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Raça como elemento central da política de morte no Brasil: visitando os ensinamentos de Roberto Esposito e Achille Mbembe

Race as a central element of Brazil's death policy: visiting the teachings of Roberto Esposito and Achille Mbembe

Resumo

O presente artigo visa apresentar discussões sobre a política de morte da juventude negra no Brasil, tendo como principal chave de leitura a raça, e fundamentada nas teses de dois filósofos, o italiano Roberto Esposito (biopolítica) e o camaronês Achille Mbembe (necropolítica). Para desenvolvimento das ideias será utilizado o método de revisão de literatura entrelaçado com dados estáticos apresentados no Mapa da Violência 2018 e Atlas da Violência 2019 sobre a morte da juventude negra brasileira.

Palavras-chave:
Juventude negra; Biopolítica; Necropolítica

Abstract

This article aims to present discussions about the politics of death of black youth in Brazil, having as main reading key the race, and based on the theses of two philosophers, the Italian Roberto Esposito (biopolitics) and the Cameroonian Achille Mbembe (necropolitics). To develop the ideas will be used the literature review method interlaced with static data presented in the Map of Violence 2018 and Atlas of Violence 2019 on the death of Brazilian black youth.

Keywords:
Black youth; Biopolitics; Necropolitics

Introdução

O objetivo do artigo é apresentar discussões sobre a política de morte da juventude negra no Brasil, tendo como principal chave de leitura a raça, e como dados, aqueles apresentados, por exemplo, no Mapa da Violência 2018 e Atlas da Violência 2019. A partir das teses de dois filósofos, o italiano Roberto Esposito e o camaronês Achille Mbembe, dois conceitos a biopolítica e a necropolítica, terão destaque para abordar a raça como fator determinante para o estabelecimento e manutenção da política de morte no Brasil, fortalecida pelo poder das normas legais do país, que, apesar de formalmente apregoar a igualdade e garantir o direito à vida, no cotidiano alguns cidadãos são considerados pelo Estado aptos a viver e outros marcados para a morte a partir de um determinante racial.

Ao escrever sobre a “Filosofia do Bíos”, o autor Roberto Esposito, estuda a questão relacionada ao fato do Estado atuar no corpo coletivo e na gestão da vida social. O autor traça os caminhos de discussão do tema biopolítica durante o nazismo, período particular em que se faria o uso de um dispositivo tanatológico que contraditoriamente busca o cuidado da vida através da proliferação da morte. E estuda possibilidades de estabelecimento de uma biopolítica positiva, após o fim do nazismo. De acordo com o texto, ainda hoje, todas as questões de interesse público na sociedade seriam interpretadas a partir de uma conexão profunda e imediata com a esfera do bíos, o que revela o achatamento tendencial da política sobre os corpos1 1 Para Esposito (2017), mesmo com o fim do nazismo ainda hoje todas as questões de interesse público seriam interpretadas a partir de uma conexão profunda e imediata com a esfera do bíos, desde a importância do elemento étnico nas relações entre os povos, assim como a questão sanitária e a ordem pública seriam exemplos do achatamento tendencial da política sobre os corpos. . Um dos pontos em debate seria a reflexão de como transformar a “norma de vida”, um dispositivo tanatopolítico criado pelo nazismo, fundada em um caráter de pureza racial, em uma política da vida. Essa estrutura jurídica nazista estaria fundamentada na afirmação de que “somente uma vida já decidida segundo uma determinada ordem jurídica pode constituir o critério natural de aplicação do direito” (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p.232).

Já a proposta de uma política da vida estaria fundada no princípio de equivalência ilimitada para todas as formas de vida singulares (a norma seria emanada na própria capacidade de existência do sujeito). No ensaio sobre a necropolítica Achille Mbembe (2016)MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003. apresenta a política de morte sustentada na dimensão da racialização, na subalternidade reservada aos negros, no poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Para Mbembe a noção de biopoder é insuficiente para explicar as formas contemporâneas de subjugação, assim o autor articula colonialidade, racismo e violência de Estado para argumentar sobre as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (MBEMBE, 2003).

