algumas estiveram mais presentes, como: boca aberta, correspondendo a 96,1% dos recém-nascidos; seguida de fronte saliente, com 88,4% e fenda palpebral com 76,9%.

Apenas dois indicadores da escala obtiveram um percentil menor que 50%, língua tensa e tremor de queixo. Pode-se associar esse fato à dificuldade em analisar a língua do RN, já que a maioria desses estava sob ventilação mecânica invasiva (VMI), e, portanto, estava fazendo uso do tubo orotraqueal. Para tanto, os dados conferem que dentre os oito indicadores da escala NFCS analisados durante o procedimento de gasometria arterial percebe-se que seis deles estiveram presentes em mais de 50,0% dos RN.

Destaca-se, portanto, que 96,1% apresentaram quantidades de manifestações que caracterizassem a dor no momento da gasometria arterial e somente um RN não apresentou essas manifestações, já que este estava sob sedação, divergindo de outro RN que apesar de estar sob uso de sedação apresentou algumas manifestações de dor.

Cabe ressaltar que a maioria dos RN apresentou as manifestações de acordo com a escala NFCS, demonstrando que apesar de não verbalizar consegue demonstrar alterações comportamentais e fisiológicas que expressam a dor sentida no momento da realização da punção arterial, contrariando, portanto a visão tradicionalista que os RN são incapazes de sentir dor.

A tabela 3 reporta sobre as alterações fisiológicas diante do procedimento de gasometria arterial, onde se verifica que houve modificações nas FC e na SatO2 dos RN.

Tabela 3
Distribuição dos recém-nascidos quanto à frequência cardíaca e saturação de oxigênio antes da realização do procedimento de gasometria arterial. Fortaleza-CE, abr-maio/2010

Portanto, verificou-se que 53,9% dos RN apresentaram antes da gasometria arterial uma FC dentro dos parâmetros de normalidade, ou seja, entre 130 e 160 batimentos por minuto; e 46,1% já se encontravam com taquicardia. Quanto à SatO2, variou de 81 a 98%, sendo que 50% apresentaram saturação ideal entre 96 e 98%. Contudo, 19,2% apresentaram saturação <90% (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição dos recém-nascidos quanto às alterações da frequência cardíaca e da saturação de oxigênio durante a gasometria arterial. Fortaleza-CE, abr-maio/2010

No que concerne à modificação de parâmetros de FC, 50% dos recém-nascidos apresentaram alterações de tal sinal vital durante a gasometria arterial, sendo que 42,3% aumentaram e 7,7% reduziram. E quanto à SatO2 a maioria (65,3%) dos RN permaneceu sem alterações, contudo 34,7% alteraram a saturação, podendo caracterizar a presença da dor diante do procedimento.

Quanto ao número de tentativas de punções verificou-se que variou de um a quatro, sendo que em 19 RN houve êxito no procedimento na primeira tentativa. Contudo, cabe enfatizar que em sete foi necessária a realização de 2 a 4 tentativas para obter êxito na coleta do exame, em especial pelo estado geral clínico do RN, assim como a condição de habilidade técnica da enfermeira. Daí, a importância de as enfermeiras realizarem uma crítica-reflexiva sobre a prática do cuidar humanística e a prevenção da dor na assistência ao RN de risco.

DISCUSSÃO

Para a análise e discussão dos dados, foram utilizadas referências que caracterizavam a importância de tais dados de modo a sensibilizar os profissionais da saúde atuantes na UTIN na realização de procedimentos dolorosos no RN.

Em relação à característica relativa ao gênero detectou-se igual quantidade de RN femininos e masculinos. Entretanto, estudo1111 Carvalho AB, Brito AS, Matsuo T. Assistência à saúde e mortalidade de recém-nascidos de muito baixo peso. Rev Saúde Pública. 2007;41(6):1003-12. evidenciou haver um diferencial de nascimentos segundo o gênero, ocorrendo, sempre, um maior número de nascimentos do gênero masculino, qualquer que seja o nível de desenvolvimento da área estudada. Já outro estudo1212 Pinheiro AS, Sá FE. Efeitos da aspiração de vias aéreas no comportamento de prematuros submetidos á ventilação mecânica publicado em 24 de julho de 2006. Disponível em: http://www.fisiorespiratoria.com.br/artigos.asp> Acesso em: 15.06.2010.
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afirma que o gênero masculino foi considerado um fator de risco para o óbito, devido à menor maturidade dos órgãos e maior incidência de SDR, considerada a principal causa de internação de RN na UTIN; enquanto que há maior sobrevida nos RN de gênero feminino.

Considerando a idade gestacional percebe-se que houve presença de 92,3% de RN classificados como pré-termo, sendo definido como todo aquele com idade gestacional menor que 37 semanas.

