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Cefaleia causada por dissecção de artéria vertebral: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A ocorrência de dissecção espontânea da artéria vertebral é rara, mas é uma causa bastante frequente de acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) em pacientes jovens. O reconhecimento desta doença é de suma importância para intervenção clínica adequada e prevenção da isquemia cerebral. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 30 anos, secretária, apresentou quadro ictal de dor intensa, profunda na região cervical com irradiação para a nuca e parte posterior da cabeça, do mesmo lado, à esquerda, que evoluiu com cefaleia e AVEi. CONCLUSÃO: O reconhecimento da dissecção arterial e o tratamento imediato e correto podem prevenir a ocorrência de lesões isquêmicas e dessa forma contribuir para melhorar a evolução clínica do paciente.

Acidente vascular encefálico; Artéria vertebral; Cefaleia


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Spontaneous vertebral artery dissection is rare, but it is a very frequent cause of cerebral ischemic accident in young patients. The identification of this disease is paramount for adequate clinical intervention and brain ischemia prevention. CASE REPORT: Female patient, 30 years old, secretary, with ictal presentation of severe and deep cervical pain irradiating to nucha and posterior head, at the same side to the left, which has evolved with headache and cerebral ischemic accident. CONCLUSION: Identification and immediate and adequate treatment of arterial dissection may prevent ischemic lesions, thus contributing for better patients' clinical evolution.

Cerebral ischemic accident; Headache; Vertebral artery


RELATO DE CASO

Cefaleia causada por dissecção de artéria vertebral. Relato de caso* * Recebido do Grupo Vale sem Dor. São José dos Campos, SP.

Sidney SredniI; Rosemeire Aparecida Franchin SredniII

IMédico Neurologista e Clinico de Dor; Diretor do Grupo Vale sem Dor. São José dos Campos, SP, Brasil

IIEnfermeira Oncologista. São José dos Campos, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Sidney Sredni Av. Adhemar de Barros, 566 – Sala 301 12245-010 São José dos Campos, SP. Fone/Fax: (12) 3922-4771 E-mail: grupovalesemdor@live.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A ocorrência de dissecção espontânea da artéria vertebral é rara, mas é uma causa bastante frequente de acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) em pacientes jovens. O reconhecimento desta doença é de suma importância para intervenção clínica adequada e prevenção da isquemia cerebral.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 30 anos, secretária, apresentou quadro ictal de dor intensa, profunda na região cervical com irradiação para a nuca e parte posterior da cabeça, do mesmo lado, à esquerda, que evoluiu com cefaleia e AVEi.

CONCLUSÃO: O reconhecimento da dissecção arterial e o tratamento imediato e correto podem prevenir a ocorrência de lesões isquêmicas e dessa forma contribuir para melhorar a evolução clínica do paciente.

Descritores: Acidente vascular encefálico, Artéria vertebral, Cefaleia.

INTRODUÇÃO

A dissecção espontânea das artérias cervicais carótidas e vertebrais é uma doença relativamente rara com incidência de 2,5 a 3/100.000 pessoas por ano para a primeira e de 0,5 a 2,5/100.000 habitantes por ano para a segunda1,2. É responsável apenas por 2% de todos os acidentes vasculares encefálicos (AVEi). Entretanto, quando se considera apenas pacientes com idade inferior a 40 anos, a dissecção é responsável por 10% a 25% dos casos2-4. Portanto seu reconhecimento precoce é fundamental para a prevenção do AVEi melhorando o prognóstico dos pacientes.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 30 anos, secretária, apresentou subitamente dor intensa, profunda, na região cervical com irradiação para a nuca e parte posterior da cabeça, à esquerda. A dor, muito forte, impedia de realizar qualquer movimento. Sentiu formigamento no membro superior esquerdo que irradiava desde a região cervical até os dedos da mão. Procurou o pronto-socorro (PS) sendo medicada com anti-inflamatório não esteroide (AINE) e analgésicos simples. O diagnóstico inicial foi de torcicolo. Radiografia de coluna cervical não evidenciou alterações. Como não houve melhora do quadro, foi indicada a tomografia computadorizada (TC) de crânio, que não apresentou alterações. Recebeu 100 mg de tramadol, com discreta melhora em relação ao quadro inicial e recebeu alta para acompanhamento ambulatorial. Ao tentar levantar, sentiu mal estar com náusea e tonturas. Pelo adiantado da hora foi internada no hospital da retaguarda. No dia seguinte, apresentava o mesmo quadro álgico, intenso, nas mesmas localizações, com tontura, náuseas, dificuldade para levantar e deambular. O exame clínico evidenciou Romberg positivo, alterações nas provas de coordenação index- nariz, index-index mais a esquerda e hipoestesia no membro superior esquerdo (MSE). Foi solicitado Doppler de carótidas e vertebrais que evidenciou estreitamento na artéria vertebral esquerda, sugerindo dissecção de artéria vertebral. A angiorressonância dos vasos cervicais e intracranianos confirmou a dissecção da artéria vertebral esquerda e a ressonância nuclear magnética de crânio (RNM) identificou área de infarto em hemisfério cerebelar à esquerda e ponte. Tratada com analgésicos e anticoagulantes, evoluiu de modo satisfatório com recuperação do quadro cerebelar, porém com cefaleia leve durante 20 dias, com seguimento ambulatorial após a alta.

