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Intensidades, excepcionalidades e violência – as leis “modernizadoras” da educação no Brasil em 1968

Intensities, exceptions and violence - the “modernizing” laws of education in Brazil in 1968

Resumo

Este trabalho tem como objetivo geral discutir, como diz o título, a experiência de intensidade atribuída ao ano de 1968 e a violência de Estado contida nas leis da Educação Superior implantadas no Brasil no período da ditadura (1964-1985). Para tal, o texto divide-se em quatro eixos: a) reflexões sobre os sentidos da intensidade em 1968, onde se inclui também a questão da violência, no mundo e no Brasil em especial; b) apresentação dos principais acontecimentos e das críticas relacionadas à política educacional da ditadura para o Ensino Superior e para o controle do movimento estudantil, com apogeu no ano de 1968; c) aprofundamento da análise dessa legislação, estabelecendo um debate historiográfico e observando sua relação com a violência de Estado e com os objetivos de modernização econômica do país segundo os ditames da Doutrina de Segurança Nacional; d) discussão sobre o significado de “estado de exceção” em termos teóricos, reexaminando suas origens históricas a partir do domínio colonial e, desde aí, trazendo considerações sobre a “excepcionalidade” da lei educacional no Brasil sob a ditadura.

Palavras-chave:
Modernização Capitalista; Ditadura; Legislação Educacional

Abstract

This paper aims to discuss, as the title shows, the experience of intensity attributed to the year 1968 and the State violence contained in the laws of Higher Education which were implanted in Brazil during the dictatorship period (1964-1985). Therefore, the text presents four axes: a) some reflections on the meanings of the intensity in 1968, which also includes the issue of violence, in the world and in Brazil in particular; b) a presentation of the main events and criticisms related to the educational policy of the dictatorship for Higher Education and for the control of the student movement, with its apogee in 1968; c) a deeper analysis of this legislation, setting a historiographic debate out and observing its relation with State violence and with the objectives of economic modernization of the country, accordingly to the dictates of the National Security Doctrine; d) a discussion of the meaning of “state of exception” in theoretical terms, reexamining its historical origins from the colonial domain and bringing considerations about the “exceptionality” of the educational law in Brazil under the dictatorship.

Keywords:
Capitalist Modernization; Dictatorship; Educational Laws

Os lírios não nascem da lei Meu nome é tumulto e escreve-se na pedra. (Carlos Drummond de Andrade, “Nosso Tempo”)

Moto 1 – Um marco de intensidades ou Introdução – A pluralidade dos tempos históricos e o caráter da historiografia como mediação entre passado e presente, cujas releituras de outras experiências temporais, espaciais e sociais ancoram-se (também, mas não somente) nas situações conjunturais vividas pelo estudioso, têm sido temática bastante discutida pelos historiadores, especialmente aqueles mais atentos às indagações acerca do sentido e do modus operandi da história. Uma data escolhida como marco histórico, seja dia, ano ou século, não é uma emanação per se, mas um conjunto de acontecimentos que aos olhos do observador apresentam um epicentro naquela data, permitindo que se fale em um antes e um depois. Segundo uma expressão benjaminiana, trata-se do signo de uma “constelação histórica”, onde se relacionam e organizam antecedentes, condicionantes, desdobramentos. Logo, a data histórica é um vértice de acontecimentos que marcam alguma mudança em meio às continuidades, ou, para usar outra imagem, um rasgo nos fios caoticamente embaralhados do novelo das permanências e transformações nos fluxos dos tempos. Em alguns casos, cabe sublinhar, no vértice ou rasgo afunilam-se muitos eventos, de onde a percepção, tanto para quem vive quanto para quem observa, de uma pujança, pulsação ou vigor excepcionais. Assim 1968.

Entretanto, os estudos que releem essa pulsação vigorosa e excessiva se farão, como de praxe, conforme as mediações intelectuais e sensíveis possibilitadas e limitadas pelo horizonte histórico presente. Mas igualmente, em cruzamento com isso, conforme as escolhas políticas de quem estuda e (re)interpreta o passado. Por isso observamos diferentes enfoques nos trabalhos de reflexão realizados nos sucessivos aniversários de 1968 em diversos países, embora em praticamente todos esteja presente a intensidade daquele ano (cujas franjas, segundo expressão machadiana, vão de 1967 a 1969, ou década de 1970 adentro, como no caso da Itália) –, intensidade esta já destacada por tantos “atores” e autores, dadas as explosões nas ruas do mundo, em diversas cidades e condições, de manifestações estudantis, operárias, civis... religiosas, econômicas, políticas, ideológicas, artísticas, culturais e contraculturais, ...revolucionárias e reformistas... e sua repressão. E por isso, imersos na experiência histórica do Brasil em 2018, nosso foco aqui volta-se para a violência também presente naquela intensidade, mais especificamente a violência contida na lei, isto é, as leis que regulamentaram a educação superior e o movimento estudantil brasileiro em 1968.

Não cabe nos limites deste trabalho uma reflexão aprofundada sobre o conceito e a prática da violência em geral, mas vale sublinhar que, diante dos acontecimentos do século XX, a questão se tornou crescentemente complexa. Considerada por inúmeros autores como uma experiência de difícil conceitualização, apesar de facilmente identificável por quem a sofre, física ou simbolicamente – analogamente ao que diz Sto. Agostinho sobre o tempo –, a violência contém uma dimensão de dano ou destruição por todos reconhecida 1 1 Na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), violência é "o uso intencional de força ou poder físico, de fato ou como ameaça, contra si mesmo, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha uma alta probabilidade de resultar em ferimentos, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação”. Informe mundial sobre la violencia y la salud. Washington, D.C., Organización Panamericana de La Salud, Oficina Regional para las Américas de La Organización Mundial de La Salud, 2003, p.5. (disponível online). O recurso a essa definição genérica pela maior parte dos autores contemporâneos não significa uma homogeneidade no tratamento da questão, mas um ponto de partida comum, importante para estudos comparativos, relatórios de violação de Direitos Humanos e políticas públicas de redução de danos. Desde aí se colocam os variados questionamentos filosóficos e análises empíricas, considerando diferentes situações históricas particulares (épocas, países, culturas, etc.). . Isto que em grandes linhas podemos chamar de uma ampliação do dano na experiência histórica contemporânea, dado o “progresso” nas tecnologias e estratégias de lesão e destruição, levou os estudiosos a pensarem diferentes tipos, condições e efeitos violentos. Foram incorporados os temas e problemas relativos não só aos homicídios e às guerras internacionais e civis, mas igualmente à “guerra fria” e “guerras sujas” 2 2 “Guerra suja” foi o termo usado para denominar a violência repressiva do Estado na ditadura militar da Argentina, com métodos que iam da astúcia ao terror, do sequestro de crianças ao genocídio, com absoluta desproporção de forças contra seus opositores, o que por si só invalida a assim chamada “teoria dos dois demônios”, em geral mobilizada para legitimar a violência do Estado contra as guerrilhas. O termo foi expandido para outras ditaduras latino-americanas, tais como no Paraguai (1954-1989), Brasil (1964-1985), Bolívia (1971-1981), Uruguai (1973-1985), Chile (1973-1990). Em meados dos anos 1970 esses regimes reuniram forças e, juntamente com Equador e Peru, criaram a Operação Condor, no âmbito da qual os respectivos esquadrões da morte operaram nacional e internacionalmente. A expressão peculiar à América Latina se tornou usada em qualquer lugar do mundo para referir a violência do Estado contra seus cidadãos rebelados. Cf. KOHUT; VILELLA (2016 , p.xi). ; à insurgência de guerrilhas rurais e urbanas; aos suicídios cometidos em nome de causas políticas; genocídios e chacinas; feminicídios e abusos sexuais e sexistas de toda ordem; estruturas sociais e políticas violentas em si, para manutenção da ordem segundo interesses e hierarquias; violência estatal e paraestatal, policial e miliciana; impedimentos ao pleno desenvolvimento das pessoas e comunidades; assentamentos e deslocamentos forçados; fome; criminalização da pobreza e dos movimentos sociais; sistemas penitenciários e políticas de encarceramento que vieram a substituir as políticas sociais no colapso do Estado de Bem-Estar... Na América Latina, África e Ásia, receberam novos olhares os processos da colonização, do imperialismo, do tráfico de escravos, da instituição de Estados (pluri)nacionais, pluriétnicos (qual não foi?) e oligárquicos, desdobrando-se em disputas por terras, relações clientelistas, laborais, sexuais, inter-étnicas marcadas por inúmeras formas de opressão, coação, agressão, selvageria... Provieram principalmente destes continentes os debates, inspirados sobretudo pelas leituras de Franz Fanon e Aimée Césaire, sobre a legitimidade da violência, ou seja, sobre as práticas do Estado colonial-imperialista e o direito de resistência, a violência do oprimido em nome da emancipação, o “efeito-bumerangue”. Na Europa, os horrores e posteriores debates sobre a II Grande Guerra e o Holocausto puseram à mostra a racionalidade tecno-burocrática da violência, os efeitos cruéis da indústria cultural, as feridas de corpos, subjetividades e vidas danificadas. Nos EUA, destacaram-se as discussões acerca da violência racial e sexual, bem como dos efeitos da Guerra do Vietnam, onde ficou claro que a guerra extrapola os contornos do monopólio da violência pelo Estado, conforme o conceito weberiano, e embebe a sociedade com brutalidade, trauma e dor, maculando as pretensas alegrias do consumo. 3 3 Para este levantamento de temáticas e debates, foram consultadas diversas obras. Não sendo possível mencionar todas, remetemos aos seguintes trabalhos norteadores: VARIKAS (2006) ; ADORNO (1993) ; HILGERS e MacDONALD (2007) ; GERLACH (2010) .

Tudo isso latejava, hoje sabemos, sob os acontecimentos de 1968, adensando os sentidos das experiências que ocorriam simultaneamente em diversos países e continentes. Intensidade evidentemente não é sinônimo de violência, embora a violência seja uma intensidade. Em linhas gerais, os testemunhos e os estudos sobre 1968 associam a noção de intensidade à experiência de ação histórica coletiva, de se estar concretamente “fazendo a história”, e com isso, a sensação de vivacidade de quem viveu um “tempo contraído”, “sem tempo morto”, um “momento 68” repleto de “grandes noites”, de “sonhos na rua” e da esperança de revirar a ordem social mediante um “internacionalismo concreto”, e assim realizar “impossíveis” com clarividência... o que depois decaiu em “pequenas manhãs”, foi reprimido ou derrotado – deixando contudo um profundo legado, que até hoje merece comemoração e esforços de compreensão. Tratava-se de um verdadeiro “acontecimento”, no sentido forte do termo, marcado pela multiplicidade temporal e espacial dos eventos, sincrônicos e concomitantes em diversos lugares do mundo, com conexões internacionais e especificidades locais, sendo por muitos considerado como não-categorizável, passível de expressão apenas por metáforas, trazendo consideráveis questões teóricas e metodológicas aos pesquisadores 4 4 Ver tais discussões especialmente em Justine Faure e Denis Rolland, “Introduction: Printemps moderne, automne conservateur” (2009, p,9-21); e no livro de Ludivine Batigny, cujo título De grandes noite em pequenas manhãs, também nomeia a filmagem de época de William Klein, L’ésprit de Mai 68, disponível com legenda em espanhol em: https://www.youtube.com/watch?v=2X6g5iZYees . Acesso em 10 março 2018. Algumas imagens foram utilizadas por João Moreira Sales em seu documentário No Intenso Agora, que a nosso ver pode ser melhor compreendido como uma reflexão sobre a intensidade temporal do que propriamente sobre a história dos eventos de 1968, dada a escolha do diretor pelo foco na subjetividade e pela ausência de muitas outras imagens de 1968 de que ele poderia dispor, se assim quisesse. .

Mas tanto no curso dos acontecimentos quanto nos debates realizados “em 1968” e posteriormente “sobre 1968” a questão da violência é também fundamental, posta na pauta dos dias por, entre outros, a guerra do Vietnam; o assassinato de Martin Luther King Jr., o movimento dos e contra os Panteras Negras, o Black Power e os Chicanos nos EUA, onde as manifestações hippies por “paz e amor” são a contraface da mesma moeda; as manifestações estudantis e operárias na França, Alemanha, Espanha e Itália; as tribulações da revolução cultural chinesa; a “Primavera de Praga” e sua repressão na Tchecoslováquia; os desdobramentos da Guerra dos Seis Dias no Oriente Médio, iniciados em 1967 e até hoje infindos; o massacre de cerca de 500 estudantes pelo governo mexicano na Praça das Três Cultural na Cidade do México; estudantes mortos pela polícia de governos ditatoriais ou autoritários na Argentina, Uruguai, Brasil... Se 1968 foi “o ano que modelou uma geração”, segundo disseminada expressão nos EUA, diferentes tipos e níveis de violência fazem parte do cimento modelador 5 5 “Esta é a história do que aconteceu com a América em 1968, os doze meses mais turbulentos do período pós-guerra e um dos intervalos mais perturbadores que vivemos desde a Guerra Civil. Neste século, somente a Depressão, Pearl Harbor e o Holocausto perfuraram a psique nacional tão profundamente quanto os dramas deste único ano. Mil novecentos e sessenta e oito foi o ano fulcral dos anos sessenta: o momento em que todos os impulsos de uma nação em direção à violência, idealismo, diversidade e desordem alcançaram o máximo de esperança possível - e o pior desespero imaginável. Para muitos de nós que atingimos a maioridade naquela época notável, já passaram vinte anos desde que vivemos com tanta intensidade.” KAISER (1988 , p.xv; tradução livre). A expressão é retomada pela edição especial da revista Time, jan-abr 2018: “1968, the year that shaped a generation”. .

