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A reescrita de decisões judiciais como deslizamento de sentidos: da análise do discurso à literatura

The rewriting of judicial decisions as a sliding of meanings: from discourse analysis to literature

Resumo

O presente artigo analisa a potencialidade do projeto de Reescrita de Decisões Judiciais com Perspectivas Feministas a partir da análise do discurso e da linguagem da literatura. Entende a decisão judicial como repetição de sentidos autorizados por uma formação discursiva dominante no Poder Judiciário, ao passo em que as reescritas com perspectivas feministas têm a potencialidade de deslizar sentidos e apontar para sentidos alocados na dobradura da memória por serem interditados pela matriz discursiva hegemônica. O trabalho também reflete sobre o silêncio no processo de paráfrase da matriz discursiva e indaga se haveria uma linguagem capaz de transpassar a formação discursiva dominante. A literatura de mulheres se apresenta como linguagem capaz de indicar sentidos memoráveis, na medida em que compartilha narrativas de sujeitos subalternizados e desestabiliza a conformação tradicional sobre o que pode ou não ser dito.

Palavras-chave:
Feminismos; Análise do Discurso; Literatura; Decisão Judicial

Abstract

The present article analyze the potential of the Rewriting of Judicial Decisions project with Feminist Perspectives from the analysis of the discourse and language of the literature. It understands the judicial decision as a repetition of meanings authorized by a dominant discursive formation in the Judiciary, while rewritings with feminist perspectives have the potential to slide meanings and point to meanings allocated in the folding of memory because they are interdicted by the hegemonic discursive matrix. The work also reflects on the silence in the process of paraphrasing the discursive matrix and asks if there would be a language capable of passing through the dominant discursive formation. Women's literature presents itself as a language capable of indicating memorable meanings, insofar as it shares narratives of subaltern subjects and destabilizes the traditional conformation about what can or cannot be said.

Keywords:
Feminisms; Speech analysis; Literature; Judicial decision

Introdução

O presente texto aborda a experiência brasileira do Projeto de Reescrita de Decisões Judiciais com Perspectivas Feministas a partir das chaves de leitura da Análise do Discurso e da Literatura. Essas reflexões partem do pressuposto que as decisões judiciais, enquanto continuum de repetição, são paráfrases que sedimentam uma matriz de sentido filiada a determinada formação discursiva dominante. As reescritas, por sua vez, na próprio processo de escolha das decisões a serem reescritas, apontam para o deslizamento de sentido capaz de, potencialmente, divergir dos sentidos tradicionalmente autorizados no âmbito institucional pelo Poder Judiciário. Estereótipos de gênero, por exemplo, ao serem acionados pelas decisões, são figuras privilegiadas para identificar as margens do que pode ser dito e do que é interditado pela não validação da formação discursiva dominante. Os sentidos não autorizados, por sua vez, são deslocados para espaços específicos do interdiscurso, ainda que mantenham o potencial de serem invocados novamente para desestabilizar a matriz de sentido predominante.

No intuito de refletir criticamente sobre a memória e os encaixes discursivos entre o texto de uma decisão judicial e as narrativas dos julgadores que a proferiram, esta pesquisa aplicou um questionário aos desembargadores e desembargadoras que participaram de uma decisão reescrita pelo projeto brasileiro. Tal decisão foi selecionada por ter sido trabalhada pelas autoras deste artigo no projeto de reescrita. Foram elaboradas quatro questões abertas sobre estereótipos de gênero e sobre o entendimento de cada agente sobre o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2021). Ainda que nenhuma das questões fizesse referência a decisão original reescrita pelo projeto, dos três desembargadores contatados, nenhum aceitou responder os questionamentos após receber o questionário.

Diante deste quadro, o texto questiona sobre o papel do silêncio nessa amarração discursiva e sobre a função do não-dito no ato de rememoração de uma narrativa passada. O silêncio e os não-ditos, assim, podem reiterar e atualizar sentidos postos e autorizados pela formação discursiva dominante, na medida em que não criam, enquanto significantes, deslizamentos de sentido sobre a decisão proferida. Na omissão dos julgadores nesse exercício de retornar à uma narrativa passada, a reescrita se apresenta como um exercício privilegiado de ressignificação de discursos institucionais sedimentados e, principalmente, de divergência em relação à determinada matriz discursiva.

Nessa fissura criada pelo exercício de reescrita, indaga-se sobre a existência de linguagens capazes de atravessar a formação discursiva dominante, compartilhando memórias que, em princípio, não seriam autorizadas por essa mesma matriz discursiva. A literatura e, em especial, a literatura de mulheres, se apresenta como uma hábil ferramenta que, intrinsecamente, tem a capacidade de compartilhar memórias - em especial memórias de mulheres - perturbando a estabilização de sentidos de uma racionalidade patriarcal, ou seja, de uma formação discursiva dominante. A literatura de mulheres, desta forma, pode resgatar sentidos deslocados para espaços opacos da memória discursiva, ao mesmo tempo em que autoriza a produção de imagens e narrativas divergentes em relação a formações discursivas tradicionais.

As decisões judiciais como paráfrases de um discurso autorizado

As decisões produzidas pelo Poder Judiciário são espaços privilegiados para identificar e compreender as paráfrases utilizadas pelos julgadores para retomar uma formação discursiva específica, qual seja, a contida no âmbito do texto da decisão judicial. É a retomada dos sentidos através da repetição que possibilita, portanto, a identificação das margens e dos espaços nodosos entre o que pode ou não ser dito. Conforme a Análise do Discurso, são as paráfrases que acionam o dispositivo da memória, na medida em que cada nova tecitura conforma uma matriz de sentido. Assim como as repetições de sentido indicam o que pode ser dito, elas também apontam para os sentidos que não podem ser produzidos, ou seja, quais sentidos são interditados por determinada matriz discursiva (Indursky, 2011______. A memória na cena do discurso. Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado de Letras, 2011., p. 3).