Diante de tais questões, a primeira reflexão abordada no texto será a política de morte imposta a juventude negra, apoiada nos dados do Mapa da Violência e Atlas da Violência, entre outras fontes estatísticas, que revelam que em especial os jovens negros, os moradores dos bairros periféricos e com baixa escolaridade são os principais corpos marcados para a morte. Isso seria resultado da objetificação do corpo negro nos últimos séculos, a partir do trabalho forçado, do seu descarte como mercadoria, da perseguição do corpo negro na legislação pós-abolição como, por exemplo, a prisão dos vadios, que em última análise eram negros, além da violência continuada até os dias de hoje como o encarceramento e genocídio desta população. (ARAÚJO e SANTOS, 2019ARAÚJO, Danielle Ferreira Medeiro da Silva de; SANTOS, Walkyria Chagas da Silva. Constituição de 1988 e juventude negra: para a desconstrução de um dispositivo tanatológico. In: FILPO, Klever; MIRANDA, Maria Geralda; SILVA, Rogerio Borba da; PEREIRA, Thiago Rodrigues (Org.). Direitos humanos e fundamentais em perspectiva. Rio de Janeiro: Ágora21, 2019.).

O segundo ponto de reflexão dialoga com o primeiro. Os corpos negros além de serem tratados como corpos descartáveis continuam vistos como corpos perigosos, portanto, a circulação dos negros e negras nas ruas ainda causa certo temor. A ocupação das ruas desde o período colonial era disciplinada pelos brancos, que a partir das Posturas Municipais proibia as principais manifestações culturais negras, como a capoeira, o lundu e o candomblé. O ajuntamento de negros poderia significar a organização de revoltas como foi o Levante dos Malês, ou ainda a Revolução do Haiti. (ARAÚJO e SANTOS, 2019ARAÚJO, Danielle Ferreira Medeiro da Silva de; SANTOS, Walkyria Chagas da Silva. Constituição de 1988 e juventude negra: para a desconstrução de um dispositivo tanatológico. In: FILPO, Klever; MIRANDA, Maria Geralda; SILVA, Rogerio Borba da; PEREIRA, Thiago Rodrigues (Org.). Direitos humanos e fundamentais em perspectiva. Rio de Janeiro: Ágora21, 2019.).

O medo da onda negra, da ocupação dos espaços por corpos negros, ainda causa medo. Assim, para a elite e o Estado, seria necessário continuar disciplinando como essa população ocupa os espaços da cidade, fortalecendo os estereótipos preconceituosos e criminalizando os seus modos de vida. A terceira linha de discussão e reflexão do texto seria pensar em caminhos de construção de uma biopolítica afirmativa, que seja enfrentada em seu interior para fazer emergir uma política de vida (RODRIGUES, 2017).

A questão a ser refletida é: como transformar a lógica tanatológica em uma política da vida no contexto brasileiro? Para trilhar o caminho para respostas serão relacionados os pensamentos dos autores Roberto Esposito e o Achille Mbembe que estudam os efeitos da raiz racial como determinante das ações políticas e jurídicas do Estado (ARAÚJO e SANTOS, 2019ARAÚJO, Danielle Ferreira Medeiro da Silva de; SANTOS, Walkyria Chagas da Silva. Constituição de 1988 e juventude negra: para a desconstrução de um dispositivo tanatológico. In: FILPO, Klever; MIRANDA, Maria Geralda; SILVA, Rogerio Borba da; PEREIRA, Thiago Rodrigues (Org.). Direitos humanos e fundamentais em perspectiva. Rio de Janeiro: Ágora21, 2019.).

Para desenvolvimento do artigo, será utilizado o método de revisão de literatura trazendo à baila não só os textos dos autores citados, mas também de outros autores que abordaram a temática, ainda que não de maneira direta. Combinado com a revisão de literatura, serão apresentados dados do Mapa da Violência e Atlas da Violência, dados de órgãos oficias nacionais e internacionais, e demais dados de organizações não-governamentais publicados que exemplificam para análise do tema apresentado.

O texto se propõe a uma caminhada histórica que revela como a violência colonial e exclusão da população negra no Brasil limitou e limita o acesso desta ao acúmulo de capital social, econômico e cultural, e a deixa vulnerável a ser o alvo principal das violências impelidas pelo Estado em busca da “pacificação social” com a aplicação do seu aparato de políticas de segurança pública. Tais temas serão tratados na primeira sessão buscando trazer as discussões que colocam o colonialismo e o racismo como pontos centrais para construção de políticas de segurança pública que mantiveram, sob o poder simbólico das normas legais, o dispositivo tanatológico de fazer viver e deixar morrer determinado grupo social, a saber, a população negra.