No Brasil, a intensidade de 1968 constela-se na convergência de diversos influxos: do movimento estudantil, operário e contracultural internacional ao advento da Revolução Cubana e da Nova Esquerda; das ditaduras militares latino-americanas à sua relação com a política internacional (especialmente o projeto norte-americano para a América Latina), tendo como um de seus tristes emblemas a morte de Che Guevara em 1967; da violência de estado atingindo índices de terror ao processo de modernização nacional-desenvolvimentista; das teorias econômicas aos instrumentos jurídicos envolvidos em tudo isso; passando também pelas ações e reações dos movimentos sociais; pelas propostas estéticas de atualização cultural e seus embates; pelos estado das artes em todos estes itens... Em outras palavras, dentro dos vinte anos da ditadura brasileira, o ano de 1968 simboliza o ponto de confluência de tensões de diversa ordem , pois ainda que o golpe de Estado date de 1964, os efeitos sócio-político-econômico-culturais desses quatro primeiros anos desenrolam-se aos poucos, como já tem sido suficientemente mostrado.

“Por que 1968? Houve condições especiais para aquele ano especial?”, pergunta o entrevistador a Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de Estudantes (UME), em 1968. “Eu digo que 1968 foi a última vaga da luta em defesa da legalidade de 1964”, diz ele (Ap. REIS, 1988 __________. 68, a paixão de uma utopia. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. Inclui ensaio fotográfico de Pedro de Moraes. (Pensando o Brasil, 9). , p.99). Claro está que se trata da legalidade do Estado de direito anterior ao golpe, uma vez que depois os atos legislativos ditatoriais foram numerosos, combinando um largo espectro de Atos Institucionais, leis de censura e controle da imprensa e das diversões públicas, inúmeros decretos-lei, incluindo o decreto que permitia ao presidente recorrer a decretos secretos, a Constituição de 1969, a Lei de Segurança Nacional, etc. Como discutiremos no próximo item, o período que compreende 1967-68 significou uma espécie de movimento de respiração e resistência dos setores politicamente ativos da sociedade brasileira (greves, movimento estudantil, mobilização de setores intelectuais, artísticos e da Igreja progressista) que será duramente golpeada pelo maior endurecimento do regime a partir de 1968. Nesse ano e nos seguintes, a legislação recrudesceria os instrumentos de censura e repressão. Em tal quadro, o Ato Institucional n°5, em dezembro de 1968 – suspendendo o habeas-corpus, aumentando o nível de repressão estatal sobre o processo político que se desdobrava dos anos anteriores e derivando em crescente violência nos anos seguintes –, tem sido continuamente citado como divisor de águas na experiência histórica brasileira, de modo que o conjunto “1968/AI-5” se configura propriamente como um marco de intensidades.

A despeito de ter-se tornado comum a noção de que o recrudescimento repressivo foi uma resposta da ditadura à movimentação social, pode-se argumentar que o endurecimento não decorria circunstancialmente dos episódios políticos, nem de um “golpe dentro do golpe”. De modo geral, esse marco ou sub-marco “1968-AI-5” ficou associado a essa ideia em razão das disputas existentes dentro das Forças Armadas, seja com relação à condução da política econômica, menos ou mais aberta à incidência do capital internacional no mercado brasileiro, seja com relação à continuidade, tipo e intensidade das medidas repressivas – conforme se observa nos documentos ou depoimentos sobre o modo como foi promulgado o quinto Ato Institucional, durante o qual, p.ex., o coronel Jarbas Passarinho, Ministro do Trabalho e futuro Ministro da Educação, mandou “às favas […], neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência” ( PASSARINHO, 1968 PASSARINHO, Jarbas. Íntegra do voto da sessão de decretação do AI-5. 1968. Áudio e texto disponíveis em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/personas/jarbasPassarinho.html Acesso em 18/04/2017.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/trei...
). Assim, é cabível dizer que não se tratava de um golpe nos golpistas, mas sim do amadurecimento de um processo há muito iniciado, em que a Doutrina de Segurança Nacional se aliava à velha tradição do pensamento autoritário brasileiro para reafirmar um projeto de nação baseado numa “utopia autoritária”, que cimentava e unia a ideologia de diferentes correntes militares, isto é, “a crença de que seria possível eliminar quaisquer formas de dissenso (comunismo, ‘subversão’, ‘corrupção’) tendo em vista a inserção do Brasil no campo da ‘democracia ocidental cristã’.” (FICO, 2004 ___________. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História (Impresso), São Paulo, v. 24, n.47, p. 29-60, 2004. , p.34).

No entanto, se há discordância a esse respeito, a experiência social e política leva a maioria dos autores a concordar com a importância de 1968. No campo da história intelectual e cultural, com base sobretudo em argumento de Roberto Schwarz (2001 SCHWARZ, Roberto. Cultura e Política: 1964-1969. In: Cultura e Política . São Paulo: Paz e Terra, 2001. : 50), compreende-se que não se trata de dizer que não houve ditadura desde 1964, mas que a repressão atingiu primeiro e prioritariamente as lideranças políticas, os meios operários e sindicais, e só posteriormente o meio cultural. Nas palavras do crítico literário, poeta e músico Antônio Carlos de Brito (Cacaso), na época professor de filosofia na PUC-Rio, em um artigo que se desvela também como depoimento:

Entre 64 e fins 68, por exemplo, polemizou-se ardorosa e fartamente. A vida cultural, nos primeiros cinco anos de ditadura, manifestou-se pra valer. Uma cultura de esquerda, não sendo impedida, floresceu e radicalizou-se num regime de direita. Foi a partir de fins de 68, com o AI-5, que a coisa mudou. Do ponto de vista da cultura, de certa forma, a ditadura começou de 69 em diante. É este o momento da brutalidade, do esmagamento. Por questões de cultura, corria-se perigo de vida. ( BRITO, 1997 BRITO, Antônio Carlos Ferreira. Você sabe com quem está falando? (As polêmicas em polêmica). In: Não quero prosa . (org e seleção: Vilma Arêas). Campinas/Rio de Janeiro: Unicamp/UFRJ, 1997. , p.104). 6 6 A visão de uma cultura tendencialmente de esquerda florescendo no regime ditatorial encontra-se em Schwarz, op.cit.

No embate de forças e projetos, a partir de 1968 vencia e se impunha a ordem autoritária civil-militar, desdobrando-se na tessitura social em um tipo de “ethos persecutório”, baseado na disseminação da prática da delação desde o golpe de 1964. Passou a ser vigente uma obsessão pela vigilância, como forma de prevenir aquilo que se denominava, com base na Doutrina de Segurança Nacional, de “propaganda subversiva” ou “guerra psicológica contra as instituições democráticas e cristãs”, criando um fenômeno típico das sociedades autoritárias, em que a lógica da produção da suspeita importa mais que a informação propriamente 7 7 Sobre a suspeição na esfera da cultura ver Napolitano (2004) , que desenvolve a idéia de “ethos persecutório” a partir dos trabalhos de Carlos Fico e a de “lógica da suspeição” a partir de Marionilde Magalhães. . Maria Helena Moreira Alves (2005 MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984) . São Paulo: EdUSC, 2005. , p.70) reproduz o texto de uma revista da época acerca da orientação para os agentes de informação: “Quando o fato é notório, este independe de provas, conforme preceito geral do direito, que aboliu o sistema de certeza legal, libertando o julgador de preconceitos textuais.” Com efeito, o aparato repressivo acolhia acusações de subversão sem investigar a veracidade dos fatos ou a confiabilidade dos informantes, bastando-lhes enquadrar o testemunho do delator anônimo no conceito de opinião pública, vaga e indefinida, como convinha. A corrupção, a delação, o oportunismo, a alienação revelavam o autoritarismo vigente. Acompanhavam esta atmosfera sentimentos de intimidação e paranoia, tanto por parte de civis quanto de militares. Junto com isto, o debate político na intelectualidade crítica se fragmentou e reduziu após 1968, pois só podia manter-se de modo restrito e subterrâneo. A esfera da cultura foi especialmente atingida, posto que tida a priori como suspeita, meio de atuação de comunistas e “subversivos”. As gerações mais jovens em especial experimentaram um momento de desânimo, muitos se auto-exilavam ou eram obrigados a tal, outros preferiam o silêncio (BRITO, 2004, p.132-133).

Tudo indica a ocorrência no passado recente brasileiro de transformações significativas, afetando consideravelmente o modo de vida. A relação entre Estado oligárquico e sociedade, que experimentara uma inflexão democrática, ainda que bastante limitada, entre 1945 e 1964 – no período denominado pela historiografia de “nacional-desenvolvimentista”, ou “populista”, ou “era Vargas” 8 8 O que resulta em interpretações diferentes sobre o significado do golpe, conforme as leituras que se façam neste debate político e historiográfico. Para os limites deste artigo não cabe a discussão deste tema; para uma visão do assunto ver Melo (2014) . – modificava-se e deteriorava-se com o fechamento dos canais de articulação política civil, com exceção do grupo próximo ao poder. O recrudescimento dos instrumentos institucionais de censura e repressão; as perseguições da polícia política; as longas listas de infrações disciplinares, de cassação e suspensão de parlamentares e intelectuais considerados subversivos; as reformas educacionais que se efetivaram apesar de combatidas, conviviam com uma política econômica que criava as condições, num primeiro momento, de um crescimento baseado em arrocho salarial e vultuosos empréstimos externos, conhecido como “milagre brasileiro”, e, a seguir, de um processo recessivo.

A perplexidade perante a ação violenta do Estado brasileiro, de seus disfarces legais e sua pretensão de legitimidade não poderia ser maior ( REZENDE, 2013 REZENDE, Maria José de. A ditadura militar no Brasil: repressão e pretensão de legitimidade: 1964-1984 [livro eletrônico]. Londrina: Eduel, 2013. ; VIEIRA, 2013 VIEIRA, Beatriz de Moraes. “(Des)memória de perplexidades: Brasil, década de 1970”. Confluenze. Dipartimento di Lingue, Letterature e Culture Moderne, Universitàdi Bologna. Vol. 5, No. 1, 2013, pp. 48-65. ) 9 9 Para a discussão sobre os diversos mecanismos usados pelo Estado com o objetivo de se autolegitimar, ver o trabalho de Rezende (2013) . A noção de perplexidade, presente na maioria dos materiais de época produzidos sob ou sobre a ditadura, é objeto de pesquisa em andamento. Para um resultado parcial, ver o artigo de VIEIRA aqui referido. . Sob os governos ditatoriais, o Estado utilizou sua prerrogativa de força armada e legisladora para censurar, reprimir manifestações públicas, torturar, exilar, executar sumariamente, manipular e negar informação, violar corpos e documentos, mentir, apagar vestígios, desvirtuar fatos, legislar em favor de interesses privados; e por fim, se auto-anistiar.

Em face da situação geral instalada, pode-se compreender que 1968 fosse um tumulto escrito na pedra.

Moto 2 – Dura lex – Embora o AI-5 seja expressão do fechamento do regime, ele é simultaneamente o aprofundamento da ditadura e do projeto de poder nela incorporado, o que faz dessa ferramenta repressiva um mecanismo destinado à aceleração de um projeto político e econômico mais amplo, contra o qual se insurgiam outras forças sociais. Para compreender o ano de 1968 no Brasil, em especial o movimento estudantil e o quadro político-cultural vivenciado nas universidades como um todo, é importante resgatar os conflitos anteriores e a especificidade das lutas travadas no período. Os anos de 1967-68 “foram palco de uma tentativa de recuperação de espaço político pelas forças que lutavam contra o regime ditatorial” (FERNANDES, 1979 __________. Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução? São Paulo: Alfa e Ômega, 1979. , p.VII). É significativa a resposta de Luis Travassos, presidente da União Estadual de Estudante (UEE) em 1966-67 e presidente da UNE em 1967-68, à pergunta sobre a luta geracional, em entrevista à Revista Realidade, em julho de 1968: “É preciso desmistificar essa história de conflito de gerações, poder jovem e outras bobices. O que há – quer a gente queira ou não – é uma luta de classes. Não é de moços contra velhos, mas de oprimidos contra opressores. E os estudantes querem lutar junto com o povo por sua libertação”. (Ap. REIS, 1988 __________. 68, a paixão de uma utopia. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. Inclui ensaio fotográfico de Pedro de Moraes. (Pensando o Brasil, 9). , p.98).

