Acessibilidade / Reportar erro

Correlação entre dor e qualidade de vida de pacientes hemodialíticos

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Avaliar o sintoma da dor e sua influência na qualidade de vida dos pacientes renais crônicos submetidos a tratamento hemodialítico.

MÉTODOS:

Estudo descritivo, exploratório, comparativo de corte transversal com pareamento por frequência, tendo como grupo testado (GI, n=50) pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico cuja etiologia era hipertensão arterial e diabetes mellitus tipo 2, e como grupo controle (GII, n=50) pacientes com hipertensão arterial ou diabetes mellitus tipo 2 atendidos no Ambulatório de Hipertensão. A qualidade de vida foi avaliada pelo instrumento Kidney Disease and Quality-of-Life Short-Form, a dor pelo Inventário Breve de Dor, os fatores emocionais pelas escalas Beck de ansiedade e depressão e a incidência de dor neuropática pelo questionário DN4.

RESULTADOS:

Na amostra dos dois grupos houve predomínio do gênero masculino, média de idade de 47,3±16,5 anos. Em relação à situação laboral o grupo em tratamento hemodialítico (GI) encontrou uma maioria de 80% de pacientes inativos. Os domínios mais comprometidos da qualidade de vida foram situação de trabalho e função física. Houve prevalência de depressão e ansiedade, maior predomínio de dor neuropática e maior queixa álgica no GI, interferindo significativamente em atividades gerais como sono e habilidade para caminhar. Houve correlação significativa (p<0,05) entre índices de ansiedade, função física, situação de trabalho versus dor.

CONCLUSÃO:

A dor é um aspecto muitas vezes ignorado, mas que acarreta em consequências significativas na qualidade de vida dos pacientes, contribuindo para um aumento relevante dos sintomas ansiosos ou depressivos. É, portanto, de fundamental importância o atendimento multidisciplinar a estes pacientes.

Descritores:
Dor crônica; Insuficiência renal crônica; Qualidade de vida

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

To evaluate pain symptoms and their influence on quality of life of chronic renal patients submitted to hemodialysis.

METHODS:

Descriptive, exploratory, comparative and cross-sectional study paired by frequency, having as tested group (GI, n=50) chronic renal patients under hemodialysis with hypertension and diabetes mellitus type 2, and as control group (GII, n=50) patients with hypertension or diabetes mellitus type 2, assisted by the Hypertension Ambulatory. Quality of life was evaluated by the Kidney Disease and Quality of Life Short-Form, pain by the Brief Pain Inventory, emotional factors by Beck anxiety and depression scales and neuropathic pain by DN4 questionnaire.

RESULTS:

Both groups had predominance of males, mean age of 47.3±16.5 years. With regard to labor, the group under hemodialysis (GI) had 80% of inactive patients. Most impaired quality of life domains were job situation and physical function. There has been prevalence of depression and anxiety, neuropathic pain and more pain complaint in GI, significantly interfering with general activities such as sleep and walking ability. There has been significant correlation (p<0.05) between anxiety, physical function and labor situation versus pain.

CONCLUSION:

Pain is often ignored, but brings significant consequences to quality of life of patients, contributing for relevant worsening of anxious or depressive symptoms. Thus, it is critical the multidisciplinary management of such patients.

Keywords:
Chronic pain; Chronic renal failure; Quality of life

INTRODUÇÃO

A doença renal crônica (DRC) é uma síndrome clínica decorrente da perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais11 Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. [Chronic kidney diseases: common and harmful, but also preventable and treatable]. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):248-53. Portuguese.. É considerada um problema de saúde pública mundial22 Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia 2013. Disponível em: http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_2013-14-05.pdfAcesso em 15/12/2015.
http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_201...
. No Brasil, a incidência e a prevalência de DRC estão aumentando, o prognóstico ainda é ruim e os custos do tratamento da doença são altíssimos11 Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. [Chronic kidney diseases: common and harmful, but also preventable and treatable]. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):248-53. Portuguese.,22 Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia 2013. Disponível em: http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_2013-14-05.pdfAcesso em 15/12/2015.
http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_201...
. Segundo o censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia, em julho de 2014, o número total estimado de pacientes em diálise foi de 112.00422 Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia 2013. Disponível em: http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_2013-14-05.pdfAcesso em 15/12/2015.
http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_201...
.

