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Alienação/estranhamento e ser genérico nos Manuscritos Econômico-filosóficos de Karl Marx

Alienation/strangement and species-being in Karl Marx's Economic-philosophical Manuscripts

Resumo

O artigo tem como objetivo examinar as categorias de alienação/estranhamento e ser genérico nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de Karl Marx, analisando a influência de Georg Hegel e Ludwig Feuerbach. Com isso, problematiza-se o senso comum acadêmico criado em cima de tais categorias, demonstrando como Marx modificou o seu modelo antropológico a partir de 1845.

Palavras-chave:
Alienação; Ser genérico; Marxismo

Abstract

The article aims to examine the categories of alienation/estrangement and species-being in Karl Marx's Economic-Philosophical Manuscripts, analyzing the influence of Georg Hegel and Ludwig Feuerbach. In this way, the common academic sense created on top of such categories is problematized, demonstrating how Marx modified his anthropological model from 1845.

Keywords:
Alienation; Species-being; Marxism

1. Introdução

Por vezes a obra de Karl Marx é vista como uma unidade, sendo o conjunto dos seus textos trabalhado de forma indistinta, negligenciando que – a exemplo dos grandes pensadores da humanidade – existe um processo natural de amadurecimento teórico. Isso, de forma alguma, deve ser extremado, como procedido por Louis Althusser (2015 ALTHUSSER, Louis. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015. , p. 25), ao ponto de defender a existência de uma ruptura epistemológica entre o jovem e o velho Marx. No entanto, tampouco parece prudente supor que todos os escritos apresentam formas de pensamento acabadas, que não passam por transformação, descontinuidade ou até mesmo negação.

O presente artigo tem como objetivo geral discutir o lugar que os Manuscritos Econômico-Filosóficos ocupam dentro da obra de Karl Marx, em pormenor as categorias alienação/ estranhamento e ser genérico. Imagina-se que há um uso destas categorias sem a devida problematização e, consequentemente, rigor, produzindo uma espécie de “senso comum” acadêmico, que praticamente atribuiu um novo significado e alcance para o termo (como é o caso da categoria alienação).

Inicialmente, pretende-se demonstrar a influência de Georg Hegel e Ludwig Feuerbach na redação da parte filosófica dos Manuscritos, promovendo-se uma distinção, que se entende necessária, entre alienação e estranhamento. Além disso, julgou-se prudente questionar a concepção de Marx acerca da essência humana (ser genérico) na mesma obra, indagando em que medida tal noção foi efetivamente abandonada ou mantida pelo autor a partir de 1845.

A par da complexidade que permeia o estudo, imagina-se que existe uma contribuição para o trato mais rigoroso das categorias marxianas, a fim de estabelecer uma premissa metodológica que é ínsita ao método dialético na sua fundamentação materialista: não se deve mobilizar categorias em abstrato. Isto é, quando da redação dos mais variados textos acadêmicos, socorrer-se de uma categoria de Marx significa pensá-la de forma viva, verificando o grau de compatibilidade para a elucidação do fenômeno social que se defronta.

No mais, o presente escrito decerto apresenta alguma serventia aos que pretendem trabalhar a categoria de alienação/ estranhamento e ser genérico em Marx, notadamente porque busca compreender a sua raiz e suas limitações. Não se trata de defender uma forma específica de leitura, senão de apontar para a complexidade que envolve trabalhar com um texto específico da formação de um dos principais intelectuais da humanidade.

2. Alienação e estranhamento nos manuscritos-econômico filosóficos

Um dos assuntos que passa à margem de discussões mais densas é a influência que Hegel e Feuerbach tiveram no que se denomina de jovem Marx (1840-1844). Se por um lado é sabido que a dialética tal qual utilizada por Marx foi incorporada de Hegel, evidentemente, após a sua “inversão” materialista, carece de estudos mais sistematizados a utilização da categoria de alienação dos Manuscritos, bem como a noção de essência humana (ser genérico).

Para sentir o peso da problemática que envolve o assunto ora debatido, recorre-se a duas frases diametralmente antagônicas, que se invalidam mutuamente se tidas por corretas. Louis Althusser, filósofo estruturalista francês, decretou acerca do jovem Marx: “[...] o jovem Marx nunca foi hegeliano, e sim inicialmente kantiano-fichtiano, em seguida feuerbachiano ( ALTHUSSER, 2015 ALTHUSSER, Louis. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015. , p. 25-26). Ao seu turno, Jesus Raniere, tradutor dos Manuscritos na edição mais recente publicada pela editora Boitempo, é categórico: “Marx nunca foi feuerbachiano” (RANIERI, 2010, p. 11).