Isso explica em parte porque o movimento estudantil também foi atingido, as universidades atacadas e o meio cultural perseguido, apesar do alvo prioritário da coalizão de classe alçada ao poder com o golpe em 1964 ter sido a desarticulação das organizações de trabalhadores urbanos e rurais. São relativamente conhecidos os episódios do incêndio do prédio da União Nacional dos Estudantes (UNE) no Rio de Janeiro e os expurgos massivos na Universidade de Brasília (UnB), aos quais se articulam outros episódios de arbítrio ao redor do país, atravessando o ano de 1964 ( CUNHA, 1988 CUNHA, Luiz Antonio. A universidade reformanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. , p.39-86; CNV COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Violações de Direitos Humanos na Universidade. Volume 2. Parte 6. Brasília: 2015. , v.2, parte 6, 2015, p.268-272). Logo nos primeiros dias após o golpe, no dia 19 de abril, o Ministro da Educação baixava a Portaria 259, que permitia a instauração de inquéritos administrativos nas universidades, vistas pela coalizão golpista como possíveis “focos de subversão”. As portarias do Ministério da Educação e Cultura (MEC) posteriormente se articulariam com o Decreto 53.897 que regulamentava os artigos sétimo e décimo do AI-1, de 27 de abril de 1964. Esse decreto ordenava a criação de uma Comissão Geral de Investigações em âmbito nacional para centralizar informações e realizar investigações sumárias. Tal Comissão Geral, por sua vez, se capilarizaria em diversas universidades, dando origem às chamadas Comissões de Investigação e Inquérito que levariam os Inquéritos Policial-Militares (IPM) para dentro das universidades (ALVES, 2005, p.80).

A própria UNE nesse percurso foi decretada ilegal e um conjunto de leis foram baixadas com o fito de desarticular as organizações estudantis e retirar sua autonomia. Dentre essas, a chamada Lei Suplicy de Lacerda (4464/64), de novembro de 1964, objetivava submetera representação estudantil à estrutura hierárquica das universidades, criando órgãos estudantis atrelados ao regime, destinados a construir “por dentro” as políticas educacionais costuradas pela ditadura, e convertendo potencialmente os Diretórios Acadêmicos em equivalentes a centros de atividades recreativas. Essa lei procurava dar às entidades estudantis um caráter “técnico” e burocrático de apoio à reitoria e aos órgãos de Estado, tentando eliminar a dimensão contestatória do movimento estudantil. Criaram-se assim Diretórios nacionais e estaduais “fantasmas”, com o objetivo de frear a UNE e impedir sua atuação. O movimento estudantil passou a organizar campanhas de boicotes a essas instituições criadas pela lei, e o XXVII Congresso da UNE deliberou pela criação de diretórios livres, que deveriam ser constituídos como organizações civis, produzindo seus próprios estatutos e registrando-os em cartório na tentativa de escapar aos mecanismos de controle da legislação repressiva (ADUFF, 2018 ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UFF. “Atitudes de Rebeldia” – As formas da universidade tecnocrática, o aparato vigilante/repressivo e as resistências dos professores da UFF. Rio de Janeiro: Usina Editorial, 2018 [no prelo]. ). Apesar dessa campanha, as perseguições seguiram acontecendo dentro e fora das universidades ao longo do ano de 1964 (CNV COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Violações de Direitos Humanos na Universidade. Volume 2. Parte 6. Brasília: 2015. , v.2, parte 6, 2015, p.268-272).Instaurou-se assim com o golpe um quadro que se pode chamar de “terrorismo cultural” ( SODRÉ, 1965 SODRÉ, Nelson Werneck. O terrorismo cultural. Revista Civilização Brasileira, ano I, n.1, março de 1965. ) pelo modo como se deram as variadas formas de perseguição e arbítrio no meio universitário.

Durante esses anos, o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) – organização empresarial que desempenhou um papel central na campanha de desestabilização do regime pré-64 e no golpe de Estado, e cujos membros foram alçados a postos-chave do aparelho estatal ditatorial até sua extinção em 1971 – foi protagonista na elaboração de uma concepção empresarial de universidade, ao formular as diretrizes principais do projeto de educação superior implementado no período (CUNHA, 2014 __________. O legado da ditadura para a Educação Brasileira. Revista Educação e Sociedade, v. 35, n.127, abr-jun 2014. , p.359; 1988, p. 39 e p.317). Entre as diretrizes do IPES, compartilhadas por outros atores do Estado e do mercado que operavam num campo ideológico comum, destacam-se as seguintes percepções: a ênfase nas chamadas teorias econômicas da educação que associam educação à valorização de capital humano a ser inserido no mercado; o mercado como regulador da oferta de vagas; a associação entre educação e controle social a partir das orientações econômicas, sociais e políticas do país ( SOUZA, 1982 SOUZA, Maria Inêz Salgado de. Os empresários e a educação: O IPES e a política educacional após 1964. Petrópolis: Vozes, 1982. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Seção de Arquivo Permanente. Acervo ASI-UFF. , p.106-107); a relação entre educação e adestramento de mão-de-obra ( IPES, 1969 INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS (IPES). A educação que nos convém. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1969. , p.205). Deste modo, “o traço essencial da política educacional que se propunha era a formação de recursos humanos necessários para se manter o crescimento de uma economia capitalista” ( SOUZA, 1982 SOUZA, Maria Inêz Salgado de. Os empresários e a educação: O IPES e a política educacional após 1964. Petrópolis: Vozes, 1982. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Seção de Arquivo Permanente. Acervo ASI-UFF. , p.108). Boa parte dessas diretrizes foi sendo incorporada sucessivamente em planos de Estado, legislações e documentos oficiais em diferentes esferas nos anos posteriores.

Embora menos influente que o IPES no que se refere à política educacional em estrito senso (CUNHA, 2014 __________. O legado da ditadura para a Educação Brasileira. Revista Educação e Sociedade, v. 35, n.127, abr-jun 2014. , p. 359), a Escola Superior de Guerra ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico da Escola Superior de Guerra . Departamento de Estudos – MB-75. Rio de Janeiro: APEX Editora, 1975. (ESG) 10 10 Sobre a relação ESG-IPES, ver: DREIFUSS, 1986 , p. 71, p.77-82 e 361-370. também foi um ator importante no amplo projeto educacional da ditadura. Além da elaboração das bases do projeto de lei que implementaria a “Educação Moral e Cívica” e o “Estudos de Problemas Brasileiros” nos currículos educacionais, as diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional(DSN) foram incorporadas nas universidades através da intervenção permanente dos órgãos de controle e repressão no dia-a-dia universitário, sobretudo a partir de 1971 com a criação das Assessorias de Segurança e Informações. Para a ESG, a educação era associada às noções de segurança e desenvolvimento, e possuía tanto uma dimensão ideológico-disciplinar de difusão dos valores e condutas defendidos pela DSN, quanto uma dimensão a serviço do treinamento da força de trabalho (ESG, MB-1975, p.153) 11 11 “A acumulação de capital humano através da educação tem fundamentalmente dois efeitos: - O aumento da produtividade do fator trabalho, que se reflete no mercado por aumento no salário real; - O aumento na mobilidade do fator trabalho, que passa a explorar, de maneira mais efetiva, as diferenciações de produtividade setorial existente na economia. Corresponde, portanto a aumento na capacidade de utilizar fatores de produção de maneira mais eficiente” (MB-75, p. 153). . É sobretudo a associação entre educação, disciplina e conformação de comportamentos que sobressai no Manual Básico da ESG, segundo o qual um dos objetivos da educação é a produção de ajustamento social, atuando nitidamente no processo de preservação e reprodução do status quo12 12 “Educação é o processo de assimilação e transmissão de conhecimentos e valores culturais do grupo social que visa levar o ser humano à realização de suas potencialidades. Em sentido amplo, é sinônimo de socialização, adaptação à vida. Os programas educacionais nem sempre enfatizam devidamente a educação social que deve dar às pessoas consciência do seu lugar, seus papéis e sua articulação com a sociedade. Em sentido restrito, a educação compreende todos os processos, institucionalizados ou não, que visam a transmitir, ao longo da vida dos membros da sociedade, os conhecimentos e padrões de comportamento que asseguram a continuidade de sua cultura” (MB-75, p.170). . Ademais, em alguns documentos produzidos a partir da DSN, a educação também era vista como meio de propagação da “guerra psicológica” 13 13 Ver: Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo da Assessoria de Segurança e Informação da UFF. Caixa 8. Manual de “Guerra Psicológica” da Divisão de Segurança e Informações do MEC. [sic], de forma a combater o que era concebido como o “inimigo interno”: o comunista ou o subversivo– e por relação metonímica, o estudante e a universidade...

Nos anos posteriores a1964, junto ao esforço de preservação das entidades estudantis combativas e das campanhas de solidariedade ao movimento de trabalhadores urbanos e rurais, o movimento estudantil foi um dos principais atores à frente da luta contra os acordos entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). Junto ao golpe, passou a ser cada vez mais frequente o desembarque de consultores estrangeiros que vinham propor diagnósticos/prognósticos no sentido de submeter as universidades a padrões de racionalidade empresarial, afinados com a organização universitária dos países do centro do capitalismo. A tal fatos e somou a elaboração por parte do Ministério do Planejamento, sob a direção do empresário Roberto Campos, do chamado Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), em 1965, quando se definiu oficialmente a educação como “capital humano” ( CUNHA, 1988 CUNHA, Luiz Antonio. A universidade reformanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. , p.70-71) – um traço significativo, que reapareceria em documentos oficiais posteriores e marcaria a concepção de educação e de universidade por parte da ditadura. Influenciadas pelas chamadas teorias econômicas da educação, tal concepção via no processo educacional um ativo econômico a ser inserido no mercado à procura de valorização, percebendo no sujeito educado que a adquire uma empresa-de-si-mesmo em competição com outras por ganhos mercantis. Em uma perspectiva próxima ao PAEG realizou-se o diagnóstico preliminar (ele também um prognóstico) para a elaboração do Plano Decenal de Desenvolvimento ( BRASIL, 1966 BRASIL. Plano Decenal de desenvolvimento Econômico e Social. Educação (II). Diagnóstico preliminar. Brasília: Ministério do Planejamento-EPEA, 1966. , p.180), conectando a educação ao treinamento de mão-de-obra/recursos humanos capazes de manusear conhecimento técnico-científico avançado. Tal concepção ainda estaria presente no Plano Decenal de 1967 ( DREIFUSS, 1986 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. , p.442-443), que foi abandonado no governo Costa e Silva, ao contrário dessa percepção sobre a educação que se manteve como um fio condutor das políticas educacionais da ditadura.

Foi também durante os anos de 1965-66 que passaram a ser modeladas algumas medidas que se aprofundariam com a Reforma Universitária de 1968, no sentido de modificar o arcabouço organizativo, institucional e administrativo das universidades, intensificando a subjugação destas ao poder central e retirando ainda mais a sua autonomia. Uma dessas medidas seria o Decreto-Lei 53/66, que dentre outras medidas impunha (art. 2º, V) a possibilidade de supervisão do ensino e da pesquisa na universidade por órgãos centrais e de implementação dos ciclos básicos, o que significava a afirmação da lógica do corte de gastos 14 14 A implementação dos ciclos básicos, a partir da vedação da duplicação de meios para fins equivalentes (art.1º), significaria concretamente a tentativa de alocar o máximo de alunos nas turmas dos ciclos básicos, mesmo sendo de diferentes cursos e com diferentes especificidades pedagógicas. Segundo Cunha (1988 , p.319): “A eliminação da 'duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes” foi um dos principais vetores da reforma universitária no período, buscando-se aumentar a produtividade dos recursos humanos e materiais existentes, bem como interligar as ilhas acadêmicas que a estrutura atomizada de faculdades/escolas/institutos definia como unidades quase independentes”. e redução das verbas destinadas à educação, o que passa a ser uma constante durante a ditadura.