Ainda que fosse possível conceber-se cada decisão judicial como uma matriz discursiva1 1 Matriz Discursiva é o resultado dos movimentos de repetibilidade entre sentidos autorizados por determinado contexto linguístico, podendo ser um território, uma instituição, sujeitos com perfis ou finalidades que se coadunam diante de determinado propósito, etc. Ao passo em que uma Matriz Discursiva se torna mais ou menos fortalecida pelos reiterados processos de acolhimento e de manutenção de sentidos autorizados, é a própria Matriz Discursiva que interdita sentidos que a desestabilizam. Portanto, a Matriz Discursiva possui, em seu bojo, a capacidade de identificar sentidos que se afastam ou se identificam, em maior ou em menor grau, com o que já está estabelecido como sua própria matriz. específica, parece mais adequado compreendê-la como paráfrases de uma matriz discursiva de maior fôlego, compreendida como uma matriz institucional em que as decisões atuam como paráfrases ou como versões de uma história única (Adichie, 2019ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O Perigo de uma História Única; tradução Julia Romeu. -1ª ed.- São Paulo: Companhia das Letras, 2019.). De alguma forma, assim, as decisões judiciais acionam a ideia de pré-construído, sentidos que já operam em outro lugar e que são retomados pelo sujeito como discurso próprio. Para Pêcheux (1988______. Semântica e discurso. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988.), é a mobilização do pré-construído dentro de determinado quadro ideológico que impõe um caráter universal para o sentido que está sendo produzido. O pré-construído, por sua vez, pode ser acionado por um encaixe sintático ou por uma operação de retomada transversal. Na primeira forma, é a operação de acomodação sintática que vai indicar a fronteira entre o pré-construído de outro discurso e o que o sujeito acredita produzir. Entretanto, para a Análise do Discurso2 2 Este texto utiliza a epistemologia da linha francesa da Análise do Discurso, cujo maior expoente é Michel Pêcheux, na medida em que compreende que a linguagem, enquanto enunciação, é mobilizada e permeada pelas forças sociais em disputa (MALDIDIER, 2003). , o sujeito que aciona o pré-construído não tem domínio sobre ele, pois acredita estar formulando sentidos autônomos.

Como se vê, sob a noção de pré-construído, encontramos um dos funcionamentos discursivos que mostram de que forma pode ocorrer a repetibilidade. Por seu intermédio, podemos observar como elementos provenientes do interdiscurso são inscritos no discurso do sujeito. Estamos diante de práticas discursivas no interior das quais saberes circulam e são apropriados/discursivizados em diferentes discursos (Indursky, 2011______. A memória na cena do discurso. Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado de Letras, 2011., p. 4)

O pré-construído também pode ser acionado através de uma retomada transversal, em que se cria uma metonímia na relação interdiscursiva. O discurso do sujeito, portanto, remete a uma matriz de sentido, em que o discurso moldado pelo sujeito se apresenta como causa, sintoma ou efeito do que já está dito em outro lugar. O discurso do sujeito é o espaço em que o discurso do outro encontra eco, refletindo sentidos postos em outro lugar. Dá-se uma relação interdiscursiva, em que o que é exterior se interioriza para formar novos pré-construídos que serão refletidos dentro de uma mesma matriz discursiva. Ao retomarem argumentos e contextos apresentados em decisões anteriores, seja implícita ou explicitamente, as decisões judiciais manejam os pré-construídos discursivos, de forma a tornar passível de identificação o que pode ou não ser dito e, consequentemente, qual a matriz discursiva amparada por estas decisões, na medida em que cada decisão é considerada como uma paráfrase de uma matriz, ou seja, capaz de consolidar e estabilizar sentidos e, paralelamente, excluir, apagar e desestabilizar outros.

É também através dessa formulação que é possível perceber as diferenças entre o encaixe do pré-construído e a linearização do discurso transverso no discurso do sujeito. O primeiro é objeto de uma operação de apropriação que, através de um encaixe sintático, estabelece co-referência entre o que é apropriado e encaixado no discurso do sujeito e o que aí já se encontrava formulado, produzindo o efeito de que aquele pré-construído foi produzido ali, no discurso do sujeito. O segundo retoma um pré-construído que foi objeto de asserção em outro lugar e que, no discurso que dele se apropria, ressoa metonimicamente, como um implícito. Dois funcionamentos diversos de apropriação do pré-construído, dois modos distintos de retomada de discursos, duas formas diversas de fazer ressoar discursos que já estão em circulação em diferentes práticas discursivas (Indursky, 2011______. A memória na cena do discurso. Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado de Letras, 2011., p.5)

Uma decisão judicial pode operar tanto através da retomada do pré-construído pelo encaixe sintático quanto pela adoção de um discurso transversal. Ainda que não exista o sentido, ou um único sentido no bojo de uma matriz discursiva, é no movimento de retomar argumentos de outras decisões e de, concomitantemente, deixar outros tantos de fora, que as decisões manejam pré-construídos discursivos que circulam em uma matriz. É a possibilidade de identificação dessas repetições de explícitos e implícitos, sobre o que dito e o não-dito, que possibilita vislumbrar com qual matriz discursiva estamos lidando e sedimentar a memória discursiva dos sujeitos que atuam em determinada matriz.

A memória, portanto, não é vista como uma ferramenta cognitiva ou individual, mas social. Para a Análise do Discurso, essa regularização da repetição de interdiscursos que pode denunciar a memória discursiva vigente em determinada instituição. O modo como os estereótipos de gênero e os institutos jurídicos são acionados por determinados agentes pode indicar os sentidos que circulam e que são aceitos pelos sujeitos que integram determinada matriz discursiva. Ao acionar noções como “mas é um bom pai de família”, “ela bebeu por espontânea vontade”, “estava de noite na rua”, “é a palavra da vítima contra a do réu” os pré-construídos são mobilizados, permanecendo em circulação nos interdiscursos e corroborando sentidos disponíveis. Igualmente, a forma como a gerência dos princípios, normas e regras jurídicas é realizada por quem decide pode conformar ou, ao menos potencialmente, se deslocar em relação a sentidos pré-construídos. De todo modo, uma oposição de sentido no bojo de uma matriz oposta só é percebida pela própria oposição, estabelecendo, a contrário senso, uma solidariedade em relação ao que se opõe, na medida em que só pode ser percebida na relação de diferença. É possível, portanto, acontecer o deslizamento dos discursos, dando vazão a uma migração de sentidos entre uma matriz e outra, vez que as fronteiras entre as formações discursivas são porosas, havendo sempre o potencial de deslocamento do discurso entre diferentes matrizes e, consequentemente, de filiação a sentidos advindos de outros campos ideológicos. Nessa linha, uma decisão judicial que reitere, implícita ou explicitamente, pré-construídos de determinada matriz se opõe e demarca os limites em relação a outra formação discursiva. Embora existam diversas formações discursivas operando concomitantemente, há sempre uma dominante (Pêcheux, 1988______. Semântica e discurso. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988., p. 160).

Voltemos, pois, à memória. Se é a repetibilidade de sentidos que aciona a rede de memória, permitindo que determinados sentidos sejam cristalizados, é também ela que, paradoxalmente, pode desestabilizar outros sentidos. O movimento de fazer com que magistradas e magistrados se manifestem sobre determinados entendimentos encena o movimento de estabilizar ou de repelir sentidos que compõem formações discursivas operantes em determinada matriz. A forma como determinado caso foi decidido pode ter seus fundamentos respaldados ou rechaçados, mediante o deslizamento de discursos. É esse deslizamento de sentido que sugere quais espaços de memória estão sendo acionados pelo sujeito. Se a cristalização de sentidos através das paráfrases e da estabilização das repetições não impede o deslizamento dos sentidos para outras matrizes, pode-se entender que o movimento realizado pelo Projeto de Reescrita de Decisões Judiciais com Perspectivas Feministas no âmbito do Brasil criou um espaço de possibilidade para colocar em destaque as relações de oposição e solidariedade entre diferentes formações discursivas, a partir da matriz de sentido moldada no âmbito do Poder Judiciário.

