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STF, povos indígenas e Sala de Situação: diálogo ilusório

STF, indigenous peoples and Situation Room: illusory dialogue

Resumo

Esta pesquisa analisa a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, proposta no Supremo Tribunal Federal (STF), no que tange à proteção ao direito à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato. O artigo aborda especialmente a decisão judicial que determinou a instalação da Sala de Situação, um espaço oficial dentro da administração, para um diálogo intercultural e o fracasso dessa iniciativa.

Palavras-chave:
Povos indígenas isolados e de recente contato; Jurisdição constitucional; Covid-19

Abstract

This research analyzes the constitutional lawsuit ADPF 709, filed at the Brazilian Supreme Court (STF), with regard to the protection of the right to health of isolated and recently contacted indigenous peoples. The article deals especially with the judicial decision that determined the installation of the Situation Room, an official space within the administration, for an intercultural dialogue and the failure of this initiative.

Keywords:
Isolated and recently contacted indigenous peoples; Constitutional jurisdiction; Covid-19

1. Introdução

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental1 1 A ADPF é uma das ações que fazem parte do controle concentrado de constitucionalidade. A regulamentação desta ação pode ser encontrada em dois textos normativos: na Constituição Federal e na Lei 9.882/99. Na Constituição, os artigos 102, § 1º e 103, § 1º e § 3 dispõem: "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: § 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei; Art. 103. A Lei, por seu turno, traça como se dará o processo e o julgamento das ADPFs pelo STF. (ADPF) 709, com pedido de medida liminar, objetivou a adoção de providências voltadas à evitação e reparação de graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição Federal, relacionadas às falhas e omissões no combate à pandemia do novo coronavírus entre os povos indígenas brasileiros. Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), fora instalada, em julho de 2020, no âmbito da ADPF 709, uma instância denominada Sala de Situação.

É sobre essa instância específica da ação que o presente artigo vai tratar. Segundo o ministro relator, Luís Roberto Barroso, a Sala de Situação deveria servir para que o Estado brasileiro, representado pelo governo de Jair Messias Bolsonaro, e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) estabelecessem um "diálogo intercultural" (BRASIL, 2020, p. 15) a respeito das demandas mais delicadas da ação, ou seja, aquelas voltadas aos povos indígenas isolados e de recente contato2 2 As comunidades indígenas que vivem em isolamento são as mais vulneráveis do ponto de vista sócio-epidemiológico, pois seus modos de vida e as ameaças a que estão sujeitas fazem com que sejam e estejam mais suscetíveis a doenças infecto-contagiosas. Além disso, a degradação ambiental dos locais em que vivem podem significar privação imediata tanto de remédios quanto de alimentos. Nesse sentido, vide: RODRIGUES, D.A. Proteção e assistência à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil. São Paulo: OTCA, 2014. .

A instância de diálogo entre as partes estabelecida no âmbito de um processo judicial em trâmite no Supremo Tribunal Federal é algo extremamente inédito para os povos indígenas. Aliás, não é demais lembrar que até 1988 os indígenas nem sequer possuíam capacidade postulatória, o que só se concretizou com o advento do artigo 232 da Constituição Federal. Assim, de início, é de se destacar não apenas o ineditismo da instância para eles, o que, consequentemente, gerou desafios significativos ao diálogo conforme se verá adiante; como, também, o caráter histórico da decisão ao reconhecer a APIB como legitimada ativa para a propositura de ADPF.

Há um rol restrito de pessoas e entidades que estão legitimadas a mobilizar o Supremo Tribunal Federal para o controle de constitucionalidade concentrado, sendo elas definidas pelo Artigo 103, da Constituição Federal. Os seis partidos políticos que subscreveram por adesão a ADPF 709 em conjunto com a APIB3 3 A ação foi interposta pela APIB, PCdoB, PSB, PSOL, PT, PDT, REDE e pela Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ. estão legitimados pelo inciso VIII, do referido artigo, por disporem todos de representação parlamentar no Congresso Nacional.

A APIB, por sua vez, marca a história constitucional brasileira ao ser reconhecida como uma entidade representativa de classe de âmbito nacional.4 4 O artigo 103, em seu inciso IX, traz a seguinte redação: “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Na ADPF 527, o ministro Luís Roberto Barroso, também relator, reconheceu a legitimidade ativa da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros na qualidade de entidade de classe de âmbito nacional. Na ADPF 709, foi a primeira vez que o reconhecimento foi dado a uma organização indígena. O ministro relator reconheceu a legitimidade da APIB em uma decisão monocrática, a qual foi referendada pelo Plenário do STF por unanimidade. Conforme afirmou Luiz Eloy Amado Terena (2020AMADO, Luiz Henrique Eloy. "ADPF 709 no Supremo: Povos indígenas e o direito de existir!". MidiaNinja, 30 jul. 2020. Disponível em: <https://midianinja.org/luizhenriqueeloy/adpf-709-no-supremo-povos-indigenas-e-o-direito-de-existir/>. Acesso em 15.02.21.
https://midianinja.org/luizhenriqueeloy/...
) “(...) passados mais de 30 anos da promulgação da Constituição, esta é a primeira vez que os povos indígenas vão ao Supremo, em nome próprio, defendendo direito próprio e por meio de advogados próprios, propondo uma ação de jurisdição constitucional”.

O ministro apontou a necessidade de respeitar as formas próprias de organizações tradicionais indígenas e garantir-lhes a possibilidade de mobilizar o sistema de justiça em defesa de seus direitos, conforme os artigos 231 e 232 da Constituição. Isso significa não apenas uma reconhecida vitória para os povos indígenas, mas também um avanço para o constitucionalismo brasileiro e, sobretudo, para o relator que, até 2014, manifestava-se de modo diametralmente oposto. No Inquérito 3.862/DF, de queixa-crime subsidiária de denúncia feita pelo Conselho Aty Guasu Guarani Kaiowá e pelo Conselho do Povo Terena em face dos Deputados Federais Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira5 5 O caso diz respeito à seguinte manifestação do então Deputado Federal Alceu Moreira: “Nós os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fardem de guerreiros e não deixem um vigarista destes dar um passo na sua propriedade, nenhum. Nenhum. Usem todo o tipo de rede, todo mundo tem telefone, liguem um para o outro imediatamente, reúnam multidões e expulsem do jeito que for necessário.” E à seguinte manifestação do então Deputado Federal Luiz Carlos Heinze: “Agora eu quero dizer para vocês, o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidenta Dilma, e ali estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta ali estão aninhados... Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como no Pará estão fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade, foram corridos da propriedade, isso que aconteceu lá. (...) Tem no palácio do planalto um ministro da Presidenta Dilma, chamado Gilberto Carvalho, que aninha no seu gabinete, índio, negro, sem terra, gays, lésbicas, a família não existe no gabinete desse senhor (...) não espere que essa gente vai resolver o nosso problema”. Ver: “Em vídeo, deputado diz que “índios, gays e quilombolas 'não prestam'”. G1, Rio Grande do Sul, 12 jan. 20014, disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2014/02/em-video-deputado-diz-que-indios-gays-e-quilombos-nao-prestam.html , imputando-lhes a prática do crime de racismo, decidiu o ministro Barroso por rejeitar a queixa-crime e determinou o arquivamento do procedimento, por ilegitimidade ativa, pois “(...) ainda que se cogite de legitimidade extraordinária em razão de lesão transindividual à honra da comunidade indígena, seria competente a FUNAI para propor a ação (art. 1o, parágrafo único, da Lei no 5.371/67)” (BRASIL, 2014, p. 4).

A estratégia da APIB em acionar o Poder Judiciário com o objetivo de mobilizar o governo federal para que cumprisse com suas obrigações constitucionais e legais de proteger a saúde dos povos indígenas durante a pior crise humanitária do século XXI levou, em virtude da magnitude da ação, a desdobramentos de alta complexidade. A seguir, pretendemos mergulhar em uma parte específica desses desdobramentos, qual seja, a Sala de Situação, para compreender os desafios e as possibilidades do que o ministro relator chamou como “diálogo intercultural”.

A partir de uma abordagem de pesquisa qualitativa, realizamos uma leitura de inspiração etnográfica acerca da administração deste conflito judicializado. Para tanto, foram analisados os documentos produzidos no caso, assim como comparadas as percepções dos principais atores envolvidos no processo. Trata-se de um caso singular para a compreensão sobre como um processo judicial estruturante é mobilizado na jurisdição constitucional, em um contexto excepcionalíssimo imposto pela pandemia de Covid-19.

2. Providências tomadas pelos indígenas

A pandemia da Covid-19 afetou dramaticamente a vida de toda a população brasileira, com centenas de milhares de mortos e milhões de pessoas contaminadas. Considerando a tônica do discurso do atual presidente da República (desde seus mandatos como deputado federal, passando por sua campanha eleitoral para a presidência e, inclusive, após eleito) a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) diagnosticou, já nos primeiros meses da pandemia do novo coronavírus, que a população indígena seria fortemente impactada pelo descompromisso já anunciado pelo líder da atual gestão.

Desde o anúncio da pandemia pela Organização Mundial da Saúde6 6 A OMS reconheceu a situação de pandemia em 11/03/2020, após mais de 118.000 casos confirmados da doença em mais de 110 países ao redor do globo. Vide: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020 , a APIB vinha anunciando em suas redes sociais o receio de que os danos e riscos para os povos indígenas fossem ainda maiores do que para o restante da população. No dia 22 de abril de 2020, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição de pesquisa vinculada ao Ministério da Saúde, também sobreavisava o Governo brasileiro: “o crescimento exponencial de casos confirmados de COVID-19 na população brasileira e a clara interiorização da circulação viral, com destaque para os estados do Amazonas e Amapá, nos alertam para os impactos dessa pandemia nos povos indígenas”.7 7 BRASIL. FIOCRUZ. “Risco de espalhamento da COVID-19 em populações indígenas: considerações preliminares sobre vulnerabilidade geográfica e sociodemográfica”, 2020. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/relatorios_tecnicos_-_covid-19_procc-emap-ensp-covid-19-report4_20200419-indigenas.pdf A ONU (Organização das Nações Unidas) por sua vez, apontou em um comunicado divulgado em 02 de junho de 2020, que a pandemia de COVID-19 poderia ter um “impacto devastador” sobre minorias étnicas em países como Brasil, França, Reino Unido e EUA.8 8 United Nations. Human Rights Office of the High Commissioner. “Disproportionate impact of COVID-19 on racial and ethnic minorities needs to be urgently addressed - Bachelet”. 2 de jun. 2020. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25916

A possibilidade de extermínio de etnias inteiras, sobretudo de grupos isolados ou de recente contato deveria ser considerada uma realidade diante da pandemia de Covid-19. Não se trata de hipóteses sem base empírica, mas sim de experiência acumulada. Populações indígenas, em comparação com as populações não indígenas, enfrentaram mais surtos epidêmicos e já desenvolveram estratégias diante de omissões do Estado, inclusive porque muitos desses surtos foram provocados por agentes do próprio Estado9 9 A respeito de surtos epidêmicos em populações indígenas ver RODRIGUES, 2014. .

Não é de hoje que nossa existência é uma ameaça virulenta à vida dos indígenas. Os anciãos de todos os povos, mesmo daqueles que já possuem histórias de contato com a nossa sociedade, narram episódios a respeito das inúmeras doenças letais levadas pelos colonizadores ao seio de seu convívio. O potencial de destruição que agora experimentamos com a Covid-19 (medo, ansiedade, pessoas doentes, isolamento, mortes, atividades produtivas abaladas, famílias separadas, etc.) é um antigo conhecido dos povos indígenas. As histórias de nossa chegada às suas aldeias, em um passado recente, foi, via de regra, responsável por deflagrar processos epidêmicos com elevada mortalidade, levando ao extermínio de inúmeras etnias no Brasil10 10 Nessa troca de patógenos, os indígenas foram os grandes perdedores uma vez que, a não ser por certas micoses como o Tokelau, de pequena gravidade e pouco potencial de expansão, e da treponematose conhecida como Pinta ou Bouba, não são conhecidas doenças que foram transmitidas aos colonizadores pelos povos originários do Brasil. (RODRIGUES, 2014, p. 11 Apud SANTANA, 2020). . Os sobreviventes estão aí para testemunhar nossa letalidade que, diga-se, não é apenas viral (SANTANA, 2020SANTANA, Carolina. "Quando os isolados somos nós". Opi - Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, abr. 2020. Disponível em: <https://povosisolados.com/2020/04/01/isoladossomosnos/>. Acesso em 23.04.21.
https://povosisolados.com/2020/04/01/iso...
).