Esse impasse se deve a interpretações distintas que são conferidas aos Manuscritos, sendo que o tom provocativo das duas citações esconde uma questão latente. Sendo Marx pretenso seguidor de Hegel ou de Feuerbach, esse debate não traduz a problemática central e que ora se ocupa, i.e, a influência exercida por ambos pensadores na redação dos Manuscritos.

Acerca da sua relação com Hegel, lembra-se os dizeres no posfácio da segunda edição de “O Capital”, de 1873: “[...] declarei-me publicamente como discípulo daquele grande pensador e, no capítulo sobre a teoria do valor, cheguei até a coquetear aqui e ali com seus modos peculiares de expressão” (MARX, 2014 ______. O Capital: Crítica da economia política. Vol. I. São Paulo: Boitempo, 2014. , p. 91). Já em relação à Feuerbach, Engels lembra a influência que tiveram da obra “A essência do Cristianismo”: “Veio então a Wesen des Christenthums de Feuerbach. [...] O entusiasmo foi geral: momentaneamente fomos todos feuerbachianos. Quão entusiasticamente Marx saudou a nova concepção e quanto ele [...] foi por ela influenciado [...]” (ENGELS, 1985b ______. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. In : MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas . T. III. Lisboa/Moscovo: Avante/Progresso, 1985b. , p. 386).

Os Manuscritos Econômico-Filosóficos, também denominados de Manuscritos de Paris ou Cadernos de Paris, escritos entre abril e agosto de 1844, apresentam um caráter fragmentário, evidentemente por se tratar de um manuscrito, cuja publicação ocorreu post-mortem. Tão somente em 1932 é que os Manuscritos ganharam vida, a partir da sua divulgação na extinta União Soviética.

Um fato notório chama a atenção: ainda que se trate de um manuscrito dividido entre a parte econômica e a filosófica, foi esta última que ganhou ampla repercussão, não obstante a primeira ocupe ao menos metade do texto. A razão mais evidente é que do conteúdo econômico Marx se dedicou de forma mais efetiva ao longo da sua vida, enquanto a filosofia passou para segundo plano, sem ser abandonada por completo 1 1 Engels fornece uma das pistas para o percurso da filosofia à economia por Marx: “[...] as causas últimas de todas as transformações sociais e revolucionamentos políticos são de procurar, não na cabeça dos homens, [...] mas nas transformações do modo de produção e de troca; são de procurar, não na filosofia, mas na economia da época em questão” ( ENGELS, 1985 , p. 149). .

De Georg Hegel (2016 HEGEL, Georg Wihelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2016. , p. 239 e ss.), Marx incorpora nos Manuscritos o conceito de alienação, que é trabalhado na “Fenologia do Espírito”, ainda que Hegel o tenha abordado em obras anteriores. Lembra-se que nos Manuscritos há uma crítica à filosofia hegeliana, bem como à categoria “alienação” 2 2 Em verdade, a crítica se dirige ao estranhamento, mas como não se procedeu a distinção nesse estágio, optou-se por manter o sentido usual. tal qual trabalhada por Hegel, em virtude dela se operar no plano do pensamento puro (pensar abstrato-filosófico), ao invés de ser tratada como consciência humana da objetificação humana, é vista como figura do espírito (MARX, 2010 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. , p. 121-122).

Nesse estágio, a crítica à Hegel ocorre a partir da incorporação de uma categoria sua, tendo por premissa o materialismo de Feuerbach. Marx pretende demonstrar que a “alienação” não ocorre no plano do pensamento abstrato, do espírito, como propõe Hegel, senão que esse pensamento abstrato filosófico representa a própria essência humana do ser genérico, como será abordado no tópico seguinte (MARX, 2010 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. , p. 123).

A compreensão de que os Manuscritos, em pormenor a parte filosófica, têm forte inspiração de Hegel e de Feuerbach não explica o objetivo central do presente estudo, que é ilustrar como houve uma alteração semântica radical da categoria incorporada e trabalhada por Marx. Essa reformulação de sentido, em grande medida, tem como causa a tradução dos termos nas primeiras edições da obra.

A primeira tradução brasileira, da década de 1960, consta na obra de Erich Fromm, intitulada “Conceito Marxista do Homem”, tendo por base da tradução para o inglês efetuada por T. B. Bottomore. A título de nota, Bottomore esclarece: “[...] traduzi tanto Entäusserung quanto Entfremdung por ‘alienação’ [...] visto que Marx (como Hegel) não indica uma distinção sistemática entre ambos” ( BOTTOMORE, 1970 BOTTOMORE, T. B. Nota do Tradutor. In: FROMM, Erich. Conceito Marxista do Homem. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. , p. 88).