Na contramão da elaboração de uma política empresarial-militar para as universidades, o movimento estudantil procurou recuperar-se dos impactos inicialmente sofridos com o golpe e reconstruir a urgência de um conjunto de reivindicações que se expressavam dentro das universidades. Em uma discussão que vinha de anos anteriores, intensificou-se durante os anos de 1965-67 a reivindicação em torno da incorporação dos chamados “estudantes excedentes” como um ponto de pauta importante do movimento estudantil. Os chamados excedentes eram candidatos que obtinham a média de aprovação nos exames admissionais nas universidades, mas não conseguiam matrículas nas turmas por conta da falta de vagas. Isso fazia com que muitos acampassem ou madrugassem na frente das reitorias na expectativa de conseguir vaga e matrícula. O movimento estudantil procurava se solidarizar com a reivindicação dos excedentes por matrículas, e esse era um dos principais pontos de embate com as reitorias e os efeitos das políticas educacionais naquele momento. A luta estudantil obteve que em determinados momentos tais estudantes conseguissem matrícula, embora frequentemente em situações precárias, como matrículas para os anos seguintes, para turmas superlotadas e etc. A reivindicação do movimento estudantil se desdobrava em outros pontos de conflito com o governo, levantando o debate sobre a ampliação de verbas para a educação, a universalização do acesso e a crítica das políticas educacionais implementadas (ADUFF, 2018 ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UFF. “Atitudes de Rebeldia” – As formas da universidade tecnocrática, o aparato vigilante/repressivo e as resistências dos professores da UFF. Rio de Janeiro: Usina Editorial, 2018 [no prelo]. ) 15 15 Ver também as entrevistas com lideranças estudantis em REIS, 1988, p.97-194. .

Essas lutas deram fôlego ao movimento estudantil e permitiram sua melhor organização, ainda que insuficientemente. Nesse processo, o movimento estudantil passou a ocupar um papel importante na resistência contra a ditadura. No ano de 1967 explodiu em diferentes espaços o protesto estudantil, sendo em geral respondido com medidas repressivas. Após a campanha da UNE pelo boicote das entidades pelegas criadas pelo governo em 1964 ter sido parcialmente vitoriosa, reiteraram-se os mecanismos legislativos destinados a atacar o movimento estudantil. O decreto 228 de 1967 procurou alterar novamente a estrutura da representação estudantil. Se em 1964 a campanha de boicote havia levado à criação de Centros Acadêmicos como entidades civis dotadas de autonomia jurídica, esse decreto visou a transformá-las em Diretórios Acadêmicos, regulados pelos estatutos das universidades, significando a perda da autonomia. Os estatutos que até então eram elaborados pelos próprios estudantes passam a sofrer intervenções das reitorias, que funcionavam em geral como canais tutelados de expressão das vontades do regime e como tais elaboravam dispositivos extra-estatutários para regular o funcionamento dos DA's (ADUFF, 2018 ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UFF. “Atitudes de Rebeldia” – As formas da universidade tecnocrática, o aparato vigilante/repressivo e as resistências dos professores da UFF. Rio de Janeiro: Usina Editorial, 2018 [no prelo]. ).

Ao lado disso, uma das principais pautas do movimento estudantil em 1967era a denúncia dos acordos MEC-USAID, assinados em sua maioria entre 1964 e 1966 (CUNHA e GÓES, 1984 __________ & GÓES, Moacyr de. O golpe na Educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. , p.33-34), mas só revelados publicamente a partir de novembro de 1966 ( LIMA, 1968 LIMA, Lauro de Oliveira. Prefácio. In: ALVES, Márcio Moreira. Beabá dos MEC-USAID. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1968. , p.7). A UNE, então na clandestinidade, lançou em junho de 1967 uma jornada nacional de lutas contra os acordos, o que resultou em manifestações estudantis nas ruas de diversas cidades( MOTTA, 2014 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014. , p.96). Intensificava-se conjuntamente a luta pela incorporação dos estudantes excedentes e contra as políticas de corte de verbas públicas para a educação, que revelavam inequívoca orientação privatista ( LEHER e SILVA, 2014 LEHER, Roberto & SILVA, Simone. A universidade sob céu de chumbo: A heteronomia instituída pela ditadura empresarial-militar. Revista Universidade e Sociedade, Brasília, nº54, agosto de 2014. , p.15), pois além da vinculação de uma porcentagem do orçamento público para a educação haver sido eliminada durante a ditadura, houve redução progressiva do percentual de verbas para a área e transferência para o setor privado. Isso seria explicitado na Constituição outorgada em 1967, cujo artigo 168 §2º indica que a educação privada passaria a contar com recursos públicos.

Assim, entre fins de 1967 e início de 1968 diversas manifestações de alunos e professores aconteceram ao redor do país (CNV COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Violações de Direitos Humanos na Universidade. Volume 2. Parte 6. Brasília: 2015. , v.2, parte 6, 2015, p.273). No Rio de Janeiro, no dia28 de março, a invasão do restaurante universitário Calabouço, no centro da cidade, e o assassinato pela polícia do estudante paraense Edson Luís, originaram a revolta demais de 50 mil pessoas, que acompanharam seu corpo até o velório na Assembleia Legislativa. Esse episódio replicou diversos protestos ao redor do país contra a repressão e as perseguições, em geral respondidos com mais repressão e perseguições. Durante um desses protestos em Goiás, mais um estudante foi assassinado pelas forças repressivas (id.ibid.), e manifestações em Fortaleza, no Pará, em Minas Gerais e em Brasília também foram respondidas violentamente pelos agentes do Estado ( MOTTA, 2014 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014. , p.96).

O movimento operário durante esse período também procurava reorganizar-se e superar os bloqueios à sua auto-organização, bem como a política de arrocho salarial balizada pelo regime, construindo a greve de Contagem, ocorrida em abril de 1968. Em junho a dinâmica conflitiva entre estudante e trabalhadores urbanos, por um lado, e o governo, por outro, se intensifica, quando em fins de junho os estudantes ocupam o prédio do MEC para reivindicar um conjunto de pautas, em um episódio que termina em uma nova desocupação violenta. Uma nova passeata na Praça Tiradentes foi marcada após a desocupação do prédio do MEC, sendo novamente reprimida, e durante a repressão, 3 pessoas são mortas pelas forças da repressão (CNV COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Violações de Direitos Humanos na Universidade. Volume 2. Parte 6. Brasília: 2015. , v.2, parte 6, 2015, p.274). É no desdobramento das tentativas de reorganização das forças de resistência e oposição ao regime, e a resposta brutal oferecida pela ditadura, que culminará na Passeata do 100 mil, em 26 de junho de 1968.

Logo no início de julho de 1968, o movimento operário novamente desafia a ditadura durante a greve de Osasco 16 16 Para literatura sobre as greves de Contagem e Osasco, ver: WEFFORT, 1972 , p.7-93; SANTANA, 2014 , p.178-188; GIANNOTI, 2008 , p.90-97. , que ocorre num período imediatamente posterior à Passeata dos 100 mil. Temendo a radicalização do movimento e a solidificação de uma aliança operário-estudantil tal como ocorrida no maio de 1968 francês, o núcleo duro do governo composto por militares e empresários passou a formular um conjunto de medidas destinadas a tentar anular os protestos e reivindicações, em episódios que articulam medidas repressivas à transformações institucionais destinadas a dar forma acabada ao projeto de poder posto em curso após o golpe de 1964.

A senha de evitar um novo “maio de 68” passou a percorrer as ações do governo e do empresariado. Somou-se às ações repressivas a criação, pelo decreto 62.397, em julho de 1968 do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Universitária designado pelo Presidente, uma das fontes da Reforma outorgada em novembro daquele ano.

Já o IPES passou a intervir de forma mais agressiva na definição da agenda educacional. Em 14 de junho de 1968, o protesto estudantil foi objeto de debate na reunião da diretoria do IPES, que se desdobrará posteriormente em uma conferência em 23 de Julho de 1968, feita por Cândido Guinle de Paula Machado, membro fundador do instituto e testemunha e crítico do maio de 1968 na França ( SOUZA, 1982 SOUZA, Maria Inêz Salgado de. Os empresários e a educação: O IPES e a política educacional após 1964. Petrópolis: Vozes, 1982. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Seção de Arquivo Permanente. Acervo ASI-UFF. , p.78-80). Após a nomeação do Grupo de Trabalho da Reforma, o IPES acelera a organização de um Fórum dedicado a formular mais detalhadamente sua concepção sobre educação, procurando também influenciar os contornos da Reforma. Na apresentação dos resultados debatidos no Fórum 17 17 O título do fórum, “A educação que nos convém”, explicitava os interesses de classe do IPES, que, atuando como “intelectual orgânico coletivo” do empresariado (CUNHA, 2014, p.359), buscava apresentar seus interesses como “interesses brasileiros”. No Fórum, ocorrido em outubro de 1968, reuniram-se membros do Grupo de Trabalho da Reforma, membros do IPES, empresários, militares, ministros, ex-ministros, membros da tecno-burocracia estatal, do alto escalão do governo e acadêmicos próximos ideologicamente ao Instituto. Embora o Fórum não fosse um monólito ideológico ( SOUZA, 1982 , p.88-91), a imensa maioria dos expositores e debatedores apresentava uma concepção de educação como: instrumento de modernização; momento de reflexão sobre direção e sentido do processo de desenvolvimento; instrumento da formação de quadros que o desenvolvimento e a modernização exigem; forma de coesão social; instrumento de elevação do nível de capacitação profissional; atenuação de hostilidades entre classe patronal e trabalhadora; meio de aumento da qualidade e produtividade do trabalho. No geral, sobressai nas falas do Fórum a compreensão da educação a partir de uma perspectiva instrumental ( IPES, 1969 ). As diretrizes elaboradas no documento e pelo IPES são essenciais para analisar as políticas educacionais que se seguiram, além das modificações institucionais e legais posteriores. Reflexões desse parágrafo desenvolvidas anteriormente em ( VIEIRA, 2017 , p. 14, nota 3), onde são ampliadas. Ver também: (ADUFF, 2016; ADUFF, 2018). , o empresário Glycon de Paiva, vice-presidente do IPES, mostra os seguintes objetivos do documento produzido: 1) Influenciar na elaboração do tipo e dos rumos da educação brasileira; 2) Conter a insatisfação estudantil; 3) Evitar que algo como um maio de 1968 acontecesse no Brasil ( PAIVA, 1969 PAIVA, Glycon. Apresentação. In: IPES. A educação que nos convém. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1969. , p.III).

Antes da Reforma entrar em vigor, o congresso da UNE de outubro de 1968 em Ibiúna culminou na detenção dos mais de 1.000 estudantes. A lei 5540 da Reforma foi publicada em 29 de novembro de 1968, portanto duas semanas antes do AI-5. A Reforma ampliava o atrelamento da universidade aos poderes centrais, assim como impunha diversos mecanismos repressivos destinados a tutelar a autonomia do movimento estudantil, tentando retirar qualquer papel crítico do mesmo em medidas que procuravam convertê-lo em uma organização submetida à hierarquia universitária e estatal. A lei da Reforma (artigo 40, alíneas c e d) abrigava um dos mecanismos que antecipava a implementação das disciplinas de “Educação Moral e Cívica” e “Estudos de Problemas Brasileiros” no ensino médio e superior durante a ditadura ( CUNHA, 1988 CUNHA, Luiz Antonio. A universidade reformanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. , p.301), uma demanda oriunda principalmente do meio militar ligado à Escola Superior de Guerra ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico da Escola Superior de Guerra . Departamento de Estudos – MB-75. Rio de Janeiro: APEX Editora, 1975. , conforme já dito. Ao modelo de universidade amordaçada e disciplinada proposto pela Reforma se atrelariam políticas educacionais destinadas a dar ao ensino um caráter tecnicista e distanciado dos dilemas das imensas maiorias, vinculadas à formação de mão-de-obra capaz de operar de forma subalterna o conhecimento técnico-científico produzido sobretudo nos países de capitalismo central.

O acirramento das tensões faria com que pouco tempo depois o discurso do deputado Márcio Moreira Alves MOREIRA ALVES, Márcio. Beabá dos MEC-USAID. Rio de Janeiro: Edições Gernasa, 1968. que escrevera anteriormente um livro-denúncia dos acordos MEC-USAID (ALVES, 1968), fosse o estopim para a decretação do AI-5. O AI-5 relacionou-se diretamente com o aprofundamento do quadro de terror na vida social brasileira, em geral, e nas universidades, em particular. Posteriormente ao AI-5 vieram sucessivas listas de cassações que aposentaram compulsoriamente alguns dos principais docentes que faziam oposição ao regime e que ainda estavam lecionando. O AI-5 junto a outros mecanismos – como o decreto 477, de início de 1969, conhecido entre os estudantes como o AI-5 das universidades – interviriam para a desarticulação de qualquer luta coletiva que pusesse em xeque a ditadura e suas políticas, dentro e fora das universidades. Esse quadro seria um dado componente da implementação da Reforma Universitária nos anos posteriores e da aceleração da implantação das principais políticas educacionais para o ensino superior da ditadura. O ano de 1968 se encerrou com o aprofundamento daquilo que Florestan Fernandes chamou de uma contra-revolução preventiva e prolongada ( FERNANDES, 2006 FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2006. , cap. 7).

