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Autonomia Contratual e Razão Sacrificial: Neoliberalismo e Apagamento das Fronteiras do Jurídico

Contractual Autonomy and Sacrificial Reason: Neoliberalism and Depletion of Legal Borders

Resumo

Este artigo realiza uma reflexão sobre as alterações legislativas que aprofundam a precarização do trabalho contratualizado, no Brasil. Problematiza a racionalidade desse processo, localizando-a em decisões do Supremo Tribunal Federal anteriores à Lei 13.467/2017. Identifica a presença da economização dos direitos, que incita trabalhadores e trabalhadoras a uma “razão sacrificial”, na linha de interpretação de Wendy Brown.

Palavras-chave:
Economização do direito; Direito do trabalho; Contrato de trabalho

Abstract

This article analyzes the legislative changes that aggravated the precariousness of contract work in Brazil. The rationality of this process is problematized, locating it in decisions of the Federal Supreme Court prior to Law Nº 13,467/17. Moreover, the presence of the economization of rights, which incites the workers to a "sacrificial reason", is evidenced in line with Wendy Brown's interpretation.

Keywords:
Economization of law; Labor law; Employment contract

Introdução

O Direito do Trabalho foi, substancialmente, alterado pela Lei 13.467/2017, denominada “contrarreforma trabalhista” por juslaboralistas, sindicalistas e movimentos sociais. Como avalia Aldacy Coutinho (2017______. Retrocesso social em tempos de crise ou haverá esperança para o direito do trabalho? Uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 83, n. 03, jul/set 2017, p. 17-58., p. 17 e 18), o Direito do Trabalho: “[...] vive o momento de acirrado enfrentamento do desmantelamento de seus marcos regulatórios construídos em torno do mundo do trabalho assalariado e a desintegração do sistema jurídico normativo de proteção”.

Essa forma de regulação jurídica é típica das políticas neoliberais1 1 Adota-se, neste texto, a definição de neoliberalismo formulada por Wendy Brown (2018, p. 13): “Um paradoxo, então. O neoliberalismo é tanto um modo específico de racionalidade, uma produção de sujeitos, uma 'condução de condutas' e um esquema valorativo. Ele dá um nome a reações políticas e econômicas historicamente situadas contra o keynesianismo e o socialismo democrático, assim como à prática mais generalizada de transformar em econômicas as esferas e atividades até então governadas por outras ordens de valor. Contudo, em suas diferentes encarnações em países, regiões e setores, em suas diferentes interseções com culturas existentes e tradições políticas, e, acima de tudo, em suas convergências e absorções de outros discursos e desenvolvimentos, o neoliberalismo toma formas diferentes e cria conteúdos e detalhes normativos diversos, diferentes idiomas. É globalmente onipresente, porém desunificado e desidêntico a si mesmo, no espaço como no tempo”. , pois o Direito apenas legitima por meio de normas as situações de fatos já existentes nas relações trabalhistas precarizadas em virtude das políticas de austeridade e do desemprego estrutural. A Lei 13.467/2017 traduz e legitima uma normalidade distorcida, que avança na forma de barbárie sobre trabalhadores e trabalhadoras brasileiras.

É parte desse cenário a hibridização de tipos e cláusulas contratuais do trabalho, em que o binômio "legal-ilegal" não é suficiente para descrever o apagamento das fronteiras do contrato de trabalho típico, como conceituou Azaïs (2003AZAÏS, Christian. Formes de travail, hybridation et dynamique territoriale. Revue d’Economie Régionale et Urbaine. Paris: ADICUEER, 2003/3, p. 379-394.; 2012), para compreensão da multiplicação e segmentação de modalidades de contratos de trabalho. Neste texto, a hibridização também observa "(...) uma dimensão interna de novas formas típicas contratuais, com cláusulas híbridas" (MELLO, 2020MELLO, Lawrence Estivalet de. Crise do Contrato de Trabalho e Ilegalidades Expandidas. 2020. 454 f. Tese (Doutorado em Direito): Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2020.). No interior da legalidade, há uma mudança da natureza das cláusulas contratuais típicas, ora hostis ao sujeito trabalhador e favoráveis à parte contratual mais forte, o empregador.

Com base nessa lógica e ainda que tenha perdido vigência, a criação pelo governo federal de um “contrato de trabalho verde e amarelo” (Medida Provisória 905/2019), com discurso baseado na cidadania, visava a ampliar as modalidades contratuais admitidas na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

Essa ampliação tem como argumento a necessidade de diminuir a onerosidade da proteção dos direitos previstos no artigo 7º e seguintes da CRFB/1988 (RÔMANY, 2018RÔMANY, Ítalo. Bolsonaro propõe carteira de trabalho verde e amarela, que limita direitos. UOL, 13 set 2018. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/eder-content/2018/09/13/bolsonaro-promessa-carteira-trabalho-verde-amarela-direitos-trabalhistas.htm>. Acesso em 25 de março de 2019.
https://noticias.uol.com.br/confere/ulti...
). Não por acaso e no mesmo sentido de desconstrução da proteção social, a contrarreforma da previdência reitera o discurso sobre a necessidade de afastar “privilégios”. A proteção social prevista na Constituição, com todas as suas limitações, é alvo principal dos ataques dos governos posteriores ao impeachment presidencial de 2016.

É necessário, portanto, assentar que a regulação jurídica para legitimar a corrosão das condições materiais de vida da população e da classe que vive do trabalho faz parte de uma significativa reestruturação do Estado brasileiro, que ultrapassará o período de um único governo. Por isso, não se dá em um único momento, mas sim de forma processual, com atos sucessivos que começam antes da contrarreforma trabalhista e seguem em curso ainda hoje. Uma compreensão adequada do que pode ser denominado como “novo direito do trabalho” oferece diferenciação e caracterização ao processo, que não consiste em uma mera diminuição de direitos, a ser analisada como “coisa” imóvel e acabada; mais propriamente, tem-se uma requalificação de sentido das relações entre as classes sociais, com maior disponibilização do trabalho ao capital e com uma racionalidade jurídica própria, que responde aos efeitos da crise estrutural do capital e de seu desemprego crônico.