É a desestabilização dos sentidos vigentes no âmbito institucional e na forma como os institutos jurídicos são mobilizados que as perspectivas feministas encontram espaço para vislumbrar novas matrizes - por sua vez abastecidas por outras formações discursivas - ao passo em que denunciam sentidos consolidados, os quais são acionados nas decisões escolhidas para serem reescritas. As decisões reescritas, assim, podem ser vistas como paráfrases de uma matriz que aparece reiterada na forma de discurso transverso, em que apesar das peculiaridades do caso, a decisão se filia a uma mesma formação discursiva abastecida por sentidos vigentes que circulam no âmbito institucional.

As movimentações entre as camadas da formação discursiva, matriz discursiva e pré-construídos, todas com fronteiras porosas, também servem de ferramenta para identificar a forma como os dispositivos jurídicos são acionados pelo Poder Judiciário. O recurso a um princípio jurídico, por exemplo, que possui elevada envergadura semântica do ponto de vista decisório, pode ser mobilizado para, longe de reiterar o que se diz proteger, ser instrumentalizado para estabilizar e reiterar sentidos de uma matriz discursiva que não ampara a situação em que o próprio princípio jurídico está sendo mobilizado. Dessa forma, a paráfrase que ocorre por meio da decisão judicial é assistida por uma formação discursiva que não necessariamente maneja coerentemente os dispositivos que têm à disposição, mas que, ainda assim, é fortalecida por ditos e não-ditos e, notadamente, pelo dispositivo dessas decisões. Não há, portanto, como retomar argumentos de uma decisão, seja pelo trabalho da decisão original, seja pelo exercício da reescrita, sem fazer menção a sentidos memoráveis - o que todos sabem - e a sentidos opacos, não autorizados pela formação discursiva em que se inserem.

A memória discursiva difere no interdiscurso, pois neste ocorre uma saturação de sentidos, vez que ele carrega todos os sentidos já produzidos, não apenas os sentidos autorizados pelo sujeito. A memória discursiva, todavia, é alimentada no âmbito de uma formação discursiva que se dá em determinado aparelho ideológico, de modo que os sentidos produzidos no âmbito da memória discursiva são determinados pelo que é ou não autorizado pelo sujeito, o qual está inserido em uma matriz discursiva filiada a uma formação discursiva. É o acionamento da memória discursiva que faz com que determinados sentidos sejam esquecidos e que outros sentidos sejam autorizados conforme persistências ou mudanças estruturais.

Uma formação discursiva (FD) é regulada por uma memória discursiva que faz aí ressoar os ecos de uma memória coletiva, social. Por outro lado, a memória discursiva que se depreende de uma FD não é plena, não é saturada, pois nem todos os sentidos estão autorizados ideologicamente a ressoar em uma FD. Essa é a diferença que se estabelece entre o memorável, que é da ordem do “todos sabem, todos lembram”, e a memória discursiva que é de ordem ideológica. É o ideológico que responde pela natureza lacunar de uma FD e da memória discursiva por ela representada (Indursky, 2011______. A memória na cena do discurso. Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado de Letras, 2011., p. 18)

A existência de uma formação discursiva predominante e da natureza lacunar da memória discursiva desagua na pergunta sobre o silêncio no discurso. Se é repetibilidade que produz efeito de verdade e de consenso, o silêncio acarreta gestos de silenciamento que revestem outros sentidos possíveis, não autorizados no bojo de uma formação discursiva dominante. As paráfrases de repetição alçam a uma posição hegemônica-universal sentidos autorizados e apagam sentidos divergentes em relação à formação discursiva dominante, remetendo tudo que não alinhar ao sentido dominante a uma zona de recalque do interdiscurso. Freda Indursky (2015 ______. Políticas do esquecimento x políticas de resgate da memória. Análise de discurso em rede: cultura e mídia, v. 1, p. 11-26, 2015., p. 4) chama este processo de recalque dos sentidos divergentes no interdiscurso de dobradura da memória. É na dobradura da memória que se depositam os apagamentos identitários que divergem e fissuram a moldura estrutural moldada pelas repetições de sentido que se dão no âmbito institucional. A resistência aos deslizamentos de sentido dentro de uma matriz discursiva e, consequentemente, de uma formação discursiva - responsável por autorizar a produção de determinados sentidos e por rechaçar outros - é um indicador relevante para a compreensão dos sentidos em disputa. O processo de reescrita de decisões judiciais com perspectivas feministas é um exercício de deslizamento de sentidos dentro de uma matriz discursiva estabelecida. Ao passo em que traz a dimensão da formação discursiva imperante no plano institucional, aponta para a possibilidade de uma terceira margem discursiva, moldada a partir de fundamentações que desestabilizem os discursos hegemônicos sedimentados pela formação discursiva tradicionalmente aceita no plano institucional.

O material empírico e o silêncio no discurso

Na tentativa de identificar as permanências e os deslocamentos de sentidos decorrentes entre o transcorrer do tempo e os possíveis sentidos que permanecem autorizados ou não pela formação discursiva vigente no Poder Judiciário, entramos em contato com três desembargadores que atuaram em uma decisão judicial de segundo grau reescrita no âmbito do projeto brasileiro. Trata-se de um acordão, cuja decisão foi unânime, ou seja, não houve dissonância entre quais seriam os sentidos autorizados e quais seriam recalcados na dobradura da memória. Dos três julgadores, um encontra-se aposentado e outros dois em pleno exercício. Todos foram contatados através da amostragem denominada bola de neve, considerando a dificuldade de acesso a tais agentes e a sensibilidade da questão. Recorreu-se a um informante-chave para acessar os julgadores que atuaram no caso, considerando ser um grupo de difícil acesso, vez que o contato com a instituição - Tribunal de Justiça do Estado - não surtiu efeito.

Foram elaboradas quatro questões, as quais foram acompanhadas de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que explicitava que as informações fornecidas fomentariam uma pesquisa sobre a reescrita de decisões judiciais no âmbito do Poder Judiciário brasileiro e que nem a decisão judicial nem os participantes da pesquisa seriam identificados. Interessava, pois, identificar práticas discursivas, não sujeitos. As questões apresentadas aos participantes foram: O que você entende por “estereótipos de gênero”?; Qual sua percepção sobre o aparecimento de estereótipos de gênero na sua vida profissional?; Existe alguma situação profissional específica que você destaque acerca do aparecimento/mobilização de algum estereótipo de gênero? e Qual sua percepção sobre o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça?