As demais edições de uso corrente no Brasil, como a da editora Abril Cultural de 1974 (feita do alemão por José Bruni) e a portuguesa publicada pela Edições 70 (feita por Artur Morão com base na tradução para o inglês de Bottomore), também não efetuaram qualquer distinção entre Entäusserung e Entfremdung (MARX, 1978 ______. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos . 2. ed. São Paulo: Abril cultural,1978. ; 1993 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1993. ). Com isso, unificou-se a utilização do termo alienação para os estudiosos dos Manuscritos na língua portuguesa 3 3 O mesmo problema de tradução ocorreu na Rússia, como aponta Evald Ilienkov (1972): “O assunto é que na língua russa o termo “alienação” engloba pelo menos três termos alemãs não muito coincidentes: ´ Entfremdung”, “Entäusserung ”, “Veräusserung”. Por isso nas traduções russas, com frequência escapam alguns nuances (pode ser muito importante) do pensamento de Marx; e justamente naqueles pontos onde se fala [...] sobre a contraposição de suas posições ao sistema conceitual hegeliano. Para diferenciar “ Entfremdung”, “Entäusserung ” e “Veräusserung” não há na terminologia filosófica russa termos firmes e inequívocos, e todas as intenções de criá-los levaram até hoje ao aparecimento de construções muito desproporcionais e claramente inviáveis”. . Foi somente a partir da edição da Boitempo, em 2010, que se procedeu a uma distinção entre os termos.

O tradutor Jesus Ranieri, ao contrário de Bottomore, defende que há um uso distinto entre Entäusserung (alienação) e Entfremdung (estranhamento) em Marx. Em sua tese de livre-docência, aponta:

Ao contrário do que geralmente entendemos por alienação – um senso comum acadêmico definido pelas impossibilidades de realização humana em virtude dos obstáculos sociais impostos a todos nós por meio da apropriação e privatização do trabalho social –, a referida categoria tem, em Hegel, um sentido mais amplo (como também em Marx), voltado para a exteriorização [em Entäusserung] e, consequentemente, o estranhamento [ Entfremdung] do indivíduo a partir do significado histórico de sua constituição, inclusive antropológica. Precisamente, estamos diante de um movimento que se desdobra em dois, mas compõe um só momento. A rigor, não há como dar continuidade ao universo das realizações humanas (com ou sem o capital) sem a concorrência do estranhamento, uma vez que toda nova experiência tem, em si, o poder de “objetificar” a personalidade, ou seja, moldá-la de acordo com o ser-em-si das objetividades. Assim, toda exteriorização é também estranhamento, pois contém a noção de permanência do movimento dialético, da contradição e da não estaticidade. (RANIERI, 2011, p. 74).

Partindo da separação semântica proposta por Ranieri, o que os marxistas chamam de alienação, em verdade, na maioria das vezes é o fenômeno do estranhamento. Cotejando a tradução que integra a obra de Fromm com o original, verifica-se que houve uma subtração proposital de um excerto em que Marx utiliza Entäusserung (alienação) e Entfremdung (estranhamento) na mesma sentença. A tradução de Bottomore, constante na obra de Fromm, dispõe: “A execução do trabalho aparece na esfera da Economia Política como [...] perda e uma servidão ante o objeto, e a apropriação como alienação ” (MARX, 1970, p, 91).

A tradução da boitempo, fiel ao original, consta: “Esta efetivação do trabalho aparece ao estado nacional-econômico como [...] perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento (Entfremdung), como alienação ( Entäusserung)” (MARX, 2010 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. , p. 80). No texto em vernáculo, evidentemente que existe essa distinção entre estranhamento e alienação: “Diese Verwirklichung der Arbeit erscheint in dem nationalökonomischen Zustand als [...] Verlust des Gegenstandes und Knechtschaft unter dem Gegenstand¸ die Aneignung als Entfremdung , als Entäusserung” (MARX, 2005 ______. Ökonomish-philosophische Manuskripte. Harmburg: Felix Meiner, 2005. , p. 56).

A discussão acerca da alienação/ estranhamento não pode ser levada a efeito sem considerar que se trata do emprego de uma categoria hegeliana, ligando a análise econômica à análise filosófica ( MARCUSE, 1978 MARCUSE, Hertbert. Razão e Revolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. , p. 252). A fim de compreender a diferenciação entre alienação e estranhamento, ao invés de trabalhar as categorias em separado, parece prudente examinar como Marx trabalhou a questão. Marx (2010 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. , p. 83-86) elenca, inicialmente, duas hipóteses centrais de estranhamento da atividade humana prática (trabalho):

  1. 1

    Relação do trabalhador com o produto do trabalho: aparece como algo estranho, assim como os objetos da natureza;

  2. 2

    Relação do trabalho com o ato da produção: a atividade de trabalho em si é estranha, que não pertence a ele (o estranhamento-de-si tal qual da coisa).