A investigação desse processo se realiza por meio de uma pesquisa qualitativa de tipo exploratória, que analisa fontes documentais diversas, como processos judiciais, atos normativos e dados estatísticos, que atestam a diminuição dos direitos do sujeito trabalhador, para precarizar suas condições de vida e trabalho. O percurso dessa análise se inicia com o exame de dois acórdãos do Supremo Tribunal Federal (STF) anteriores à “contrarreforma trabalhista”, que desconsideram a proteção do trabalho constante na CLT e na jurisprudência trabalhista, e valoriza os instrumentos contratuais individuais e coletivos. Esse duplo movimento, promovido pelo Poder Judiciário e pela contrarreforma trabalhista, é identificado como uma vitória do negociado sobre o legislado.

O objeto do artigo, portanto, consiste em demonstrar como o direito do trabalho brasileiro muda seus rumos e identificar, no interior dessa processualidade, os elementos de racionalidade presentes nos casos escolhidos, também traduzíveis sob a técnica de pesquisa da amostragem de caso único (PIRES, 2008PIRES, Álvaro. Amostragem e pesquisa qualitativa: ensaio teórico e metodológico. In J. Poupart et al. (Org.), A pesquisa qualitativa. Enfoques teóricos e metodológicos. Petrópolis: Editora Vozes, 2008, p. 154-211., p. 175; FONSECA, 2017FONSECA, Maíra Rocha. O estudo de caso na pesquisa em direito. In: MACHADO, Maíra Rocha (Org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em Direito, 2017., p. 377). Os estudos de caso, distantes do método quantitativo de pesquisa, nem por isso são menos exigentes (FONSECA, 2017, p. 372): entre os tipos de amostra de caso único possíveis à pesquisa acadêmica, optou-se pela amostra por acontecimento ou por enredo2 2 Quando utilizam esse tipo de amostragem, os pesquisadores têm por interesse abordar um acontecimento que julgam mais “estratégico para o conhecimento do que [seria estratégico conhecer] sobre um meio social ou uma história de vida” (PIRES, 2008, p. 178). O acontecimento, no caso, é a modificação qualitativa da intervenção estatal sobre a autonomia privada que se expressa no contrato de trabalho. , com objetivo de descrever e identificar os elementos que estão nos acórdãos para, com isso, apresentar elementos de uma proposta teórica de interpretação da nova racionalidade juslaboral brasileira.

Trata-se, portanto, de construir uma abordagem que selecione a amostragem a partir do problema de pesquisa, de forma qualitativa, sem o objetivo de afirmar que se trata de um estudo exaustivo sobre todas as decisões que mobilizam categorias ou noções semelhantes em um determinado período de tempo. E sem nenhum demérito por isso3 3 “(...) a qualidade científica de uma pesquisa não depende do tipo de amostra, e também não mais da natureza dos dados (quantitativo ou qualitativo), mas sim do fato de ela ser, no conjunto, ‘bem construída’” (PIRES, 2008, p. 156) . A escolha da amostra foi definida pelo problema de pesquisa que se quer construir, pois “quando o caso está sendo construído (...) já sabemos algo sobre o que queremos aprender com ele. A escolha do que constituirá o caso está frequentemente ligada ao que queremos inferir a partir dele” (FONSECA, 2017FONSECA, Maíra Rocha. O estudo de caso na pesquisa em direito. In: MACHADO, Maíra Rocha (Org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em Direito, 2017., p. 371).

Este processo de suposições criativas em pesquisa qualitativa (THIOLLENT, 1994THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1994., p. 35) encontra inspiração no modo como Wendy Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial - Neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade - Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.) elabora suas categorias teóricas, pois se utiliza de decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos e da Suprema Corte de Wisconsin, para demonstrar os efeitos do neoliberalismo sobre o campo jurídico. Sob essa perspectiva teórica, o negociado sobre o legislado brasileiro pode ser traduzido por uma intenção de “economização do direito”, que incita trabalhadores e trabalhadoras a uma “razão sacrificial” exercitada por meio de contratos. O resultado dessas operações jurídicas é a perda de direitos em nome da maior eficiência econômica.

1. Neoliberalismo e o apagamento das fronteiras jurídicas entre áreas do direito

Wendy Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial - Neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade - Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.) identificou nos casos Citizens United versus Federal Election Commission, julgado em janeiro de 2010 (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2010), e At&T Mobility LLC versus Concepcion, decidido em abril de 2011 (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2011a), uma racionalidade específica que orienta a esfera jurídica e contribui para a afirmação da estratégia governamental neoliberal, na busca da maior eficiência econômica do mercado. A esta tendência verificada Brown denominou economization of law.

Essas decisões da Suprema Corte dos EUA trazem como principais efeitos o reforço à ideia de atuação do livre mercado como promotor da igualdade de tratamento entre cidadãos e pessoas jurídicas, nos processos políticos, de autonomia e responsabilização individual do sujeito trabalhador, em decorrência de relações contratuais laborais, e de promoção da justiça por meio da requalificação dos investimentos do Estado Social (Welfare State) em gastos públicos.

Essa construção teórica facilita a compreensão da implantação das políticas neoliberais no Brasil, uma vez que a “economização dos direitos” é um dos meios sutis utilizados pelas estratégias neoliberais para a erosão das democracias, tanto no hemisfério sul quanto no hemisfério norte, pela combinação entre decisões judiciais e alterações legislativas (DEUTSCHER; LAFONT, 2017DEUTSCHER, Penelope; LAFONT, Cristina. Critical Theory in Critical Times Transforming the Global Political and Economic Order. In: BROWN, Wendy (Ed.). Neoliberalism and the Economization of Rights. New York: Columbia University Press, 2017.).

Esse ardil movimento da política neoliberal pode ser percebido já ao final da década de 1990, nos países membros da União Europeia, quando se instalou uma tensão entre documentos normativos comunitários, que expressavam os objetivos econômicos da globalização, e as constituições e leis nacionais que davam sustentação jurídica à social democracia europeia do pós-guerra, como afirmou Amirante, naquela ocasião:

O debate político atualmente em curso, nos países membros da União Europeia, encontra fundamento nas exigências - não raramente colocado em aberta contraposição - ao reforço constitucional e legislativo do mercado, que se traduz no imperativo de uma definitiva reforma, se necessário inclusive constitucional, do Estado Social e dos direitos subjetivos que representam há anos a expressão mais consolidada (AMIRANTE, 2000AMIRANTE, Carlo. Costituzionalismo e Costituzione nel nuovo contesto europeo. Torino: G. Giappichelli Editore, 2000, p.108).4 4 Tradução livre dos autores: “Il dibattito politico attualmente in corso nei paesi membri dell'Unione europea trova fondamento nelle esigenze - non di rado viste in aperta contrapposizione - del rafforzamento costituzionale e legislativo del mercato, che si traduce nell'imperativo di una decisa riforma se necessario anche costituzionale, dello Stato Diritti sociale e dei diritti soggettivi che ne rappresentano da anni l'espressione più consolidata”.