Na segunda sessão será abordado o medo branco da onda negra, ou seja, do medo que a sociedade branca tem da organização dos negros, pelo menos desde a Revolução do Haiti, e como esse medo aliado a biopolítica construiu um lugar social para população negra, um lugar de não-direito e de morte. Busca-se refletir como as normas legais serviram e ainda servem como poder simbólico importante para a marginalização e criminalização dos modos de vida da população negra, que resiste à dominação e sujeição de uma visão legitima de mundo imposta pelo poder que se pretende dominante.

Já na terceira sessão a abordagem será sobre a necropolitica e sua relação com o colonialismo/colonialidade para entender os fundamentos da política de segurança pública, que não garante o direito à vida da população negra, especificamente da juventude. E por fim, na última sessão, serão apresentados alguns desafios para superar a política de morte do Estado brasileiro, enfrentando o racismo estrutural para que se possibilite a construção de uma política de vida para a população negra brasileira.

1. Violência colonial e exclusão no Brasil: um contrato social que a população negra nunca assinou

Dados de pesquisas recentes demonstram números da mortalidade no Brasil. Em 2017, tivemos o maior nível de letalidade no país com aproximadamente 31,6 mortos para cada 100 mil habitantes e 69,9 homicídios para cada 100 mil jovens. Vale ressaltar que, das pessoas do sexo masculino, entre 15 e 19 anos, falecidos no país, 59,1% tem como causa do óbito o homicídio. Nos últimos anos também ocorreu o aumento da violência letal contra as minorias, ou seja, populações específicas, como os negros, população LGBTI, e mulheres (feminicídio). No Nordeste, local de residência das autoras, ocorreu um acentuado aumento destas mortes. Para finalizar, por enquanto, os dados recentes, em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros (BRASIL, 2019BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Org.). “Atlas da violência 2019”. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019.).

Quais são as possíveis causas para números tão altos de óbitos de jovens negros? Vários são os caminhos para explicar o fato, mas a centralidade é a mesma, o racismo2 2 Segundo Silvio Almeida, “Podemos dizer que o racismo é uma forma sistêmica de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes e inconscientes que culminaram em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertencem”. (ALMEIDA, 2018, p. 25). é a grande arma da sociedade contra os jovens negros. De acordo com o Atlas da Violência de 2019,3 3 Atlas da Violência 2019. Disponível: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_2019.pdf> Acesso em: 18 ago. 2019. o que se verifica no país é a continuidade de um processo de aprofundamento da desigualdade racial que se revela também4 4 Além da violência letal a desigualdade racial permanece no que tange aos índices socioeconômicos, de escolaridade e renda (RELATÓRIO GEEMA, 2017). nos indicadores da violência letal. É o racismo que diferencia um jovem negro de um jovem branco vestido com a roupa da escola e “permite” que o negro seja alvejado com tiros, como ocorreu com Marcos Vinícius que faleceu durante operação policial (policiais civis e militares e soldados do Exército) na Maré5 5 Mãe de jovem morto no Rio: “É um Estado doente que mata criança com roupa de escola”. Disponível em:< https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/22/politica/1529618951_552574.html> , é o racismo que permite que um homem negro seja atingido por mais de 80 tiros6 6 80 tiros por “engano”. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2019/04/15/artigo-or-80-tiros-por-engano/> em operação policial e é o racismo que paralisa a sociedade, que fecha os olhos e reproduz o discurso da elite de que os jovens negros são perigosos, ainda que estejam brincando de esconde –esconde e outras brincadeiras inocentes, ou simplesmente conversando7 7 Jovem negro morre após ser baleado por PM em escola no extremo sul de São Paulo. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2016/10/05/jovem-negro-morre-apos-ser-baleado-por-pm-em-escola-no-extremo-sul-de-sao-paulo/> 8 8 Estudante morre após ser atingido por bala perdida em ponto de ônibus na Tijuca, Zona Norte do Rio Disponível em:<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/08/09/rapaz-morre-apos-ser-atingido-por-bala-perdida-em-ponto-de-onibus-na-tijuca-zona-norte-do-rio.ghtml> . O fato de o jovem ser negro concede “autorização para matar” ao policial, que, ao confundir guarda-chuva com arma,9 9 Polícia confunde guarda-chuva com fuzil e atira e mata um jovem negro. Disponível em:<https://www.geledes.org.br/policia-confunde-guarda-chuva-com-fuzil-e-atira-e-mata-um-jovem-negro/> tira mais uma vida na periferia e nada é feito.