    • Dessas duas determinações do trabalho, Marx elenca o desdobramento em uma terceira e quarta:

  3. 3

    Estranhamento do ser genérico do homem, do seu próprio corpo e a natureza exterior, estranhos à sua essência humana;

  4. 4

    Estranhamento do homem pelo próprio homem: quando se defronta com outro homem, com o objeto e trabalho de outrem.

A alienação consiste no ato de exteriorização das potencialidades no produto do trabalho, que no capitalismo é estranhada do produtor. Portanto, ainda que sejam termos conexos, apresentando uma unidade de sentido, trata-se de momentos diversos de um processo de transferência objetiva das capacidades humanas pelo trabalho (alienação), seguido de um despojamento e falta de identificação (estranhamento) 4 4 Para discussão mais aprofundada Cf. RANIERI, 2000 . . O apagamento da distinção faz com que o sentido e alcance dos termos sejam reduzidos, promovendo uma leitura parcial e incompleta da obra. A unificação das traduções em apenas alienação reduziu a amplitude semântica das categorias hegelianas apropriadas por Marx para sua análise filosófica de questões econômicas.

3. A questão da raiz antropológica nos manuscritos: a recepção e crítica do ser genérico de Ludwig Feuerbach

Como visto, uma das formas de estranhamento é a do “ser genérico”. Há uma grande lacuna, ou incompreensão, acerca do que representa a noção de ser genérico na obra do jovem Marx, não apenas nos Manuscritos, mas também em outras obras, tendo em vista o seu grau de abstração. Não obstante se possa negar que a compreensão de Marx acerca do ser genérico esteja ancorada na conceituação de Feuerbach (RANIERI, 2016 ______. Trabalho e Dialética: Hegel, Marx e a teoria do devir. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 129), justamente por representar uma essência humana imutável, uma leitura atenta dos Manuscritos invalida de plano essa assertiva 5 5 Jesus Ranieri, ao negar o fato de Marx ter sido, por um período relativamente curto diante da sua trajetória, efetivamente feuerbachiano, acaba por cair em uma esperada contradição quando examina a obra “A Ideologia Alemã” à luz das categorias dos “Manuscritos”. Em alusão à uma passagem de “A Ideologia Alemã”, Ranieri aponta que a reposição do ser genérico (a coletividade emancipada comunista) só pode se efetivar a partir do gênero humano, “ainda que ele não use essa expressão” ( RANIERI, 2000 , p. 16). Ora, parece claro que Marx não poderia usar uma expressão que ele viria mais tarde a rechaçar, justamente por proceder a crítica à filosofia clássica alemã, inclusive Ludwig Feuerbach, como irá se abordar no decorrer do tópico. .

Quando trata da terceira forma de estranhamento, Marx conceitua o ser genérico:

O homem é um ser genérico (gattungwesen) 6 6 Também traduzido por “ente genérico”. , não somente quando prática e teoricamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do restante das coisas, o seu objeto, mas também [...] quando se relaciona consigo mesmo como [com] o gênero vivo, presente, quando se relaciona consigo mesmo [com] um ser universal, [e] por isso livre. [...]

A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico. Eis por que a sua atividade é atividade livre. (MARX, 2010 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. , p. 83-84).

Ludwig Feuerbach, na obra “A Essência do Cristianismo”, apresenta a conceituação do que seria o ser genérico, em capítulo intitulado “A essência do homem em geral”:

Mas qual a diferença essencial entre o homem e o animal? [...] é a consciência – mas consciência no sentido rigoroso; [...] Consciência no sentido rigoroso existe quando, para um ser, é o objeto o seu gênero, a sua quididade. De fato, é o animal objeto para si esmo como indivíduo – por isso tem ele sentimento de si mesmo – mas não como gênero – por isso falta-lhe a consciência [...]. Mas somente um ser para o qual o seu próprio gênero, a sua quididade torna-se objeto, pode ter por objeto outras coisas ou seres de acordo com a natureza essencial deles ( FEUERBACH, 2009 FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. , p. 35).

Marx incorpora de Feuerbach a ideia de que o que caracteriza o ser humano é a capacidade de se relacionar de forma consciente com a sua espécie, com o ser humano genérico. A similaridade não se trata de mera coincidência, senão de utilização por Marx de uma categoria firmada por Feuerbach, do qual, lembra-se, Marx profere admiração nos próprios Manuscritos, ao dizer que: “[...] é o único que tem para com a dialética hegeliana um comportamento sério , crítico, e [o único] que fez verdadeiras descobertas nesse domínio [...]” (MARX, 2010 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. , p. 117).

Essa noção de ser genérico acompanha Marx em outras obras, como em “Sobre a Questão Judaica”, de 1843, quando associa a emancipação humana a uma recuperação do cidadão abstrato e se torna ente genérico (MARX, 2010b ______. Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo, 2010b. , p. 54). Nos idos de 1844, Marx via a realização do comunismo como resultado de um processo dialético de superação da alienação/estranhamento, da “recuperação humana” (2010, p. 114), desprovido do que viria a ser mais tarde denominado de “socialismo científico”, em que a luta de classes seria o motor da história.