Feitos os contatos com os potenciais participantes e estando as perguntas e o TCLE de posse dos entrevistados, um afirmou não responder sobre questões profissionais, vez que estava aposentado; outro disse que não iria responder e um terceiro silenciou. A dificuldade em acessar e, em um segundo momento, de contar com a colaboração de agentes que desempenharam/desempenham funções relevantes no sistema de justiça trouxe um outro mote à reflexão sobre as decisões reescritas pelo projeto no âmbito brasileiro: qual o papel do silêncio na formação discursiva dominante no Poder Judiciário?

Conforme a obra de Orlandi, longe de ser uma hesitação, o silêncio é fundante, constituinte de um continuum de significado e um significante em si. Para a autora, pensar o silêncio “é um esforço contra a hegemonia do formalismo e representa um esforço contra o positivismo na observação dos fatos de linguagem” (1992, p. 48). O processo de narração elaborado por agentes relevantes do sistema de justiça sobre decisões judiciais passadas seria uma primeira camada de análise da relação entre memória discursiva-formação discursiva-interdiscursos.

Os deslocamentos ou as repetições sobre os sentidos marcados nas decisões indicam deslizamentos discursivos ou sedimentações de sentidos autorizados pelo campo judicial. Esta camada, todavia, teve parte de seu desdobramento de análise interditado, vez que os agentes silenciaram sobre as decisões judiciais. Em um segundo momento, a memória discursiva, formada através de autorizações emanadas da formação discursiva dominante, opera no plano dos arquivos judiciais, dos rastros formados pelas decisões, pelas paráfrases que, por exemplo, mobilizam estereótipos de gênero no bojo de uma argumentação jurídica. O silêncio dos julgadores, assim, reitera sentidos de discursos já autorizados, pois não retira da dobra da memória nenhum interdiscurso divergente. Em um terceiro momento, a memória opera entre a linguagem judicial e o que se torna opaco na narrativa das partes envolvidas. No caso do Projeto de Reescrita de Decisões Judiciais com Perspectivas Feministas, os casos concretos, por si só, possuem elementos relevantes que justificam sua inclusão no projeto. Dessa forma, o dado de realidade levado ao judiciário comporta uma desigualdade estrutural posta em relevo através de metodologias feministas (Harding, 1998HARDING, Sandra. ¿Existe un método feminista. Debates en torno a una metodología feminista, v. 2, p. 9-34, 1998.). Portanto, pode-se entender que as decisões judiciais originais operam como matrizes discursivas, na medida em que são espaços privilegiados em que os sentidos autorizados e/ou silenciados são mais bem identificados.

Esse movimento que perpassa a narrativa das partes, em especial das mulheres, e transpõe os sentidos elencados por elas para uma formatação decodificada pelo direito é capaz de espelhar sentidos autorizados e interditados pela formação discursiva dominante no Poder Judiciário. O processo judicial, visto como narrativa e, ainda que com sentidos em disputa, pode ser considerado uma paráfrase que retomará sentidos pré-construídos para as partes envolvidas, conforme suas características sejam compreendidas pela formação discursiva institucional. Ainda que os deslizamentos de sentido sejam constantes e que as fronteiras entre as matrizes discursivas sejam porosas, comportando a potencialidade de dissonância e de ruptura com a matriz a qual se filiam em um primeiro momento, o processo judicial e, em última instância, a decisão judicial, compõem uma narrativa em que os interdiscursos transitam, mas que, em dado momento, os sentidos autorizados se sobrepõem na forma de repetição. Um embate argumentativo entre imagens como “pai de família” e “mulher embriagada” comporta o potencial de denunciar os sentidos autorizados pela formação discursiva dominante no plano institucional. Nesse sentido, as agências e as normas jurídicas podem ser mobilizadas de forma a reiterar a matriz discursiva hegemônica valendo-se de inúmeros recursos linguísticos. Nesse caso, cabe indagar se haveria uma linguagem capaz de compartilhar memórias e de desestabilizar formações discursivas dominantes.

O que pode a literatura de mulheres?

Nos últimos anos houve uma proliferação de publicações de mulheres, mulheres negras, indígenas e trans e de grupos que se reúnem para lerem e discutirem textos dos que antes, ou das que antes, estavam à margem. Isso possibilitou uma grande produção de novas subjetividades e vozes para além da voz hegemônica masculina, branca e heterossexual - a voz dominante na literatura há muitos séculos, diga-se de passagem. A literatura possibilita contar as histórias que não foram contadas e com elas estabelecer uma memória compartilhada entre mulheres e sujeitos marginalizados, cujas subjetividades foram e seguem sendo abafadas. Essa memória compartilhada desestabiliza as narrativas dominantes, pois ao lerem juntas, mulheres se identificam umas com as outras, se inspiram a escrever e a contar as suas histórias, nomeiam sentimentos antes obscuros, além de nomearem violências sofridas: “a literatura pode nos ajudar a abrir clareiras e vislumbrar, coletivamente, a construção de outras realidades” (Saavedra, 2021SAAVEDRA, Carola. O mundo desdobrável: ensaios para depois do fim. Belo Horizonte: Relicário, 2021., p.10). Não surpreende que autoficcção e auto-história sejam tratados como subgênero literário, porque muitas vezes ao contar a sua história uma mulher o faz dentro de uma dimensão social que evidencia as estruturas que a oprime. Afinal de contas, como pode uma mulher contar a sua história se o discurso majoritário é dado pelo homem? (Saavedra, 2021). A literatura de mulheres se configura como ato revolucionário e, por contingência, denuncia ao mesmo tempo que possibilita a emancipação de mulheres.

É na literatura que se pode desconstruir o pensamento binário que permeia toda a nossa cultura, o pensamento do isto ou aquilo, se é homem ou mulher, hétero ou homossexual, bom ou mau, sujeito ou objeto, bandido ou mocinho, deus ou diabo, o céu ou inferno, a salvação ou o apocalipse. Contra um pensamento que apaga todas as demais possibilidades do espectro e, não só isso, que fossiliza o sujeito num tempo único e devastador. (Saavedra, 2021SAAVEDRA, Carola. O mundo desdobrável: ensaios para depois do fim. Belo Horizonte: Relicário, 2021., p.71)

Nas fissuras que a literatura abre, nas frestas abertas pelas narrativas que vão sendo criadas e que levam a caminhos desconhecidos, descontrói-se e desestabiliza-se os discursos dominantes. Somos sujeitos constituídos por e pela linguagem e é por isso que a literatura se configura como grande aliada à luta feminista, pois é espaço de fomento e produção de novas subjetividades.