Os avanços tecnológicos permitiram uma evolução na assistência às pessoas com DRC, que vêm tendo possibilidade de maior estabilidade em seu estado de saúde físico, a partir do desenvolvimento e aperfeiçoamento de fármacos e do uso de equipamentos sofisticados, como é o caso da hemodiálise22 Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia 2013. Disponível em: http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_2013-14-05.pdfAcesso em 15/12/2015.
http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_201...
. No entanto, esses tratamentos ainda são dolorosos e se apresentam como barreira para a qualidade de vida (QV) desses pacientes33 Martins MR, Cesarino CB. [Quality of life in chronic kidney failure patients receiving hemodialysis treatment]. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):670-6. Portuguese..

Nesse contexto, um ponto importante para avaliar a QV do paciente hemodialítico é a dor, que apesar de ser um grave problema, é muitas vezes subestimada, pouco estudada e subtratada33 Martins MR, Cesarino CB. [Quality of life in chronic kidney failure patients receiving hemodialysis treatment]. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):670-6. Portuguese.. As dores perfazem cerca de 40% do total de queixas apresentadas pelos pacientes durante as sessões de hemodiálise44 Phuong-Chi T, Toscano E, Phuong-Mai T, Phuong-Anh T, Son V, Phuong Thu T. Pain management in patients with chronic kidney disease. Clin Kidney J. 2016;2(2):111-8.. Os pacientes apresentam elevada incidência de doença óssea e perda progressiva de massa muscular, além de outras doenças crônicas debilitantes como o diabetes mellitus (DM), as doenças neurológicas, as obstruções vasculares, dentre outras, que também contribuem para o aparecimento de dor naqueles pacientes44 Phuong-Chi T, Toscano E, Phuong-Mai T, Phuong-Anh T, Son V, Phuong Thu T. Pain management in patients with chronic kidney disease. Clin Kidney J. 2016;2(2):111-8.,55 Silva FS, Pinheiro MS, França RC. Avaliação da dor óssea em pacientes renais crônicos. Rev Enfermagem. 2013;7(5):1406-11..

A dor, além de causar dificuldades físicas incapacitantes, acarreta diversos problemas psicológicos, como distúrbios do sono, memória/atenção diminuída, alteração do humor (ansiedade e depressão), impotência e isolamento social, tendo impacto direto na QV do paciente55 Silva FS, Pinheiro MS, França RC. Avaliação da dor óssea em pacientes renais crônicos. Rev Enfermagem. 2013;7(5):1406-11..

A despeito da melhora das tecnologias em diálise, da incorporação de novas técnicas e dos novos conhecimentos, a dor dos pacientes em hemodiálise permanece comum e frequente66 Tetta C, Roy T, Gatti E, Cerutti S. The rise of hemodialysis machines: new technologies in minimizing cardiovascular complications. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2011;9(2):155-64.. Portanto, torna-se necessária especial atenção às queixas de dor apresentadas por esse grupo de pacientes, com instituição de novos procedimentos para o tratamento dessa manifestação clínica66 Tetta C, Roy T, Gatti E, Cerutti S. The rise of hemodialysis machines: new technologies in minimizing cardiovascular complications. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2011;9(2):155-64..