Quanto ao peso, considera-se que tal dado é reconhecido como um dos melhores indicadores de risco de morbimortalidade neonatal; já que é pertinente referir que todos os anos nascem no mundo 20 milhões de RN de baixo peso, muitos em consequência de um parto prematuro, contribuindo para a elevada taxa de mortalidade neonatal ainda existente em várias regiões, principalmente nos países em desenvolvimento. Dados recentes referem que no Brasil, as taxas de mortalidade infantil já diminuíram consideravelmente nas duas últimas décadas, porém os índices continuam elevados: cerca de 23,6 mortes por mil nascimentos, principalmente devido a prematuridade e o baixo peso ao nascer1313 Gomela TL. Neonatologia: manejo, procedimentos, problemas no plantão, doenças e farmacologia neonatal. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. 374-8p..

Ao verificar o índice de Apgar, em especial, no quinto minuto de vida, nota-se que todos os RN participantes do estudo obtiveram um Apgar entre 5 e 10, classificando-os como RN com asfixia leve (5 a 7) ou RN sem asfixia (8 a 10), sugestivo de bom prognóstico e com pouco esforço respiratório nos primeiros minutos de vida. O índice de Apgar possibilita uma avaliação fidedigna para a utilização de procedimentos rápidos e de reanimação neonatal, ainda na sala de parto, pois consta de cinco parâmetros relacionados à hipóxia perinatal como: FC, respiração, tônus muscular, irritabilidade reflexa e coloração da pele do RN, sendo numa escala de zero a 10 e se o valor for menor que sete, será diagnosticada hipóxia fetal1414 Chalfun G, Mello RR, Dutra MV, Andreozzi VL, Silva KS. [Risk factors for respiratory morbidity at 12 to 36 months in very low birth weight premature infants previously admitted to a public neonatal intensive care unit]. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1399-408. Portuguese..

Quanto ao tipo de suporte respiratório desses RN, constatou-se que 88,5% estavam sob VMI, podendo-se associar à instabilidade clínica e prematuridade desses RN, atribuindo, assim a necessidade de um suporte respiratório, vital para melhoria da função respiratória e trocas gasosas do RN, em especial o RN pré-termo. A VMI é denominada um procedimento invasivo, que predispõe o RN ao risco de iatrogenias, displasia broncopulmonar, infecções e maior permanência na UTIN. Tendo, nessas circunstâncias, as possibilidades de surgimento de consequências que provêm da própria condição fisiológica do RN ou são provocadas pelo uso da terapêutica, da ambiência e outros fatores, como presenciar procedimentos dolorosos, como a realização da gasometria arterial2Cruz AR, Oliveira MM, Cardoso MV, Lúcio IM. Sentimentos e expectativas da mãe com filho prematuro em ventilação mecânica. Rev Eletr Enf. 2010;12(1):133-9.,1515 Rolim KM, Cardoso MV. [Interaction nurse-newborn during orotracheal aspiration and blood collection]. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):515-23. Portuguese..

A dor como um sinal subjetivo, acrescida da dificuldade do RN para verbalizá-la, condiciona o profissional de saúde, em especial o enfermeiro atuante em UTIN, a estar atento às alterações comportamentais e fisiológicas que acompanham o episódio doloroso. Assim, enfatiza-se a gasometria arterial como um procedimento doloroso que merece maior sensibilização dos profissionais da saúde quanto às respostas emitidas pelo RN, para então, utilizarem-se de instrumentos de avaliação da dor, como a escala de mímica facial (NFCS) e posteriormente intervirem, de modo a aliviar a dor do RN6Sousa BB, Santos MH, Sousa FG, Gonçalves AP, Paiva SS. Avaliação da dor como instrumento para o cuidar de recém-nascidos pré-termo. Texto Contexto Enferm. 2006;15(n.esp):88-96..

Sendo assim, é importante que o enfermeiro atuante na UTIN deva realizar um cuidado holístico e humanizado ao RN de risco durante o procedimento de gasometria arterial, ou seja, a assistência não deve ser direcionada somente para condutas técnicas operacionais, mas também para uma tecnologia associada ao acolhimento1616 Nicolau CM, Modesto K, Nunes P, Araújo K, Amaral H, Falcão MC. Avaliação da dor no recém-nascido prematuro: parâmetros fisiológicos versus comportamentais. Arq Bras Ciênc Saúde. 2008;33(3):146-50..

Com relação à distribuição da pontuação da NFCS, quanto à presença de dor no RN, constatou-se que a maioria (96,1%) dos RN apresentou manifestações suficientes que caracterizassem a presença de dor no momento da realização de gasometria arterial. Entretanto é importante enfatizar que dois fizeram uso de sedação, com apenas um manifestando características de dor de acordo com a NFCS.