A aproximação da racionalidade que orienta o Direito norte-americano e o Direito brasileiro, em matéria laboral, fica mais evidente a partir da análise realizada por Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial - Neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade - Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.) dos casos State ex rel. Ozanne versus Fitzgerald, proferido pela Suprema Corte do Estado Wisconsin (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2012), ao manter a validade da Lei Estadual que esvazia o poder de barganha coletivo do sindicatos públicos, naquele Estado. Essa racionalidade também é encontrada por Brown na decisão Wal-Mart Stores, Inc. versus Dukes, et al (Estados Unidos da América, 2011), proferida pela Suprema Corte dos EUA, em junho de 2011, que rejeitou o processo coletivo contra a Wal-Mart, em que 1,5 milhão de mulheres buscou reparação de danos por discriminação de gênero. A Corte entendeu que não havia conexão entre inúmeras decisões empregatícias que resultaram em pagamento inferior generalizado às trabalhadoras daquela empresa.

No Brasil, com as devidas e relevantes distinções, casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal, no ano de 2016, anteciparam e abriram caminho para a formulação de uma jurisprudência baseada nessa racionalidade econômica, o que resultou no enfraquecimento da proteção estatal aos trabalhadores, nos casos em que cláusulas constantes de contratos coletivos trabalhistas passaram a prevalecer sobre normas de ordem pública, que antes intervinham no contrato. A argumentação aparentemente favorável aos trabalhadores alega que é preciso valorizar a autonomia contratual dos empregados, afastando os efeitos das normas protetivas de ordem pública. Essa mesma racionalidade pode ser identificada, também, em artigos da Lei 13.467/2017 (Contrarreforma Trabalhista), que diminuem ou retiram o poder das normas de proteção em nome de uma maior autonomia contratual individual ou coletiva.

O primeiro dos casos escolhidos, com decisões do Supremo Tribunal Federal, trata de quitação ampla e irrestrita do contrato de trabalho, por meio de adesão a PDI (Plano de Demissão Incentivada), ou seja, admite uma hipótese de transação de direitos na área juslaboral, fundamentada no princípio da autonomia coletiva no Direito do Trabalho (BRASIL, 2016b). O segundo caso analisado também aborda uma transação de direitos5 5 O Min. Teori Zavascki diferencia transação e renúncia, afirmando que a renúncia não é autorizada pela jurisprudência do STF. Comentando precedente em que afastada norma coletiva que fundamentava renúncia de direitos, relata Zavascki “No julgamento desse recurso, analisou-se hipótese em que contestada a validade de disposição de norma coletiva de trabalho que, sem conferir qualquer vantagem aos trabalhadores, prefixou as horas in itinere em montante muito inferior ao tempo médio efetivamente despendido no trajeto ao local de trabalho. O caso então analisado não se confunde com o quadro verificado nestes autos, em que o cômputo das horas in itinere foi transacionado por outras vantagens concedidas aos trabalhadores” (BRASIL, 2016a, p. 12). , por força da autonomia coletiva no Direito do Trabalho, em situação na qual foram suprimidas horas in itinere dos trabalhadores, sendo estabelecidas cláusulas que, em tese, compensariam esta perca salarial, como dispõe o acórdão:

No particular, o recurso extraordinário trata da validade de norma coletiva por meio da qual foi transacionado o cômputo, na jornada de trabalho diária, de 2 horas e 30 minutos de trajeto pela concessão das seguintes vantagens: fornecimento de cesta básica no período de entressafra; seguro de vida e de acidentes além do obrigatório, com prêmio no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), arcado pelo empregador, pagamento de abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois salários-mínimos; pagamento de salário-família além do limite legal; fornecimento de repositor energético; e adoção de tabela progressiva de produção além da prevista na convenção coletiva (BRASIL, 2016a, p. 08).

O Poder Judiciário, já em 2016, contribui com elementos que vão ser regulados, em detalhe, pelo Poder Legislativo, no texto da contrarreforma trabalhista, alinhando fundamentos jurisprudenciais aos interesses dos empregadores e ao programa neoliberal dos governos em curso no Brasil. Este programa defende um conjunto de reformas legais tidas como inevitáveis para o equilíbrio da economia nacional e para a criação de novos postos de trabalho formais, propondo a liberação de recursos empresariais gastos para a proteção social dos trabalhadores anteriormente estabelecida em lei.

Examinado esse processo, sob outro ângulo e sem dar o devido destaque à atuação do Poder Judiciário, é possível afirmar que “esta nova onda (reforma doravante), iniciada com um conjunto de proposições legislativas (cujo carro-chefe é a recém-aprovada Lei no 13.467/2017), deve alterar o equilíbrio existente entre proteções dos trabalhadores e liberdades dos empregadores.” (CAMPOS, 2017CAMPOS, André Gambier. A Atual Reforma Trabalhista: Possibilidades, Problemas e Contradições. Texto para Discussão. Rio de Janeiro: IPEA, 2017., p. 09).

É possível questionar-se como o Poder Judiciário realiza uma interpretação contrária aos interesses dos trabalhadores, afastando normas de ordem pública, no ambiente da Constituição de 1988 antes da contrarreforma trabalhista. A resposta a esse questionamento nos remete à ideia de uma inversão constitucional, efetivada por decisões contra majoritárias, como soluções autoritárias para crises econômicas (MALTA, 2017MALTA, Maria de Mello; LEÓN, Jaime Winter. Soluções autoritárias para crises econômicas: aspectos brasileiros de golpes de classe. In: GEDIEL, José Antônio Peres;MELLO, Lawrence Estivalet; ZANIN, Fernanda; SILVA, João Luiz Arzeno da (Orgs.). Estratégias autoritárias do Estado empregador: assédio e resistências. Curitiba: Kaygangue, 2017), que são parte de uma agenda conservadora de ataque aos direitos sociais (MALTA, 2019).

No Poder Judiciário, a primeira decisão brasileira que revela, claramente, a aproximação entre a racionalidade vigente nas Cortes norte-americanas e o entendimento adotado nos tribunais brasileiros, em matéria trabalhista, pode ser encontrada no voto do ministro Roberto Barroso proferido em 03/03/2016, nos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 590.415/SC (BRASIL, 2016b).