Apesar dos avisos, lamentavelmente, esse cenário se concretizou. Na data em que este artigo foi escrito, os dados oficiais registram um total de 456.674 mortos e 16.342.162 de casos confirmados11 11 Disponível em: <https://covid.saude.gov.br/>. Acesso em 28 de maio de 2021. . Dentre os milhões de casos confirmados estiveram pessoas que entraram em contato com povos indígenas, inclusive dentro de seus territórios protegidos, como demonstram os alarmantes dados de aumento de desmatamento ilegal em terras indígenas durante o ano de 2020 e início de 2021 (OVIEDO; BATISTA; LIMA, 2021OVIEDO, Antônio; BATISTA, Juliana de Paula; LIMA, Michelle Araújo. Relatório Técnico atualizado (março de 2021) sobre desmatamento e invasões em sete terras indígenas na Amazônia brasileira. Brasília: ISA, 2021.). Segundo levantamento independente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, até o momento, são 58244 casos confirmados entre os indígenas, 1179 mortos e 163 povos atingidos.12 12 Mais informações em “Emergência Indígena”, site feito pela APIB com dados detalhados sobre os impactos da Pandemia sobre os povos indígenas. Disponível em: <https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/ > Acesso em 23 de mai. de 2021.

O diagnóstico feito pela APIB a levou a tomar importantes providências, como fazer seu próprio levantamento independente de dados13 13 Os dados utilizados neste artigo são, majoritariamente, oficiais. Porém, como até a segunda semana de abril de 2020, o governo brasileiro não exigia a coleta de dados raciais para os casos de COVID-19, utilizaremos também dados produzidos de forma independente pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Até a data mencionada, os formulários de notificação do Departamento de Dados do Sistema Único de Saúde não ofereciam o campo "raça/cor" para preenchimento. Somente após mobilizações de movimentos sociais, entidades de classe e associações científicas o governo passou a considerar raça em seus indicadores para o Covid-19. Entretanto, nem sempre os dados divulgados permitem a realização de análises robustas que desvelem as iniquidades raciais em saúde. A esse respeito ver Araújo, Edna e Caldwell, Kia. “Por que a COVID-19 é mais mortal para a população negra?” https://www.abrasco.org.br/site/gtracismoesaude/2020/07/20/por-que-a-covid-19-e-mais-mortal-para-a-populacao-negra-artigo-de-edna-araujo-e-kia-caldwell e propor a ADPF 709 motivada pela iminência de uma tragédia. No momento em que se decidiu construir a arguição, o Brasil registrava o já assustador número de 55 mil mortos por Covid-19 e pouco mais de um milhão de contaminados, números que aumentavam aceleradamente a cada dia (BRASIL, 2020).

2.1 A ADPF 709: delimitando a análise

A petição inicial14 14 Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5952986>. Acesso em 21 de fevereiro de 2021. da ADPF 709 aborda a proteção dos povos indígenas em três grandes escopos: i) povos indígenas em geral; ii) povos indígenas isolados e de recente contato e iii) retirada de invasores de terras indígenas. Essa divisão é importante para entender o caminho que o processo seguiu para administrar esse conflito. Foram demandados atos distintos por parte do governo federal para esses grandes grupos de povos indígenas, em razão de suas especificidades. Este artigo aborda a forma como o processo foi conduzido em relação aos povos indígenas isolados e de recente contato. Em relação a eles, foram feitos pedidos de tomada de dois atos imediatos que seriam a base de sua proteção: a criação de barreiras sanitárias nas terras que habitam e a instalação da Sala de Situação.

O modo como a APIB traçou a sua estratégia judicial e a forma como ela foi analisada pelo ministro relator, permite-nos dividir a arguição em blocos, conforme demonstraremos a seguir.

Bloco 1 - povos isolados e de recente contato (PIIRC):

(a) Determinar à União Federal que tome todas as medidas necessárias para que sejam instaladas e mantidas barreiras sanitárias para proteção das terras indígenas em que estão localizados povos indígenas isolados e de recente contato. As terras são as seguintes: dos povos isolados, Alto Tarauacá, Araribóia, Caru, Himerimã, Igarapé Taboca, Kampa e Isolados do Rio Envira, Kulina do Rio Envira, Riozinho do Alto Envira, Kaxinauá do Rio Humaitá, Kawahiva do Rio Pardo, Mamoadate, Massaco, Piripkura, Pirititi, Rio Branco, Uru-Eu-WauWau, Tanaru, Vale do Javari, Waimiri-Atroari, e Yanomami; e dos povos de recente contato, Zo'é, Awa, Caru, Alto Turiaçu, Avá Canoeiro, Omerê, Vale do Javari, Kampa e Isolados do Alto Envira e Alto Tarauacá, Waimiri-Atroari, Arara da TI Cachoeira Seca, Araweté, Suruwahá, Yanomami, Alto Rio Negro, Pirahã, Enawenê-Nawê, Juma e Apyterewa. (grifo nosso)

(b) Determinar à União Federal que, durante a pandemia do COVID-19, providencie o efetivo e imediato funcionamento da “Sala de Situação para subsidiar a tomada de decisões dos gestores e a ação das equipes locais diante do estabelecimento de situações de contato, surtos ou epidemias envolvendo os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato” (art. 12 da Portaria Conjunta n. 4.094/2018, do Ministério da Saúde e da Funai), o qual deve necessariamente contemplar, em sua composição, representantes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e dos povos indígenas, estes indicados pela APIB. (grifo nosso)

Bloco 2 - Retirada de invasores de terras indígenas:

© Determinar à União Federal que tome todas as medidas necessárias para a retirada dos invasores nas Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá, valendo-se para tanto de todos os meios necessários, inclusive, se for o caso, do auxílio das Forças Armadas.

Bloco 3 - Povos indígenas de um modo geral:

(d) Determinar que os serviços do Subsistema de Saúde Indígena do SUS devem ser prestados a todos os indígenas no Brasil, inclusive os não aldeados (urbanos) ou que habitem áreas que ainda não foram definitivamente demarcadas.

(e) Determinar ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) que, com auxílio técnico das equipes competentes da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e do Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), e participação de representantes dos povos indígenas, elabore, em 20 dias, plano de enfrentamento do COVID-19 para os povos indígenas brasileiros, com medidas concretas, que tornar-se-á vinculante, após a homologação pelo relator desta ADPF. Os representantes dos povos indígenas na elaboração do plano devem ser indicados pela APIB (pelo menos sete) e pelos Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (pelo menos três).

(f) Determinar aos órgãos competentes o cumprimento integral do plano, após a sua homologação, delegando o monitoramento do plano ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, com auxílio técnico da equipe competente da Fundação Oswaldo Cruz, e participação de representantes dos povos indígenas, nos termos referidos no item anterior.

O estudo que ora se propõe, está restrito à análise das decisões e desdobramentos decorrentes do Bloco 1, referente à instalação de barreiras sanitárias em terras indígenas habitadas por povos indígenas isolados e de recente contato (PIIRC) e a instalação de uma Sala de Situação, conforme prevê a Portaria Conjunta 4094/18. Por certo que os demais blocos dialogam com esse, mas foram, desde o início, tratados separadamente pelo governo federal.15 15 Observa-se nesta ADPF o estabelecimento pelo relator de uma estrutura que tem como objetivo fortalecer duas categorias epistêmicas, bastante acionadas em suas manifestações, quais sejam: i) diálogo institucional, e ii) diálogo intercultural. Ambas as categorias são pensadas como estratégias de produção de consensos. A primeira faz referência à necessidade de colaboração entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo “em matéria de políticas públicas decorrentes da Constituição” (BRASIL, 2020, p. 12). A segunda trata da necessidade de que o Estado tenha abertura cognitiva para a diversidade cultural indígena (BRASIL, 2020, p.13).

A decisão monocrática do relator, proferida em 08 de julho, somente não concedeu o pedido „c“.16 16 Em razão da complexidade para a criação de um plano de retirada de invasores, o que necessariamente demanda atuação de forças policiais para tanto, o ministro relator entendeu que este deveria ser um tema a ser tratado posteriormente. De imediato, já no âmbito da medida cautelar concedida, ordenou-se a “inclusão, no Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas (infra), de medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas ou providência alternativa, apta a evitar o contato” (BRASIL, 2020, p. 34). Em razão disso, foram instaladas duas instâncias de diálogo com o governo federal: a) a Sala de Situação para tratar de PIIRC e, b) um Grupo de Trabalho para tratar das questões das demais terras indígenas do Brasil, nas quais não haja a confirmação de PIIRC, coordenada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A Sala de Situação ficou responsável por acompanhar a instalação e a manutenção das Barreiras Sanitárias nas terras habitadas por PIIRC e foi instalada em 17 de julho de 2020.17 17 Em agosto de 2020 o Plenário da Corte referendou integralmente a decisão cautelar do relator. A necessidade de uma instância exclusiva para o debate de PIIRC decorre do elevado risco de genocídio que tais populações estão sujeitas em virtude de sua vulnerabilidade socioepidemiológica que, segundo Rodrigues, consiste:

(…) num conjunto de fatores, individuais e coletivos, que fazem com que os grupos isolados e de recente contato sejam mais suscetíveis a adoecer e morrer em função, principalmente, de doenças infecciosas simples como gripes, diarréias e doenças imunopreveníveis, pelo fato de não terem memória imunológica para os agentes infecciosos corriqueiros na população brasileira e não terem acesso, no caso dos isolados, à imunização ativa por vacinas (Rodrigues, 2014RODRIGUES, Douglas A. “Proteção e assistência à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil”. Programa Marco Estratégico para Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contacto Inicial. OTCA: São Paulo, 2014. 130 pp. Disponível em: <https://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/wp-content/uploads/sites/3/2017/08/Saude_PIIRC_-Douglas-Rodrigues.pdf>.
https://boletimisolados.trabalhoindigeni...
, p. 80).18 18 Para mais informações ver AMORIM (2016, 2018).

Segundo Amorim, Matos, Lenin, Oliveira, Pereira e Santana (2021OLIVEIRA, Joana. “Bolsonaro veta obrigação do Governo de garantir acesso à água potável e leitos a indígenas na pandemia”. El País, São Paulo, 8 de jul. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-08/bolsonaro-veta-obrigacao-do-governo-de-garantir-acesso-a-agua-potavel-e-leitos-a-indigenas-na-pandemia.html. Acesso em 17 de ago. 2021;
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07...
) embora a compreensão e a tradução pragmática dos aspectos de vulnerabilidade que acometem os povos indígenas isolados e de recente contato ainda estejam em ampla discussão, é consenso, no entanto, que eles estão submetidos, de forma peculiar, a um grande leque de vetores de vulnerabilidade, que podem se concretizar em diferentes perspectivas. Huertas (2015HUERTAS, B. Corredor Territorial de Pueblos Indígenas en Aislamiento y Contacto Inicial Pano, Arawak y otros. FENAMAD, 2015., p. 19) enumera as seguintes:

  • a) vulnerabilidade imunológica, que decorre da carência de defesas imunológicas em seus organismos para combater doenças externas corriqueiras (enfermedades externas comunes),

  • b) vulnerabilidade sociocultural, que decorre da morte dos mais frágeis às epidemias, como crianças e anciãos. Com a morte destes o grupo perde líderes políticos, conselheiros, guias espirituais e com a morte daquelas compromete-se, a médio prazo, a capacidade da renovação da sociedade, podendo, inclusive, vir a alterar os padrões culturais para a formação de casais,

  • c) a vulnerabilidade territorial, que ocorre pela contínua pressão da nossa sociedade sobre seus territórios e a importância destes territórios e de seus elementos que os não indígenas tratam apenas como recursos naturais para suas cosmologias.

  • d) a vulnerabilidade política, dada pela impossibilidade desses povos se manifestarem por meio dos mecanismos de representação comumente aceitos pelo Estado, bem como pela falta de difusão e implementação das leis que lhes dizem respeito19 19 Os povos isolados se expressam ao deixar propositalmente sinais de rechaço, a própria fuga sendo uma dessas expressões. Uma das diferenças claras destes com outros povos indígenas é a impossibilidade de se organizarem em assembleias, reuniões, entre outras politicamente aceitas como legítimas. Assim, a "vulnerabilidade política" se dá também pelo fato de o Estado não reconhecer (e compreender) facilmente as formas diferenciadas de expressão dos povos indígenas nessa situação peculiar. .