Diante do exposto o objetivo deste estudo foi avaliar, descritivamente, o sintoma da dor e sua influência na QV dos pacientes renais crônicos submetidos a tratamento hemodialítico.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, comparativo de corte transversal com pareamento por frequência tendo como grupo testado (GI, n=50) pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico (Unidade de Hemodiálise do Hospital de São José do Rio Preto/SP) cuja etiologia era hipertensão arterial (HA) e DM tipo 2. Como grupo controle (GII, n=50), pacientes com HA ou DM2 atendidos no Ambulatório de Hipertensão do Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP. Os critérios de inclusão para o GI foram ter DRC, estar em tratamento hemodialítico há pelo menos 3 meses e ter HA ou DM2 há pelo menos 4 anos antes do início da hemodiálise. Foram incluídos do GII pacientes em tratamento no Ambulatório de Hipertensão há pelo menos 6 meses com diagnóstico de HA e/ou DM2 e que tivessem registrados no prontuário valores normais de creatinina (<1,4mg/dL para homens e <1,2mg/dL para mulheres) nos últimos 6 meses. Foram excluídos os pacientes que se recusaram a responder aos questionários. Os pacientes de ambos os grupos foram pareados de acordo com a doença de base, sexo e idade. Foram utilizados os seguintes instrumentos: o questionário de QV Kidney Disease and Quality-of-Life Short-Form (KDQOL-SFTM)77 Duarte PS, Miyazaki MC, Ciconelli RM, Sesso R. [Translation and cultural adaptation of the quality of life assessment instrument for chronic renal patients (KDQOL-SF]. Rev Assoc Med Bras. 2003;49(4):375-81. Portuguese. que é um instrumento específico que avalia DRC terminal, aplicável a pacientes que realizam algum tipo de programa dialítico. Trata-se de um instrumento autoaplicável de 80 itens, divididos em 19 escalas, que levam aproximadamente 16 minutos para ser respondidos. Apresenta um escore final de 0 a 100 onde 0 corresponde a pior QV e 100 a melhor. Para avaliar a dor foi utilizado o Inventário Breve de Dor (IBD)88 Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11. que dimensiona a dor e seu impacto em algumas áreas da vida diária em intervalo pré-estabelecido, em que zero é ausência de dor e 10 como dor insuportável. Fatores emocionais como ansiedade e depressão foram avaliados pelas escalas Beck. Nesta pesquisa foi utilizado o inventário de ansiedade (BAI)99 Cunha JA. Inventário Beck de Ansiedade (BAI). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001. e o de depressão (BDI)1010 Cunha JA. Inventário Beck de Depressão (BDI). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.. O BAI foi proposto para medir os sintomas comuns de ansiedade e consta de 21 sintomas listados, contendo quatro alternativas em cada um, em ordem crescente do nível de ansiedade. A escala classifica a ansiedade em: mínima (de 0 a 9 pontos); leve (de 10 a 16 pontos); moderada (de 17 a 29 pontos); e grave (de 30 a 63 pontos)99 Cunha JA. Inventário Beck de Ansiedade (BAI). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.. O BDI compreende 21 categorias de sintomas e atividades, contendo quatro alternativas em cada uma, em ordem crescente do nível de depressão. O paciente deve escolher a resposta que melhor se adeque à sua última semana. A soma dos escores identifica o nível de depressão. É proposto o seguinte resultado para o grau de depressão: mínimo (de 0 a 11 pontos); leve (de 12 a 19 pontos); moderado (de 20 a 35 pontos); e grave (de 36 a 63 pontos)1010 Cunha JA. Inventário Beck de Depressão (BDI). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.. Para verificar a incidência de dor neuropática foi utilizado o questionário DN41111 Bouhassira D, Attal N, Alchaar H, Boureau F, Brochet B, Bruxelle J, et al. Comparison of pain syndromes associated with nervous or somatic lesions and development of a new neuropathic pain diagnostic questionnaire (DN4). Pain. 2005;114(1-2):29-36.. São 7 itens subjetivos e 3 de exame físico. Se o resultado final for no mínimo 4, existem características neuropáticas.

O cálculo da amostra foi realizado a partir dos dados referentes ao número de pacientes que realizam hemodiálise no setor de um hospital escola do interior paulista nos últimos cinco anos. Esses números variaram em torno de 230 pessoas. Com base nesse dado, uma amostra com 95% de confiança, erro máximo igual a 5% e considerando uma estimativa da proporção igual a 50% (variância máxima), foi obtido um tamanho de amostra igual a 109 indivíduos. Assim, a amostra ora estudada contou com 100 entrevistados, de forma a atender ao requisito estatístico de validade do estudo.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição sob parecer número 435.511.