O perigo de uma história única

Quanto à suposta universalidade das histórias e dos discursos a escritora Chimamanda Ngozi Adichie, em seu livro O Perigo de uma história única (Adichie, 2019ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O Perigo de uma História Única; tradução Julia Romeu. -1ª ed.- São Paulo: Companhia das Letras, 2019.) nos alerta sobre o perigo dessas histórias cujas versões da mesma narrativa estão alijadas em estruturas de dominação que têm o poder de falar e decidir sobre o outro. Chimamanda está falando mais especificamente sobre a história única contada pela literatura ocidental a respeito do continente africano e a respeito dos corpos negros, os quais o homem branco europeu subjugou, exotizando-os, violentando-os, roubando a sua liberdade, as suas subjetividades, epistemologias e intelectualidades. Isso também aconteceu com as mulheres brancas. E Chimamanda não se furta de falar sobre o sexismo, o qual todas as mulheres estão subjugadas. A escritora publica a famosa e polêmica TED Sejamos todos Feministas3 3 TEDxEuston é um evento semelhante ao TED (Technology Entertainment Design) organizado de forma independente, dedicado a divulgar as melhores ideias e inovação de toda a África e da diáspora pan-africana global (Adichie, 2015), polêmica pois Chimamanda trabalha com um feminismo global, no qual mulheres negras e brancas e até mesmo os homens são convocados a serem feministas: “Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos” (Adichie, 2015, p. 49), mas o faz sem negligenciar as diferenças, sabendo que a mulher negra e, principalmente a mulher negra retinta, está na base da pirâmide de um mundo cujo racismo é estrutural. A mulher negra é vista como o outro por ser negra, por não ser da cor branca e é vista como o outro, mais uma vez, por ser mulher ao invés de homem, ainda que essa categoria mulher para pensar a mulher negra seja bastante discutível “E eu não sou uma mulher?4 4 Discurso foi proferido como uma intervenção na Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851.Portal Geledés - https://www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/ ” - pergunta Sojourner Truth.

A mulher branca, por sua vez é o outro por não ser homem, deve sonhar e desejar o casamento e fazer de tudo para mantê-lo até mesmo testemunhar a favor de um cônjuge acusado de ter estuprado uma mulher em estado de vulnerabilidade. Chimamanda, na verdade, jamais pensou em ser um ícone feminista. Ela já era uma grande escritora quando, em 2013, após à já referida TED, a cantora Beyoncé reproduziu um trecho do TEDxEuston exatamente como havia sido proferido por Chimamanda. A canção se intitula Flowness e, desde então, a escritora nigeriana tornou-se um fenômeno mundial. Eis o trecho do Sejamos todos Feministas musicado:

Ensinamos as meninas a se encolher, a se diminuir, dizendo-lhes: “Você pode ter ambição, mas não muita. Deve almejar o sucesso, mas não muito. Senão você ameaça o homem”. (...) espera-se que almeje me casar. Espera-se que faça minhas escolhas levando em conta que o casamento é a coisa mais importante do mundo. O casamento pode ser bom, uma fonte de felicidade, amor e apoio mútuo. Mas por que ensinamos as meninas a aspirar o casamento, mas não fazemos o mesmo com os meninos? (...) Ensinamos que, nos relacionamentos, é a mulher quem deve abrir mão das coisas. Criamos nossas filhas para enxergar as outras mulheres como rivais-não em questões de emprego ou realizações, o que, na minha opinião, poderia até ser bom-, mas como rivais da atenção masculina. Ensinamos as meninas que elas não podem agir como seres sexuais, do modo como agem os meninos. (Adichie, 2015______. Sejamos todos Feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p.30- 32 e 34).

A socióloga e feminista argentina, Maria Lugones (2020LUGONES, Maria. Colonialidade e gênero. In: Pensamento Feminista hoje, perspectivas decoloniais. Org: Heloísa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020., p. 78), para pensar a respeito do sistema de gênero que se consolidou na Europa, organizou a questão em categorias de “homem” e “mulher”. A categoria “mulher” aqui é entendida somente como a mulher branca, pois é ela a reprodutora da raça. Às mulheres brancas é requerida a pureza e a passividade, porém estão excluídas da esfera da autoridade coletiva, da produção do conhecimento e de quase toda a possibilidade de controle dos meios de produção.

“Colonialidade” não se refere apenas à classificação racial. Ela é um fenômeno mais amplo, um dos eixos do sistema de poder e, como tal, atravessa o controle do acesso ao sexo, a autoridade coletiva, o trabalho e a subjetividade/intersubjetividade, e atravessa também a produção de conhecimento a partir do próprio interior dessas relações intersubjetivas (Lugones, 2020LUGONES, Maria. Colonialidade e gênero. In: Pensamento Feminista hoje, perspectivas decoloniais. Org: Heloísa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020., p.52)

Mulheres frequentemente são culpabilizadas ao denunciarem violências sofridas. As versões para as culpabilizar são muitas: bebeu demais, usava roupas inadequadas, “deu mole”, “estava fazendo o que na rua à noite?” e mais uma infinidade de versões que culpabilizam as mulheres por violências sofridas e que sustentam uma estrutura de dominação que não só permite que elas não decidam sobre seus corpos como esses mesmos corpos estão à disposição para serem violados. Há toda uma construção narrativa que naturaliza a violência contra os corpos das mulheres, pois não são vistas como sujeitos dentro da sociedade, mas sim como objetos do homem que não se controla. Além disso, a mulher como reprodutora da raça deve ser pura e passiva e, de preferência, não circular à noite sozinha e alcoolizada, pois isso permite que ela seja violada por homens.

Em contrapartida, há também uma construção narrativa que inocenta homens que cometem crimes contra as mulheres como o já citado acima, mas muitos outros: ele é um moleque, a mulher provocou, é um bom pai de família, etc. Como diz Chimamanda, é impossível falar de uma história única sem falar de poder: “O poder é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva” (Adichie, 2019ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O Perigo de uma História Única; tradução Julia Romeu. -1ª ed.- São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p.23). Quantas mulheres são necessárias para que um único homem responda por seus crimes e para que a vítima não seja culpabilizada pelo crime de outrem? As versões narrativas da mesma história são usadas para “espoliar e caluniar” (Adichie, 2019, p.32) e talvez seja por isso que muitas mulheres não denunciam as violências que sofrem, pois na maioria das vezes essas mesmas mulheres são mais uma vez vilipendiadas, caluniadas, violentadas por uma estrutura que lhes diz o tempo todo que elas não são donas de seus corpos e, portanto, pagarão caro caso se coloquem em oposição a essa narrativa de dominação, ou seja, caso denunciem a violência sofrida.