Portanto, é necessário entender mais profundamente como o racismo/raça atua nas relações sociais como um dispositivo tanatológico10 10 Para acessar discussão mais ampla recomendamos a leitura do artigo: ARAÚJO e SANTOS, 2019. para se compreender a possibilidade de continuidade ou o processo de aceitação institucional e social dos números de óbitos de jovens negros no país. Segundo Silvio Luiz de Almeida, a raça é um conceito relacional e histórico, e apesar da biologia e da antropologia terem contribuído para demonstrar que as diferenças não justificam tratamento discriminatório entre seres humanos, “o fato é que a noção de raça ainda é um fator político importante utilizado para naturalizar desigualdades, justificar a segregação e o genocídio de grupos sociologicamente considerados minoritários”. (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Letramento, 2018., p. 24).

A intenção desta sessão é trazer com brevidade o histórico de violência e de exclusão a que a população negra11 11 Para acessar debate ampliado sugerimos: ARAÚJO e SANTOS, 2019. foi e é submetida, a partir de um contrato social que ela não assinou. Os negros tiveram seus corpos objetificados, seja por serem tratados como mercadoria por grande parte da sociedade, seja pela perseguição do seu corpo na legislação escravista e pós-abolição. Para a desconstrução e desnaturalização do que se caracteriza como “corpo marginal” ou, podemos dizer, corpo marcado para morrer, necessário se faz a reflexão do sujeito que em uma estrutura hierárquica tem todo o seu viver deslegitimado pelas classes dominantes, sendo forçosamente alocado no campo dos problemas sociais (ARAÚJO, 2019ARAÚJO, Danielle Ferreira Medeiro da Silva de. Juventude negra no Brasil: para uma desconstrução de um corpo marginal e descartável. Caderno Sisterhood. Vol. 3, n. 1 (março, 2019).).

Assim, a sessão se propõe a uma caminhada histórica que revela como a violência colonial e exclusão da população negra no Brasil limitou e limita o acesso desta população ao acúmulo de capital social, econômico e cultural. Tais temas serão tratados buscando trazer as discussões que colocam o colonialismo e o racismo como pontos centrais para entender a construção de políticas de segurança pública que mantiveram, sob o poder simbólico das normas legais, o dispositivo tanatológico de fazer viver e deixar morrer a população negra, em especial o jovem negro.

1.1. Colonialismo e racismo: a elaboração do dispositivo tanatológico contra a população negra1212Para discussão para detalhada sobre o histórico de exclusão da população negra sugerimos a leitura da sessão um do artigo “Constituição de 1988 e juventude negra: para a desconstrução de um dispositivo tanatológico” (ARAÚJO e SANTOS, 2019).

Conforme citado anteriormente, o racismo é uma forma de discriminação que ocorre de sistemicamente e resulta em desvantagens para alguns indivíduos e privilégios para outros, além de ter como centralidade a raça. Quando revisitamos a história do Brasil o que se verifica é que aos negros coube as desvantagens e aos brancos os privilégios que foram acumulados durante séculos e que reverberam na situação atual em que há grande desigualdade no acúmulo de bens materiais e simbólicos entre as duas populações (ARAÚJO e SANTOS, 2018). Vale ressaltar que, os efeitos sentidos pelo racismo têm forte ligação com outro conceito, o colonialismo.