Às perspectivas trazidas por Huertas soma-se a vulnerabilidade demográfica (Amorim; Yamada, 2016AMORIM, Fabrício. “Povos indígenas isolados no Brasil e a política indigenista desenvolvida para efetivação de seus direitos: avanços, caminhos e ameaças”. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 8, (2), UnB, 2016., p. 41), uma vez que os atuais agrupamentos destes indígenas, via de regra, já passaram por processos de massacres. (MATOS, PEREIRA, AMORIM, OLIVEIRA, SANTANA e LENIN, 2021OLIVEIRA, Joana. “Bolsonaro veta obrigação do Governo de garantir acesso à água potável e leitos a indígenas na pandemia”. El País, São Paulo, 8 de jul. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-08/bolsonaro-veta-obrigacao-do-governo-de-garantir-acesso-a-agua-potavel-e-leitos-a-indigenas-na-pandemia.html. Acesso em 17 de ago. 2021;
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07...
, p. 109).

Delimitado o estudo e explicitadas as razões da especificidade do tratamento despendido aos PIIRC passemos, pois, à Sala de Situação.

3. A Sala de Situação

A Sala de Situação foi a instância instalada com base nos pedidos “a” e “b” da inicial e com o objetivo de garantir “a imprescindibilidade de diálogo intercultural, em toda questão que envolva os direitos de povos indígenas” (BRASIL, 2020, p.2). A peculiaridade do caso permite suscitar que este modelo de administração de conflito aponta para uma guinada diferenciada no controle de políticas públicas pelo STF. Decisões estruturantes (FACHIN; SCHINEMANN, 2018FACHIN, Melina Girardi; SCHINEMANN, Caio Cesar Bueno. “Decisões estruturantes na jurisdição constitucional brasileira: critérios processuais da tutela jurisdicional de direitos prestacionais”. Revista de Estudos Institucionais, Vol. 4, 1, 2018.) são tomadas na jurisdição constitucional, influenciando a forma como a administração pública e a sociedade lidam com determinadas questões, em especial questões envolvendo minorias políticas e seus direitos diferenciados. A cada decisão monocrática ou colegiada, há um novo passo na criação de um modelo de administração de conflito que tenta criar arenas de diálogo entre os diferentes atores envolvidos.

A Sala de Situação, no entanto, não é uma instância nova, nem foi criada pelo STF. Ela está prevista, conforme consta no pedido „b“ da inicial, na Portaria Conjunta 4094/18. A APIB acionou o Poder Judiciário para fazer com que a normativa fosse cumprida. Conforme se lê no art. 12, § 2º da referida Portaria, a Sala de Situação será composta por membros indicados pela SESAI/MS e membros indicados pela FUNAI e poderá ser integrada também por colaboradores convidados, com a anuência conjunta de ambos os órgãos. Trata-se, portanto, de uma instância de caráter técnico com vistas a „subsidiar a tomada de decisões dos gestores e a ação das equipes locais diante do estabelecimento de situações de contato, surtos ou epidemias envolvendo os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato“ (art. 12 caput).

Instalada em 17 de julho de 2020, a primeira reunião da Sala de Situação contou com mais de 60 participantes. Representando o governo federal: generais, brigadeiros e coronéis do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), representantes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), o Ministério da Defesa (MD), representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Ministério das Relações Exteriores (MRE) e representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai). Representando a APIB, quatro indígenas, entre eles um dos advogados da ADPF20 20 Angela Kaxuyana, Eriverto Marubo, Sonia Guajajara e Dr. Luiz Henrique Eloy Amado Terena. . Como apoio técnico, três indigenistas21 21 Carolina Santana, Fabrício Amorim e Leonardo Lenin. e dois médicos sanitaristas22 22 Douglas Rodrigues e Erik Jennings. , além do Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU). Terminada a reunião, a Revista Veja noticiou: „Conflito entre general Heleno e indígenas no gabinete de crise“. Segundo a matéria:

A primeira reunião do gabinete de crise para a prevenção de comunidades indígenas contra a Covid-19, medida imposta ao governo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi um fiasco e desagradou muito os representantes de etnias presentes, assim como o Ministério Público Federal (MPF). O gabinete terá que encontrar soluções para a proteção de índios isolados e de recente contato, os mais frágeis diante da violência do novo coronavírus. Segundo relatos obtidos pela coluna entre participantes, o tema não foi abordado corretamente e o ministro do Gabinete de Segurança da Presidência (GSI), Augusto Heleno, responsável por coordenar os trabalhos, afirmou que a questão indígena deveria ter sido resolvida há 50 anos no Brasil e que os povos encontrados fora de terras demarcadas serão tratados como produtores rurais e orientados a buscar o atendimento do SUS, o Sistema Único de Saúde, como qualquer cidadão (LEITÃO, 2021).

A reunião foi conduzida pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Augusto Heleno. O GSI segue conduzindo as reuniões há mais de dez meses. Embora haja previsão na Portaria 4094/18 para a participação de colaboradores convidados, pressupõe-se que sejam especialistas no assunto. A presença das forças militares, ou melhor, o protagonismo das forças militares na Sala conferiu a ela, desde o início, um modo de tratamento pouco técnico e acarretou a impossibilidade de diálogo a ponto de o ministro relator ter precisado nomear observadores para as reuniões a fim de arrefecer os debates e permitir análises de caráter mais técnico.

O teor da normativa protetiva da saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato (Portaria 4094/18) se perdeu diante da configuração que a Sala tomou. Não à toa o jornalista da Veja nomeou-a de Gabinete de Crise. Nisso também consiste a vulnerabilidade política a que estão sujeitos os povos isolados, não apenas a sua não participação na política tradicional, como no desconhecimento e desuso das normativas protetivas de seus direitos, especialmente no Poder Judiciário.

Não bastasse ser conduzida por militares, a União insistiu que nas reuniões da Sala de Situação fosse utilizada uma plataforma desconhecida, inclusive àqueles já acostumados a realizar videoconferências. As reuniões ocorreram no Avaya Equinox por exigência da União inviabilizando as reuniões, seja por interferências de áudio ou dificuldades de utilização pelos usuários. Nenhuma preocupação com inclusão digital foi demonstrada. Depois de realizadas três reuniões de modo precário, a União passou a descumprir a decisão judicial, deixando de realizá-las. Lê-se na Petição da APIB, protocolada em 31 de agosto de 2020, solicitando o retorno das reuniões (e-docs 371 e 372 dos autos):

Houve apenas três reuniões da Sala de Situação. A primeira, realizada em 17 de julho de 2020, foi uma reunião de funcionamento prejudicado pelas falhas da plataforma utilizada. A segunda, realizada em 22 de julho de 2020, fora uma reunião preparatória para a terceira, na qual a APIB apresentou um cronograma de trabalho por regiões. Na terceira, realizada em 24 de julho de 2020, não houve qualquer menção ao cronograma proposto e houve insistência de nossa parte solicitando encaminhamentos (uma vez que nos preocupa sobremaneira a situação em que se encontram os indígenas isolados e de recente contato). Sem encaminhamentos, o representante do GSI encerrou a reunião informando que o governo federal seguiria se reunindo em uma espécie de "instância apenas governamental da Sala de Situação", que a Sala de Situação não teria reuniões periódicas e que, quando oportuno, haveria outra convocação.

O cronograma a que se refere a APIB diz respeito a uma sugestão metodológica apresentada na segunda reunião da Sala de Situação, na qual os indígenas sugeriram, com base em seu conhecimento das terras indígenas, uma divisão da análise das 33 terras ao longo das semanas, apresentando primeiro aquelas onde identificaram maiores vulnerabilidades. Nesse ínterim, ocorreram situações típicas para as quais a Sala de Situação foi prevista na Portaria 4094/18, como um contato feito por povos isolados na região do Alto Humaitá/AC e a contaminação por Covid-19 de indígenas que vivem em uma aldeia localizada há 15 km de roçados de povos isolados, no Vale do Javari/AM. Apesar de informada das urgências, a União seguiu descumprindo a decisão.23 23 Galarraga Gortázar, Naiara. “A extraordinária visita de indígenas isolados a uma aldeia remota no Acre”. El País, São Paulo, 28 de ago. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-27/a-extraordinaria-visita-de-indigenas-isolados-a-uma-aldeia-remota.html> e Opi - Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. “Nota do Opi sobre situação de contato com índios isolados no Acre.” Em 16 de ago. 2020. Disponível em: https://povosisolados.com/2020/08/16/nota-do-opi-sobre-situacao-de-contato-com-indios-isolados-no-acre/

Em 18 de setembro de 2020, o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, responsável por coordenar as reuniões da Sala de Situação, acusou em seu Twitter uma das representantes da APIB de cometer crime de lesa pátria, tensionando as relações.24 24 (...) o responsável pela segurança militar e nacional disse em sua conta oficial no Twitter: A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) está por trás do site http://defundbolsonaro.org, que tem como objetivos divulgar notícias falsas contra o Brasil; imputação de crimes ambientais ao Presidente da República; e apoiar campanhas de boicote internacional a produtos brasileiros. A organização é dirigida por brasileiros, filiados a partidos de esquerda. A Emergência APIB é presidida pela indígena Sônia Guajajara, ativista do PSOL, e ligada ao ator Leonardo Di Caprio, crítico ferrenho do nosso país. O site da APIB junta-se a vários outros que também trabalham 24 horas por dia para manchar a nossa imagem no estrangeiro, num crime contra a nossa pátria.” Para mais informações ver APIB e IPRI (2021, p. 90). Foi necessário novo peticionamento da APIB, em 25 de setembro, solicitando novamente o retorno das reuniões. Em 21 de outubro o ministro relator decidiu:

(…) No que respeita ao funcionamento da Sala de Situação Nacional, para fins de tratamento dos interesses específicos dos PIIRCs, não configura funcionamento permanente da sala a mera disponibilização, por parte da União, de e-mail para receber requerimentos tal como pretendido. A função da tal Sala é a de possibilitar a troca de informações, o acompanhamento do avanço da pandemia, o ajuste e a definição de novas ações, com a participação dos Povos Indígenas, nos termos do Convênio 169 da OIT, norma internalizada e vinculante para o Brasil. Assim, determino que: (i) a União convoque nova reunião da Sala de Situação Nacional, no prazo de 48 horas, a contar da ciência desta decisão, para, no máximo, 7 dias corridos, a contar da convocação; (ii) a partir desta reunião de retomada, as reuniões ordinárias deverão observar periodicidade mínima quinzenal, conforme cronograma a ser igualmente apresentado pela União ao Juízo.

Embora não caiba neste artigo, consideramos importante ponderar, ainda que preliminarmente, que a Sala de Situação não configura e nem pode configurar uma instância de Consulta nos Termos da Convenção 169 da OIT. Segundo o artigo 6 ° da referida Convenção, a consulta aos povos indígenas deve se dar mediante procedimentos apropriados cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Além disso, deve-se estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes. Devem também as consultas ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

Caso vejamos a Sala de Situação como uma Consulta nos moldes da Convenção 169 estaremos trabalhando com um perigoso precedente que pode legitimar, mediante a presença indígena, as ações precárias que vêm sendo adotadas pela União no âmbito da ADPF 709. Ou seja, estar-se-ia legitimando decisões unilaterais tomadas em uma instância inapropriada, virtual e extremamente diversa dos costumes indígenas, com informações nem sempre repassadas de boa-fé, conforme se pode constatar solicitando-se as gravações das reuniões.25 25 A União negou-se a elaborar atas das reuniões mesmo após diversas solicitações da APIB. Ademais, a solicitação das gravações das reuniões também foi negada à APIB, inclusive pelo relator. Elas podem ser solicitadas via Lei de Acesso à Informação. As informações aqui trazidas decorrem da participação de um dos autores na Sala de Situação. Segundo Eloy Amado Terena, um dos advogados da ADPF:

A Sala de Situação é importante. Tendo em vista que estamos no âmbito de um governo extremamente autoritário, que fechou todas as possibilidades de participação social, a Sala de Situação tem sido uma instância que, minimamente, os povos indígenas estão tendo a oportunidade de fazer pressão sobre o governo. Mas isso está longe de ser um diálogo intercultural sobre vários aspectos. E embora o diálogo intercultural tenha o seu fundamento na Convenção 169, que prevê o direito de consulta e participação, em hipótese alguma isso pode ser pensado como consulta.26 26 Entrevista concedida exclusivamente para este artigo à Carolina R. Santana em 18 de maio de 2021.

Os indígenas indicados pela APIB para representarem a Articulação nas reuniões da Sala de Situação não veem o espaço como um local de diálogo intercultural. Eriverto Marubo afirma que o fato de a instância estar sendo coordenada por militares demonstra que não há interesse de seguir os procedimentos usuais de diálogo, como eram as instâncias que existiam em outros governos. Para ele, que vê nessa escolha de representantes uma postura de intimidação, as pessoas que ali estão não têm se colocado abertas ao diálogo, mas com uma postura de convalidar as ações governamentais já decididas previamente. Para Eriverto, o espaço aberto pela ADPF 709 está sendo utilizado pelo governo para chancelar os seus interesses.