Estudo7Guinsburg R. A Linguagem da dor no recém-nascido. São Paulo (SP): Sociedade Brasileira de Pediatria; 2000. Disponível em: http://www.sbp.com.br/src/uploads/2015/02/doc_linguagem-da-dor-out2010.pdf. Acesso em: 13/7/2015.
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demonstra que não há indicações absolutas para o uso de sedação e analgesia no período neonatal, porém ressalta que seu uso pode ser adequado para o alívio da dor, especialmente em RN portadores de doença potencialmente dolorosa e/ou submetidos aos procedimentos invasivos, cirúrgicos ou não, como por exemplo, drenagem torácica, intubação traqueal eletiva, paciente com enterocolite necrotizante e principalmente, pacientes sob VMI que necessitam de gasometria arterial diariamente.

Vários indicadores fisiológicos podem ser usados na avaliação, quantificação e qualificação do estímulo doloroso. Essas variáveis incluem: frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial, SatO2, sudorese palmar, tônus vagal, entre outras. Porém, tais indicadores fisiológicos não estão especificamente relacionados à dor1717 Guinsburg R, Kopelman BI, de Almeida MF, Miyoshi MH. [Pain in intubated and ventilated preterm neonate: multidimensional assessment and response to fentanyl analgesia]. J Pediatr. 1994;70(2):82-90. Portuguese..

Verificou-se que 50% dos recém-nascidos apresentaram alterações da FC durante a gasometria arterial e 34,7% alteraram a SatO2. Tais achados condizem com autores1818 Correia LL, Linhares MB. [Assessment of the behavior of children in painful situations: literature review]. J Pediatr. 2008;84(6):477-86. English, Portuguese. que afirmam que dentre as respostas mais conhecidas do organismo humano ao estímulo doloroso agudo, destaca-se a taquicardia.

Contudo, pesquisadores1717 Guinsburg R, Kopelman BI, de Almeida MF, Miyoshi MH. [Pain in intubated and ventilated preterm neonate: multidimensional assessment and response to fentanyl analgesia]. J Pediatr. 1994;70(2):82-90. Portuguese. referem que não foram observadas alterações significativas da FC e SatO2 antes e após procedimento doloroso, o que indica que o uso da FC e SatO2 isoladamente para a avaliação da dor não se mostrou válido para identificar RN submetidos a um procedimento doloroso.

Durante a coleta do exame, observou-se que 73% dos RN que passaram pela gasometria arterial foram puncionados com êxito em uma única tentativa; porém sete deles necessitaram de duas a quatro tentativas, demonstrando, assim, a importância da habilidade técnica do enfermeiro, além de conhecimentos científicos relacionados a condições anatomofisiológicas do RN, como sensibilidade e interação junto a este, para então perceber as manifestações faciais e fisiológicas diante da realização do procedimento doloroso. Assim como pode utilizar-se de estratégias como colocar-se o RN próximo à mãe a fim de reduzir a dor, assim como se utiliza intervenções não farmacológicas1818 Correia LL, Linhares MB. [Assessment of the behavior of children in painful situations: literature review]. J Pediatr. 2008;84(6):477-86. English, Portuguese..

Como implicação para a prática na assistência ao RN de risco, internado em unidade neonatal, acredita-se de importante relevância a utilização de estratégias que amenizem essa dor do RN durante o procedimento de gasometria arterial. Diante disso, sugere-se a utilização de escalas comportamentais de avaliação da dor do RN como a NFCS. Para tanto, esta possibilita que o profissional, ao realizar um procedimento doloroso, possa estar sensível ao aparecimento de manifestações fisiológicas ou comportamentais de modo a minimizar o desconforto pela dor e complicações advindas de tais manifestações. Como limitação do estudo, ressalta-se a dificuldade de generalização de que a escala NFCS é adequada para a avaliação da dor do RN durante a realização da gasometria arterial, já que, para essa avaliação foi utilizada tal escala em associação com as variáveis fisiológicas.

CONCLUSÃO

Quando comparados os parâmetros fisiológicos do RN, antes e durante a punção arterial, constatou-se que houve presença de manifestações faciais de dor em todos os RN e alterações fisiológicas como diminuição dos níveis de SatO2 e aumento da FC, de acordo com a escala NFCS, demonstrando que apesar de não verbalizar conseguem demonstrar alterações que expressam a dor sentida no momento da realização da punção arterial.

  • Fontes de fomento: não há.
  • *
    Recebido da Universidade Federal do Ceará, Departamento de Enfermagem, Fortaleza, CE, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2015
  • Aceito
    27 Jul 2015
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