Moto contínuo – Modernização, Violência e Direito – A análise de Luiz Antonio Cunha sobre a Reforma Universitária de 1968 é ainda hoje válida para se compreender criticamente as características da modernização capitalista tal como promovida pela ditadura no ensino superior brasileiro. Um dos pontos positivos de seu livro dedicado ao tema se expressa no esforço de articular o tipo de modernização projetada e o contexto político-econômico mais amplo, dando ênfase às classes e frações de classe em ação, compreendendo de forma conexa a esses processos a dinâmica repressiva imposta sobre a vida universitária como um todo. Ao discutir a gestação política da Reforma, Cunha percebe como indissociáveis o processo de institucionalização da modernização e as políticas de repressão implementadas:

“Com a modernização do ensino superior pretendia-se colocar a universidade a serviço da produção prioritária de uma nova força de trabalho requisitada pelo capital monopolista organizado nas formas estatal e privada 'multinacional'. Com essa finalidade, desenvolveu-se o ensino a nível de pós-graduação e toda a ênfase foi dada aos cursos de ciências (exatas?) e de tecnologia, bem como de ciências econômicas, nas quais se ensinava uma das línguas oficiais do poder. Essa modernização visava, ademais, criar condições racionais (melhor diria tayloristas) para o atendimento da crescente demanda de ensino superior pelos jovens das camadas médias, a qual se expandia acionada pelo processo de monopolização, induzido por sua vez, pela política econômica. […] Procurou-se submeter as universidades públicas, principalmente as federais, a um mais rígido controle governamental – do MEC e dos órgãos de espionagem, como o Serviço Nacional de Informações” ( CUNHA, 1988 CUNHA, Luiz Antonio. A universidade reformanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. , p.317).

Tratava-se de promover um conjunto de transformações com o mínimo de resistência possível, e para isso a violência da legislação repressiva era fundamental, sendo um dado componente dessas relações. A linguagem jurídica é um elemento presente no exercício da violência e da dominação, ao fundamentar em termos universais, na expectativa de obter algum grau de aceitação, um conjunto de medidas cuja produção e alvo são materialmente referenciados e estruturados de forma desigual. A produção e a aplicação da lei não se dissocia de uma sociabilidade estruturalmente cindida, em termos de classe, raça e gênero. Não se trata de produzir uma análise dicotômica e dualista, como é próprio de uma certa literatura revisionista ( MELO, 2014 MELO, Demian (Org.). A miséria da historiografia: Uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Consequência, 2014. ), a qual postula que por um lado a lei moderniza e, por outro, a lei reprime. Ambas são duas dimensões do mesmo processo, uma vez que a violência não é externa ao direito (BENJAMIN, 1986 __________. Crítica da Violência – Crítica do Poder. In: Documentos de Cultura – Documentos de Barbárie (Org. e Trad. Willi Bolle). São Paulo: Cultrix, 1986, p.160-175. , p. 160-175), mas pertence à sua ordem conceitual e ao seu funcionamento material regular.

Isso não diz respeito somente aos regimes ditatoriais, embora nesses quadros certamente tenham uma forma específica dada a reconfiguração das relações de hegemonia. As formulações de Walter Benjamin sobre as relações entre direito e violência foram escritas sob os impactos da revolução e da contra-revolução alemã ( LÖWY, 2008 LÖWY, Michael. Romantismo e Messianismo. São Paulo: Perspectiva, 2008. , p.166; GAGNEBIN, 2014 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Limiar, Aura e Rememoração. São Paulo: Editora 34, 2014. , p.54) dos primeiros anos do governo social-democrata na República de Weimar, o que o levou a analisar o caráter violento do direito também nos chamados Estados constitucionais (BENJAMIN, 2004 __________. The right to use the force. In: Selected Writings. Vol. I (1913-1926). Massachusetts: Harvard University Press, 2004, p. 231-234. ) e liberais. As teorias jurídicas liberais tendem a afastar esse tipo de discussão sobre a violência para trabalhar com o conceito de sanção, enfatizando um caráter consensual pressuposto, ou diluindo a discussão sobre o poder nos termos de uma competência ( KELSEN, 2009 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009. ) que supostamente lhe conferiria uma legitimidade englobante – ignorando assim o caráter cindido do atual formato de sociabilidade, considerado por essas teorias jurídicas como uma questão “não-jurídica”. Em sua “Crítica da Violência - Crítica do Poder”, Benjamin percorre o caminho diametralmente oposto. Para além da análise de um conjunto de episódios concretos na Alemanha de então, ele procura também discutir a semântica histórica da expressão alemã Gewalt, que significa simultaneamente o que conhecemos em português como violência, poder e força. O crítico alemão está interessado em chamar a atenção para a indeterminação desses três elementos no exercício concreto da violência soberana cotidiana existente em torno do direito. Certamente, Benjamin não mobiliza tal expressão em seu texto dedicado a um estudo crítico sobre o direito simplesmente como um recurso estilístico, mas procura analisar uma relação – entre direito, força, poder e violência - que “perfaz o cerne real da nossa sociedade” ( MÜLLER, 2009 MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito – introdução à teoria e metódica estruturantes do direito. São Paulo: RT, 2009. , p.209, nota 5). O direito assume a violência institucionalizada em uma sociedade antagonicamente estruturada e a dissolve na lei, que a partir da mitologia da universalidade, da abstratividade e da neutralidade tenta angariar algum tipo de legitimidade social, mesmo quando seus alvos prediletos e seus exercícios cotidianos revelam uma dimensão eminentemente seletiva em seu uso. Essa expectativa de legitimidade é uma das razões pelas quais mesmo as ditaduras mais sanguinárias do século XX tentaram estabelecer algum nível de mediação, porém isso está evidentemente atrelado às classes e forças sociais que o acessam desigualmente. A violência/poder/força concentradas no Estado atuam como ferramenta mobilizada pela ditadura contra a luta por emancipação e destinada por um lado a preservar e reforçar a ordem social, racial e sexual dominante, e por outro a abrir espaço para as políticas destinadas a promover a aceleração da modernização capitalista no país.

Através do conjunto de interditos, regulações, censuras e proibições em geral, uma política educacional se afirmou na legislação posta pelo Estado e para além dela, uma vez que o exercício cotidiano do poder não se resume à lei, embora possa estabelecer com ela tipos variados de relação. Se a lei é de fato “o código da violência pública” ( POULANTZAS, 1980 POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1980. , p.86), e se a mesma aparece como uma das linguagens pela qual o Estado, numa sociedade capitalista, exerce a violência e expressa a expectativa de obter algum grau de consenso, tal afirmação também é válida no que se refere à materialização da legislação educacional durante o período ditatorial. O exercício do poder e da violência não são se dá apenas no caráter físico destes, expresso na repressão continuada e permanente (tal como presentes no AI-5 e no decreto 477), mas também na dimensão do simbólico e na organização da dominação social – contidas, por exemplo, na lei 5540/68, que institui a Reforma Universitária, a qual também possuía em si seus próprios mecanismos de repressão. A repressão não se dissociava das expectativas por parte da ditadura de produção da obediência, ou de internalização das políticas de medo impostas, assim como dos mecanismos ideológicos de produção de consenso. Isso não fazia que a violência deixasse de estar presente, e estava, em variados níveis, associada à “modernização” imposta pelo regime.

Nesse sentido, se expressa uma das fragilidades historiográficas de Rodrigo Motta, que lança como hipótese haver um “paradoxo” ou “contradição” entre uma ditadura e suas políticas educacionais que reprimem e modernizam ao mesmo tempo as universidades. Para este autor, a modernização aparece como um polo positivo associado, no plano político, aos princípios liberais e, no plano social, à mudança ( MOTTA, 2014 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014. , p.290), ao passo que a repressão aparece como um polo negativo, associado, no plano político, aos princípios conservadores e no plano social, ao antigo/arcaico e à conservação do status quo anterior. Esse último aspecto, por sua vez, relaciona-se ao que Motta considera um traço arraigado da cultura política brasileira, qual seja, a “conciliação” (ibidem, p.12-17). Isso culmina numa análise dualista, em que o autor critica o que vê como o polo repressivo, mas avalia positivamente 18 18 Essa dimensão dos escritos de Motta também é realçada nos seguintes comentários de Fico: “O caráter crítico daquele processo estaria na alegada contradição entre repressão e modernização, pois o regime teria sido 'ao mesmo tempo destrutivo e construtivo', haveria 'um outro lado', como afirma cautelosamente Rodrigo, ou seja, um lado bom – digo eu – como se pudesse haver algo bom em um regime de supressão de liberdades” ( FICO, 2017 , p.25). alguns aspectos tidos como “modernizadores” 19 19 Como, por exemplo, nas passagens sobre o “sucesso das políticas modernizadoras” ou do “sucesso econômico” da ditadura ( MOTTA, 2014 , p.289). , aos “reitores empreendedores” ou à política de expansão implementada (p. 267, p. 120, p.146). Motta desconsidera, deste modo, a co-implicação orgânica de ambos os polos, e a quem aquelas transformações interessavam e para que foram feitas.

Para além dos aspectos expressos na lei que indicam ser indissociáveis “modernização” e repressão, a lei 5540 não somente pressupõe todo o quadro repressivo contido em sua gestação social e política, como incorpora a dinâmica de repressão no próprio texto. Ademais, articula-se ao conjunto de mecanismos modelados (AI-5, decreto 477, ramificação do SNI nas universidades) para garantir a aprovação da Reforma com o mínimo de distúrbios possíveis. Uma leitura da realidade nos termos de Motta desconsidera a articulação orgânica entre ambos os elementos e a materialização de um projeto de transformações do capitalismo brasileiro implementado durante a ditadura, que, apesar das disputas internas entre as frações de classes e grupos no poder, conseguiu garantir algum grau de coesão entre estes e imprimir uma direção a tal processo. Sua interpretação culmina, vale frisar, em uma análise dualista, ignorando que o “novo” e o “arcaico” se articulam dialeticamente na objetivação dessas relações.

Analisando o período pós-30 brasileiro e os processos de “modernização” capitalista a eles atrelados, Francisco de Oliveira afirma que:

“A expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução de relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo”. ( OLIVEIRA, 2003 OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista – O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. , p.60).

Nesse sentido, não há qualquer “contradição” ou “paradoxo” entre modernizar e reprimir. A coerção, a violência e a repressão não são acidentes de percurso na modernização capitalista (mesmo em sua faceta liberal), mas são elementos presentes em uma economia de poder própria, contida na objetivação dessas relações. É preciso inverter os termos que Motta propõe para analisar as políticas educacionais da ditadura, uma vez que para ele o “regime militar, simultaneamente, procurou modernizar e reprimir, reformar e censurar” ( MOTTA, 2014 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014. , p. 16). Ao contrário desse tipo de perspectiva, na verdade para a ditadura modernizar é reprimir, reformar é censurar. Não se trata de uma simultaneidade ou de um “paralelismo” (ibidem, p.31), mas de uma relação de complementariedade.

Um outro ponto relevante a ser debatido em relação à historiografia sobre as políticas educacionais para a universidade durante a ditadura diz respeito ao teor da violência exercida durante o período. O segmento dedicado à universidade no relatório final da Comissão Nacional da Verdade COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Violações de Direitos Humanos na Universidade. Volume 2. Parte 6. Brasília: 2015. (CNV) tem como foco o conflito entre estudantes (e em menor medida professores) e as forças da repressão, dando ênfase ao impacto das políticas repressivas na violação de direitos individuais e políticos. No entanto, sem deixar de reconhecer a importância da CNV no contexto da justiça de transição brasileira, em contraponto a uma tradição de silenciamentos, o ângulo de abordagem proposto no referido segmento termina por ser tributário de uma percepção que afasta ou secundariza a discussão sobre o sentido social e histórico da ditadura e da violência exercida (LEMOS, 2012 LEMOS, Renato. Entrevista com Renato Lemos. Comunicações do ISER , N.68, ano 33, 2014, p.40-44. ). A violência foi uma ferramenta permanentemente mobilizada como garantia de implementação de um conjunto de mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais na universidade para adequá-la ao projeto de poder formulado durante esses anos pela coalizão de classe alçada ao poder com o golpe. Ou seja, ela adquire como diretriz a expectativa de forjar uma realidade a partir da imposição de novas relações atreladas às antigas. A violência também está articulada ao exercício de uma economia de poder particular, gerida como mecanismo produtor de silenciamento, disciplinamento e controle social. Essa discussão nos parece relevante porque permite analisar criticamente as permanências existentes entre a dominação do passado e a do presente, a produção de um modelo tecnocrático de universidade que se mantém, questionando alguns dos sentidos da “transição democrática” promovida no Brasil, que termina por conservar muitas daquelas mudanças operadas pela ditadura.