Não houve diálogo. Até hoje não há um espaço democrático de fato (…) tanto é que o próprio Supremo vem tendo que ratificar as suas decisões para vê-las cumpridas. Até agora, a Sala de Situação nada mais é do que um distensionamento entre o Governo e o Movimento Indígena, mas não uma instância de participação de fato dos indígenas. É meio que uma obrigação que foi criada e foi ocupada pelos militares no sentido de intimidar o movimento e de demonstrar e convalidar os interesses do governo. É uma instância de intimidação também. Quando percebemos que ali não estava sendo um espaço de deliberação e que vinha sendo utilizado pelo governo para legitimar suas atitudes e distensionar a relação dos indígenas perante o Supremo eu achei que estava perdendo tempo ali. Se fosse uma instância de deliberação, de fato, as providências teriam sido iniciadas em março. A ADPF foi instaurada tendo em vista o início da Pandemia, mas a Pandemia já se alastrou por todas as terras indígenas. Muitas lideranças não se interessaram mais por participar, porque era uma instância de falação apenas e isso, de certo modo, é convalidado pelo governo. Poucas decisões foram tomadas e as que foram, são paliativas. No contexto da Pandemia isso desmotivou as lideranças. Meio que a gente esperava mais disso. Virou uma instância de atualização de informes do governo. É desanimador ver os especialistas convidados por nós tendo que esclarecer coisas que o governo nem sabia, porque não havia interesse pela política de isolados. O Supremo poderia ser mais ousado. Algo, por exemplo, que a gente considerava efetivo, é o caso das desintrusões. Comprovadamente, em Yanomami teria surtido efeito com o que está acontecendo agora, mas o Supremo veio com aquela retórica tosca de que não era hora de tirar os invasores das terras indígenas. Essa inação motivou o aumento das invasões em terras indígenas, que cresce em plena pandemia.27 27 Entrevista concedida, em 18 de maio de 2021, à Carolina R. Santana, exclusivamente para este artigo. “Desintrusão” é um jargão indigenista que se refere à retirada de invasores de territórios indígenas. Sobre a expressão “o que está acontecendo agora”, Eriverto se refere aos ataques e tiroteios de garimpeiros contra o povo Yanomami ocorridos em maio de 2021, os quais resultaram, inclusive, na morte de duas crianças indígenas (BIASETTO, 2021).

Para Angela Kaxuyana, um diálogo intercultural pressupõe o entendimento das culturas e a consideração de especificidades e da diversidade. Segundo ela, pela forma como foi instituído o diálogo, o entendimento do Estado sobre o tema é sempre tido como primordial:

(...) [o Estado] não considera o que a gente defende, que cada situação, cada território e cada povo tem características que são únicas. [Nas reuniões] o Estado tem trazido um pacote comum para que a gente possa aceitar esses planos e essas ações que eles consideram que servem para todo mundo. No meu entendimento, o diálogo intercultural teria ocorrido se estivessem ouvindo as especificidades de cada região e cada povo, as quais há tempos a gente tem tentado demonstrar. Para os povos indígenas, especialmente no caso dos isolados, não tem como fazer uma única receita de bolo para ser replicada em todos os territórios. (...) Eu me afastei das reuniões pela dificuldade que senti de acessar um espaço de debate para que a gente, de fato, tenha uma opinião agregada. Em alguns momentos, me pareceu apenas uma tentativa de só apresentar o Plano do Estado sem considerar a vivência que temos dos territórios. (...) Parece que não avança! Eu como indígena, vendo no dia-a-dia como é que está a situação da vulnerabilidade não só da pandemia, mas de várias outras ameaças, parece-me que a discussão da Sala de Situação não reflete verdadeiramente nos territórios indígenas, com uma desintrusão de uma área invadida, de uma ação conjunta do Estado para fazer a proteção territorial. (...) não se vê ação concreta. Eu tenho muita angústia de só discutir no papel, discutir on-line, só produzir e produzir documentos e esses documentos não se transformarem em ação nos nossos territórios. De forma geral, a reunião é conduzida para o interesse do Estado, é um desgaste técnico e emocional de ter que estar sempre provando algo a mais para que acreditem que a situação que você está trazendo para o debate é, de fato, a realidade. A condução é voltada para o que o Estado quer ver, sem se colocar numa posição de escutar e construir algo a partir das informações que estamos trazendo. Há uma resistência muito grande a isso. As reuniões apresentam muita resistência à nossa participação.28 28 Entrevista concedida, em 20 de maio de 2021, à Carolina R. Santana, exclusivamente para este artigo.

Sonia Guajajara afirma ter se afastado das reuniões, especialmente, em virtude do tensionamento criado pelo General Augusto Heleno, chefe do GSI/PR e responsável por conduzir a Sala de Situação ao acusá-la de crime de lesa pátria em sua conta pessoal no Twitter.29 29 Entrevista concedida, em 18 de maio de 2021, à Carolina R. Santana, exclusivamente para este artigo.

Além das dificuldades que os indígenas narram ter encontrado, há que se considerar, que, ao estabelecer uma instância de diálogo entre os indígenas e as “autoridades que a União entender pertinentes” (BRASIL, 2020, pp. 33-34) o ministro relator desconsiderou a Portaria Conjunta da Funai e do Ministério da Saúde n. 4094/18, na qual se prevê a forma e o funcionamento da Sala de Situação e isso resultou na participação de uma gama de instituições do Estado que nunca tinham trabalhado com a política para povos isolados e de recente contato. Aliás, as mais especializadas, como a Funai, perderam poder decisório diante da participação de representantes da Presidência da República. Decorridos mais de dez meses da decisão e de funcionamento da Sala de Situação, é possível afirmar que isso foi um fator de extrema relevância para a ocorrência de equívocos basilares que vieram, inclusive, a desproteger os povos isolados. Veja-se, por exemplo, que o governo somente permitiu que a terra indígena Yanomami fosse debatida em 27 de novembro de 2020, nove meses após iniciada a pandemia (embora a APIB tenha apresentado cronograma apontando Yanomami como prioridade a ser analisada ainda em julho de 2020). Durante a reunião em que se debatia o tema Yanomami um dos especialistas convidados pela APIB pediu a palavra e afirmou:

Circularam essa semana imagens feitas do interior de um avião do Exército sobrevoando, a menos de 300 metros de altura, a maloca dos indígenas isolados Moxihatëtëma, que vivem na terra indígena Yanomami. Isso é grave e, qualquer pessoa com o mínimo de experiência no tema, sabe que não é coisa que se faça! Não é possível que além de fugir de mineradores ilegais os isolados vão ter que, agora, fugir também do Estado brasileiro!30 30 A declaração aqui reproduzida foi vista por uma das coautoras deste artigo - Carolina R. Santana, que esteve na reunião referida e fez o relato aqui reproduzido.

O representante da sede da Funai, responsável pela política de povos isolados em âmbito nacional, pediu a palavra e afirmou não ter conhecimento do referido sobrevoo e completou afirmando que, caso tenha ocorrido, teria se dado sem autorização da Funai. Tão logo terminou, um representante do Ministério da Defesa pediu a palavra e afirmou, demonstrando alguma irritação, que a operação teria ocorrido sim e com consentimento da Funai. Já num clima de total constrangimento na reunião, a representante da unidade regional da Funai então pediu a palavra e afirmou ter sido aquela unidade descentralizada, que teria autorizado o sobrevoo, em diálogo direto com o Ministério da Defesa, mas que não teria autorizado sobrevoo sobre as malocas dos isolados e completou: “Eu estava em um dos aviões e ele não passou sobre os índios, se o outro avião passou eu não tenho conhecimento“. Seguiu-se um breve silêncio e o coordenador da Reunião, então Coronel Saturnino, agora Brigadeiro, pediu que o vídeo fosse encaminhado a ele para averiguações. Nunca mais os representantes do governo voltam ao tema.31 31 Essa passagem ilustra o quanto é importante, cada vez mais, problematizarmos “o Estado” como ente homogêneo e o admitirmos como sendo conformado pelas crenças e valores de seus agentes. Etnografias de instituições nos vem mostrando cada vez mais isso. Segundo MENDES DE MIRANDA (2005, p. 24) as práticas sociais desses agentes, os sistemas de constrangimentos que eles integram, suas relações com os atores de um caso é que nos dizem o que é o Estado. “Isso porque é por meio deles que o Estado se revela como um fator de dominação de modo indireto a partir de rituais que contribuem para a consolidação do poder”, afirma.

O ministro relator pretendeu estabelecer um diálogo intercultural entre nossa própria cultura e a cultura indígena,

porque me parecia imprescindível para a solução adequada desses problemas. As comunidades indígenas têm que expressar suas necessidades e auxiliar o Estado na busca das soluções cabíveis e possíveis, inclusive porque é preciso ter em conta que as comunidades têm suas particularidades, peculiaridades e tradições culturais, muitas vezes, diversas. Há um certo antropocentrismo em que se condicionou achar que os índios são todos iguais, são a mesma coisa. Na verdade, são culturas e tradições diferentes, que têm o direito de vocalizar seus interesses e pretensões. (…) Há um debate intercultural em que cabe às comunidades apresentarem suas reivindicações, e cabe ao Governo expor suas possibilidades e limites. Aí, então, este Juízo deliberará sobre o máximo que é possível para assegurar a vida e a saúde dos integrantes dessas comunidades. (BRASIL, 2020)

Nada fez o STF, contudo, para garantir que, nessa instância de diálogo, os povos indígenas fossem ouvidos, que não fossem tratados como uma população uniforme, nem que tivessem suas experiências consideradas. Não basta que se reconheçam as narrativas indígenas, mas também seus narradores32 32 “Não basta que reconheçam nossas narrativas, é preciso que reconheçam nossas narradoras”, disse Célia Xakriabá no discurso final da Primeira Marcha das Mulheres Indígenas. e isso significa atenção aos seus costumes de fala, seus tempos e, inclusive, relevância com a desconfiança que depositam em nós.

Laura Nader (1994NADER, Laura. "Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos". Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26, pp. 18-29, 1994.), por exemplo, critica de forma contundente os modelos extrajudiciais de resolução de conflitos, por não haver equiparação de forças entre as partes litigantes. Os acordos celebrados fora das cortes podem acabar se materializando na privatização da justiça (NADER, 1994NADER, Laura. "Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos". Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26, pp. 18-29, 1994., p. 23). A despeito de o conflito aqui observado ser travado na arena da Corte Constitucional brasileira, as práticas judiciais parecem sugerir um modus operandi semelhante ao dos sistemas de governança (TORELLY, 2016TORELLY, Marcelo. Governança transversal dos direitos humanos: experiências latino-americanas. Tese (doutorado). Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília, 2016.), próprio das administrações de conflito que escapam à exclusividade da tutela jurisdicional.

A possibilidade de abertura institucional no âmbito do Poder Judiciário aparece nos debates mais contemporâneos do direito (TEUBNER, 2000TEUBNER, Gunther. “Contracting worlds: the many autonomies of private law”. Social and Legal Studies, [S.l.], v. 9, pp. 399-417, 2000., NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009., RILES, 2017, GODOY, 2017GODOY, Miguel Gualano de. Devolver a Constituição ao Povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais. Belo Horizonte: Forum, 2017.). Essa abertura ao diálogo, todavia, não pode prescindir de elementos fundamentais para que um diálogo genuíno ocorra: quem discute, de qual posição, sobre o que se discute. Um diálogo no qual os agentes são majoritariamente estatais, militares, sem apreço ou abertura aos indígenas e suas particularidades (desde a inclusão digital para a Sala de Situação até os seus reclamos mais básicos pelo cuidado, ao menos respeito, de suas vidas) ignora os sujeitos mais fundamentais de todo o processo: os próprios povos indígenas.33 33 Nesse sentido, um importante referencial teórico para a recondução dos rumos da Sala de Situação é a teoria do transconstitucionalismo (NEVES, 2009, 2014), auxiliando-nos na compreensão de quais são os arranjos possíveis entre perspectivas distintas acerca de um conflito, ou mesmo acerca do sistema de justiça. Sobre a análise da categoria de diálogo intercultural, o transconstitucionalismo pode ser uma importante ferramenta para se pensar a relação entre a ordem estatal e as ordens indígenas. Para que ocorra um entrelaçamento multiangular em torno dos direitos humanos e fundamentais, é necessário que exista disposição das diversas ordens, especialmente da ordem estatal, para ceder às exigências das perspectivas de outras ordens normativas em relação ao significado e abrangência de direitos colidentes. A relação entre ordens distintas supera a tradicional divisão entre universalismo e comunitarismo e aponta para o convívio de ordens jurídicas que partem de experiências históricas diversas (NEVES, 2014, pp. 228 e 265).