Análise estatística

Os dados foram registrados em planilhas utilizando-se o software (Microsoft@) e analisado por meio de estatística descritiva. As variáveis continuas compararam os grupos através do teste t de Student. As variáveis categóricas foram comparadas pelos valores de odds ratio e foram considerados significativas quando dentro do intervalo de confiança de 95%, e os níveis de significância estatística (valor de p) são apresentados nas tabelas e no texto.

RESULTADOS

Dos 100 pacientes avaliados, foi discreta a maioria masculina, com variação de idade entre 15 e 84 anos e media 47,3±16,5 anos, maioria era casada e média de escolaridade de 7±4,5 anos. As características demográficas e clinicas são demonstradas na tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas e clinicas dos pacientes de ambos os grupos

Na tabela 2 foram comparadas as pontuações no IBD, questionário DN4 e escalas Beck de ansiedade e depressão nos grupos I e II.

Tabela 2
Níveis de depressão, ansiedade, dor e seu impacto nas atividades diárias e, incidência de dor neuropática

Em relação à QV todos os pacientes do GI responderam ao questionário específico para doença renal (KDQOL-SF). As pontuações mais elevadas foram obtidas para as dimensões relacionadas à "estimulo por parte da equipe de hemodiálise" e "função sexual", sendo que as mais baixas foram para a "situação de trabalho" e "função física". As dimensões com as respectivas médias e desvios padrão são demonstradas na tabela 3. Não houve comparação com o GII por não serem pacientes acometidos por doença renal.

Tabela 3
Valores médios e desvios-padrão das dimensões do KDQOL-SFTM dos pacientes do GI (n=50)

Um modelo de regressão linear foi ajustado, levando-se em consideração os resultados dos questionários de dor, ansiedade, depressão e QV. Resultados com p<0,05 são apresentados na tabela 4 para o grupo GI.

Tabela 4
Índices de ansiedade, depressão e qualidade de vida versus intensidade de dor em pacientes do GI (n=50)

DISCUSSÃO

O perfil epidemiológico traçado no atual estudo para os pacientes em tratamento hemodialítico (GI), condiz com o Censo de Diálise de 2013, onde a maioria dos pacientes era do gênero masculino, com idade entre 19 e 64 anos22 Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia 2013. Disponível em: http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_2013-14-05.pdfAcesso em 15/12/2015.
http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_201...
,1212 Oliveira Junior HM, Formiga FF, Alexandre CS. Perfil clínico-epidemiológico dos pacientes em programa crônico de hemodiálise em João Pessoa -PB. J Bras Nefrol. 2014;36(3):367-74.. A faixa etária média de 47,3 anos também equivale ao surgimento dos grupos de risco e das doenças de base para a DRC, como HA e DM2, que tem aumento na idade adulta1313 Coric A, Resic H, Celik D, Masnic F, Ajanovic S, Prohic N, et al. Mortality in hemodialysis patients over 65 years of age. Mater Sociomed. 2015;27(2):91-4..