Embora essa parte do relatório mencione em apenas um momento que houve a implantação de uma política de “modernização autoritária” (CNV COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Violações de Direitos Humanos na Universidade. Volume 2. Parte 6. Brasília: 2015. , v.2, parte 6, 2015, p.266) – categoria esta que é objeto de debates, mobilizada em alguns momentos também por Motta, de uma forma bastante problemática ( VIEIRA, 2017 VIEIRA, Rafael Barros. Monumento de Cultura – Monumento de Barbárie: Uma crítica da leitura de Rodrigo Motta sobre as políticas para a universidade no Brasil durante a ditadura empresarial-militar (1964-1985). Anais do Colóquio Internacional Marx e o Marxismo – De O Capital à Revolução de Outubro. Niterói, agosto de 2017. Disponível em: http://www.niepmarx.blog.br/MM2017/anais2017.html Acesso em 15/04/2018.
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) –, não se aprofunda o que significou essa “modernização” autoritária, o porquê dela ter sido levada adiante, para quê e para quem. A violência de Estado mobilizada operou no sentido de aprofundar as desigualdades estruturais existentes, procurando bloquear quaisquer formas de auto-organização que pudessem representar de forma real ou virtual um sinal de abalo à ordem, e aprofundando o regime de espoliação social naquele tempo/espaço. Em outras palavras, a violência exercida estava e está atrelada à preservação de um regime de hierarquização social, racial e de gênero. Tal discussão chega a aparecer em alguns pontos muito específicos do relatório 20 20 No que se refere de preservação da ordem racial dominante, essa discussão é amplamente secundarizada no relatório, e fora algumas observações pontuais feitas no trecho sobre a “sociedade civil”, não há muitas elaborações aprofundadas nesse sentido. Para a crítica desse silêncio, também estendendo a discussão sobre a repressão a camponeses e indígenas, ver: (PEDRETTI, 2017). (sem, entretanto, configurar-se como elemento norteador do texto como um todo), entretanto, ela não é incorporada no segmento específico sobre as universidades.

Assim, a narrativa do relatório dá ênfase ao conflito sem abordar a dinâmica que o produz e os antagonismos de onde partem. Deixando de abordar essas conformações numa totalidade social e histórica concreta, o conflito político termina por ser desassociado de sua dimensão também social, cultural e etc., isto é, ao dar ênfase ao conflito entre as forças de repressão comandadas por militares e o movimento estudantil, a leitura proposta pelo relatório termina por desassociar a violência exercida pelos militares das relações que pretendiam impor ou conservar. O aparato militar não se sustenta autonomamente apenas através da violência repressiva, sem se pôr em relação com classes e setores sociais e sem que essa violência reforce um primado de relações de poder existentes socialmente e vistas como algo a ser conservado por parcelas específicas da sociedade. É necessário rejeitar as leituras que veem a sociedade como um todo homogêneo, imaginando a mesma como uma espécie de oposto ao Estado. A sociedade-civil burguesa é não só conflitiva, como estruturalmente cindida e atravessada por desigualdades e antagonismos sociais, raciais, sexuais e de gênero, e a violência soberana (que não se expressa apenas através da violência física) é um componente decisivo para a preservação dessas relações desiguais. A ditadura tem o papel histórico de conservar essa estrutura de desigualdades que vinham sendo abaladas pelo ascenso reivindicativo de trabalhadores urbanos e rurais, de movimentos de favelas, e de todo um conjunto de lutas que se expressavam em fins dos anos 1950 e início dos 1960, e que apresentavam a possibilidade de ir além dos limites impostos pelo nacional-reformismo hegemônico até então.

Em suma, o golpe buscou apoio em setores da sociedade interessados em reforçar aquele estado de coisas abalado pelo ascenso de luta dos subalternos. Certamente organizações católicas conservadoras como a Tradição, Família e Propriedade tiveram seu papel no golpe ao promover sua visão hierarquizada de mundo e disseminar o medo ao abalo das relações de poder que pretendiam conservar. Mas esse papel é indiscutivelmente menor do que as organizações empresariais que deram suporte ao golpe, como por exemplo o próprio IPES, um ator que atuou politicamente de forma direta como organização e como porta-voz de uma posição na estrutura de classes existente. É preciso recordar que o IPES tinha um “projeto de Estado” ( HOEVELER e MELO, 2014 HOEVELER, Rejane & MELO, Demian. Muito além da conspiração: Uma reavaliação crítica da obra de René Dreifuss. Revista Tempos Históricos. v.18, 1º Semestre de 2014. , p.30), e os intelectuais orgânicos do empresariado congregados em torno dele foram alçados a postos de poder chaves durante a ditadura. Embora o núcleo duro da presidência fosse composto por militares e não só esses “civis” (bem específicos 21 21 Segundo Dreifuss, um exame cuidadoso dos “civis” que participaram da composição do governo pós-golpe “indica que a maioria esmagadora dos principais técnicos em cargos burocráticos deveria (em decorrência de suas fortes ligações industriais e bancárias) ser chamada mais precisamente de empresários ou, na melhor das hipóteses, tecno-empresários” ( DREIFUSS, 1986 , p.417). ) o tenham rodeado, eles foram corresponsáveis diretamente pela implementação de um conjunto de políticas – educacionais inclusive, nesse caso atuando como formuladores de forma mais decisiva que os próprios militares, salvo no caso específico da Educação Moral e Cívica e da “guerra psicológica” – que procurariam ampliar o ajustamento dinâmico e estrutural do capitalismo brasileiro às injunções monopolistas dominantes que se afirmavam no plano da acumulação.

Moto, moto, moto – quando o excepcional é normal – Há muitas formas de se analisar uma ditadura que se utiliza do arcabouço legal para buscar algum tipo de legitimidade ou de disfarce para seu caráter intrinsecamente violento. Se a violência é uma prerrogativa do Estado moderno – para canalizar as paixões sociais, conforme colocou Maquiavel, ou para o monopólio da força necessário ao exercício da dominação para constituição de uma ordem tida como civilizada, na concepção do Estado-tipo weberiano –, evidentemente isto é mais contundente no caso dos Estados “burocrático-autoritários” (HILGERS; MACDONALD, 2017, p.4) ou das ditaduras que imperaram ao longo dos anos 1960-80. Nesta lógica, toda desordem ou uso da força por parte de sujeitos não-estatais vêm a ser violentamente reprimidos pelo Estado.

No entanto, os estudos que envolvem teoria política e filosofia do direito consideram comumente que na passagem de uma condição pré-legal à condição legal a criação de regras jurídicas tem a função de se opor e superar a violência. Em outras palavras, teoricamente a função da Lei, também esta como prerrogativa de qualquer formação estatal, é ou deveria ser a de impedir ou superar a possibilidade dos atos violentos, equilibrando as forças sociais, ou seja, controlando os mais fortes e protegendo os mais fracos. Ainda que teoricamente, porém, reside aqui uma lacuna, pois nem toda violência é extinta nessa passagem, e, sobretudo, isto que podemos chamar de um pathos violento se mantém na moldura da lei, no enquadramento epistemológico que subjaz implícito (e muitas vezes inconsciente), mas atuante, na estrutura jurídica de uma sociedade. Assim, além de considerarmos que há regimes legais violentos, como o nazismo e as ditaduras, havemos que admitir que enxergar a violência presente na lei depende de ver seu enquadramento cultural-epistêmico ( BUTLER,2016 BUTLER, Judith. “Distinctions on violence and nonviolence”. European Graduate School Video Lectures, 2016. (Vídeo publicado online em 20 de fev de 2017). Disponível em http://www.egs.edu ou https://www.youtube.com/watch?v=3sSFCqzvTEI. Acesso em 6 dezembro 2017.
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).

Os trabalhos contemporâneos sobre a relação entre experiência histórica violenta e dolorosa, a função da lei e o significado dos estados de exceção – quando o soberano suspende a lei, mantendo-a em vigor – encontram em Walter Benjamin e Hannah Arendt reflexões seminais. Nas discussões com Carl Schmitt e nas Teses sobre a História, Benjamin anunciou a permanência da excepcionalidade nas práticas políticas e jurídicas embutidas no argumento do estado de emergência ou de necessidade, e para além dele: “A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ no qual vivemos é a regra geral. Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso” ( BENJAMIN, 2005 BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito de História. In: LÖWY, M. Walter Benjamin: aviso de incêndio, uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Trad. das Teses J.M. Gagnebin e M. Muller. SãoPaulo:Boitempo,2005. , p. 83).

Na compreensão de Giorgio Agamben (2004) AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. , o estado de exceção se instala pela ação do Estado que, ao lidar com situações de desordem ou “emergência”, incorpora em seu arcabouço jurídico cláusulas que paradoxalmente suspendem os direitos. Trata-se de uma situação em que, para se manter a soberania, a regra suspende a regra, e mantém essa suspensão, ou exceção, como a regra. Contudo, as situações de excepcionalidade caracterizam-se também por momentos de anomia, mesmo que possam decorrer de festas ou lutos públicos, tais como nas celebrações fúnebres dos reis ou nos charivaris medievais, ou ainda em processos revolucionários, nos quais um quadro jurídico está deslegitimado e outro ainda não se constituiu. Em sua configuração moderna, o estado de exceção efetuou-se historicamente com o “estado de sítio” durante a própria Revolução Francesa, embora o marco mais claro resida nos eventos de 1848 na França, quando regras de suspensão de direitos em nome da ordem foram positiva e legalmente introduzidas. Isto ocorreu similarmente na República alemã de Weimar, nos Estados participantes da I e II Grandes Guerras, nos países nazifascistas de entre guerras, durante a Guerra Fria... e assim perpetuou-se nos séculos XX e XXI adentro.

Mas o paradoxo da exceção só existe em relação ao parâmetro (já dizia Platão que não existe política sem paradigma) do liberalismo político que alicerça esse tipo de Estado que, em oposição aos poderes absolutistas do Antigo Regime, postulou uma estrutura legal e constitucional garantidora de direitos ditos universais. A observação das diferentes formações históricas, isto é, a análise dos fenômenos empíricos e particulares de formação e consolidação de um Estado soberano, suas práticas e teorias políticas, bem como da concatenação existente entre as regras de exceção e o modo específico como os Estados colonizadores exerceram o poder policial, militar e civil em suas respectivas colônias 22 22 Estas são críticas normalmente feitas a Agamben, cuja contribuição seria mais teórico-retórica do que propriamente histórica. Também se sublinha que seu olhar mais geral não destaca as conexões precisas entre os estados de exceção historicamente vigentes e a proliferação de novas leis, regulamentações e agentes, tais como aqueles associados à “guerra contra o terror” ou leis antiterrorismo. Os estudos sobre os efeitos do imperialismo em África e Ásia baseiam-se também em H.Arendt, para quem as origens do totalitarismo europeu podem ser traçadas desde as formações políticas das soberanias coloniais europeias, o que ajuda a elucidar a persistência das violações de direitos humanos e os genocídios pós-coloniais. Cf. MORTON, 2013, p.5-7. , demonstram que o uso dos mecanismos de suspensão de direitos é inerente à prática de todos os Estados modernos, sejam liberais ou totalitários, coloniais ou pós-coloniais:

os estados de emergência devem muito às formas coloniais de soberania, não apenas porque muitos estados coloniais permitiram práticas tais como detenção sem julgamento, tortura, execução e outras formas de repressão estatal violenta, mas também porque a prática da governabilidade colonial complicou a distinção entre norma e exceção que sustenta a retórica da emergência.” (MORTON, 2013, p.3).

Com efeito, as colônias europeias foram os locais por excelência onde os controles e garantias da ordem jurídica puderam ser suspensos, as zonas onde a violência do estado de exceção operou em nome da (pretensa) “civilização”. Deste modo, foram também as regiões que proveram os Estados coloniais com uma “importante técnica de governabilidade”, uma vez que o uso das medidas emergenciais nas colônias espelhou-se nos debates políticos sobre o uso de medidas similares nas sociedades liberais ocidentais, operando assim na formação e definição dos valores do liberalismo europeu desde o século XIX 23 23 Morton desenvolve essas reflexões com base também no trabalho de Achille Mbembe, “Necropolitics”, Public Culture, 15.1 (2003), que acaba de ser traduzido no Brasil. Ver o site Filosofia Africana, lançado pela UnB: https://filosofia-africana.weebly.com/ . . Tal raciocínio de fundo desvela o modo pelo qual o conceito de “estado de exceção” viajou pelo mundo e imiscuiu-se na ideologia liberal e no arcabouço jurídico do Estado de Direito europeu, como parte de uma rede imperialista de contra-insurgência, negociada entre instituições metropolitanas e seus governos coloniais, cujas forças militares e policiais reprimiram duramente os movimentos de protesto, insurgência e liberação nacional, nos processos de descolonização. (MORTON, op.cit., p.9-13).