Se estiver a se falar em tentar construir um diálogo efetivo, então é preciso reconhecer e ressaltar a inegável distância entre as instituições, seus agentes, e os povos indígenas. Diálogo pressupõe equidade de forças. Não necessariamente igualdade, mas ao menos equiparação. Se há um desequilíbrio de forças permanente entre as partes, e, por consequência, se a parte em posição de maior poder tem indisposição com a outra, como pode ser possível imaginar um diálogo? Pacificar o conflito, o mito que dá narrativa ao imaginário jurídico (OST, 2005), não é um objetivo recente do Poder Judiciário. Ao contrário: é um desejo estruturante do sistema de justiça. O esforço é válido, senão para que existiriam as estruturas jurídicas? A questão é estar atento aos problemas desdobrados da administração de conflito, para a qual não há modelo perfeito.

O direito brasileiro é peculiar. Dentre suas características, há traços da sociedade brasileira incrustados, como a singularidade de cada decisão que é orientada por elementos para além dos autos em um processo, como apontou Bárbara Lupetti (2013LUPETTI BAPTISTA, Bárbara Gomes. Paradoxos e ambiguidades da imparcialidade judicial: entre “quereres” e “poderes”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2013.). Por outro lado, apostar que a implementação de uma alternativa extrajudicial apresente resultados dialógicos satisfatórios, por si só, pode ser uma armadilha. Laura Nader (1994NADER, Laura. "Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos". Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26, pp. 18-29, 1994., p. 18) aponta para “a utilização do modelo legal de harmonia como uma técnica de pacificação”. Crítica à Alternative Dispute Resolution, Nader (1994, p. 26) destaca a necessidade de se “diferenciar um mundo de justiça de um mundo de estabilidade”. Impor uma solução em uma instância na qual o diálogo está sendo de baixa intensidade, sinaliza antes uma preocupação de estabilidade.

O arranjo da Sala de Situação, em que pese normativamente previsto, judicialmente instalado, se manteve, desde o início, apartado de quem mais deveria fazer uso desse espaço - os indígenas. Mesmo sob a supervisão de um ministro do STF. É, assim, um espaço destinado ao diálogo, mas que foi avesso a ele em forma e substância. Mesmo após as primeiras reuniões mal sucedidas, nenhum incentivo, normativo, atitudinal, nem coercitivo, foi criado para que a Sala de Situação fosse bem utilizada como espaço de diálogo. Enquanto essas distorções permanecerem, a Sala de Situação seguirá funcionando apenas como uma promessa do que deveria ser, mas que nunca se converte. Nesse futuro do pretérito da Sala de Situação os indígenas seguem morrendo no presente e no futuro.

4. O descumprimento da decisão passo-a-passo.

Considerando que o foco deste artigo é especificamente os povos isolados e de recente contato, retomemos, o que mencionamos anteriormente, e que foi efetivamente ordenado pelo judiciário para, em seguida, apresentarmos o que (e como) a decisão não está sendo cumprida, tanto em relação às barreiras sanitárias como quanto à proteção territorial.

O pedidos da ADPF 709 se relacionam com os povos isolados e de recente contato a partir daquilo que no item 2.1 denominamos de Bloco 1 e Bloco 2:

Bloco 1 - povos isolados e de recente contato (PIIRC):

(a) Determinar à União Federal que tome todas as medidas necessárias para que sejam instaladas e mantidas barreiras sanitárias para proteção das terras indígenas em que estão localizados povos indígenas isolados e de recente contato. As terras são as seguintes: dos povos isolados, Alto Tarauacá, Araribóia, Caru, Himerimã, Igarapé Taboca, Kampa e Isolados do Rio Envira, Kulina do Rio Envira, Riozinho do Alto Envira, Kaxinauá do Rio Humaitá, Kawahiva do Rio Pardo, Mamoadate, Massaco, Piripkura, Pirititi, Rio Branco, Uru-Eu-WauWau, Tanaru, Vale do Javari, Waimiri-Atroari, e Yanomami; e dos povos de recente contato, Zo'é, Awa, Caru, Alto Turiaçu, Avá Canoeiro, Omerê, Vale do Javari, Kampa e Isolados do Alto Envira e Alto Tarauacá, Waimiri-Atroari, Arara da TI Cachoeira Seca, Araweté, Suruwahá, Yanomami, Alto Rio Negro, Pirahã, Enawenê-Nawê, Juma e Apyterewa. (grifo nosso)

(b) Determinar à União Federal que, durante a pandemia do COVID-19, providencie o efetivo e imediato funcionamento da “Sala de Situação para subsidiar a tomada de decisões dos gestores e a ação das equipes locais diante do estabelecimento de situações de contato, surtos ou epidemias envolvendo os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato” (art. 12 da Portaria Conjunta n. 4.094/2018, do Ministério da Saúde e da Funai), o qual deve necessariamente contemplar, em sua composição, representantes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e dos povos indígenas, estes indicados pela APIB. (grifo nosso)

Bloco 2 - Retirada de invasores de terras indígenas:

© Determinar à União Federal que tome todas as medidas necessárias para a retirada dos invasores nas Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá, valendo-se para tanto de todos os meios necessários, inclusive, se for o caso, do auxílio das Forças Armadas.

Acerca dos pedidos “a” e “b”, decidiu o STF:

III.1. QUANTO AOS POVOS INDÍGENAS EM ISOLAMENTO OU POVOS INDÍGENAS DE RECENTE CONTATO: 1. Criação de barreiras sanitárias, que impeçam o ingresso de terceiros em seus territórios, conforme plano a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala de Situação (infra), no prazo de 10 dias, contados da ciência desta decisão. 2. Criação de Sala de Situação, para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos Povos Indígenas em Isolamento e de Contato Recente, nos seguintes termos: (i) composição pelas autoridades que a União entender pertinentes, bem como por membro da Procuradoria-Geral da República, da Defensoria Pública da União e por representantes indígenas indicados pela APIB; (ii) indicação de membros pelas respectivas entidades, no prazo de 72 horas a contar da ciência desta decisão, apontando-se seus respectivos nomes, qualificações, correios eletrônicos e telefones de contato, por meio de petição ao presente juízo; (iii) convocação da primeira reunião da Sala de Situação, pela União, no prazo de 72 horas, a contar da indicação de todos os representantes, por correio eletrônico com aviso de recebimento encaminhado a todos eles, bem como por petição ao presente juízo; (iv) designação e realização da primeira reunião, no prazo de até 72 horas da convocação, anexada a respectiva ata ao processo, para ciência do juízo.

Quanto ao pedido “c”, decidiu o STF:

III.2. QUANTO A POVOS INDÍGENAS EM GERAL 1. Inclusão, no Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas (infra), de medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas ou providência alternativa, apta a evitar o contato. (grifo nosso)34 34 Ambas as decisões foram concedidas cautelarmente e, posteriormente, ratificadas pelo Plenário do STF.

A primeira decisão, referente aos pedidos “a” e “b”, foi muitas vezes descumprida ao longo de um ano de existência da ADPF 709, como é o caso, por exemplo, da realização de Reuniões da Sala de Situação sem a presença de indígenas, como mencionamos anteriormente. Tais situações foram sendo corrigidas após insistências da APIB nos autos. Há, todavia, questões relacionadas a esta decisão que seguem sendo descumpridas e que geraram impactos irreversíveis. O principal descumprimento relaciona-se à instalação das barreiras sanitárias.

Apesar de a APIB ter elaborado mapas georreferenciados de locais onde as barreiras sanitárias são urgentes, listando em detalhes os principais parceiros governamentais que poderiam atuar em cada uma delas (batalhões do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícias Militares Ambientais, IBAMA, ICMBio) a União desconsiderou o documento, protocolado nos autos como e-docs 199 a 207. Um ano transcorrido de reuniões, não restou comprovada a existência permanente das barreiras sanitárias, nem mesmo a atuação orquestrada de Fundação Nacional do Índio (Funai) e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) nas Barreiras Sanitárias. O que se sabe é que ocorreram operações esporádicas em alguns locais onde deveriam ter sido instaladas barreiras ou barreiras instaladas, a bastante custo, apenas pelos próprios indígenas.35 35 Há locais de evidente ausência das Barreiras. Algumas Barreiras sugeridas pela própria União não foram implementadas, como é o caso de Korekorema, na Terra Indígena Yanomami, bem como nas Terras Indígenas Massaco, Piripkura, Kawahiva e Rio Branco. Informações fornecidas pelos Consultores da APIB para o monitoramento das instalações das Barreiras Sanitárias, Estêvão Benfica Senra (Geógrafo e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UNB) e Elias Bigio (Doutor em História). A União segue juntando aos autos imagens das Bases de Proteção Etnoambiental da Funai, já existentes antes da pandemia de Covid-19, no intuito de afirmar que, agora, estas bases estariam operando como Barreiras Sanitárias. Curioso, no entanto, é a ausência de adoção de protocolos sanitários capazes de transformá-las em barreiras sanitárias e, até mesmo, a afirmação, feita pela Secretaria Especial de Saúde Indígena, na reunião da Sala de Situação de 23 de julho de 2021 ,de que não designou nenhum de seus servidores para atuar nas barreiras sanitárias e que, tampouco, saberia dizer quanto de material (EPI, álcool gel, etc) teria sido destinado para cada Barreira Sanitária36 36 Informações fornecidas por uma das autoras deste artigo, Carolina R. Santana, que compõe a referida Sala de Situação. .

Além disso, os Planos de Contingência para eventuais situações de Contato com Povos Isolados não estão efetivados. A pedido da APIB eles foram escritos. Também a pedido da APIB, foram readequados, pois eram todos cópias de um plano específico da Terra Indígena Vale do Javari. Ainda assim, não podem ser considerados efetivos, pois não houve treinamento especializado das equipes médicas que devem atuar em ações de tão extrema complexidade.

Quanto a segunda decisão do STF, é preciso trazermos à baila dois pontos: 1) o STF não determinou a retirada de nenhum invasor destas terras indígenas, mas sim, o isolamento destes invasores 2) isolar invasores é uma realidade absolutamente inexequível. A decisão causou espanto tanto para a União, por não ter como executá-la, quanto para indígenas e indigenistas, por saberem que jamais seria executada. A realidade das invasões das terras indígenas constantes no pedido é complexa e o trânsito diário desses invasores, por via terrestre, fluvial e aérea não permite o seu isolamento. Em um minério ilegal, por exemplo, além do trânsito de mineradores, há o trânsito de fornecedores de alimentos, remédios, diesel, bebidas alcoólicas, tráfico de drogas e de pessoas.

Se as barreiras tivessem sido efetivadas no prazo determinado ou se o STF tivesse determinado a retirada de invasores das terras indígenas, é possível que estivéssemos em uma realidade bastante diferente. Tome-se como exemplo o seguinte: na proposta de barreiras sanitárias da APIB para a Terra Indígena Yanomami havia a sugestão de se implementar, entre outras, uma barreira sanitária na Base de Proteção Etnoambiental Korekorema, localizada no rio Uraricoera. Esta Base, mesmo antes da pandemia, encontrava-se desativada e teria a função de fiscalizar e controlar o acesso ao rio mencionado, que é hoje uma das zonas mais impactadas pelo garimpo na Terra Yanomami. Os conflitos mais violentos ocorrido em 202137 37 HOFMEISTER, Naira e PAPINI, Pedro. “Mineração e garimpo disputam área maior do que a Bélgica dentro da Terra Indígena Yanomami”. El País, São Paulo, 22 de jun. 2021. se passaram, precisamente, na calha do Uraricoera, na região do Palimiu, situada pouco acima da mencionada Base. Segundo informações de campo, o conflito teve início quando um grupo de Yanomamis do Palimiu, insatisfeito com o intenso trânsito de garimpeiros, interceptou duas canoas e reteve cerca de 900 litros de combustível que seriam utilizados no garimpo rio acima. Os invasores, após esse evento, prometeram vingança. Poucos dias depois, a Hutukara Associação Yanomami oficiou a Funai, a Polícia Federal e o MPF sobre o incidente diante do receio de retaliações. Nada, porém, foi feito para proteger as comunidades. No dia 10 de maio, a Hutukara Associação Yanomami recebeu o relato de um ataque de garimpeiros à comunidade de Palimiú, deixando quatro garimpeiros baleados, e um ferido. Desde então, as ameaças e os ataques persistem.38 38 Informações fornecidas por Estêvão Benfica Senra (Geógrafo e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UNB).