Não houve diferença significativa no perfil demográfico entre GI e GII, a não ser no que concerne à situação laboral, onde no GI encontrou-se maioria (80%) de pacientes inativos, enquanto no GII encontrou-se maioria (63%) em atividade. Estudos prévios confirmam que a DRC promove dificuldades no trabalho devido a diversos fatores1414 Abreu IS, Kourrouski MF, dos Santos DM, Bullinger M, Nascimento LC, de Lima RA, et al. [Children and adolescents on hemodialysis: attributes associated with quality of life]. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):602-9. Portuguese.,1515 Kousoula G, Lagou L, Lena M, Alikari V, Theofilou P, Polikandrioti M. Quality of life in hemodialysis patients. Mater Sociomed. 2015;27(5):305-9.. Helantera et al.1616 Helantera I, Haapio M, Koskinen P, Grönhagen-Riska C, Finne P. Employment of patients receiving maintenance dialysis and after kidney transplant: a cross-sectional study from Finland. Am J Kidney Dis. 2012;59(5):700-6 observaram que menos de 30% dos pacientes em diálise estavam empregados, corroborando os dados encontrados no presente estudo. Geralmente, como a QV nesses pacientes está reduzida especialmente quando submetidos ao tratamento de hemodiálise, é comum o desemprego ou aposentadoria precoce1515 Kousoula G, Lagou L, Lena M, Alikari V, Theofilou P, Polikandrioti M. Quality of life in hemodialysis patients. Mater Sociomed. 2015;27(5):305-9., o que também pode contribuir para resultados negativos na análise de depressão e ansiedade nesses pacientes.

Em relação aos resultados encontrados no BDI, a prevalência de depressão em GI foi maior em todos os níveis, quando comparado ao GII. Quanto à ansiedade também revelaram piores pontuações. Andrade, Sesso e Diniz1717 Andrade S, Sesso R, Diniz D. Desesperança, ideação suicida e depressão em pacientes renais crônicos em tratamento por hemodiálise ou transplante. J Bras Nefrol. 2015;37(1):55-63 revelaram, por meio do BDI, que a depressão variou de zero até 37 pontos, com mediana de 8 pontos mostrando que a maioria dos pacientes (68%) foi classificada com nível mínimo, 23% leve, 8% moderado e 1% grave sendo relacionadas com atividade laboral e tipo de doador. Pacientes sem atividade laboral apresentaram mais sintomas depressivos (p=0,027). São resultados muitos próximos ao presente estudo. Valle, Souza e Ribeiro1818 Valle L, Souza V, Ribeiro A. Estresse e ansiedade em pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise. Estud Psicol. 2013;30(1):131-8. mostraram através de diferentes instrumentos de análise, que todos os pacientes em hemodiálise apresentavam algum grau de ansiedade. Já no estudo de Stasiak1919 Stasiak C. Prevalência de ansiedade e depressão e suas comorbidades em pacientes com doença renal crônica em hemodiálise e diálise peritoneal. J Bras Nefrol. 2014;36(3):325-31. com pacientes em hemodiálise, a depressão de qualquer intensidade foi encontrada em 22,6% dos pacientes no BDI e ansiedade de qualquer intensidade foi encontrada em 25,7% dos pacientes no BAI. Esses resultados foram mais baixos que os encontrados no presente estudo, provavelmente devido a uma característica do local de coleta, já que o Hospital de Base é um centro de referência para casos graves e pacientes com múltiplas comorbidades. Abraham et al.2020 Abraham S, Venu A, Ramachandran A, Chandran PM, Raman S. Assessment of quality of life in patients on hemodialysis and the impact of counseling. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2012;23(5):953-7. afirmaram que os pacientes hemodialíticos, ao se adaptarem física e mentalmente a seu tratamento, como prescrições, restrições e dietas, acabam ficando em estado de alerta e tensão, o que desencadeia reações de ansiedade devido à constante exposição às situações estressoras, como a diálise e a permanência frequente em ambiente hospitalar. Barros et al.2121 Barros BP, Nishiura JL, Heilberg IP, Kirsztajn GM. Anxiety, depression, and quality of life in patients with familial glomerulonephritis or autosomal dominant polycystic kidney disease. J Bras Nefrol. 2011;33(2):120-8. referiram que questionários que investigam aspectos psicológicos permitem identificar frequência e graus de ansiedade, depressão e comprometimento da QV nos pacientes com doença renal e podem contribuir para o planejamento de um melhor atendimento multidisciplinar.