Esse caso põe em confronto a validade do Plano de Demissão Incentivada (PDI) em relação à proteção legislativa referente à extinção do contrato de trabalho. O PDI proposto pelo Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), antes de ser sucedido pelo Banco do Brasil S/A, estabelece normas em convenção coletiva da categoria laboral, prejudiciais aos direitos legalmente assegurados aos trabalhadores.

O Ministro relator, em seu voto, registra que essa matéria não se encontrava pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e reconhece a existência de divergência jurisprudencial sobre a “validade da quitação ampla do contrato de trabalho em consequência de adesão a plano de demissão voluntária” (BRASIL, 2016b). O TST possuía entendimento diverso desde 2002, conforme exposto na Orientação Jurisprudencial n. 270: “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo” (BRASIL, 2002). Essa posição do TST foi alterada, definitivamente, pela decisão proferida no Plenário do STF também em 2016.

Segundo o Ministro Barroso, havia necessidade de o STF se pronunciar sobre a questão, porque “havia uma situação de insegurança jurídica na Justiça do Trabalho” (BRASIL, 2016b). Nesse percurso controverso da matéria, há uma evidente disputa de sentidos entre o papel da autonomia coletiva sindical e proteção legal. O Poder Judiciário há mais de uma década vem se mostrando permeável ao ethos empresarial predominante sobre os interesses dos cidadãos, aproximando a análise das decisões nacionais ao assinalado por Brown sobre a decisão Wal-Mart Stores, Inc. versus Dukes, et al, proferida pela Suprema Corte dos EUA, em junho de 2011 (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2011b).

A argumentação apresentada pelo ministro Barroso, para sustentar a validade do PDI em prejuízo de direitos dos trabalhadores, fundamenta-se, também, na valorização da vontade coletiva dos sindicatos que firmaram o acordo aprovando os termos do PDI proposto pelo Banco. Em seu voto, há uma pretensa valorização da vontade coletiva, assim assentada:

“No âmbito do direito coletivo do trabalho, não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites da autonomia individual” (BRASIL, 2016b).

E mais: “(...) em razão da adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego (...)” (BRASIL, 2016b, p. 01-02).

Nesse jogo de luz e sombras, em que transitam os argumentos e fundamentos da decisão, são mobilizadas categorias jurídicas que aparentemente fortalecem a autonomia coletiva, mas que são orientadas pela racionalidade econômica e pelo ethos empresarial. O que está realmente em jogo é “assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso.” (BRASIL, 2016b, p. 04). A decisão não questiona a quem interessam a demissão voluntária e a renúncia a direitos já adquiridos: se aos trabalhadores ou aos acionistas de empresas ou bancos, diante de grave risco de perda do valor de suas ações na bolsa, com dificuldades para serem adquiridos por outras empresas, como de fato foi o BESC adquirido pelo Banco do Brasil S/A.

A decisão proferida no RE 590.415/SC balizou, a partir daí, o tratamento da questão a respeito dos limites da autonomia coletiva de categorias laborais, diante de limites estabelecidos em lei em favor de direitos dos trabalhadores, nas situações em que as convenções coletivas diminuem ou atingem direitos indisponíveis. O STF passou a entender que, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade no âmbito do Direito do Trabalho, é possível afastar direito assegurado aos trabalhadores pela CLT. Firma-se o postulado da supremacia do “negociado sobre o legislado”.

Uma vez estabelecidos os pilares dessa racionalidade pela decisão do Ministro Barroso, o Ministro Teori Zavaski, no RE 895.759/PE (BRASIL, 2016a), invocou o artigo 7º da CF/88 para valorizar a vontade coletiva de acordo que transaciona normas de ordem pública antes incidentes sobre o contrato de trabalho, referentes ao pagamento de horas in itinere. Há, também neste acórdão, um enfraquecimento das normas de caráter protetivo e de natureza imperativa, que compõem o arcabouço constitucional dos direitos sociais dos trabalhadores.

O relator retoma os fundamentos expendidos no julgamento do RE 590.415/SC para desqualificar as regras protetivas do trabalho, cuja irrenunciabilidade é identificada no voto do Min. Roberto Barroso como uma “concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender com seus próprios erros, contribuir para a permanente atrofia de suas capacidades cívicas, por consequência, para exclusão de parcela considerável da população do debate público” (BRASIL, 2016b, p. 07). Desde esse momento, está em curso a alteração de uma racionalidade que permeava todo o Direito do Trabalho consolidado e que aponta para uma direção em que o contratualizado se sobrepõe ao legislado, mesmo que isso resulte em perdas econômicas para os trabalhadores.

2. Limites da Autonomia Contratual e Liberalismo Clássico

Para a construção dessa racionalidade econômica, as decisões apropriam-se de forma incongruente e até mesmo contraditória de categorias e conceitos provenientes do Direito Civil, formulados no período do Liberalismo Clássico do século XIX, que foram superados ou sofreram o impacto das contribuições da social democracia, desde o início do século XX. Essas categorias e conceitos, ao serem apropriadas pela racionalidade econômica neoliberal, afetam os direitos individuais dos trabalhadores e solapam as bases da democracia comprometida com a justiça social. A expressão autonomia contratual, por exemplo, sempre se apresentou problemática, mesmo nas relações contratuais de cunho patrimonial firmados entre sujeitos que ocupam posições mais ou menos equilibradas do ponto de vista econômico.

O aforismo do Direito Civil francês “Qui dit contractuel dit juste” (Quem diz contratual diz justo) não resistiu ao exame de situações em que se constata disparidade de posições jurídicas e a desigualdade de condições materiais entre contratantes, o que levou o direito civil francês a recuperar, ainda na segunda metade do século XIX, instrumentos do antigo Direito Medieval, como a cláusula rebus sic instantibus (adequação dos termos contratuais às circunstâncias fáticas do momento de execução do contrato, mantendo-se as condições básicas do tipo do negócio). Essas alterações na teoria contratual contrastam com a ideia do poder absoluto da vontade contratual, representada pela expressão pacta sunt servanda (os pactos ou acordos de vontade têm força obrigatória e devem ser cumpridos independente das condições em que foram avençados).