Aqui, deve se permitir um pequeno detóur, que servirá de fio condutor para entender o motivo pelo qual a utilização da categoria alienação/ estranhamento e ser genérico deve ser feita com, no mínimo, cautela. Erich Fromm solicitou pessoalmente que Louis Althusser lhe enviasse um artigo para integrar uma obra coletiva sobre o tema do humanismo socialista (FROMM, 1968 FROM, Erich (org.). Humanismo Socialista. 2. ed. Buenos Aires: 1968. ) 7 7 A obra contou com a colaboração de Lucien Goldmann, Herbert Marcuse, Umberto Cerroni, Karel Kosik, Ernst Bloch, Bertrand Russel, T. B. Bottomore, o próprio Erich Fromm, dentre muitos outros marxistas de diversas vertentes. , sendo que Fromm rejeitou a sua contribuição por ser contrária a linha geral do projeto (ALTHUSSER, 1967 ALTHUSSER, Louis et al. Polémica sobre o Humanismo. Lisboa: Presença 1967. , p. 7), tendo em vista que defendeu que a obra do Marx maduro seria antihumanista.

Embora não se concorde com a premissa de Althusser acerca da pretensa ruptura epistemológica que existiria na obra de Marx 8 8 Segundo Althusser (2015 , p. 25), a obra de Marx tem um “corte epistemológico” entre o jovem Marx e o maduro, sendo o primeiro ideológico, enquanto o segundo seria cientista. A proposta é que se designasse da seguinte forma a obra de Marx: a) obras de juventude (1840-1844); b) obras do corte (1845); c) obras da maturação (1845-1857); d) obras da maturidade (1857-1883). , tendo em vista que o afastamento de assuntos filosóficos não significa o completo abandono e repúdio da sua formação inicial, existem categorias – como é o caso de ser genérico – que são abandonadas. Louis Althusser (2015 ALTHUSSER, Louis. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015. , p. 187) tem razão ao apontar que nos Manuscritos existe uma visão “essencialista” da natureza humana, que posteriormente é repudiada por Marx.

Como infere Althusser (2015 ALTHUSSER, Louis. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015. , p. 187), nos Manuscritos a história do “homem” é a da alienação (estranhamento), sendo que na exteriorização do produto do trabalho (Estado, religião, mercadoria) o “homem” está realizando uma essência humana pré-existente. O movimento dialético dos Manuscritos é o processo de “desalienação”, em que haveria um retorno às essencialidades que foram esvaídas com o processo de objetivação (alienação e estranhamento), para se tornar o homem total (ou ser genérico).

A comprovação da assertiva somente pode ser levada a efeito a partir do cotejamento com o texto dos Manuscritos. Marx refere que a propriedade privada tem como essência subjetiva o trabalho, sendo este o único elemento constituidor da riqueza (2010, p. 100-101) 9 9 Essa ideia foi reformulada posteriormente, como se observa na Crítica ao Programa de Ghota: “O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A Natureza é tanto a fonte dos valores de uso [...] como o trabalho, que não é ele próprio senão a exteriorização de uma força da Natureza, a força de trabalho humana” (MARX, 1985, p. 10). , enquanto que o comunismo seria a suprassunção positiva da propriedade privada na qualidade de estranhamento-de-si. O comunismo seria, portanto, a “apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. [...] trata-se do retorno pleno, [...] retorno do homem para si enquanto homem social, isto é, humano. [...]. Ele é a verdadeira dissolução [...] do antagonismo entre indivíduo e gênero” (MARX, 2010 ______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. , p. 105).

Nessa perspectiva, Marx carrega consigo a visão de que existe uma essência humana dada, prévia, congênita, que é estranhada, alienada, assumindo no capitalismo a forma de propriedade privada. A sua superação (suprassunção) com o comunismo seria o resgate da essencialidade perdida, retomando o “homem” a sua relação consciente com o seu gênero e a natureza, i.e., o ser genérico. O processo de libertação, nos Manuscritos, é também um processo ideal, de consciência que homem ascende quando suprime o estranhamento que é perpetrado pela alienação da propriedade privada.