Em relação à QV, todos os pacientes do GI responderam ao questionário de QV específico para doença renal (KDQOL-SFtm), sendo que as pontuações mais baixas foram para a "situação de trabalho" e "função física". Esses resultados foram concordantes com o estudo de Lopes2222 Lopes J. Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes renais crônicos em diálise. Acta Paul Enferm. 2014;27(3):230-6.. Esse mesmo estudo levantou que o conjunto de sintomas da doença, associado aos fatores do dia a dia dos pacientes submetidos ao tratamento hemodialítico, geram um impacto negativo nesses aspectos. O trabalho é a condição básica para a emancipação humana e faz parte da identificação de cada pessoa, portanto, se torna um dos valores mais preciosos do ser humano. Em função da doença e do tratamento, muitas vezes os pacientes precisam parar de trabalhar, o que influencia a QV. Deixar de trabalhar ou diminuir a carga horária é um fator que se contrapõe ao estilo de vida que o indivíduo tinha antes, e dessa forma causa impacto negativo na sua qualidade.

Quando se comparou a incidência de dor crônica entre GI e GII, foram observadas piores pontuações naqueles pacientes submetidos à terapia hemodialítica. Os resultados do questionário DN4 revelaram maior prevalência de dor neuropática no GI, assim como maior queixa álgica pelo inventario breve de dor. Esses resultados promoveram a interferência da dor em atividades em geral como no sono e na habilidade para caminhar. Esses parâmetros, no estudo de Klassen et al.2323 Klassen A, Racasan S, Gherman-Caprioara M, Kürner B, Blaser C, Bahner U, et al. High-tone external muscle stimulation in end stage renal disease: effects on quality of life in patients with peripheral neuropathy. Clin Nephrol. 2013;79(Suppl 1):S28-33., indicaram que a dor neuropática prolongada ou não tratada nos pacientes renais crônicos promove desempenho funcional alterado além de mialgia e fadiga.

Levando-se em consideração os resultados dos questionários de dor, ansiedade, depressão e QV, foi observada correlação significativa da influência da dor sob os seguintes aspectos: ansiedade, função física e situação de trabalho. Porém, poucos estudos na literatura correlacionam a QV de forma geral com a queixa de dor nos pacientes em terapia hemodialítica, mostrando mais uma vez que a dor é muitas vezes subestimada, pouco estudada e subtratada2424 Ramos EC, Santos IS, Zanini RV, Ramos JM. Quality of life of chronic renal patients in peritoneal dialysis and hemodialysis. J Bras Nefrol. 2015;37(3):297-305.,2525 Yeates K, Zhu N, Vonesh E, Trpeski L, Blake P, Fenton S. Hemodialysis and peritoneal dialysis are associated with similar outcomes for end-stage renal disease treatment in Canada. Nephrol Dial Transplant. 2012;27(9):3568-75..

CONCLUSÃO

Os dados indicam correlação significativa da dor com ansiedade, função física e situação de trabalho de pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico.