No fim do século XIX, os civilistas perceberam que não era possível cristalizar à vontade nos moldes expressos no momento da conclusão dos contratos, pois muitas vezes ocorrem mudanças substanciais nas condições fáticas materiais, no curso da vigência do contrato, antes do momento da execução da obrigação principal nascida desse contrato. Por exemplo, o contrato prevê o pagamento de uma soma em dinheiro, com a aplicação de uma taxa de juros, mas, devido a condições da economia e das políticas monetárias, esses juros podem se mostrar insuficientes ou abusivos, exigindo-se, em nome da aplicação da cláusula rebus sic instantibus, uma adequação do valor, para evitar, por exemplo, a onerosidade excessiva. O Superior Tribunal de Justiça utilizou essa fórmula, em inúmeras ocasiões, como se pode aferir do trecho a seguir:

Essa cláusula, resultante do labor jurisprudencial não afronta nenhuma lei. Ao contrário, ajusta as normas jurídicas ao sentido social dos fatos. Sabe-se, os acontecimentos recebem o impacto das mudanças da sociedade. Seja no plano moral, como no âmbito econômico. A inflação brasileira afeta diariamente as expressões econômicas das cláusulas contratuais. Urge analisá-las de modo a não gerar enriquecimento sem justa causa e que a expressão substancial seja superada por dados formais (BRASIL, 1990).

A consagração e a permanência da autonomia privada, como fundamento do Direito Civil, só se mantém porque se amoldou às necessidades sociais e à progressiva percepção de que a justiça não consiste apenas em dar a cada um que é seu, nos termos contratados, mas também em reconhecer que as partes contratuais são “iguais perante a lei”, mas desiguais, inclusive em decorrência das condições temporais e sociais em que estão inseridas. O poder da vontade, sobre o contrato, deixa de ser absoluto e é mitigado pelas condições que afetam a vida social e as partes contratantes.

O Direito do Trabalho, desde as primeiras demandas por regulamentação das práticas laborais, teve por finalidade amortecer a assimetria entre capital e trabalho concretizada nos contratos entre empregado e empregador, compreendendo o empregado como contratante mais fraco, na terminologia de Kahn-Freund (1983). Além disso, acolheu essas mudanças do conceito de autonomia contratual, que estavam em curso no Direito Civil e inaugurou outra percepção de justiça, de caráter protetivo ao mais frágil, que mais tarde foi ampliada para outros ramos do Direito, como o Direito do Consumidor, em que essas disparidades de posições das partes contratantes são evidenciadas e reequilibradas.

É necessário lembrar, também, que o exercício da autonomia privada, no campo do Direito Civil, está condicionado pela presença de direitos considerados indisponíveis, especialmente no que concerne aos Direitos da Personalidade. A vontade individual é limitada para impedir que o sujeito, ao operar livremente sua vontade, possa causar danos a si próprio ou à comunidade. Daí a necessidade de conjugar a autonomia privada com a proteção que resulta na restrição da liberdade do sujeito. Esta última observação pode ser transplantada para o Direito do Trabalho, no momento em que muitas regras imperativas são afastadas e no seu lugar inseridas fórmulas que asseguram ou potencializam o exercício da liberdade contratual por sujeitos, sem a proteção do Estado, e condicionados a abrir mão de seus interesses em nome da obtenção ou manutenção de um trabalho formal ou de um ganho indenizatório que evite uma demanda judicial prolongada e incerta.

A autonomia da vontade utilizada na perspectiva da economização dos direitos (economization of law), em decisões judiciais e dispositivos normativos referentes à irrenunciabilidade de direitos do trabalho, não deve ser lida de forma a conferir liberdade ilimitada ou desprotegida aos contratantes, como pretende o discurso neoliberal. Mesmo no Direito Civil, o postulado do liberalismo clássico foi limitado, em grau superior ao hoje sugerido para o campo trabalhista. Desse modo, compreender a nova racionalidade do Direito do Trabalho, ilustrada por alguns dispositivos da “contrarreforma trabalhista”, exige recuperar os fundamentos dessa limitação e ponderar em que medida a razão contratual se apresenta como possibilidade de expansão da violação a direitos irrenunciáveis no contrato de trabalho.

Ao se estabelecer um diálogo cuidadoso entre o Direito Civil e o Direito do Trabalho, pode-se questionar também se a liberdade contratual, num ambiente econômico neoliberal, não deve encontrar limites nos interesses personalíssimos do empregado contratado, especialmente no que diz respeito ao direito à privacidade (privacy) e aos Direitos Sociais.

Stefano Rodotà explicita a ampliação de sentidos que a privacy tem sofrido no Direito Continental europeu e com reflexos no Direito brasileiro:

Quem sabe decifrar o debate em curso, de fato, se apercebe que nesse não se reflete apenas o clássico tema da defesa da esfera privada contra a invasão do exterior, mas se realiza uma importante mudança qualitativa, que impele a considerar o problema da privacy antes no quadro da atual organização do poder, cuja infraestrutura informativa representa, de agora em diante, precisamente um dos componentes fundamentais.6 6 Tradução livre do original: “Chi sa decifrare il dibattito in corso, infatti, si accorge che in esso non si riflette soltanto il classico tema della difesa della sfera privata contro le invasioni dall’esterno, mas si realizza un importante cambiamento qualitativo, che spinge a considerare i problemi della privacy piuttoso nel quadro dell’atualle organizzazione del potere, di cui appunto l’infrastrutura informativa rappresenta ormai una delle componenti fondamentali” (RODOTÀ, 1977, p. 159). (RODOTÀ, 1977RODOTÀ, Stefano. La “privacy” tra individuo e collettività. In: RODOTÀ, Stefano. Il diritto privato nella società monderna. Bologna: Mulino, 1977. p. 159, p. 159)

Questiona-se, portanto, até que ponto a liberdade contratual pode resultar na renúncia e no absoluto despojamento dos direitos que recobrem a personalidade e os interesses de um dos polos contratantes, a ponto de tornar-se o contrato completamente artificial e desnecessário, para que possam ser atingidos os objetivos econômicos do outro polo.

3. Expansão das violações ao contrato de trabalho: a razão sacrificial e a contrarreforma trabalhista

A expressão cunhada por Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial - Neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade - Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.), economization of law, permite refletir não só a respeito da interpretação judicial dos direitos, mas serve também para esclarecer o sentido da reforma da legislação trabalhista, concluída um ano após as decisões do STF. Não é necessário analisar os mais de cem artigos reformados pela Lei 13.467/2017 para perceber que o desenho institucional conferido à categoria jurídica autonomia contratual, individual e coletiva, no “novo” Direito do Trabalho, se expressa de forma contundente e em uma direção diversa do anteriormente estabelecido no ordenamento jurídico.