A questão que se coloca é: Marx rompeu ou não com essa noção essencialista do “homem”? O resgate dos Manuscritos, em uma leitura atenta, deve estar acompanhado da influência exercida inicialmente em Marx por Feuerbach, bem como a sequente crítica. Karl Marx, em 1859, lembra do seu encontro com Engels em 1845 e a redação do que viria ser publicado postumamente como “A Ideologia Alemã”:

[...] quando na Primavera de 1845, ele se radicou igualmente em Bruxelas, decidimos esclarecer em conjunto a oposição da nossa maneira de ver contra a [maneira de ver] ideológica da filosofia alemã, de facto ajustar contas com a nossa consciência [ Gewissen] filosófica anterior. Esse propósito foi executado na forma de uma crítica à filosofia pós-hegeliana. O manuscrito, dois grossos volumes em oitavo, chegara havia muito ao seu lugar de publicação na Vestfália quando recebemos a notícia de que a alteração das circunstâncias não permitiria a impressão do livro. Abandonámos o manuscrito à crítica roedora dos ratos tanto melhor vontade quanto havíamos alcançado o nosso objectivo principal – autocompreensão (MARX, 1982 ______. Para a Crítica da Economia Política. In : MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. T. I. Lisboa/Moscovo: Avante/Progresso, 1982. , p. 532).

Anos mais tarde, ao redigir em 1888 o texto “Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã”, Friedrich Engels aponta como motivação da escrita o reconhecimento da influência que Feuerbach, “mais do que todos os outros filósofos pós-hegelianos” tivera sobre eles, sendo a sua redação “uma dívida de honra não saldada” (ENGELS, 1985b ______. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. In : MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas . T. III. Lisboa/Moscovo: Avante/Progresso, 1985b. , p. 376). É preciso lembrar também que, na época da redação dos Manuscritos, Marx não tinha procedido a crítica a Feuerbach (feita em “A Ideologia Alemã”). Portanto, como lembra Engels acerca da publicação de “A Essência do Cristianismo”: “Uma pessoa tem, ela própria, que ter vivido o efeito libertador deste livro, para fazer ideia disto”, arrematando que tanto ele como Marx foram feuerbachianos, cuja inspiração pode ser vista em “A Sagrada Família” (ENGELS, 1985b ______. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. In : MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas . T. III. Lisboa/Moscovo: Avante/Progresso, 1985b. , 1985).

Aqui, chega-se, finalmente, nas chamadas “Teses Sobre Feuerbach” 10 10 As chamadas “Teses sobre Feuerbach” foram escritas por Marx em Bruxelas em 1845, sendo encontradas por Engels nos cadernos de notas de Marx com o nome “Sobre Feuerbach”. O nome “Teses sobre Feuerbach”, dado pelo Instituto de Marxismo-Leninismo de Moscou, possivelmente tem como influência a menção de Engels na nota prévia de 1888 ao texto “Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã”, quando aponta: “Em contrapartida, achei num velho caderno de Marx as onze teses sobre Feuerbach impressas [aqui] em apêndice. São notas para posterior elaboração, escritas à pressa, de modo nenhum [...] destinadas à impressão, mas inestimáveis como o primeiro documento onde está consignado o germe genial da nova visão do mundo” (ENGELS, 1985b, p. 376-377). , em que, a par do caráter fragmentário, Marx procede a uma crítica devastadora sobre Ludwig Feuerbach, que, em contrapartida, pode ser perfeitamente aplicada a ele próprio quando da redação dos Manuscritos. Marx assim dispõe na Tese 6 (texto original, sem as alterações de Engels):

Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana . Mas a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais.

Feuerbach, que não penetra na crítica dessa essência real, é forçado, por isso:

1. a fazer abstração do curso da história, fixando o sentimento religioso para si mesmo, e a pressupor um indivíduo humano abstrato – isolado .

2. por isso, a essência só pode ser apreendida como “gênero”, como generalidade interna, muda, que une muitos indivíduos de modo natural (MARX, 2007 ______. Sobre Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. , p. 534).

A aludida tese sintetiza a ruptura de Marx com a influência que tinha exercido sobre ele o materialismo de Feuerbach, bem como o conceito de ser genérico. Não é à toa que pós-1845 Marx abandona por completo o uso desta terminologia, quando funda a sua própria compreensão acerca do ser humano, abstraindo por completo o resquício idealista da existência de uma essência humana que é estranhada/ alienada, e a superação deste estranhamento como resgate consciente do ser genérico.

Em “A Ideologia Alemã”, que foi entregue à crítica roedora dos ratos, Marx e Engels repudiaram explicitamente as formulações de Feuerbach e dos então chamados Jovens Hegelianos. Lembra-se, por oportuno, que partiram da premissa de que a crítica alemã não abandonou o terreno da filosofia, limitando-se a isolar aspectos do sistema hegeliano e criticá-lo. Parte dessa trajetória de crítica ao sistema hegeliano foi profanar categorias com nomes mais mundanos, “como os de Gênero, o Único, o Homem etc.” ( MARX; ENGELS, 2007 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. , p. 534).