Assim, a pedra angular da questão, como observa Paulo Arantes, funda-se na própria formação política da modernidade, quando a “reinvenção liberal da Razão de Estado Absolutista” em meados de século XIX (auto)permitiu às soberanias europeias toda e qualquer transgressão do direito e da moral, quando “a violação da Constituição tornara-se a razão de ser da própria Constituição garantidora da ordem mercantil emergente, volta e meia ameaçada pela desordem sediciosa das novas classes perigosas porque laboriosas”. O instituto do estado de sítio corresponde temporalmente, e em coercitividade, à conversão da força de trabalho em mercadoria, de modo que “o estado de exceção é decretado menos para abrir um vazio na lei do que para fechar um espaço entreaberto por uma irrupção intempestiva, como uma greve selvagem, por exemplo”. (2014 __________. Tempo de Exceção [Entrevista]. In: O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência. São Paulo: Boitempo, 2014, p.317-319. , p.317-319). Desde então, as metamorfoses dos fluxos do capital, com as correspondentes contradições da produção de valor em mais valor, acionam permanentemente os estados de urgência, renovado com diferentes nomes e inflexões conforme a situação política local e as respectivas tradições jurídicas (Estado de Sítio, Estado de Defesa, Estado de Segurança Nacional, Estado de Exceção, Estado Autoritário, etc.). É neste sentido que cabe dizer que se engendrou na prática política e jurídica contemporânea uma espécie de espaço suspenso entre direito e não-direito, no qual reside a violenta normalidade do estado de exceção.

Todavia, sabemos bem que o Estado de Direito que é o eixo de referência da própria ideia de excepcionalidade nunca funcionou por completo no Brasil e na América Latina, ao longo de cuja história a “legalidade da ilegalidade” ou o uso abusivo da regra que suspende os direitos de cidadania, quando esta existiu, foram a tônica. O que significa, portanto, falar de estado de exceção em países ou continentes pós-coloniais, que desde sua origem viveram as atrocidades que acompanharam a colonização e a construção violenta de seus Estados Nacionais à base de pólvora e água, combustíveis fósseis e sangue? Segundo Arantes, o “sentido da colonização” brasileira, direcionado pelos empreendimentos econômicos que atendiam o mercado europeu, desde o nascedouro fez do território ultramar português um local de puro negócio, da pura forma-mercadoria, sem as restrições e controles estatais – salvo o exclusivo colonial – que foram necessários à institucionalização dos Estados nacionais europeus em formação, e que ocorreram sobretudo em razão do disciplinamento da guerra entre eles. Assim, a frouxidão dos nexos políticos e sociais no território colonial permitiu:

a experiência extrema do que significa o vazio social no qual se reproduz um território comandado integralmente pela violência da abstração econômica. [...] penso que se pode compreender o segundo sentido da colonização como um processo de espacialização do avesso por assim dizer selvagem da Soberania política que se consolidava politicamente na Europa [...] como se o Novo Mundo da conquista fosse o receptáculo do ‘caos sistêmico’ aos poucos banido do Velho Mundo. Uma externalização da anomia, em suma. Deu-se então nesse laboratório pavoroso a revelação de que a lei da mercadoria em sua pureza como que exigia a cobertura de um estado de exceção permanente. [...] A exceção também pode ser assim enunciada historicamente, pelo desenho de nossa ‘anomalia’ congênita: por excesso de capitalismo, nascemos a um só tempo dentro e fora da lei, e fora porque dentro. (ARANTES, 2014 __________. Tempo de Exceção [Entrevista]. In: O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência. São Paulo: Boitempo, 2014, p.317-319. , p.321-322. Grifo nosso) 24 24 Sobre a frouxidão dos nexos sócio-políticos na colônia e o sentido da colonização, Arantes dialoga com Caio Prado Jr. e Capistrano de Abreu. Cf. PRADO JR, 2011 . Quanto à imagem da colônia como um avesso selvagem da Europa, o autor cita Giovanni Arrighi: “Enquanto a Europa fora instituída como uma zona de ‘amizade’ e comportamento ‘civilizado’, mesmo em tempos de guerra, a área externa à Europa fora instituída como uma zona à qual nenhum padrão de civilização era aplicável e onde os rivais podiam simplesmente ser varridos do mapa”. (In: ARRIGHI, G. O longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro/ São Paulo: Contraponto/UNESP, 1996, p. 63). .

Se a situação política colonial já trazia em si a normalidade da exceção e se há uma inegável continuidade desse estado ao longo da história republicana dos países pós-coloniais, é contudo mister investigar as especificidades de sua manifestação em cada momento, pois sem a consideração das particularidades espaço-temporais impede-se a compreensão da historicidade mesma dos acontecimentos e experiências. No caso do Brasil, as continuidades-especificidades do estado de exceção – concebidas no cruzamento de longa, média e curta duração histórica, como sugeria Fernand Braudel – permitem-nos ver uma terceira ou quarta fase, em que se congregam uma ditadura de segurança nacional, típica da Guerra Fria, com a devida intervenção das Forças Armadas, a propaganda anticomunista e participação empresarial para o desenvolvimento capitalista, e um aparato normativo de emergência 25 25 Arantes se remete à periodização de Naomi Klein para o atual “capitalismo de desastre”, recordando que as ditaduras do cone Sul são também “catástrofes inaugurais”, pelo tratamento de choque efetuado em seus países para fazer uma “tábula rasa sobre a qual assentar as emergências econômicas do momento”. (ARANTES, op.cit., p.325). . No contexto do período pré-golpe o ciclo de acumulação nacional-desenvolvimentista, que não deixou de contar com vários momentos autoritários, agudizados nas ditaduras, culminou em derrocada econômica nas periferias e em golpes de Estado que atingiram diversos países da América Latina nos anos 1960-1970. Seguiram-se nesses países novos ciclos de estado de urgência e violência, para os quais o Brasil foi modelo, acompanhando o “choque de capitalismo” (a expressão é da época) considerado necessário para completar a matriz industrial periférica e dependente de oligopólios multinacionais 26 26 “Noutras palavras, num mundo enfim aprisionado pela miragem vertiginosa da valorização do valor sem a mediação da produção, nada mais atrativo, como se diz, do que a reconversão de economias periféricas com razoável capacidade de produção de renda real, como é o caso de nossa industrialização por internacionalização do mercado interno, em prestamistas politicamente talhados para exercer a função da plataforma de valorização financeira”. (Ibidem, p.326). .

Diante disto, retornando ao quadro histórico da ditadura no Brasil, o sentido da excepcionalidade do estado ditatorial parece apontar justamente para um grau altíssimo de violência econômica e política, com desmesurado impacto sobre as subjetividades. Estas traziam a marca da efervescência e politização vigentes no período pré-golpe, quando as pressões populares esgarçavam a República oligárquica e se disputavam múltiplos sentidos e possibilidades para o que fosse “democracia”, ou até mesmo se trilhava um caminho pré-revolucionário, segundo alguns autores. Disto decorria uma crença comum à época no potencial de intervenção cidadã nos rumos da história, nas forças progressistas e modernizadoras e no lugar ativo do trabalhador, do estudante e do artista/intelectual na sociedade brasileira. A vigorosa intensidade dessa experiência, com o perdão do pleonasmo, brutalmente interrompida pelo golpe de Estado juntamente com as promessas e esperanças de novos rumos para o país, pode ser vislumbrada ou pinçada nas metáforas usadas para 1968 pelos atores históricos e/ou autores: “o ano que não terminou” (Zuenir Ventura), as “barricadas do desejo” (Olgária de Matos), “o curto ano de todo os desejos”, “o ano mágico” e “a paixão de uma utopia” (Daniel Aarão Reis), “no intenso agora” (João Moreira Salles)...

Ao invés, a continuidade de “nossa anomalia congênita”, nascer e viver “a um só tempo dentro e fora da lei, e fora porque dentro” das regras do capital, e por decorrência existir sob a violenta normalidade do estado de exceção, consiste numa situação catastrófica, no sentido benjaminiano: não o novo, fruto de mudanças efetivamente revolucionárias ou renovadoras, mas o sempre dado e reiterado. (BENJAMIN, 1994 __________. Sobre alguns temas em Baudelaire. In: Obras completas III -Charles Baudelaire. Um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1994. , p.174).

Consideramos que as leis da ditadura brasileira se inserem nesse quadro histórico-catastrófico, com o fito de ordenar as relações políticas e sociais segundo os ditames da Doutrina de Segurança Nacional, participando da liquidação feroz dos projetos de mudança com base no discurso da defesa do desenvolvimento e da estabilidade nacional, fosse contra o comunismo, o sindicalismo autônomo, o pensamento humanista, as utopias poéticas...

No caso das leis voltadas às Reformas do Ensino Superior(e também do básico), cumpriram ademais o múltiplo papel de educar para a aceitação da violência e da “normalidade da exceção”, reiterando deste modo a naturalização social de tal característica histórica, como um fato invisível e inexorável; de educar para o disciplinamento dos corpos e mentes para o trabalho e a obediência nos moldes da modernização capitalista a ferro e fogo; de educar para a imersão no tempo cronológico, homogêneo e linear da vida social controlada, do cotidiano sem paixões nem transformações, das subjetividades individualistas e desprovidas de sonhos e de pensamento crítico-criativo... Isto impede que os relâmpagos de possibilidades históricas outras, as iluminações de que falava Benjamim nas Teses, se instale e se realize como experiência histórica concreta de uma temporalidade não reificada e de intensidades não violentas. Quanto aos lírios, não nascem da lei.