DISCUSSÃO

A frequência da cefaleia ou dor facial é alta, com incidência de 60% a 95% na dissecção carotídea2,5 e de 70% na dissecção da artéria vertebral2,6-8. A descrição dos critérios diagnósticos do quadro de cefaleia apresentada no item 6.5 da classificação internacional das cefaleias (IHS)9 descrita a seguir: a. Qualquer cefaleia, dor facial ou dor cervical novas, de início agudo, com ou sem outros sintomas ou sinais neurológicos que preenchem os critérios C e D; b. Dissecção demonstrada por investigação vascular e/ou de neuroimagem apropriada; c. A dor aparece em relação temporal estreita e no mesmo lado da dissecção; d. A dor desaparece dentro de um mês.

A cefaleia com ou sem dor cervical pode ser a única manifestação da dissecção, e sem dúvida é o sintoma mais frequente em 55% a 100% dos pacientes, sendo também o sintoma inicial mais comum, em 33% a 86% dos pacientes2,9,10.

No presente caso, o quadro clínico iniciou com dor súbita, nova e aguda como apresentado no item A da IHS. É importante recordar os sinais de alerta na avaliação das cefaleias: primeira ou pior cefaleia, principalmente se for de instalação súbita, cefaleia após o esforço, início após os 50 anos, febre, sinais meníngeos, piora durante o período de observação, presença de sinal focal e papiledema. Quando presente algum desses sintomas, a realização de exames complementares é obrigatória. Entretanto, esses dados foram a princípio negligenciados pela equipe médica que fez o primeiro atendimento dando-se maior importância a cervicalgia e a investigação desta última.

A cefaleia e as dores faciais nas dissecções são usualmente unilaterais, intensas e persistentes, em média durante quatro dias, melhorando gradualmente em até 30 dias1,3-5,13. Não há, contudo, padrão específico e pode, muitas vezes, ser bastante enganosa, simulando outras cefaleias como a migrânea, cefaleia em salvas, cefaleia em trovoada e hemorragia subaracnóidea. Na paciente as dores eram intensas, sem melhora com o fármaco e sem padrão definido. Este fato, associado aos dados descritos, deveria ser mais valorizado para identificar a etiologia do quadro.

Em cerca de 2/3 (61%) dos pacientes com dissecção da artéria vertebral, a cefaleia ocorre simultaneamente com sinais de isquemia vertebrobasilar1,5-8,10-12, e em 1/3 a cefaleia precede outros sintomas neurológicos com intervalo de 1h a 14 dias1,2,5,10,12-14. A paciente apresentou parestesia em MSE no início do quadro, o que foi inicialmente interpretado como consequência do quadro cervical e não com um possível evento isquêmico. Porém, após várias horas, a paciente passou a apresentar claros sinais de lesões em território cerebelar com tonturas e náuseas.

Esses dados também não chamaram atenção da equipe médica, pois a paciente só foi internada devido ao prolongado tempo de permanência no PS e pelo avançado da hora, e não devido à piora clínica, uma vez que estava de alta hospitalar. A presença de TC normal, permitindo descartar hemorragia subaracnóidea deu a falsa sensação de tranquilidade diante do quadro clínico. A cefaleia precede o início da isquemia e, portanto, necessita diagnóstico e tratamento precoce.

O diagnóstico é baseado no Doppler colorido das artérias cervicais, na RNM, angioressonância e/ou TC helicoidal e, em casos duvidosos, na angiografia convencional. Vários destes métodos podem ser necessários, uma vez que quaisquer deles podem ser normais15. No presente caso tanto o Doppler quanto a angiorressonância confirmaram a presença da dissecção e a RNM de crânio, as lesões em hemisfério cerebelar e ponte2,14.

Não há estudos randomizados sobre o tratamento, mas há consenso em favor da utilização da anticoagulação por 3 a 6 meses, de acordo com a recuperação arterial e recanalização do fluxo na artéria lesionada4,5.

Apesar da gravidade do quadro, em geral o prognóstico é bom. Menos de 5% dos casos levam a morte e aproximadamente 75% dos pacientes têm boa recuperação do AVEi14. É rara a recorrência de dissecção, mas pode ocorrer em outros vasos do mesmo paciente. A chance de recorrência em 2 meses é de 2% e diminui para 1% após um ano.

CONCLUSÃO

A dissecção dos vasos cervicais é transtorno pouco reconhecido e pouco diagnosticado, levando ao aumento da incidência de AVEi principalmente em indivíduos jovens. O seu diagnóstico precoce ajuda na prevenção de lesões que podem ser neurológicas definitivas afetando a qualidade de vida do paciente ou levando-o a morte.

Apresentado em 01 de agosto de 2012.

Aceito para publicação em 09 de novembro de 2012.

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  • Endereço para correspondência:

    Dr. Sidney Sredni
    Av. Adhemar de Barros, 566 – Sala 301
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    Recebido do Grupo Vale sem Dor. São José dos Campos, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Ago 2012
    • Aceito
      09 Nov 2012
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