Como se observa, Marx e Engels incluem dentre as categorias tornadas mundanas a própria noção de gênero, amplamente utilizada nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, sendo que uma das formas de suprassunção do estranhamento é em relação ao ser genérico. Isso, por si, torna problemática o uso acrítico do termo alienação ou estranhamento, quando se desconsidera a carga de influência tanto de Hegel como de Feuerbach, tendo em vista que o próprio Marx estava procedendo a algo que veio a criticar mais tarde: o isolamento de categorias do sistema hegeliano para fazer a crítica.

Além disso, “A Ideologia Alemã” marca a fundação da compreensão própria de Marx e Engels acerca do materialismo, dirigindo uma crítica direta à Feuerbach e ao seu modelo antropológico. Ao aludirem que se pode distinguir o animal pela consciência, pela religião ou pelo que quiser, sendo que o fator importante é a capacidade de produzir os seus meios de vida (material) ( MARX; ENGELS, 2007 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. , p. 87), estão selando o completo apartar da influência de Feuerbach acerca da essência humana, ao passo que este dizia: “A religião se baseia na diferença essencial entre o homem e o animal – os animais não têm religião” ( FEUERBACH, 2009 FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. , p. 35).

Uma vez cumprido o dito autoesclarecimento, o vocabulário feuerbachiano acerca da essencialidade humana foi abandonado, tendo em vista que a formulação do materialismo tal qual exposto por Marx e Engels é antagônico à categoria de ser genérico, que porta em si um dado de imutabilidade, desprovido de carga histórica. Com isso, encerra-se um percurso um tanto nebuloso sobre a obra de Marx, a fim de demonstrar que o uso da categoria alienação/ estranhamento, em uma análise mais rigorosa, não pode deixar de atentar para esses pontos que são centrais e conferem-lhe um sentido que foi deixado de lado por ele próprio no decurso do seu amadurecimento intelectual.

Considerações finais

O presente estudo não tinha por intento firmar um modo específico e pretensamente escorreito de ler os Manuscritos, tampouco se almejava a defesa do seu abandono ou redução da sua significância para o conjunto da obra marxiana. A preocupação central é com o uso, por vezes pouco cauteloso, das categorias que lá são trabalhadas, em pormenor as de caráter filosófico, visto que as econômicas não ganharam a mesma repercussão.

Apresentou-se aspectos negligenciados ou pouco problematizados que, no entanto, são centrais para que se tenha uma compreensão acurada das categorias mais trabalhadas, como a de alienação/ estranhamento e ser genérico. Não obstante se saiba que se trata de um trabalho incompleto, principalmente acerca da influência de Hegel, tentou-se demonstrar como alienação e estranhamento ocupam sentidos diversos inclusive para Marx, sendo que as traduções para o português apagaram os vestígios de diferenciação.

Isso gerou, em um primeiro momento, a perda de parte da completude de significância, praticamente conferindo a alienação uma semântica própria. O que se traduziu habitualmente por alienação é, no mais das vezes, estranhamento. E a alienação passa a ocupar um papel “secundário”, ainda que integre a unidade do estranhamento.

Talvez o aspecto mais problemático dos Manuscritos não resida na incorporação da alienação como categoria chave do marxismo, mas a aceitação acrítica do postulado do ser genérico. Parece claro, ao menos após a leitura do texto, que o desenvolvimento do materialismo por Marx e Engels findou por gerar o abandono da matriz antropológica feuerbachiana adotada nos Manuscritos. O grande problema é que a dialética da “desalienação” com o comunismo significa também o retorno ao ser humano genérico, que deixa, após 1845, de integrar a visão de mundo marxiana.

Uma possível linha de desdobramento deste texto, perpassado o exame da influência de determinadas teorias filosóficas debatidas à época da redação dos Manuscritos, é a recepção da categoria alienação na tradição marxista. Com isso, possivelmente irá se exacerbar algo pouco perceptível aos que se aventuram pelo marxismo nos seus primeiros passos: não se trata de um campo teórico homogêneo.

Por fim, destaca-se que esse texto porta um elemento de estranhamento para quem o redigiu. Há uma convicção de que o marxismo, como teoria crítica, não deve mobilizar categorias em abstrato, senão para examinar processos históricos reais. Permitiu-se esse desvio eminentemente teórico porque, sem dúvida, além de polêmico, é um tema de alta complexidade acerca de categorias amplamente difundidas no marxismo. O que se defende, em última análise, é que Marx seja trabalhado com o rigor que o caracteriza e a profundidade que lhe é devida.