  • 1
    Na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), violência é "o uso intencional de força ou poder físico, de fato ou como ameaça, contra si mesmo, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha uma alta probabilidade de resultar em ferimentos, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação”. Informe mundial sobre la violencia y la salud. Washington, D.C., Organización Panamericana de La Salud, Oficina Regional para las Américas de La Organización Mundial de La Salud, 2003, p.5. (disponível online). O recurso a essa definição genérica pela maior parte dos autores contemporâneos não significa uma homogeneidade no tratamento da questão, mas um ponto de partida comum, importante para estudos comparativos, relatórios de violação de Direitos Humanos e políticas públicas de redução de danos. Desde aí se colocam os variados questionamentos filosóficos e análises empíricas, considerando diferentes situações históricas particulares (épocas, países, culturas, etc.).
  • 2
    “Guerra suja” foi o termo usado para denominar a violência repressiva do Estado na ditadura militar da Argentina, com métodos que iam da astúcia ao terror, do sequestro de crianças ao genocídio, com absoluta desproporção de forças contra seus opositores, o que por si só invalida a assim chamada “teoria dos dois demônios”, em geral mobilizada para legitimar a violência do Estado contra as guerrilhas. O termo foi expandido para outras ditaduras latino-americanas, tais como no Paraguai (1954-1989), Brasil (1964-1985), Bolívia (1971-1981), Uruguai (1973-1985), Chile (1973-1990). Em meados dos anos 1970 esses regimes reuniram forças e, juntamente com Equador e Peru, criaram a Operação Condor, no âmbito da qual os respectivos esquadrões da morte operaram nacional e internacionalmente. A expressão peculiar à América Latina se tornou usada em qualquer lugar do mundo para referir a violência do Estado contra seus cidadãos rebelados. Cf. KOHUT; VILELLA (2016 KOHUT, David e VILELLA, Olga. Historical Dictionary of the Dirty Wars . 3.ed. Lanham, EUA: Rowman and Littlefield, 2016. , p.xi).
  • 3
    Para este levantamento de temáticas e debates, foram consultadas diversas obras. Não sendo possível mencionar todas, remetemos aos seguintes trabalhos norteadores: VARIKAS (2006) VARIKAS, Eleni. “L'intérieur et l'extérieur de l'État-nation. Penser... outre”. Raisons politiques, v.21, n. 1, 2006, pp. 5-19. https://www.cairn.info/revue-raisons-politiques-2006-1-page-5.htm. Acesso em 18 abril 2018.
    https://www.cairn.info/revue-raisons-po...
    ; ADORNO (1993) ADORNO, Theodor. Minima Moralia: reflexões a partir da vida danificada . Tradução: Luis Eduardo Bicca. 2.ed. São Paulo: Ática, 1993. ; HILGERS e MacDONALD (2007) HILGERS, Tina e MacDONALD, Laura. (ed). Violence in Latin America and the Caribbean. Subnational Structures, Institutions, and Clientelistic Networks. New York: Cambridge Univ. Press, 2007. ; GERLACH (2010) GERLACH, Christian. Extreme violent Societies: mass violence in the twentieth-century world. New York: Cambridge University Press, 2010. .
  • 4
    Ver tais discussões especialmente em Justine Faure e Denis Rolland, “Introduction: Printemps moderne, automne conservateur” (2009 ROLLAND, Denis e FAURE, Justine (coord). 1968 hors de France. Histoire et constructions historiographiques. Paris: L’Harmattan, 2009. , p,9-21); e no livro de Ludivine Batigny BANTIGNY, Ludivine. 1968, Des grands soirs en petits matins. Paris: Editions du Seuil, 2008. , cujo título De grandes noite em pequenas manhãs, também nomeia a filmagem de época de William Klein, L’ésprit de Mai 68, disponível com legenda em espanhol em: https://www.youtube.com/watch?v=2X6g5iZYees . Acesso em 10 março 2018. Algumas imagens foram utilizadas por João Moreira Sales em seu documentário No Intenso Agora, que a nosso ver pode ser melhor compreendido como uma reflexão sobre a intensidade temporal do que propriamente sobre a história dos eventos de 1968, dada a escolha do diretor pelo foco na subjetividade e pela ausência de muitas outras imagens de 1968 de que ele poderia dispor, se assim quisesse.
  • 5
    “Esta é a história do que aconteceu com a América em 1968, os doze meses mais turbulentos do período pós-guerra e um dos intervalos mais perturbadores que vivemos desde a Guerra Civil. Neste século, somente a Depressão, Pearl Harbor e o Holocausto perfuraram a psique nacional tão profundamente quanto os dramas deste único ano. Mil novecentos e sessenta e oito foi o ano fulcral dos anos sessenta: o momento em que todos os impulsos de uma nação em direção à violência, idealismo, diversidade e desordem alcançaram o máximo de esperança possível - e o pior desespero imaginável. Para muitos de nós que atingimos a maioridade naquela época notável, já passaram vinte anos desde que vivemos com tanta intensidade.” KAISER (1988 KAISER, Charles. 1968 in America: music, politics, chaos, counterculture, and the shaping of a generation. NY: Weidenfeld&Nicolson, 1988. , p.xv; tradução livre). A expressão é retomada pela edição especial da revista Time, jan-abr 2018: “1968, the year that shaped a generation”.
  • 6
    A visão de uma cultura tendencialmente de esquerda florescendo no regime ditatorial encontra-se em Schwarz, op.cit.
  • 7
    Sobre a suspeição na esfera da cultura ver Napolitano (2004) NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância. Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v.24, n.47, p.103-126, jan./jun. 2004. , que desenvolve a idéia de “ethos persecutório” a partir dos trabalhos de Carlos Fico e a de “lógica da suspeição” a partir de Marionilde Magalhães.
  • 8
    O que resulta em interpretações diferentes sobre o significado do golpe, conforme as leituras que se façam neste debate político e historiográfico. Para os limites deste artigo não cabe a discussão deste tema; para uma visão do assunto ver Melo (2014) MELO, Demian (Org.). A miséria da historiografia: Uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Consequência, 2014. .
  • 9
    Para a discussão sobre os diversos mecanismos usados pelo Estado com o objetivo de se autolegitimar, ver o trabalho de Rezende (2013) REZENDE, Maria José de. A ditadura militar no Brasil: repressão e pretensão de legitimidade: 1964-1984 [livro eletrônico]. Londrina: Eduel, 2013. . A noção de perplexidade, presente na maioria dos materiais de época produzidos sob ou sobre a ditadura, é objeto de pesquisa em andamento. Para um resultado parcial, ver o artigo de VIEIRA aqui referido.
  • 10
    Sobre a relação ESG-IPES, ver: DREIFUSS, 1986 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. , p. 71, p.77-82 e 361-370.
  • 11
    “A acumulação de capital humano através da educação tem fundamentalmente dois efeitos: - O aumento da produtividade do fator trabalho, que se reflete no mercado por aumento no salário real; - O aumento na mobilidade do fator trabalho, que passa a explorar, de maneira mais efetiva, as diferenciações de produtividade setorial existente na economia. Corresponde, portanto a aumento na capacidade de utilizar fatores de produção de maneira mais eficiente” (MB-75, p. 153).
  • 12
    “Educação é o processo de assimilação e transmissão de conhecimentos e valores culturais do grupo social que visa levar o ser humano à realização de suas potencialidades. Em sentido amplo, é sinônimo de socialização, adaptação à vida. Os programas educacionais nem sempre enfatizam devidamente a educação social que deve dar às pessoas consciência do seu lugar, seus papéis e sua articulação com a sociedade. Em sentido restrito, a educação compreende todos os processos, institucionalizados ou não, que visam a transmitir, ao longo da vida dos membros da sociedade, os conhecimentos e padrões de comportamento que asseguram a continuidade de sua cultura” (MB-75, p.170).
  • 13
    Ver: Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo da Assessoria de Segurança e Informação da UFF. Caixa 8. Manual de “Guerra Psicológica” da Divisão de Segurança e Informações do MEC.
  • 14
    A implementação dos ciclos básicos, a partir da vedação da duplicação de meios para fins equivalentes (art.1º), significaria concretamente a tentativa de alocar o máximo de alunos nas turmas dos ciclos básicos, mesmo sendo de diferentes cursos e com diferentes especificidades pedagógicas. Segundo Cunha (1988 CUNHA, Luiz Antonio. A universidade reformanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. , p.319): “A eliminação da 'duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes” foi um dos principais vetores da reforma universitária no período, buscando-se aumentar a produtividade dos recursos humanos e materiais existentes, bem como interligar as ilhas acadêmicas que a estrutura atomizada de faculdades/escolas/institutos definia como unidades quase independentes”.
  • 15
    Ver também as entrevistas com lideranças estudantis em REIS, 1988 __________. 68, a paixão de uma utopia. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988. Inclui ensaio fotográfico de Pedro de Moraes. (Pensando o Brasil, 9). , p.97-194.
  • 16
    Para literatura sobre as greves de Contagem e Osasco, ver: WEFFORT, 1972 WEFFORT, Francisco. Participação e Conflito Industrial: Contagem e Osasco 1968. Cadernos CEBRAP, n.5, 1972, p.7-93 , p.7-93; SANTANA, 2014 SANTANA, Marco Aurélio. Trabalhadores, Sindicatos e Regime Militar no Brasil. In: PINHEIRO, Milton (org). Ditadura: O que resta da transição . São Paulo: Boitempo, 2014, p.171-194. , p.178-188; GIANNOTI, 2008 GIANNOTI, Vito. Movimento operário – o grande esquecido de 68. Revista Advir, n. 22, outubro de 2008, p 90-97. , p.90-97.
  • 17
    O título do fórum, “A educação que nos convém”, explicitava os interesses de classe do IPES, que, atuando como “intelectual orgânico coletivo” do empresariado (CUNHA, 2014 __________. O legado da ditadura para a Educação Brasileira. Revista Educação e Sociedade, v. 35, n.127, abr-jun 2014. , p.359), buscava apresentar seus interesses como “interesses brasileiros”. No Fórum, ocorrido em outubro de 1968, reuniram-se membros do Grupo de Trabalho da Reforma, membros do IPES, empresários, militares, ministros, ex-ministros, membros da tecno-burocracia estatal, do alto escalão do governo e acadêmicos próximos ideologicamente ao Instituto. Embora o Fórum não fosse um monólito ideológico ( SOUZA, 1982 SOUZA, Maria Inêz Salgado de. Os empresários e a educação: O IPES e a política educacional após 1964. Petrópolis: Vozes, 1982. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Seção de Arquivo Permanente. Acervo ASI-UFF. , p.88-91), a imensa maioria dos expositores e debatedores apresentava uma concepção de educação como: instrumento de modernização; momento de reflexão sobre direção e sentido do processo de desenvolvimento; instrumento da formação de quadros que o desenvolvimento e a modernização exigem; forma de coesão social; instrumento de elevação do nível de capacitação profissional; atenuação de hostilidades entre classe patronal e trabalhadora; meio de aumento da qualidade e produtividade do trabalho. No geral, sobressai nas falas do Fórum a compreensão da educação a partir de uma perspectiva instrumental ( IPES, 1969 INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS SOCIAIS (IPES). A educação que nos convém. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1969. ). As diretrizes elaboradas no documento e pelo IPES são essenciais para analisar as políticas educacionais que se seguiram, além das modificações institucionais e legais posteriores. Reflexões desse parágrafo desenvolvidas anteriormente em ( VIEIRA, 2017 VIEIRA, Rafael Barros. Monumento de Cultura – Monumento de Barbárie: Uma crítica da leitura de Rodrigo Motta sobre as políticas para a universidade no Brasil durante a ditadura empresarial-militar (1964-1985). Anais do Colóquio Internacional Marx e o Marxismo – De O Capital à Revolução de Outubro. Niterói, agosto de 2017. Disponível em: http://www.niepmarx.blog.br/MM2017/anais2017.html Acesso em 15/04/2018.
    http://www.niepmarx.blog.br/MM2017/anai...
    , p. 14, nota 3), onde são ampliadas. Ver também: (ADUFF, 2016 __________. Ditadura e Resistências: A rebeldia dos professores da UFF. Do golpe de Estado à formação da ADUFF-SSind. Niterói: EDG, 2016. ; ADUFF, 2018 ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UFF. “Atitudes de Rebeldia” – As formas da universidade tecnocrática, o aparato vigilante/repressivo e as resistências dos professores da UFF. Rio de Janeiro: Usina Editorial, 2018 [no prelo]. ).
  • 18
    Essa dimensão dos escritos de Motta também é realçada nos seguintes comentários de Fico: “O caráter crítico daquele processo estaria na alegada contradição entre repressão e modernização, pois o regime teria sido 'ao mesmo tempo destrutivo e construtivo', haveria 'um outro lado', como afirma cautelosamente Rodrigo, ou seja, um lado bom – digo eu – como se pudesse haver algo bom em um regime de supressão de liberdades” ( FICO, 2017 FICO, Carlos. Ditadura militar brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.20, p.05-74, jan./abr. 2017. , p.25).
  • 19
    Como, por exemplo, nas passagens sobre o “sucesso das políticas modernizadoras” ou do “sucesso econômico” da ditadura ( MOTTA, 2014 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014. , p.289).
  • 20
    No que se refere de preservação da ordem racial dominante, essa discussão é amplamente secundarizada no relatório, e fora algumas observações pontuais feitas no trecho sobre a “sociedade civil”, não há muitas elaborações aprofundadas nesse sentido. Para a crítica desse silêncio, também estendendo a discussão sobre a repressão a camponeses e indígenas, ver: (PEDRETTI, 2017).
  • 21
    Segundo Dreifuss, um exame cuidadoso dos “civis” que participaram da composição do governo pós-golpe “indica que a maioria esmagadora dos principais técnicos em cargos burocráticos deveria (em decorrência de suas fortes ligações industriais e bancárias) ser chamada mais precisamente de empresários ou, na melhor das hipóteses, tecno-empresários” ( DREIFUSS, 1986 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. , p.417).
  • 22
    Estas são críticas normalmente feitas a Agamben, cuja contribuição seria mais teórico-retórica do que propriamente histórica. Também se sublinha que seu olhar mais geral não destaca as conexões precisas entre os estados de exceção historicamente vigentes e a proliferação de novas leis, regulamentações e agentes, tais como aqueles associados à “guerra contra o terror” ou leis antiterrorismo. Os estudos sobre os efeitos do imperialismo em África e Ásia baseiam-se também em H.Arendt, para quem as origens do totalitarismo europeu podem ser traçadas desde as formações políticas das soberanias coloniais europeias, o que ajuda a elucidar a persistência das violações de direitos humanos e os genocídios pós-coloniais. Cf. MORTON, 2013, p.5-7.
  • 23
    Morton desenvolve essas reflexões com base também no trabalho de Achille Mbembe, “Necropolitics”, Public Culture, 15.1 (2003), que acaba de ser traduzido no Brasil. Ver o site Filosofia Africana, lançado pela UnB: https://filosofia-africana.weebly.com/ .
  • 24
    Sobre a frouxidão dos nexos sócio-políticos na colônia e o sentido da colonização, Arantes dialoga com Caio Prado Jr. e Capistrano de Abreu. Cf. PRADO JR, 2011 PRADO JR., C. O sentido da colonização. In: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. . Quanto à imagem da colônia como um avesso selvagem da Europa, o autor cita Giovanni Arrighi: “Enquanto a Europa fora instituída como uma zona de ‘amizade’ e comportamento ‘civilizado’, mesmo em tempos de guerra, a área externa à Europa fora instituída como uma zona à qual nenhum padrão de civilização era aplicável e onde os rivais podiam simplesmente ser varridos do mapa”. (In: ARRIGHI, G. O longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro/ São Paulo: Contraponto/UNESP, 1996, p. 63).
  • 25
    Arantes se remete à periodização de Naomi Klein para o atual “capitalismo de desastre”, recordando que as ditaduras do cone Sul são também “catástrofes inaugurais”, pelo tratamento de choque efetuado em seus países para fazer uma “tábula rasa sobre a qual assentar as emergências econômicas do momento”. (ARANTES __________. Tempo de Exceção [Entrevista]. In: O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência. São Paulo: Boitempo, 2014, p.317-319. , op.cit., p.325).
  • 26
    “Noutras palavras, num mundo enfim aprisionado pela miragem vertiginosa da valorização do valor sem a mediação da produção, nada mais atrativo, como se diz, do que a reconversão de economias periféricas com razoável capacidade de produção de renda real, como é o caso de nossa industrialização por internacionalização do mercado interno, em prestamistas politicamente talhados para exercer a função da plataforma de valorização financeira”. (Ibidem, p.326).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018
  • Data do Fascículo
    Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2018
  • Aceito
    30 Abr 2018
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