Para se aferir a presença dessa racionalidade na Lei 13.467/2017, os artigos 444, §1º, e 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943), alterada pela contrarreforma trabalhista, são autoexplicativos. A CLT, em seu artigo 444, afirmava a ideia de limitação da liberdade do contrato de trabalho, flexibilizada em seu parágrafo único, acrescentado pela reforma trabalhista, com a criação da figura do empregado hiper suficiente, aquele que recebe mais de duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social e possui diploma de nível superior. Como se vê:

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

§ 1º. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Assim sendo, resta autorizada a todo aquele que possui um salário alto para os padrões brasileiros a negociação individual, nos parâmetros do art. 611-A, norma jurídica conhecida pela expressão “negociado sobre legislado”, já referida, ao permitir que acordos coletivos de trabalho, realizados entre sindicato de trabalhadores e empresas, e convenções coletivas de trabalho, realizadas entre sindicatos de trabalhadores e sindicatos de empregadores, prevaleçam sobre a lei, em temas e institutos referentes à jornada de trabalho, ao plano de cargos e salários, aos representantes de trabalhadores nos locais de trabalho, às gorjetas e até mesmo à medicina e à segurança do trabalho, como no caso da insalubridade.

São discursos jurídicos que se complementam e se articulam com o programa neoliberal, de forma processual7 7 Como afirma André Gambier Campos, ao destacar a reforma como parte de um processo de modificações legislativas: “Mencione-se que a atual reforma está focada, basicamente, nas relações de trabalho assalariadas, nas empresas privadas das áreas urbanas do país. Uma segunda reforma, dirigida às relações laborais assalariadas nos órgãos/entes públicos, principalmente naqueles federais, segue um roteiro paralelo de discussão legislativa. Assim como uma terceira reforma, voltada às relações de trabalho, assalariadas ou não, nos empreendimentos das áreas rurais” (CAMPOS, 2017, p. 09). , para reescrever a Constituição brasileira à luz da racionalidade econômica da eficiência, como afirma Aldacy Coutinho (2018COUTINHO, Aldacy Rachid. Reforma trabalhista brasileira e o Supremo Tribunal Federal: as escolhas trágicas? Revista da Faculdade Mineira de Direito, v. 21, n. 41, p. 31-52, 2018., p. 50):

(...) a reforma trabalhista não é um fato isolado na história brasileira contemporânea. Não é o algoz, senão mais um testemunho dessa transformação do Estado de bem-estar social que assume a lógica do mercado. Dessa forma, é possível compreender - embora não concordar ou aceitar - que venha a reforma conviver com uma Constituição cidadã. É que o texto constitucional vem sendo, por sucessivos processos hermenêuticos destruidores perpetrados inclusive e sobretudo pela pena do Supremo Tribunal Federal, sendo reescrita com a tinta da racionalidade econômica da eficiência.

Esses artigos de Lei indicam o reforço da autonomia contratual e buscam prestigiar e reformular a autonomia coletiva do trabalho, de modo a estimular a produção de normas pretensamente mais adequadas e rentes à realidade de cada categoria ou de cada trabalhador; resultam na diminuição do peso da intervenção estatal e dos sindicatos nos processos laborais; apostam no aumento da livre participação dos trabalhadores na vida sindical, na mesma linha fixada pelo Supremo Tribunal Federal nos acórdãos antes analisados (BRASIL, 2016a; BRASIL, 2016b).

A disputa política que visa ao aniquilamento dos Direitos Sociais e do incipiente e ambíguo Estado do Bem-Estar Social brasileiro produziu não só a mudança de rumo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mas também tirou proveito do desemprego e da informalidade que atinge milhões de trabalhadores brasileiros. Segundo os dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) para o ano de 2019, há cerca de 92,1 milhões de trabalhadores ocupados no país; no mês de fevereiro, o número de empregados com carteira assinada atingiu somente 33 milhões de pessoas (AGÊNCIA IBGE, 2019). Conforme dados do Anuário da Previdência Social, 74,2% das contribuições de pessoas físicas realizadas ocorrem por meio de trabalhadores empregados, de forma que esta é a principal forma de contribuição. E, portanto, de acesso ao sistema de benefícios previdenciários (COAQ/DATAPREV, 2017).

Para esse contingente de cerca de 13 milhões de desempregados e 23 milhões de trabalhadores informais, a demanda por direitos inerentes ao vínculo formal de trabalho se apresenta como um “privilégio”, expressão que ganha novo sentido com a contrarreforma trabalhista, que requalifica os postulados protetivos do trabalho livre, pois com a liberdade contratual ilimitada aproxima o contrato de trabalho do que Ricardo Antunes (2018) denomina privilégio da servidão.

O fortalecimento do desemprego crônico, como nos informa Mészáros (2016, p. 31), supera a ideia de exército de reserva8 8 Na teoria marxiana, o desemprego possui ao menos duas funções. A primeira é relativa à reserva de mão de obra, resultante das alterações na composição orgânica do capital, ou seja, ao processo mediante o qual o aumento do trabalho morto leva à diminuição da necessidade de trabalho vivo, resultando diretamente no desemprego, independentemente de se estar ou não em um momento de crise. Conforme Marx, "à medida em que se acumula o capital, tende a piorar a situação do trabalhador, suba ou desça sua remuneração" (MARX, 1987, p. 749). A segunda é conhecida como produção do "exército industrial de reserva", cujo objetivo precípuo é de regulação dos salários daqueles que se mantêm ocupados: “Em seu conjunto, os movimentos gerais dos salários se regulam exclusivamente pela extensão e contração do exército industrial de reserva, correspondentes às mudanças periódicas do ciclo industrial” (MARX, 1984, p. 739). e oferece aos gestores do capital uma forte limitação na busca de “soluções parciais”, em contraste ao período desenvolvimentista do pós-guerra. Trata-se do fim da possibilidade de pleno emprego em uma sociedade livre9 9 “Ele [o desemprego] já não é limitado a um “exército de reserva” à espera de ser ativado e trazido para o quadro da expansão produtiva do capital, por vezes numa expansão prodigiosa. Agora a grave realidade do desumanizante desemprego assumiu um caráter crônico, reconhecido até mesmo pelos defensores mais acríticos do capital como “desemprego estrutural”, sob a forma de autojustificação, como se ele nada tivesse que ver com a natureza perversa do seu adorado sistema (...) Atingimos uma fase do desenvolvimento histórico do sistema capitalista em que o desemprego é a sua característica dominante. Nesta nova configuração, o sistema capitalista é constituído por uma rede fechada de inter-relações e de interdeterminações por meio da qual agora é impossível encontrar paliativos e soluções parciais ao desemprego em áreas limitadas, em agudo contraste com o período desenvolvimentista do pós-guerra, em que políticos liberais de alguns países privilegiados afirmavam a possibilidade do pleno-emprego em uma sociedade livre. (MÉSZÁROS, 2016, p. 31). .