  • 1
    Engels fornece uma das pistas para o percurso da filosofia à economia por Marx: “[...] as causas últimas de todas as transformações sociais e revolucionamentos políticos são de procurar, não na cabeça dos homens, [...] mas nas transformações do modo de produção e de troca; são de procurar, não na filosofia, mas na economia da época em questão” ( ENGELS, 1985 ENGELS, Friedrich. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas . T. III. Lisboa/Moscovo: Avante/Progresso, 1985. , p. 149).
  • 2
    Em verdade, a crítica se dirige ao estranhamento, mas como não se procedeu a distinção nesse estágio, optou-se por manter o sentido usual.
  • 3
    O mesmo problema de tradução ocorreu na Rússia, como aponta Evald Ilienkov (1972) ILIENKOV, Evald Vasilievich. Hegel e a “Alienação” . Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/ilyenkov/1966/mes/hegel.htm#tr1. Acesso em 3 de jan. 2018.
    https://www.marxists.org/portugues/ilye...
    : “O assunto é que na língua russa o termo “alienação” engloba pelo menos três termos alemãs não muito coincidentes: ´ Entfremdung”, “Entäusserung ”, “Veräusserung”. Por isso nas traduções russas, com frequência escapam alguns nuances (pode ser muito importante) do pensamento de Marx; e justamente naqueles pontos onde se fala [...] sobre a contraposição de suas posições ao sistema conceitual hegeliano. Para diferenciar “ Entfremdung”, “Entäusserung ” e “Veräusserung” não há na terminologia filosófica russa termos firmes e inequívocos, e todas as intenções de criá-los levaram até hoje ao aparecimento de construções muito desproporcionais e claramente inviáveis”.
  • 4
    Para discussão mais aprofundada Cf. RANIERI, 2000 RANIERI, Jesus. Alienação e Estranhamento em Marx: Dos Manuscritos Econômico-filosóficos à Ideologia Alemã. Tese (Doutorado). Universidade de Campinas - UNICAMP, 2000. .
  • 5
    Jesus Ranieri, ao negar o fato de Marx ter sido, por um período relativamente curto diante da sua trajetória, efetivamente feuerbachiano, acaba por cair em uma esperada contradição quando examina a obra “A Ideologia Alemã” à luz das categorias dos “Manuscritos”. Em alusão à uma passagem de “A Ideologia Alemã”, Ranieri aponta que a reposição do ser genérico (a coletividade emancipada comunista) só pode se efetivar a partir do gênero humano, “ainda que ele não use essa expressão” ( RANIERI, 2000 RANIERI, Jesus. Alienação e Estranhamento em Marx: Dos Manuscritos Econômico-filosóficos à Ideologia Alemã. Tese (Doutorado). Universidade de Campinas - UNICAMP, 2000. , p. 16). Ora, parece claro que Marx não poderia usar uma expressão que ele viria mais tarde a rechaçar, justamente por proceder a crítica à filosofia clássica alemã, inclusive Ludwig Feuerbach, como irá se abordar no decorrer do tópico.
  • 6
    Também traduzido por “ente genérico”.
  • 7
    A obra contou com a colaboração de Lucien Goldmann, Herbert Marcuse, Umberto Cerroni, Karel Kosik, Ernst Bloch, Bertrand Russel, T. B. Bottomore, o próprio Erich Fromm, dentre muitos outros marxistas de diversas vertentes.
  • 8
    Segundo Althusser (2015 ALTHUSSER, Louis. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015. , p. 25), a obra de Marx tem um “corte epistemológico” entre o jovem Marx e o maduro, sendo o primeiro ideológico, enquanto o segundo seria cientista. A proposta é que se designasse da seguinte forma a obra de Marx: a) obras de juventude (1840-1844); b) obras do corte (1845); c) obras da maturação (1845-1857); d) obras da maturidade (1857-1883).
  • 9
    Essa ideia foi reformulada posteriormente, como se observa na Crítica ao Programa de Ghota: “O trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A Natureza é tanto a fonte dos valores de uso [...] como o trabalho, que não é ele próprio senão a exteriorização de uma força da Natureza, a força de trabalho humana” (MARX, 1985 ______. Crítica ao Programa de Gotha. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas. T. III. Lisboa/Moscovo: Avante/Progresso, 1985. , p. 10).
  • 10
    As chamadas “Teses sobre Feuerbach” foram escritas por Marx em Bruxelas em 1845, sendo encontradas por Engels nos cadernos de notas de Marx com o nome “Sobre Feuerbach”. O nome “Teses sobre Feuerbach”, dado pelo Instituto de Marxismo-Leninismo de Moscou, possivelmente tem como influência a menção de Engels na nota prévia de 1888 ao texto “Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã”, quando aponta: “Em contrapartida, achei num velho caderno de Marx as onze teses sobre Feuerbach impressas [aqui] em apêndice. São notas para posterior elaboração, escritas à pressa, de modo nenhum [...] destinadas à impressão, mas inestimáveis como o primeiro documento onde está consignado o germe genial da nova visão do mundo” (ENGELS, 1985b ______. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. In : MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas . T. III. Lisboa/Moscovo: Avante/Progresso, 1985b. , p. 376-377).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018
  • Data do Fascículo
    Out 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2018
  • Aceito
    24 Fev 2018
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