Por uma tradição de mulheres em todas as áreas

A escritora italiana conhecida pelo pseudônimo de Elena Ferrante alerta para o fato de que nós mulheres estamos sujeitas a toda uma tradição masculina, seja na literatura, seja nas mais diversas áreas do conhecimento com todas as suas narrativas de dominação. Elena Ferrante foi reconhecida como uma grande escritora por seus pares, ou seja, por escritores e pela crítica literária italiana, somente após fazer um sucesso retumbante de vendas e de crítica nos Estados Unidos com a sua tetralogia intitulada A amiga genial, romance histórico e de formação que conta a história da Itália do pós-guerra até os dias atuais.

Antes disso acontecer, no entanto, foi duramente criticada por escritores que nem mesmo a leram, ou que questionaram o fato de ser a tetralogia um romance histórico. Porém, graças ao seu estrondoso sucesso e à crítica de James Wood e Ann Goldstein, os responsáveis pela difusão da Febre Ferrante nos Estados Unidos, as escritoras italianas estão em ascensão, é o que garante o jornal The New York Times5 5 Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/12/07/arts/ferrante-fever-continues-to-spread.html Acesso em: 12 jun. 2023. , ao referir-se à febre em torno dos seus livros e ao seu sucesso retumbante nos Estados Unidos e no mundo, fato esse que possibilitou e abriu caminhos para a escrita de muitas outras escritoras italianas. Impressiona o fato que mulheres em toda a parte do globo encontrarem nessa obra a mesma miséria e violência das suas cidades natais e de suas famílias de origem. São vozes distantes e diferentes entre elas - colocadas em pontos longínquos do globo, mas que se acomunam na paixão e na febre pela obra, a chamada Ferrant Fever6 6 A expressão nasce em uma livraria de Nova Iorque, em 2015, e deriva do registro pop dos Embalos de Sábado à noite (Saturday Night Fever), fazendo uma alusão à dependência inflamada e sem controle da obra e da necessidade humana de ficção (Rogatis, 2020). , ou Febre Ferrante (Rogatis, 2020). Não surpreende que antes disso a escritora não tenha sido lida e analisada devidamente. O homem branco tão viciado em ouvir a sua própria voz não reconhece, inicialmente, a historicidade e genialidade da obra.

Em seu livro A Frantumaglia (Ferrante, 2016), a escritora discorre a respeito do seu processo de criação, sobre sua relação com o feminismo, com a psicanálise, com a angústia de escrever, com a maternidade, com a infância, entre outras tantas inúmeras problemáticas e questões do mundo contemporâneo sobre as quais escreve seja em formas de artigos para jornais como o The Guardian, seja em cartas e entrevistas a jornalistas. Ferrante reflete sobre o fato de que escritoras mulheres têm de se haver com toda uma tradição literária masculina muito antes de encontrarem sua própria voz. E que o contrário não acontece, os homens não precisam ler as mulheres: “Será mesmo necessário um milagre - eu me perguntava- para que uma mulher com coisas a contar dissolva as margens entre as quais parece estar fechada por natureza e se mostre para o mundo com a sua escrita?” (Ferrante, 2023, p.24).

O fato de os homens não lerem as mulheres já institui uma dominação discursiva masculina por si só, pois mulheres não podem decidir que não lerão os homens. São eles que decidem em todas as áreas o que deve ser lido, estudado e pesquisado. Tem-se em decorrência somente o reconhecimento da subjetividade branca, masculina, heterossexual, eurocentrada e estadunidense, em detrimento de todas as outras subjetividades:

Se eu queria ter a impressão de escrever bem, devia escrever como um homem, mantendo-me firmemente dentro da tradição masculina; mas, sendo mulher, eu só podia escrever como mulher se violasse o que estava procurando diligentemente aprender da tradição masculina (Ferrante, 2023______. As margens e o ditado: sobre os prazeres de ler e escrever. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2023., p.25-26).

A história da tetralogia de Ferrante mostra o desenrolar das vidas das personagens Raffaella Cerullo e Elena Greco. Elena, ou Lenú, é quem narra a história a partir dos seus fragmentos de memória e, em retrospectiva. Nesse processo se indaga a respeito dos acontecimentos ao mesmo tempo que interroga as leis do patriarcado. É um romance histórico e de formação que narra a vida das duas personagens, da perturbadora amizade entre elas sob um ponto de vista feminino e subalterno que está o tempo todo em busca de emancipação diante de tanta dominação masculina, de homens extremamente brutalizados pelo capitalismo global.

Dito isso, a frantumaglia, da qual fala Ferrante, seria uma espécie de frangalhos de subjetividade. De fato, antes de tudo tem-se os fragmentos de memória para só depois ter o nascimento da narrativa. Os fragmentos de memória, para Ferrante, são difíceis de definir, mas segundo sua mãe, diz a escritora, se chamariam frantumaglia uma vez que seriam pedaços - ou pedacinhos - cuja proveniência não se sabe, mas que fazem muito barulho na cabeça (Ferrante, 2016, p.249). Desenrolando o conceito de frantumaglia, a escritora diz que são pedaços de subjetividade de mulheres, soltos e em desordem, mas que seriam o material para começarmos a criar uma subjetividade e uma tradição de mulheres. A escritora convoca as mulheres a criarem essa tradição nas mais diferentes áreas, sob pena de estarmos sempre contidas dentro das margens e dos ditados que a tradição masculina nos coloca.

O mundo narrado nas páginas da Amiga genial mostra a dominação masculina através da violência infligida aos corpos das personagens em inúmeras gradações. A violência física que Raffaella Cerullo, a Lila, sofre já desde pequena quando o pai a atira da janela por ela insistir em querer estudar, fazendo com que ela quebre o braço, ao estupro naturalizado e consentido por toda a sociedade das meninas pobres do bairro - que os irmãos Solara colocam à força dentro do seu automóvel ‘500 e, neste caso, as meninas sofrem uma dupla violência: pelos irmãos mafiosos e pela família, quando esta fica sabendo do ocorrido. A clássica culpabilização da vítima - até o estupro de Lila pelo marido Stefano Carracci na noite de núpcias. E mais uma vez com o consentimento da família de ambos, uma vez que quando voltam para Nápoles, Lila está com marcas visíveis do espancamento infligido pelo marido, mas ninguém diz nada, ninguém a defende e ninguém no seio familiar pergunta o que aconteceu. Lila e muitas outras mulheres fora e dentro da ficção estão sozinhas diante da violência que sofrem. A única pessoa que se preocupa com Lila diante do seu visível espancamento é Elena, ela é a única pessoa que pergunta o que aconteceu. A amizade entre Lila e Elena, suas separações e aproximações são condicionadas pela competição e instigadas pela violência de um mundo patriarcal, no qual as mulheres são tratadas como objetos e mercadorias e são instigadas a competirem entre si diante da valoração dos homens.