  • Fontes de fomento: Subvencionado pelo CNPq

REFERENCES

  • 1
    Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. [Chronic kidney diseases: common and harmful, but also preventable and treatable]. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):248-53. Portuguese.
  • 2
    Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia 2013. Disponível em: http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_2013-14-05.pdfAcesso em 15/12/2015.
    » http://arquivos.sbn.org.br/pdf/censo_2013-14-05.pdf
  • 3
    Martins MR, Cesarino CB. [Quality of life in chronic kidney failure patients receiving hemodialysis treatment]. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):670-6. Portuguese.
  • 4
    Phuong-Chi T, Toscano E, Phuong-Mai T, Phuong-Anh T, Son V, Phuong Thu T. Pain management in patients with chronic kidney disease. Clin Kidney J. 2016;2(2):111-8.
  • 5
    Silva FS, Pinheiro MS, França RC. Avaliação da dor óssea em pacientes renais crônicos. Rev Enfermagem. 2013;7(5):1406-11.
  • 6
    Tetta C, Roy T, Gatti E, Cerutti S. The rise of hemodialysis machines: new technologies in minimizing cardiovascular complications. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2011;9(2):155-64.
  • 7
    Duarte PS, Miyazaki MC, Ciconelli RM, Sesso R. [Translation and cultural adaptation of the quality of life assessment instrument for chronic renal patients (KDQOL-SF]. Rev Assoc Med Bras. 2003;49(4):375-81. Portuguese.
  • 8
    Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11.
  • 9
    Cunha JA. Inventário Beck de Ansiedade (BAI). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.
  • 10
    Cunha JA. Inventário Beck de Depressão (BDI). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001.
  • 11
    Bouhassira D, Attal N, Alchaar H, Boureau F, Brochet B, Bruxelle J, et al. Comparison of pain syndromes associated with nervous or somatic lesions and development of a new neuropathic pain diagnostic questionnaire (DN4). Pain. 2005;114(1-2):29-36.
  • 12
    Oliveira Junior HM, Formiga FF, Alexandre CS. Perfil clínico-epidemiológico dos pacientes em programa crônico de hemodiálise em João Pessoa -PB. J Bras Nefrol. 2014;36(3):367-74.
  • 13
    Coric A, Resic H, Celik D, Masnic F, Ajanovic S, Prohic N, et al. Mortality in hemodialysis patients over 65 years of age. Mater Sociomed. 2015;27(2):91-4.
  • 14
    Abreu IS, Kourrouski MF, dos Santos DM, Bullinger M, Nascimento LC, de Lima RA, et al. [Children and adolescents on hemodialysis: attributes associated with quality of life]. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):602-9. Portuguese.
  • 15
    Kousoula G, Lagou L, Lena M, Alikari V, Theofilou P, Polikandrioti M. Quality of life in hemodialysis patients. Mater Sociomed. 2015;27(5):305-9.
  • 16
    Helantera I, Haapio M, Koskinen P, Grönhagen-Riska C, Finne P. Employment of patients receiving maintenance dialysis and after kidney transplant: a cross-sectional study from Finland. Am J Kidney Dis. 2012;59(5):700-6
  • 17
    Andrade S, Sesso R, Diniz D. Desesperança, ideação suicida e depressão em pacientes renais crônicos em tratamento por hemodiálise ou transplante. J Bras Nefrol. 2015;37(1):55-63
  • 18
    Valle L, Souza V, Ribeiro A. Estresse e ansiedade em pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise. Estud Psicol. 2013;30(1):131-8.
  • 19
    Stasiak C. Prevalência de ansiedade e depressão e suas comorbidades em pacientes com doença renal crônica em hemodiálise e diálise peritoneal. J Bras Nefrol. 2014;36(3):325-31.
  • 20
    Abraham S, Venu A, Ramachandran A, Chandran PM, Raman S. Assessment of quality of life in patients on hemodialysis and the impact of counseling. Saudi J Kidney Dis Transpl. 2012;23(5):953-7.
  • 21
    Barros BP, Nishiura JL, Heilberg IP, Kirsztajn GM. Anxiety, depression, and quality of life in patients with familial glomerulonephritis or autosomal dominant polycystic kidney disease. J Bras Nefrol. 2011;33(2):120-8.
  • 22
    Lopes J. Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes renais crônicos em diálise. Acta Paul Enferm. 2014;27(3):230-6.
  • 23
    Klassen A, Racasan S, Gherman-Caprioara M, Kürner B, Blaser C, Bahner U, et al. High-tone external muscle stimulation in end stage renal disease: effects on quality of life in patients with peripheral neuropathy. Clin Nephrol. 2013;79(Suppl 1):S28-33.
  • 24
    Ramos EC, Santos IS, Zanini RV, Ramos JM. Quality of life of chronic renal patients in peritoneal dialysis and hemodialysis. J Bras Nefrol. 2015;37(3):297-305.
  • 25
    Yeates K, Zhu N, Vonesh E, Trpeski L, Blake P, Fenton S. Hemodialysis and peritoneal dialysis are associated with similar outcomes for end-stage renal disease treatment in Canada. Nephrol Dial Transplant. 2012;27(9):3568-75.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2016
  • Aceito
    10 Abr 2017
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br