Considerações Finais

As categorias resultantes da análise realizada por Brown saem da obscuridade e se apresentam à luz dos refletores do STF, na cena jurídica brasileira. São essas categorias: a erosão dos direitos sociais constantes da estrutura normativa estatal; a aparente valorização da autonomia dos trabalhadores e a consequente responsabilização por eventuais erros de suas escolhas, em nome de uma razão sacrificial; a promessa neoliberal de libertar a cidadania do Estado, da política e das questões sociais.

É possível questionar como os trabalhadores poderão aprender com seus próprios erros e em que condições poderão participar do debate público, sem o manto protetivo das normas heterônomas, ao mesmo tempo que travam uma luta cotidiana no ambiente laboral, em condições de profunda desigualdade, diante de grandes grupos empresariais multinacionais, cujo ethos justifica a máxima precarização do trabalho para obtenção de maiores lucros.

A interpretação do Supremo Tribunal Federal, nos casos escolhidos, produziu efeitos para além da repercussão geral em sentido jurídico10 10 A repercussão geral se caracteriza como um requisito para a admissibilidade de recurso perante o Supremo Tribunal Federal. Em linhas gerais, o STF deve avaliar, nos recursos extraordinários que chegam para julgamento, se eles são relevantes e se transcendem o interesse das partes, merecendo análise por parte da corte constitucional brasileira. , pois essas decisões foram proferidas em meio a tumultuado processo político de impeachment presidencial levado a efeito por setores conservadores, com base nos artigos 85 e 86 da Constituição da República Federativa do Brasil CF/1988.

No plano político, o impedimento presidencial catalisou e traduziu, de maneira veemente, a disputa entre o modelo de Estado de Bem-Estar Social apenas desenhado na CF/1988, consolidando o avanço e o ataque do empresariado conservador sobre as frágeis e estratificadas proteções sociais ao trabalho, que se mostraram incapazes de reagir adequadamente a essa investida. Em meio a essa disputa, concretizou-se a proposta de setores neoliberais para redução do Estado, por meio da limitação orçamentária com despesas destinadas à proteção da saúde, da educação e à garantia da previdência social, entre outros Direitos Sociais (Emenda Constitucional n. 9511 11 A proposta modifica o texto da CRFB/1988, em seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como se vê no artigo 107: "Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas primárias: (...) § 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá: I - para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento); e II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária. § 2º Os limites estabelecidos na forma do inciso IV do caput do art. 51, do inciso XIII do caput do art. 52, do § 1º do art. 99, do § 3º do art. 127 e do § 3º do art. 134 da Constituição Federal não poderão ser superiores aos estabelecidos nos termos deste artigo. § 3º A mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária demonstrará os valores máximos de programação compatíveis com os limites individualizados calculados na forma do § 1º deste artigo, observados os §§ 7º a 9º deste artigo. § 4º As despesas primárias autorizadas na lei orçamentária anual sujeitas aos limites de que trata este artigo não poderão exceder os valores máximos demonstrados nos termos do § 3º deste artigo. § 5º É vedada a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total autorizado de despesa primária sujeita aos limites de que trata este artigo”. ).

As conclusões da teórica norte-americana soam como um vaticínio para a sociedade brasileira:

Em suma, a economicização da política e a redução da cidadania como investimento responsabilizado por si mesmo, por um lado, e como capital humano para a nação como empresa, por outro, significam que a cidadania é despida de voz e engajamento político substantivos, e a virtude cidadã resumida a um acomodar-se, sem queixas à vida econômica da nação. (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania Sacrificial - Neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade - Tradução Juliane Bianchi Leão. Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018., p. 42)

Está, portanto, em marcha um complexo processo político, jurídico e social que favorece a expansão da estratégia neoliberal por meio da economização dos direitos, economization of law, identificado por Brown nos EUA, e que, no Brasil, tende a se desenvolver e a se completar com uma série de medidas legislativas (contrarreformas). para diminuir os gastos do Estado com programas sociais e superar o déficit das contas públicas, atingindo o núcleo dos direitos sociais.

A frase pronunciada pelo atual Presidente da República ganha um sentido imediato, pois em sua campanha eleitoral, em 2018, afirmou que: "O trabalhador terá que escolher entre mais direito e menos emprego, ou menos direito e mais emprego" (UMPIERES, 2018UMPIERES, Rodrigo Tolotti. Bolsonaro diz no JN que trabalhador terá de escolher entre direitos e emprego. Infomoney, 28 ago 2018. Disponível em https://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7589379/bolsonaro-diz-no-jn-que-trabalhador-tera-de-escolher-entre-direitos-e-emprego. Acesso em 08 de abril de 2019.
https://www.infomoney.com.br/mercados/po...
). Nessa conjuntura e no contexto das reformas, o ataque aos direitos laborais atinge, diretamente, trabalhadores e trabalhadoras com vínculo formal, e vem combinado com uma estratégia de empreendedorismo, em que o contrato de trabalho é substituído por contratos de prestação de serviços ou pela simples relação mercantil. Afirma-se a legitimidade de uma autonomia contratual que resulta em prejuízos financeiros, políticos e existenciais à parte contratante mais fraca.