5. Conclusão

A ADPF 709 tem se tornado significativa por 4 razões: a) por quem a propôs; b) pelo que ela pede; c) pelas decisões iniciais, tanto do ministro relator Luís Roberto Barroso, quanto do Plenário do STF; d) pelo que tem se tornado.

Sobre o ponto “a”, é extremamente significativo que a APIB, uma entidade que reúne diversos grupos, coletivos, etnias e comunidades indígenas de todo o país, representada por seu advogado, também indígena, Luiz Henrique Eloy Amado Terena, tenha sido reconhecida como legítima para propor ADPF. O relator ministro Luís Roberto Barroso há tempos vem defendendo a recompreensão do art. 103, IX, CRFB/88 sobre o sentido e alcance de “entidade de classe de âmbito nacional”, para incorporar, além das categorias profissionais e grupos econômicos, também entidades que atuem na defesa de grupos vulneráveis ou minoritários. Esse entendimento voltou à tona quando da propositura da ADPF 709. O ministro Barroso reiterou esse seu entendimento. E ainda foi além. Apesar de a APIB não ser constituída formalmente como associação, não estar inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, não se colocou impeditivo para sua atuação como entidade de classe de âmbito nacional. Isso se deu em razão de sua plural e ampla composição, assim como o direito dos indígenas, inclusive sob suas formas próprias de organização, de exercerem a representação judicial e direta de seus interesses (art. 232, CRFB/88). Um avanço, portanto, em termos de reconhecimento da legitimidade ativa prevista no art. 103, IX, CRFB/88 e da visibilidade e voz dos indígenas por eles mesmos. A decisão do ministro relator foi, inclusive, referendada pelo Plenário do STF posteriormente.

A respeito do ponto “b”, o que ela pede, a ADPF 709 é significativa porque busca evitar e reparar atos comissivos e omissivos do Poder Público, especialmente do governo federal, que têm exposto comunidades indígenas, inclusive de indígenas isolados, à pandemia da Covid-19. O pedido é especialmente relevante tendo em vista serem os indígenas uma minoria sistematicamente negada e invisibilizada pela nossa história e instituições. Mas especialmente negada, silenciada, invisibilizada, quando não atacada, pelo Presidente Jair Bolsonaro e toda sua Administração. Ademais, os indígenas, via de regra, são mais vulneráveis à pandemia.39 39 Alguns exemplos podem ser encontrados em: NEVES, Marcelo e SANTANA, Carolina. “O genocídio contra os indígenas, retrospectiva de um conceito em disputa.” Jornal GGN, on-line, 20 de dez. 2020. Disponível em: https://twitter.com/JornalGGN/status/1344277146185961472?s=20. Acesso em 17 de ago. 2021; GORTAZAR, Naira Galarriaga. “Bolsonaro é denunciado por genocídio em Haia, em processo guiado por advogado indígena”. El País, São Paulo, 9 de ago. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-09/bolsonaro-e-denunciado-por-genocidio-em-haia-em-processo-guiado-por-advogado-indigena.html. Acesso em 17 de ago. 2021; OLIVEIRA, Joana. “Bolsonaro veta obrigação do Governo de garantir acesso à água potável e leitos a indígenas na pandemia”. El País, São Paulo, 8 de jul. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-08/bolsonaro-veta-obrigacao-do-governo-de-garantir-acesso-a-agua-potavel-e-leitos-a-indigenas-na-pandemia.html. Acesso em 17 de ago. 2021; E merecem, desse modo, maior atenção. O que tem ocorrido, no entanto, é justamente o contrário. Eles têm sido vítimas sistemáticas de ações e omissões que têm levado à morte um sem número de indígenas. A etnia Juma, por exemplo, viu seu último homem morrer, por conta disso tudo.40 40 Vide nota pública conjunta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), “A devastadora e irreparável morte de Aruká Juma”. Disponível em: <https://apiboficial.org/2021/02/17/a-devastadora-e-irreparavel-morte-de-aruka-juma/>.

Sobre o ponto “c”, as decisões iniciais do relator e do STF foram não apenas relevantes, mas promissoras. Relevantes porque reconheceram a legitimidade ativa, deram visibilidade e voz às demandas urgentes e emergentes dos indígenas durante a pandemia. A decisão monocrática do ministro Barroso, determinando uma série de medidas ao governo federal e aos diversos órgãos que deveriam estar envolvidos e dedicados à proteção dos direitos indígenas (plano de contingência, instalação da sala de situação, etc.), foi necessária e bem-vinda. O endosso maciço do Plenário do STF também. Não à toa o ministro Barroso elencou esta decisão como uma das 15 decisões históricas do Tribunal (BARROSO, 2020BARROSO, Luís Roberto. Sem data venia: um olhar sobre o Brasil e o mundo. Rio de Janeiro: História Real, 2020., p. 218).

O grande significado positivo desta ADPF, todavia, parece estar ficando por aí, em seu começo e em sua intenção. O que ela deveria produzir de resultados concretos, parece não vir. Ou vir a um tempo em que, embora executados, não mais fazem diferença do ponto de vista epidemiológico. Perdeu-se, ao longo dos meses, o caráter de urgência que a política de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato requer, para privilegiar-se o tempo do Estado, do Direito, da reserva do possível. O tempo que passa, as medidas que não se tomam, são o tempo do extermínio continuado dos indígenas e as ações e omissões que dão cabo dele. Morreram os anciãos que são o equivalente às nossas bibliotecas para os povos indígenas.41 41 Fala de Puyr Tembe, vice-presidenta da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA). Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/99895-indigena-brasileira-lamenta-perda-irreparavel-de-bibliotecas-ancioes-mortos-pela-covid-19>. Com as mortes não são apenas seus corpos que se vulnerabilizam, mas suas sociedades e suas culturas.42 42 Mais informações em “Emergência Indígena”, site feito pela APIB com dados detalhados sobre os impactos da Pandemia sobre os povos indígenas. Disponível em: <https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/ > Acesso em 23 de mai. de 2021.

E assim chegamos ao ponto “d”, o que a ADPF 709 tem se tornado. O espaço e tempo jurídicos de uma burocracia que não anda, de um diálogo que não escuta, de uma decisão que, cumprida a conta gotas e sempre com respostas insuficientes às determinações, ao fim e ao cabo não se cumpre. A ADPF 709 tem se tornado o espaço e o tempo para que o governo federal diga que está fazendo algo, que está se esforçando por cumprir as determinações. E nessas idas e vindas, entre ofícios, apresentações de inúmeras versões de uma política pública de atenção e cuidado que não sai do papel, os indígenas morrem. As terras indígenas são invadidas. A floresta é derrubada e contaminada. A Sala de Situação, um espaço e tempo que deveria servir para o diálogo interinstitucional e intercultural, tornou- se palco de ofensas por parte do Governo e, inclusive, perseguições e assédios a quem ali, atuando nas instituições governamentais, busca apresentar algo de concreto para proteção dos direitos dos indígenas.

Mesmo as sugestões de pessoas e entidades convidadas pelo ministro relator a participarem do andamento da ADPF 709 parecem surtir pouco efeito. A metodologia proposta pelo CNJ43 43 Em auxílio e a pedido do ministro relator Luís Roberto Barroso, o CNJ, na pessoa de sua conselheira Maria Tereza Uille Gomes, elaborou um Relatório Analítico sobre o Plano de Barreiras Sanitárias para os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (eDOC 228 da ADPF 709, posteriormente atualizado e revisado de acordo com os novos atos do Executivo e decisões do ministro relator - eDOC 440, eDOC 814). O Relatório do CNJ foi dividido em três frentes (i) Dever de Proteção integral pela União das Terras Indígenas, ocupadas pelos Povos Indígenas Isolados ou de recente contato, como determina o artigo 231 da Constituição Federal, cuja violação caracteriza ilícito de natureza penal, civil, administrativa ou trabalhista, e que implica a existência ou não de inquéritos e processos instaurados em trâmite no Poder Judiciário; (ii) Instalação/operação da Sala de Situação para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos povos indígenas em isolamento e de contato recente, com participação de representantes das comunidades indígenas, da Procuradoria-Geral da República e da Defensoria Pública da União; (iii) Plano para a criação de barreiras sanitárias, a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala de Situação.” (Relatório CNJ, eDOC 228, pag. 9). A metodologia para a solução das três frentes supracitadas foi a separação do plano em 3 diferentes níveis: 1 - Estratégico: com a composição do Conselho da Amazônia, coordenado pelo Vice-Presidente da República, e do Observatório Nacional que, além do CNJ e do CNMP, tem a participação da AGU e da DPU; 2 - Tático: com a atual composição da Sala de Situação Nacional; 3 - Operacional: composto pelas Salas de Situação locais, que devem, necessariamente, ser instaladas em todas as 33 terras indígenas com povos isolados e de recente contato.” (Relatório CNJ, eDOC 228, pag. 9). Essas ações foram planejadas para serem viabilizadas de modo adequado segundo uma metodologia executiva específica, já proposta e analisada pelo ministro relator Luís Roberto Barroso, qual seja, a metodologia 5W2H: 5W. 1- What (o que será feito) - ação; 2- Why (por que será feito) - objetivos; 3-Where (onde será feito) - locais específicos da ação pretendida; 4-When (quando será feito) - cronograma de ações e prazos para sua execução; 5-Who (quem é o responsável) - órgão e agente responsáveis pela execução das ações; 2H. 1- How (como será feita a ação) - detalhamento do plano de ações; 2-How much (quanto custa) - custo de execução das ações. , os estudos e levantamentos vultosos e detalhados sobre as terras em comento e algumas de suas sugestões, por exemplo, em que pese inovadoras e promissoras, não parecem ter sido levadas em conta. As contribuições que outras pessoas e entidades buscam oferecer também parecem esbarrar no tamanho imenso que a ADPF 709 passou a ter e, se não estão perdidas, podem se tornar perecidas pelo decurso do tempo (pensamos aqui, especificamente, na contribuição que um conjunto de pesquisadoras e pesquisadores do Centro de Estudos da Constituição da Faculdade de Direito da UFPR buscou oferecer mais de uma vez como amicus curiae, mas não teve seu pedido de ingresso sequer apreciado até a data da escrita deste artigo).

Diante disso tudo, a ADPF 709 parece ser uma arguição que começou promissora. Provocou o exercício da jurisdição constitucional do STF para proteção de direitos fundamentais de indígenas do nosso país, de uma minoria sistemática e estruturalmente vilipendiada, mas especialmente maltratada por este Governo de turno. Recebeu acolhida no Supremo, com recompreensão do sentido e alcance do art. 103, IX, CRFB/88, decisão monocrática e referendo do Plenário para tomada de medidas imediatas. E só.

Daí para frente, a ADPF 709 se converteu num processo imenso, burocrático, lento, ineficaz. O Supremo, o ministro Barroso e sua equipe, os convidados e os aceitos a participarem da ADPF 709, trabalham muito. Mas muito pouco de concreto ou efetivo sai dali. Não basta boa intenção, proatividade, desejo de diálogo. Especialmente com quem, tendo poder de gestão e decisório, usa todo o espaço, tempo e burocracia, para movimentar várias pessoas e órgãos, mas mantém tudo como está: com os indígenas vulneráveis, morrendo, com invasão das terras indígenas, derrubada e contaminação das florestas. Essa ADPF, caso venha a promover a retirada dos invasores das terras indígenas, conforme pediu a APIB, tem o potencial de salvar grande parte da Amazônia, por exemplo.44 44 Tema não abordado pelo Ministro em seu artigo “Como salvar a Amazônia” (BARROSO e MELLO, 2021). Entretanto, apenas o ministro Edson Fachin se manifestou a favor da retirada de invasores, quando do referendo da decisão do relator.

O que se observa são muitos documentos e poucas ações. Como efeitos diretos, algumas barreiras foram instaladas, mas sem a adoção de protocolos sanitários e sem permanência nas terras indígenas. Por isso não cumprem o papel de sanitárias, segundo dados dos médicos especialistas em saúde indígena, Douglas Rodrigues e Erik Jennings, presente nos autos da ADPF 709.45 45 Tais dados foram disponibilizados por meio do relatório Aspectos médicos as Barreiras Sanitárias para minimizar o risco de introdução da COVID-19 em Povos Indígenas isolados e de Recente Contato (PIIRC), protocolado como e-doc 205, disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753382263&prcID=5952986#>. Já os efeitos colaterais da ação ficam na promessa de contribuir um pouco com a proteção aos povos indígenas, como será, caso ocorra, a contratação de colaboradores para atuar nas unidades da Funai responsáveis pelos povos isolados (Frentes de Proteção Etnoambiental).