Nas sociedades patriarcais, o valor atribuído às mulheres é dado pelos homens (Irigaray, 1985IRIGARAY, Luce. Etica della differenza sessuale, Milano: Feltrinelli, 1985a, p.176). Porém, o fato de se ter como protagonistas de um romance histórico duas mulheres em relação entre si, numa sólida amizade que dura mais de 60 anos, já é uma grande novidade e também “uma imensa força para desmantelar estruturas patriarcais” (Rogartis, 2019, p.695), pois na maioria das vezes, na literatura, as histórias e as mulheres são quase sempre inventadas por e narradas em relação a um homem. Na falta de uma tradição de amizade entre mulheres, a relação de Lila e Elena se apresenta como um espaço de resistência, ainda que sempre espicaçada e abalada, para retomar aqui a epígrafe de Goethe do primeiro volume da tetralogia. Elena Greco, a narradora da história, ao se interrogar, interroga também as leis do patriarcado. Nesse grande panorama histórico do romance e, através dessa relação de amizade entre duas mulheres, vê-se um ponto de vista feminino, de classe e subalterno às lógicas do domínio masculino e às suas diversas escalas de prestígio.

Por outro lado, graças à mobilidade do milagre econômico europeu do pós-guerra, às transformações da sociedade civil e ao feminismo - entre os anos 50 e 70 - vê-se de que modo é possível obter inclusão e protagonismo a partir da margem. A margem da mulher não é somente privada, o gineceu interior e doméstico (Rogatis, 2020), mas é o modo como Elena e Lila, saídas desse recinto milenar, o interiorizaram e reproduziram no curso das suas emancipações. Quando Lila não pode seguir os estudos, mesmo sendo uma menina inteligentíssima, Elena sofre muito e a amizade delas também. A amizade e a experiência feminina de Lila e Elena são regidas pela frantumaglia e também pela smarginazione ou desmarginação, termos criados pela Ferrante. Ou seja, por pedaços de subjetividade feminina em meio a um mundo masculino e opressor e pela necessidade de ultrapassar as margens. Elena narra os fatos e Lila, a personagem narrada, se apresenta como um elemento de ruptura da mesma narrativa. As duas juntas se desmarginam, saem das margens e se apresentam como mulheres disruptivas, cada uma ao seu modo. O termo desmarginação serve tanto para os homens da narrativa que sofrem uma desmarginação, ou seja, perdem a sua forma original em vista da ganância e da ambição, quanto para as mulheres que se transformam e perdem seus traços em função da dura vida como mães e mulheres que vivem sob a violência dos homens. O termo serve também para Lila e Elena que ampliam e extrapolam as suas margens, uma através de uma insubordinação quase absoluta a manter-se e enquadrar-se em uma forma e a outra através da saída dos limites do bairro e da sua cidade, através do estudo e do casamento que lhe possibilitam maior mobilidade social. Elena Ferrante diz sentir-se atraída por:

“imagens de crise, segredos que se despedaçam, e talvez as desmarginações venham dali. O desmarginar-se das formas é um aproximar-se daquilo que é tremendo, como nas Metamorfoses de Ovídio, como na de Kafka e como no extraordinário A paixão segundo G. H de Lispector” (Ferrante, 2016, p.363, tradução livre).

A escritora Virginia Woolf, no seu ensaio Um teto todo seu, já acenava para a problemática das mulheres e da literatura, a ausência de um teto para que elas pudessem escrever e viver em liberdade, assim como os homens, e ao lugar de subalternidade delas em relação a eles (Woolf, 2014). O conceito de gênio, por exemplo, nunca atribuído a uma mulher, está presente no título da tetralogia e na sua história. Lila é a amiga genial, mas é ela quem chama Elena por esse adjetivo, o que nos revela a intrincada relação que é a amizade das duas. O trabalho para sair de dentro de uma tradição masculina é longo.

(...) devemos lutar para que as coisas mudem profundamente. E isso só é possível se for construída uma grande tradição feminina com a qual os homens serão obrigados a confrontar-se. É, portanto, uma longa batalha, centrada na diligência feminina em todos os campos. (Ferrante, 2016, p.349, tradução livre).

Aqui pode-se reiterar a importância das narrativas, literárias ou não, a importância do estudo e da revisão dos discursos a partir de uma perspectiva de gênero, uma vez que estamos em todas as áreas subjugadas por uma tradição masculina.

A memória tem suas astúcias

Para ajudar a pensar a respeito das narrativas dominantes, Lélia Gonzalez é fundamental. Lélia foi precursora dos estudos lacanianos no Brasil, uma das mais importantes intelectuais brasileiras do século XX. Sua atuação foi decisiva na luta contra o racismo estrutural e na articulação de gênero e raça na nossa sociedade. Pôs abaixo o mito da democracia racial ao mostrar as dificuldades de ser negro e, principalmente, de ser mulher e negra no Brasil. Através da análise da linguagem e da psicanálise, Lélia vai “dialogar” com os intérpretes do Brasil: Caio Prado, os Buarque de Holanda, Gilberto Freire, entre outros. A autora mostra o apagamento, a neutralização e esvaziamento do sentido original na interpretação desse Brasil, o que mais tarde Sueli Carneiro cunhará na sua tese de doutorado de epistemicídio (Carneiro, 2005CARNEIRO, Sueli Aparecida. A Construção do Outro como Não-Ser como fundamento do Ser. Feusp, 2005, (Tese de doutorado).).

Assumir a própria fala sobre si mesmo, ao contrário de ser falado e narrado por outros, é chave no pensamento de Lélia. Ao fundar os estudos lacanianos no Brasil e trazer à tona a importância da palavra, Lélia desmembra pontos cruciais que estão a serviço da supremacia branca: as narrativas de dominação e o epistemicídio da intelectualidade negra, mas também se pode trazer aqui o apagamento das mulheres de um modo geral. Um apagamento que é produzido deliberadamente para invisibilizar intelectuais que estejam fora do esquema branco, masculino e heterossexual.

Para Lélia, a partir dos estudos de Lacan, a consciência, ou seja, aquilo tudo que é conhecido, já estabelecido pelo senso comum é o pensamento dominante. Essa consciência se assume como memória para justamente ocultar e apagar/esvaziar aquilo que lhe convém. Entre consciência e memória se estabelece, então, uma relação dialética e, principalmente, de muita luta: “a memória tem suas astúcias” (Gonzalez, 1984GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revistas Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p 223-224., p. 226). A escolha de trazer Lélia Gonzalez para a discussão tem como objetivo reforçar a astúcia da memória e recuperar os apagamentos ao acionar a memória como uma narrativa que desestabiliza discursos dominantes, uma vez que recupera - retirando da dobradura da memória, por assim dizer - o que foi apagado e interditado. A dialética entre consciência e memória pode ser ilustrada pelo uso do termo feminicídio.