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  • 1
    Adota-se, neste texto, a definição de neoliberalismo formulada por Wendy Brown (2018, p. 13): “Um paradoxo, então. O neoliberalismo é tanto um modo específico de racionalidade, uma produção de sujeitos, uma 'condução de condutas' e um esquema valorativo. Ele dá um nome a reações políticas e econômicas historicamente situadas contra o keynesianismo e o socialismo democrático, assim como à prática mais generalizada de transformar em econômicas as esferas e atividades até então governadas por outras ordens de valor. Contudo, em suas diferentes encarnações em países, regiões e setores, em suas diferentes interseções com culturas existentes e tradições políticas, e, acima de tudo, em suas convergências e absorções de outros discursos e desenvolvimentos, o neoliberalismo toma formas diferentes e cria conteúdos e detalhes normativos diversos, diferentes idiomas. É globalmente onipresente, porém desunificado e desidêntico a si mesmo, no espaço como no tempo”.
  • 2
    Quando utilizam esse tipo de amostragem, os pesquisadores têm por interesse abordar um acontecimento que julgam mais “estratégico para o conhecimento do que [seria estratégico conhecer] sobre um meio social ou uma história de vida” (PIRES, 2008, p. 178). O acontecimento, no caso, é a modificação qualitativa da intervenção estatal sobre a autonomia privada que se expressa no contrato de trabalho.
  • 3
    “(...) a qualidade científica de uma pesquisa não depende do tipo de amostra, e também não mais da natureza dos dados (quantitativo ou qualitativo), mas sim do fato de ela ser, no conjunto, ‘bem construída’” (PIRES, 2008, p. 156)
  • 4
    Tradução livre dos autores: “Il dibattito politico attualmente in corso nei paesi membri dell'Unione europea trova fondamento nelle esigenze - non di rado viste in aperta contrapposizione - del rafforzamento costituzionale e legislativo del mercato, che si traduce nell'imperativo di una decisa riforma se necessario anche costituzionale, dello Stato Diritti sociale e dei diritti soggettivi che ne rappresentano da anni l'espressione più consolidata”.
  • 5
    O Min. Teori Zavascki diferencia transação e renúncia, afirmando que a renúncia não é autorizada pela jurisprudência do STF. Comentando precedente em que afastada norma coletiva que fundamentava renúncia de direitos, relata Zavascki “No julgamento desse recurso, analisou-se hipótese em que contestada a validade de disposição de norma coletiva de trabalho que, sem conferir qualquer vantagem aos trabalhadores, prefixou as horas in itinere em montante muito inferior ao tempo médio efetivamente despendido no trajeto ao local de trabalho. O caso então analisado não se confunde com o quadro verificado nestes autos, em que o cômputo das horas in itinere foi transacionado por outras vantagens concedidas aos trabalhadores” (BRASIL, 2016a, p. 12).
  • 6
    Tradução livre do original: “Chi sa decifrare il dibattito in corso, infatti, si accorge che in esso non si riflette soltanto il classico tema della difesa della sfera privata contro le invasioni dall’esterno, mas si realizza un importante cambiamento qualitativo, che spinge a considerare i problemi della privacy piuttoso nel quadro dell’atualle organizzazione del potere, di cui appunto l’infrastrutura informativa rappresenta ormai una delle componenti fondamentali” (RODOTÀ, 1977, p. 159).
  • 7
    Como afirma André Gambier Campos, ao destacar a reforma como parte de um processo de modificações legislativas: “Mencione-se que a atual reforma está focada, basicamente, nas relações de trabalho assalariadas, nas empresas privadas das áreas urbanas do país. Uma segunda reforma, dirigida às relações laborais assalariadas nos órgãos/entes públicos, principalmente naqueles federais, segue um roteiro paralelo de discussão legislativa. Assim como uma terceira reforma, voltada às relações de trabalho, assalariadas ou não, nos empreendimentos das áreas rurais” (CAMPOS, 2017, p. 09).
  • 8
    Na teoria marxiana, o desemprego possui ao menos duas funções. A primeira é relativa à reserva de mão de obra, resultante das alterações na composição orgânica do capital, ou seja, ao processo mediante o qual o aumento do trabalho morto leva à diminuição da necessidade de trabalho vivo, resultando diretamente no desemprego, independentemente de se estar ou não em um momento de crise. Conforme Marx, "à medida em que se acumula o capital, tende a piorar a situação do trabalhador, suba ou desça sua remuneração" (MARX, 1987, p. 749). A segunda é conhecida como produção do "exército industrial de reserva", cujo objetivo precípuo é de regulação dos salários daqueles que se mantêm ocupados: “Em seu conjunto, os movimentos gerais dos salários se regulam exclusivamente pela extensão e contração do exército industrial de reserva, correspondentes às mudanças periódicas do ciclo industrial” (MARX, 1984, p. 739).
  • 9
    “Ele [o desemprego] já não é limitado a um “exército de reserva” à espera de ser ativado e trazido para o quadro da expansão produtiva do capital, por vezes numa expansão prodigiosa. Agora a grave realidade do desumanizante desemprego assumiu um caráter crônico, reconhecido até mesmo pelos defensores mais acríticos do capital como “desemprego estrutural”, sob a forma de autojustificação, como se ele nada tivesse que ver com a natureza perversa do seu adorado sistema (...) Atingimos uma fase do desenvolvimento histórico do sistema capitalista em que o desemprego é a sua característica dominante. Nesta nova configuração, o sistema capitalista é constituído por uma rede fechada de inter-relações e de interdeterminações por meio da qual agora é impossível encontrar paliativos e soluções parciais ao desemprego em áreas limitadas, em agudo contraste com o período desenvolvimentista do pós-guerra, em que políticos liberais de alguns países privilegiados afirmavam a possibilidade do pleno-emprego em uma sociedade livre. (MÉSZÁROS, 2016, p. 31).
  • 10
    A repercussão geral se caracteriza como um requisito para a admissibilidade de recurso perante o Supremo Tribunal Federal. Em linhas gerais, o STF deve avaliar, nos recursos extraordinários que chegam para julgamento, se eles são relevantes e se transcendem o interesse das partes, merecendo análise por parte da corte constitucional brasileira.
  • 11
    A proposta modifica o texto da CRFB/1988, em seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como se vê no artigo 107: "Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas primárias: (...) § 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá:
    I - para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento); e
    II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
    § 2º Os limites estabelecidos na forma do inciso IV do caput do art. 51, do inciso XIII do caput do art. 52, do § 1º do art. 99, do § 3º do art. 127 e do § 3º do art. 134 da Constituição Federal não poderão ser superiores aos estabelecidos nos termos deste artigo.
    § 3º A mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária demonstrará os valores máximos de programação compatíveis com os limites individualizados calculados na forma do § 1º deste artigo, observados os §§ 7º a 9º deste artigo.
    § 4º As despesas primárias autorizadas na lei orçamentária anual sujeitas aos limites de que trata este artigo não poderão exceder os valores máximos demonstrados nos termos do § 3º deste artigo.
    § 5º É vedada a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total autorizado de despesa primária sujeita aos limites de que trata este artigo”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2019
  • Aceito
    05 Jan 2020
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