Na data em que este artigo era escrito, em 28 de maio de 2021, a autora Carolina Santana esteve em uma reunião da Sala de Situação. Solicitou que fosse produzida uma ata ao fim de cada reunião - um pedido feito desde que a Sala de Situação foi instalada. Sinalizou que esse procedimento, praxe de qualquer reunião oficial, fortalece a transparência e o debate democrático. Sua fala foi interrompida por um militar que conduz a reunião, mandando-a “baixar o tom” e não falar mais em ato antidemocrático. A autora pediu para finalizar sua fala. Como resposta, o militar condutor disse que se ela falasse novamente em atos antidemocráticos iria cortar seu áudio. A democracia pressupõe cada uma e cada um falar o que pensa. Não há possibilidade de diálogo se uma das partes do processo judicial tem o poder de moderar a instância estabelecida para tanto, calando as vozes dissonantes.

A ADPF parece ser o triste caso de uma ação bem ajuizada, com uma atuação jurisdicional que começou bem feita, e com o passar do tempo, foi sendo engolida pela burocracia, pela burocratização, por um diálogo que nunca existiu46 46 Exemplo categórico da inexistência do diálogo foi a decisão monocrática do ministro relator emitida no dia 24 de maio de 2021, sobre o pedido de Tutela Provisória Incidental, em razão da escalada de ataques armados ao povo Yanomami e Munduruku, no âmbito da ADPF 709. O ministro informou que estava em curso o Plano 7 Terras Indígenas, correndo em sigilo de justiça, sendo que a primeira operação estava planejada para o final de abril. Há semanas - talvez meses - a principal parte autora da ADPF 709 não tinha nem sequer conhecimento de que estava em andamento um plano para cumprir um dos pedidos mais urgentes: a retirada de invasores das terras indígenas. Das 7 terras indígenas elencadas como prioridade, 6 possuem evidência da presença de povos indígenas isolados. porque uma das partes - o Governo - não quer dialogar, pois não quer ter de fazer algo. Tudo isso sob as barbas do Supremo. Diante de uma tentativa que tem dado errado, mudar a condução não só é possível, mas necessário e urgente. O Supremo pode mais e pode melhor.