Significado de Feminicídio: substantivo feminino. Assassinato proposital de mulheres somente por serem mulheres. [Por Extensão] Crime de ódio contra indivíduos do sexo feminino, definido também por agressões verbais, físicas e psicológicas. Etimologia (origem da palavra feminicídio). A palavra feminicídio deriva do latim "femina.ae", com sentido de fêmea, e do sufixo -cídio (Dicionário online de língua portuguesa, s.d.).

A relação entre sentidos autorizados e não autorizados fica clara quando um agente político, que ocupou cargos relevantes no sistema de justiça, afirma publicamente que o assassinato de mulheres seria justificado pelo “crescente papel da mulher na sociedade7 7 https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/08/08/interna-brasil,776111/moro-volta-a-relacionar-violencia-a-mulher-com-maior-destaque-feminino.shtml ” (Correio Braziliense, 2019, online). Na ocasião, o enunciante nem chegou a repetir a palavra feminicídio quando inquirido por uma jornalista a respeito. O silêncio, portanto, e a negação do feminicídio como uma problemática pública e reconhecida - como um significante em si - mantém a narrativa dominante, na medida em que não desliza nenhum interdiscurso para confrontar o sentido historicamente autorizado pela formação discursiva dominante, qual seja, de que a passionalidade justificaria a morte de mulheres. A intelectual negra bell hooks também reflete sobre o tema, chamando atenção sobre o fato de que se fala muito em violência doméstica ao lado de crime passional. A autora propõe um outro termo: violência patriarcal.

O termo “violência patriarcal” é útil porque, diferentemente da expressão “violência doméstica”, mais comum, ele constantemente lembra o ouvinte que violência no lar está ligada ao sexismo e ao pensamento sexista, à dominação masculina. Por muito tempo, o termo violência doméstica tem sido usado como um termo “suave”, que sugere emergir em um contexto íntimo que é privado e que de alguma maneira, menos ameaçador, menos brutal, do que a violência que acontece fora do lar” (Hooks, 2018HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018., p.96).

Ao se usar o termo crime passional ao invés de feminicídio, negamos toda a subjetividade que o novo termo comporta, ou seja, que a morte de mulheres ocorre pelo fato de serem mulheres, diferentemente do senso comum que evoca a expressão “crime passional”, o qual sugere que são crimes isolados, cometidos por algum sentimento louvável e de ordem privada. A contrário senso, o termo “violência patriarcal”, proposto por bell hooks, busca responsabilizar a racionalidade patriarcal pela violência de gênero, sendo exemplo de deslizamento de sentido para instaurar a divergência no bojo de uma formação discursiva dominante. Existe, então, uma negação da autonomia das mulheres, enquanto sujeitos de direito responsável pelas suas próprias escolhas de vida. Mesmo na gênese da interseccionalidade, ainda sem nomear o termo, Lélia explicita que há um outro apagamento que incide, em especial, na mulher negra, ressaltando a importância de pensar a luta de classes dentro das categorias de raça e gênero.

Considerações finais

Este texto partiu da experiência brasileira do Projeto de Reescrita de Decisões Judiciais com Perspectivas Feministas para refletir sobre possíveis contribuições que a linha francesa da Análise do Discurso pode oferecer a reflexão sobre decisões judiciais, em paralelo às abordagens teóricas e metodologias feministas. Nesse sentido, abordamos chaves de leitura próprias da Análise de Discurso, tais como paráfrases, matriz discursiva e formação discursiva dominante, no intuito de identificar e refletir sobre as possibilidades de deslizamentos de sentido que divergem de sentidos autorizados institucionalmente pelo Poder Judiciário. As reescritas, nessa linha, são um exercício privilegiado de deslocamentos de sentido no âmbito de práticas de repetibilidade discursiva. A invocação de estereótipos de gênero, por exemplo, que apareceram em larga escala nas decisões originais selecionadas pelas pesquisadoras do projeto, sinalizam de que forma e quando as figuras de linguagem são convocadas e autorizadas pela formação discursiva dominante para parafrasear uma matriz de sentido sedimentada.

O texto buscou, ainda, refletir sobre sentidos memoráveis e a diferença entre memória discursiva e interdiscursos. A partir da interdição de determinados sentidos pela memória discursiva, vez que apenas os sentidos autorizados pela formação discursiva dominante integram essa memória, a pesquisa entendeu ser a literatura de mulheres uma linguagem capaz de atravessar os sentidos autorizados institucionalmente e deslizar sentidos divergentes, desestabilizando narrativas hegemônicas, na medida em que compartilha experiências e sentidos de mulheres, em uma linguagem que, pela sua natureza, não pode ser captada pelas interdições e autorizações da matriz discursiva que ampara uma racionalidade patriarcal. Para ilustrar essa potencialidade da literatura, foram utilizadas autoras que ocupam espaços relevantes na literatura de mulheres, todas com trajetórias que desestabilizam narrativas hegemônicas e denunciando o apagamento de vozes e vidas subalternizadas.

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  • 1
    Matriz Discursiva é o resultado dos movimentos de repetibilidade entre sentidos autorizados por determinado contexto linguístico, podendo ser um território, uma instituição, sujeitos com perfis ou finalidades que se coadunam diante de determinado propósito, etc. Ao passo em que uma Matriz Discursiva se torna mais ou menos fortalecida pelos reiterados processos de acolhimento e de manutenção de sentidos autorizados, é a própria Matriz Discursiva que interdita sentidos que a desestabilizam. Portanto, a Matriz Discursiva possui, em seu bojo, a capacidade de identificar sentidos que se afastam ou se identificam, em maior ou em menor grau, com o que já está estabelecido como sua própria matriz.
  • 2
    Este texto utiliza a epistemologia da linha francesa da Análise do Discurso, cujo maior expoente é Michel Pêcheux, na medida em que compreende que a linguagem, enquanto enunciação, é mobilizada e permeada pelas forças sociais em disputa (MALDIDIER, 2003).
  • 3
    TEDxEuston é um evento semelhante ao TED (Technology Entertainment Design) organizado de forma independente, dedicado a divulgar as melhores ideias e inovação de toda a África e da diáspora pan-africana global
  • 4
    Discurso foi proferido como uma intervenção na Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851.Portal Geledés - https://www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/
  • 5
    Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/12/07/arts/ferrante-fever-continues-to-spread.html Acesso em: 12 jun. 2023.
  • 6
    A expressão nasce em uma livraria de Nova Iorque, em 2015, e deriva do registro pop dos Embalos de Sábado à noite (Saturday Night Fever), fazendo uma alusão à dependência inflamada e sem controle da obra e da necessidade humana de ficção (Rogatis, 2020).
  • 7
    https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/08/08/interna-brasil,776111/moro-volta-a-relacionar-violencia-a-mulher-com-maior-destaque-feminino.shtml

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2023
  • Aceito
    08 Out 2023
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