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  • NEVES, Marcelo e SANTANA, Carolina. “O genocídio contra os indígenas, retrospectiva de um conceito em disputa.” Jornal GGN, on-line, 20 de dez. 2020. Disponível em: https://twitter.com/JornalGGN/status/1344277146185961472?s=20 Acesso em 17 de ago. 2021;
    » https://twitter.com/JornalGGN/status/1344277146185961472?s=20
  • OLIVEIRA, Joana. “Bolsonaro veta obrigação do Governo de garantir acesso à água potável e leitos a indígenas na pandemia”. El País, São Paulo, 8 de jul. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-08/bolsonaro-veta-obrigacao-do-governo-de-garantir-acesso-a-agua-potavel-e-leitos-a-indigenas-na-pandemia.html Acesso em 17 de ago. 2021;
    » https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-08/bolsonaro-veta-obrigacao-do-governo-de-garantir-acesso-a-agua-potavel-e-leitos-a-indigenas-na-pandemia.html
  • OST. François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005.
  • OVIEDO, Antônio; BATISTA, Juliana de Paula; LIMA, Michelle Araújo. Relatório Técnico atualizado (março de 2021) sobre desmatamento e invasões em sete terras indígenas na Amazônia brasileira. Brasília: ISA, 2021.
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  • RODRIGUES, Douglas A. “Proteção e assistência à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil”. Programa Marco Estratégico para Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contacto Inicial. OTCA: São Paulo, 2014. 130 pp. Disponível em: <https://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/wp-content/uploads/sites/3/2017/08/Saude_PIIRC_-Douglas-Rodrigues.pdf>.
    » https://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/wp-content/uploads/sites/3/2017/08/Saude_PIIRC_-Douglas-Rodrigues.pdf
  • SANTANA, Carolina. "Quando os isolados somos nós". Opi - Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, abr. 2020. Disponível em: <https://povosisolados.com/2020/04/01/isoladossomosnos/>. Acesso em 23.04.21.
    » https://povosisolados.com/2020/04/01/isoladossomosnos
  • TORELLY, Marcelo. Governança transversal dos direitos humanos: experiências latino-americanas. Tese (doutorado). Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília, 2016.
  • TEUBNER, Gunther. “Contracting worlds: the many autonomies of private law”. Social and Legal Studies, [S.l.], v. 9, pp. 399-417, 2000.
  • 1
    A ADPF é uma das ações que fazem parte do controle concentrado de constitucionalidade. A regulamentação desta ação pode ser encontrada em dois textos normativos: na Constituição Federal e na Lei 9.882/99. Na Constituição, os artigos 102, § 1º e 103, § 1º e § 3 dispõem: "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: § 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei; Art. 103. A Lei, por seu turno, traça como se dará o processo e o julgamento das ADPFs pelo STF.
  • 2
    As comunidades indígenas que vivem em isolamento são as mais vulneráveis do ponto de vista sócio-epidemiológico, pois seus modos de vida e as ameaças a que estão sujeitas fazem com que sejam e estejam mais suscetíveis a doenças infecto-contagiosas. Além disso, a degradação ambiental dos locais em que vivem podem significar privação imediata tanto de remédios quanto de alimentos. Nesse sentido, vide: RODRIGUES, D.A. Proteção e assistência à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil. São Paulo: OTCA, 2014.
  • 3
    A ação foi interposta pela APIB, PCdoB, PSB, PSOL, PT, PDT, REDE e pela Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ.
  • 4
    O artigo 103, em seu inciso IX, traz a seguinte redação: “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Na ADPF 527, o ministro Luís Roberto Barroso, também relator, reconheceu a legitimidade ativa da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros na qualidade de entidade de classe de âmbito nacional. Na ADPF 709, foi a primeira vez que o reconhecimento foi dado a uma organização indígena.
  • 5
    O caso diz respeito à seguinte manifestação do então Deputado Federal Alceu Moreira: “Nós os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fardem de guerreiros e não deixem um vigarista destes dar um passo na sua propriedade, nenhum. Nenhum. Usem todo o tipo de rede, todo mundo tem telefone, liguem um para o outro imediatamente, reúnam multidões e expulsem do jeito que for necessário.” E à seguinte manifestação do então Deputado Federal Luiz Carlos Heinze: “Agora eu quero dizer para vocês, o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidenta Dilma, e ali estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta ali estão aninhados... Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como no Pará estão fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade, foram corridos da propriedade, isso que aconteceu lá. (...) Tem no palácio do planalto um ministro da Presidenta Dilma, chamado Gilberto Carvalho, que aninha no seu gabinete, índio, negro, sem terra, gays, lésbicas, a família não existe no gabinete desse senhor (...) não espere que essa gente vai resolver o nosso problema”. Ver: “Em vídeo, deputado diz que “índios, gays e quilombolas 'não prestam'”. G1, Rio Grande do Sul, 12 jan. 20014, disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2014/02/em-video-deputado-diz-que-indios-gays-e-quilombos-nao-prestam.html
  • 6
    A OMS reconheceu a situação de pandemia em 11/03/2020, após mais de 118.000 casos confirmados da doença em mais de 110 países ao redor do globo. Vide: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020
  • 7
    BRASIL. FIOCRUZ. “Risco de espalhamento da COVID-19 em populações indígenas: considerações preliminares sobre vulnerabilidade geográfica e sociodemográfica”, 2020. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/relatorios_tecnicos_-_covid-19_procc-emap-ensp-covid-19-report4_20200419-indigenas.pdf
  • 8
    United Nations. Human Rights Office of the High Commissioner. “Disproportionate impact of COVID-19 on racial and ethnic minorities needs to be urgently addressed - Bachelet”. 2 de jun. 2020. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25916
  • 9
    A respeito de surtos epidêmicos em populações indígenas ver RODRIGUES, 2014RODRIGUES, Douglas A. “Proteção e assistência à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil”. Programa Marco Estratégico para Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contacto Inicial. OTCA: São Paulo, 2014. 130 pp. Disponível em: <https://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/wp-content/uploads/sites/3/2017/08/Saude_PIIRC_-Douglas-Rodrigues.pdf>.
    https://boletimisolados.trabalhoindigeni...
    .
  • 10
    Nessa troca de patógenos, os indígenas foram os grandes perdedores uma vez que, a não ser por certas micoses como o Tokelau, de pequena gravidade e pouco potencial de expansão, e da treponematose conhecida como Pinta ou Bouba, não são conhecidas doenças que foram transmitidas aos colonizadores pelos povos originários do Brasil. (RODRIGUES, 2014RODRIGUES, Douglas A. “Proteção e assistência à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil”. Programa Marco Estratégico para Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contacto Inicial. OTCA: São Paulo, 2014. 130 pp. Disponível em: <https://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/wp-content/uploads/sites/3/2017/08/Saude_PIIRC_-Douglas-Rodrigues.pdf>.
    https://boletimisolados.trabalhoindigeni...
    , p. 11 Apud SANTANA, 2020SANTANA, Carolina. "Quando os isolados somos nós". Opi - Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, abr. 2020. Disponível em: <https://povosisolados.com/2020/04/01/isoladossomosnos/>. Acesso em 23.04.21.
    https://povosisolados.com/2020/04/01/iso...
    ).
  • 11
    Disponível em: <https://covid.saude.gov.br/>. Acesso em 28 de maio de 2021.
  • 12
    Mais informações em “Emergência Indígena”, site feito pela APIB com dados detalhados sobre os impactos da Pandemia sobre os povos indígenas. Disponível em: <https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/ > Acesso em 23 de mai. de 2021.
  • 13
    Os dados utilizados neste artigo são, majoritariamente, oficiais. Porém, como até a segunda semana de abril de 2020, o governo brasileiro não exigia a coleta de dados raciais para os casos de COVID-19, utilizaremos também dados produzidos de forma independente pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Até a data mencionada, os formulários de notificação do Departamento de Dados do Sistema Único de Saúde não ofereciam o campo "raça/cor" para preenchimento. Somente após mobilizações de movimentos sociais, entidades de classe e associações científicas o governo passou a considerar raça em seus indicadores para o Covid-19. Entretanto, nem sempre os dados divulgados permitem a realização de análises robustas que desvelem as iniquidades raciais em saúde. A esse respeito ver Araújo, Edna e Caldwell, Kia. “Por que a COVID-19 é mais mortal para a população negra?” https://www.abrasco.org.br/site/gtracismoesaude/2020/07/20/por-que-a-covid-19-e-mais-mortal-para-a-populacao-negra-artigo-de-edna-araujo-e-kia-caldwell
  • 14
    Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5952986>. Acesso em 21 de fevereiro de 2021.
  • 15
    Observa-se nesta ADPF o estabelecimento pelo relator de uma estrutura que tem como objetivo fortalecer duas categorias epistêmicas, bastante acionadas em suas manifestações, quais sejam: i) diálogo institucional, e ii) diálogo intercultural. Ambas as categorias são pensadas como estratégias de produção de consensos. A primeira faz referência à necessidade de colaboração entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo “em matéria de políticas públicas decorrentes da Constituição” (BRASIL, 2020, p. 12). A segunda trata da necessidade de que o Estado tenha abertura cognitiva para a diversidade cultural indígena (BRASIL, 2020, p.13).
  • 16
    Em razão da complexidade para a criação de um plano de retirada de invasores, o que necessariamente demanda atuação de forças policiais para tanto, o ministro relator entendeu que este deveria ser um tema a ser tratado posteriormente. De imediato, já no âmbito da medida cautelar concedida, ordenou-se a “inclusão, no Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas (infra), de medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas ou providência alternativa, apta a evitar o contato” (BRASIL, 2020, p. 34).
  • 17
    Em agosto de 2020 o Plenário da Corte referendou integralmente a decisão cautelar do relator.
  • 18
    Para mais informações ver AMORIM (2016AMORIM, Fabrício. “Povos indígenas isolados no Brasil e a política indigenista desenvolvida para efetivação de seus direitos: avanços, caminhos e ameaças”. Revista Brasileira de Linguística Antropológica, 8, (2), UnB, 2016., 2018).
  • 19
    Os povos isolados se expressam ao deixar propositalmente sinais de rechaço, a própria fuga sendo uma dessas expressões. Uma das diferenças claras destes com outros povos indígenas é a impossibilidade de se organizarem em assembleias, reuniões, entre outras politicamente aceitas como legítimas. Assim, a "vulnerabilidade política" se dá também pelo fato de o Estado não reconhecer (e compreender) facilmente as formas diferenciadas de expressão dos povos indígenas nessa situação peculiar.
  • 20
    Angela Kaxuyana, Eriverto Marubo, Sonia Guajajara e Dr. Luiz Henrique Eloy Amado Terena.
  • 21
    Carolina Santana, Fabrício Amorim e Leonardo Lenin.
  • 22
    Douglas Rodrigues e Erik Jennings.
  • 23
    Galarraga Gortázar, Naiara. “A extraordinária visita de indígenas isolados a uma aldeia remota no Acre”. El País, São Paulo, 28 de ago. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-27/a-extraordinaria-visita-de-indigenas-isolados-a-uma-aldeia-remota.html> e Opi - Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. “Nota do Opi sobre situação de contato com índios isolados no Acre.” Em 16 de ago. 2020. Disponível em: https://povosisolados.com/2020/08/16/nota-do-opi-sobre-situacao-de-contato-com-indios-isolados-no-acre/
  • 24
    (...) o responsável pela segurança militar e nacional disse em sua conta oficial no Twitter: A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) está por trás do site http://defundbolsonaro.org, que tem como objetivos divulgar notícias falsas contra o Brasil; imputação de crimes ambientais ao Presidente da República; e apoiar campanhas de boicote internacional a produtos brasileiros. A organização é dirigida por brasileiros, filiados a partidos de esquerda. A Emergência APIB é presidida pela indígena Sônia Guajajara, ativista do PSOL, e ligada ao ator Leonardo Di Caprio, crítico ferrenho do nosso país. O site da APIB junta-se a vários outros que também trabalham 24 horas por dia para manchar a nossa imagem no estrangeiro, num crime contra a nossa pátria.” Para mais informações ver APIB e IPRI (2021, p. 90).
  • 25
    A União negou-se a elaborar atas das reuniões mesmo após diversas solicitações da APIB. Ademais, a solicitação das gravações das reuniões também foi negada à APIB, inclusive pelo relator. Elas podem ser solicitadas via Lei de Acesso à Informação. As informações aqui trazidas decorrem da participação de um dos autores na Sala de Situação.
  • 26
    Entrevista concedida exclusivamente para este artigo à Carolina R. Santana em 18 de maio de 2021.
  • 27
    Entrevista concedida, em 18 de maio de 2021, à Carolina R. Santana, exclusivamente para este artigo. “Desintrusão” é um jargão indigenista que se refere à retirada de invasores de territórios indígenas. Sobre a expressão “o que está acontecendo agora”, Eriverto se refere aos ataques e tiroteios de garimpeiros contra o povo Yanomami ocorridos em maio de 2021, os quais resultaram, inclusive, na morte de duas crianças indígenas (BIASETTO, 2021BIASETTO, Daniel. “Yanomamis relatam ataque com tiros e bombas de gás em nova ação de garimpeiros”. O Globo, Rio de Janeiro, 15 de mai. 2021, on-line. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/yanomamis-relatam-ataque-com-tiros-bombas-de-gas-em-nova-acao-de-garimpeiros-1-25021318>. Acesso em 15.05.2021
    https://oglobo.globo.com/brasil/yanomami...
    ).
  • 28
    Entrevista concedida, em 20 de maio de 2021, à Carolina R. Santana, exclusivamente para este artigo.
  • 29
    Entrevista concedida, em 18 de maio de 2021, à Carolina R. Santana, exclusivamente para este artigo.
  • 30
    A declaração aqui reproduzida foi vista por uma das coautoras deste artigo - Carolina R. Santana, que esteve na reunião referida e fez o relato aqui reproduzido.
  • 31
    Essa passagem ilustra o quanto é importante, cada vez mais, problematizarmos “o Estado” como ente homogêneo e o admitirmos como sendo conformado pelas crenças e valores de seus agentes. Etnografias de instituições nos vem mostrando cada vez mais isso. Segundo MENDES DE MIRANDA (2005MENDES DE MIRANDA, Ana Paula. “Antropologia, Estado Moderno e Poder: perspectivas e desafios de um campo em construção”. Avá, Revista de Antropologia, núm. 7, Universidad Nacional de Misiones, Argentina, 2005., p. 24) as práticas sociais desses agentes, os sistemas de constrangimentos que eles integram, suas relações com os atores de um caso é que nos dizem o que é o Estado. “Isso porque é por meio deles que o Estado se revela como um fator de dominação de modo indireto a partir de rituais que contribuem para a consolidação do poder”, afirma.
  • 32
    “Não basta que reconheçam nossas narrativas, é preciso que reconheçam nossas narradoras”, disse Célia Xakriabá no discurso final da Primeira Marcha das Mulheres Indígenas.
  • 33
    Nesse sentido, um importante referencial teórico para a recondução dos rumos da Sala de Situação é a teoria do transconstitucionalismo (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009., 2014), auxiliando-nos na compreensão de quais são os arranjos possíveis entre perspectivas distintas acerca de um conflito, ou mesmo acerca do sistema de justiça. Sobre a análise da categoria de diálogo intercultural, o transconstitucionalismo pode ser uma importante ferramenta para se pensar a relação entre a ordem estatal e as ordens indígenas. Para que ocorra um entrelaçamento multiangular em torno dos direitos humanos e fundamentais, é necessário que exista disposição das diversas ordens, especialmente da ordem estatal, para ceder às exigências das perspectivas de outras ordens normativas em relação ao significado e abrangência de direitos colidentes. A relação entre ordens distintas supera a tradicional divisão entre universalismo e comunitarismo e aponta para o convívio de ordens jurídicas que partem de experiências históricas diversas (NEVES, 2014, pp. 228 e 265).
  • 34
    Ambas as decisões foram concedidas cautelarmente e, posteriormente, ratificadas pelo Plenário do STF.
  • 35
    Há locais de evidente ausência das Barreiras. Algumas Barreiras sugeridas pela própria União não foram implementadas, como é o caso de Korekorema, na Terra Indígena Yanomami, bem como nas Terras Indígenas Massaco, Piripkura, Kawahiva e Rio Branco. Informações fornecidas pelos Consultores da APIB para o monitoramento das instalações das Barreiras Sanitárias, Estêvão Benfica Senra (Geógrafo e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UNB) e Elias Bigio (Doutor em História).
  • 36
    Informações fornecidas por uma das autoras deste artigo, Carolina R. Santana, que compõe a referida Sala de Situação.
  • 37
    HOFMEISTER, Naira e PAPINI, Pedro. “Mineração e garimpo disputam área maior do que a Bélgica dentro da Terra Indígena Yanomami”. El País, São Paulo, 22 de jun. 2021.
  • 38
    Informações fornecidas por Estêvão Benfica Senra (Geógrafo e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UNB).
  • 39
    Alguns exemplos podem ser encontrados em: NEVES, Marcelo e SANTANA, Carolina. “O genocídio contra os indígenas, retrospectiva de um conceito em disputa.” Jornal GGN, on-line, 20 de dez. 2020. Disponível em: https://twitter.com/JornalGGN/status/1344277146185961472?s=20. Acesso em 17 de ago. 2021; GORTAZAR, Naira Galarriaga. “Bolsonaro é denunciado por genocídio em Haia, em processo guiado por advogado indígena”. El País, São Paulo, 9 de ago. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-08-09/bolsonaro-e-denunciado-por-genocidio-em-haia-em-processo-guiado-por-advogado-indigena.html. Acesso em 17 de ago. 2021; OLIVEIRA, Joana. “Bolsonaro veta obrigação do Governo de garantir acesso à água potável e leitos a indígenas na pandemia”. El País, São Paulo, 8 de jul. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-08/bolsonaro-veta-obrigacao-do-governo-de-garantir-acesso-a-agua-potavel-e-leitos-a-indigenas-na-pandemia.html. Acesso em 17 de ago. 2021;
  • 40
    Vide nota pública conjunta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), “A devastadora e irreparável morte de Aruká Juma”. Disponível em: <https://apiboficial.org/2021/02/17/a-devastadora-e-irreparavel-morte-de-aruka-juma/>.
  • 41
    Fala de Puyr Tembe, vice-presidenta da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA). Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/99895-indigena-brasileira-lamenta-perda-irreparavel-de-bibliotecas-ancioes-mortos-pela-covid-19>.
  • 42
    Mais informações em “Emergência Indígena”, site feito pela APIB com dados detalhados sobre os impactos da Pandemia sobre os povos indígenas. Disponível em: <https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/ > Acesso em 23 de mai. de 2021.
  • 43
    Em auxílio e a pedido do ministro relator Luís Roberto Barroso, o CNJ, na pessoa de sua conselheira Maria Tereza Uille Gomes, elaborou um Relatório Analítico sobre o Plano de Barreiras Sanitárias para os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (eDOC 228 da ADPF 709, posteriormente atualizado e revisado de acordo com os novos atos do Executivo e decisões do ministro relator - eDOC 440, eDOC 814). O Relatório do CNJ foi dividido em três frentes (i) Dever de Proteção integral pela União das Terras Indígenas, ocupadas pelos Povos Indígenas Isolados ou de recente contato, como determina o artigo 231 da Constituição Federal, cuja violação caracteriza ilícito de natureza penal, civil, administrativa ou trabalhista, e que implica a existência ou não de inquéritos e processos instaurados em trâmite no Poder Judiciário; (ii) Instalação/operação da Sala de Situação para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos povos indígenas em isolamento e de contato recente, com participação de representantes das comunidades indígenas, da Procuradoria-Geral da República e da Defensoria Pública da União; (iii) Plano para a criação de barreiras sanitárias, a ser apresentado pela União, ouvidos os membros da Sala de Situação.” (Relatório CNJ, eDOC 228, pag. 9). A metodologia para a solução das três frentes supracitadas foi a separação do plano em 3 diferentes níveis: 1 - Estratégico: com a composição do Conselho da Amazônia, coordenado pelo Vice-Presidente da República, e do Observatório Nacional que, além do CNJ e do CNMP, tem a participação da AGU e da DPU; 2 - Tático: com a atual composição da Sala de Situação Nacional; 3 - Operacional: composto pelas Salas de Situação locais, que devem, necessariamente, ser instaladas em todas as 33 terras indígenas com povos isolados e de recente contato.” (Relatório CNJ, eDOC 228, pag. 9). Essas ações foram planejadas para serem viabilizadas de modo adequado segundo uma metodologia executiva específica, já proposta e analisada pelo ministro relator Luís Roberto Barroso, qual seja, a metodologia 5W2H: 5W. 1- What (o que será feito) - ação; 2- Why (por que será feito) - objetivos; 3-Where (onde será feito) - locais específicos da ação pretendida; 4-When (quando será feito) - cronograma de ações e prazos para sua execução; 5-Who (quem é o responsável) - órgão e agente responsáveis pela execução das ações; 2H. 1- How (como será feita a ação) - detalhamento do plano de ações; 2-How much (quanto custa) - custo de execução das ações.
  • 44
    Tema não abordado pelo Ministro em seu artigo “Como salvar a Amazônia” (BARROSO e MELLO, 2021BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos de. “Como salvar a Amazônia”. Jota, Curitiba, 30 de mar. 2021, on-line. Disponível em: <https://www.jota.info/especiais/como-salvar-a-amazonia-30032021>. Acesso em 10.04.2021.
    https://www.jota.info/especiais/como-sal...
    ).
  • 45
    Tais dados foram disponibilizados por meio do relatório Aspectos médicos as Barreiras Sanitárias para minimizar o risco de introdução da COVID-19 em Povos Indígenas isolados e de Recente Contato (PIIRC), protocolado como e-doc 205, disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753382263&prcID=5952986#>.
  • 46
    Exemplo categórico da inexistência do diálogo foi a decisão monocrática do ministro relator emitida no dia 24 de maio de 2021, sobre o pedido de Tutela Provisória Incidental, em razão da escalada de ataques armados ao povo Yanomami e Munduruku, no âmbito da ADPF 709. O ministro informou que estava em curso o Plano 7 Terras Indígenas, correndo em sigilo de justiça, sendo que a primeira operação estava planejada para o final de abril. Há semanas - talvez meses - a principal parte autora da ADPF 709 não tinha nem sequer conhecimento de que estava em andamento um plano para cumprir um dos pedidos mais urgentes: a retirada de invasores das terras indígenas. Das 7 terras indígenas elencadas como prioridade, 6 possuem evidência da presença de povos indígenas isolados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2021
  • Aceito
    18 Ago 2021
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