Segundo Andrey Cordeiro Ferreira (2014)FERREIRA, Andrey Cordeiro. Colonialismo, capitalismo e segmentaridade: nacionalismo e internacionalismo na teoria e política anticolonial e pós-colonial. Revista Sociedade e Estado - Volume 29, Número 1, Janeiro/Abril 2014., o colonialismo antecede o capitalismo, sendo o componente central para que a produção e acumulação ocorresse, que, portanto, fez com que o capitalismo como modo de produção fosse possível. Joaze Bernardino-Costa e Ramón Grosfoguel (2016)BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e perspectiva negra. Revista Sociedade e Estado - Volume 31, Número 1, Janeiro/Abril 2016. são um pouco mais contundentes e afirmam que o colonialismo foi condição sine qua non para a formação da Europa e da modernidade.

Nesse primeiro momento utilizaremos o termo colonialismo e para tratar das situações atuais o termo será colonialidade. Grosfoguel esclarece a diferença entre os dois termos, vejamos,

Eu uso a palavra “colonialismo” para me referir a “situações coloniais” impostas pela presença de uma administração colonial, como é o caso do período do colonialismo clássico, e, na esteira de Quijano, uso a designação “colonialidade” para me referir a “situações coloniais” da actualidade, em que as administrações coloniais foram praticamente erradicadas do sistema-mundo capitalista. Por “situações coloniais” entendo a opressão/exploração cultural, política, sexual e económica de grupos étnicos/racializados subordinados por parte de grupos étnico-raciais dominantes, com ou sem a existência de administrações coloniais. (GROSFOGUEL, 2008GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Título original Decolonizing Political-economy and Postcolonial Studies: Transmodernity, Border Thinking, and Global Coloniality Pour décoloniser les études de l’économie politique et les études post-coloniales. Transmodernité, pensée de frontière et colonialité globale. Tradutor: Inês Martins Ferreira. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 80, Março 2008., p. 126-127).

Segundo Lander (2005), a invasão do continente americano inaugura não só a modernidade, mas a organização colonial do mundo, e a constituição colonial dos saberes, das linguagens, da memória e do imaginário. Tal organização resultará numa grande narrativa universal que coloca a Europa como centro geográfico e a culminação do movimento temporal, essa narrativa construirá a Europa (Ocidente) e o outro13 13 O que é possível perceber é que, “[...] a noção de universalidade a partir da experiência particular (ou paroquial) da história europeia e realizar a leitura da totalidade do tempo e do espaço da experiência humana do ponto de vista dessa particularidade, institui-se uma universalidade radicalmente excludente”. (LANDER, 2005, p. 10). . E para construção da nova narrativa, para construir a universalidade em torno da Europa e a exclusão dos demais povos, dois escritores foram paradigmáticos, são eles Locke e Hegel. A universalidade instituída é excludente, tem sua sustentação na propriedade privada, é um universalismo não universal, posto que, nega aquele que é diferente do liberal, nega o direito do colonizado, nega o direito coletivo e exacerba o direito individual (LANDER, 2005).

A construção de uma narrativa universal eurocêntrica, elabora um lugar de superioridade para os europeus e de inferioridade, inclusive racial, para os demais povos. Assim, caberia aos europeus retirar “os outros” do atraso, tendo dois caminhos a civilização e a aniquilação. Nas palavras de Lander,

É um dispositivo de conhecimento colonial e imperial em que se articula essa totalidade de povos, tempo e espaço como parte da organização colonial/imperial do mundo. [...] As outras formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as outras formas de conhecimento, são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas. (LANDER, 2005, p. 13).

De acordo com Cardoso, “o colonialismo essencializou, classificou e inventou corpos colonizados, transformando-os em alvo de estereótipos e representações racializadas” (CARDOSO, 2018, p. 318). Evandro Duarte, Marcos Vinicius e Pedro Argolo (2016)DUARTE, Evandro; QUEIROZ, Marcos; COSTA, Pedro H. Argolo. A hipótese colonial: a modernidade e o Atlântico Negro no centro do debate sobre racismo e sistema penal. Revista Universitas Jus, 2016. em texto abordando a hipótese colonial em diálogo com Michel Foucalt, informam que a racialização do sistema penal surge tardiamente para o campo criminológico no Brasil, tendo como motivação o silêncio acadêmico, o racismo institucional e a branquidade. Segundo os autores (as), W.E.B. Du Bois e Franz Fanon “foram pioneiros na construção da hipótese colonial, ou seja, em atribuir ao colonialismo um papel decisivo na compreensão do racismo e da relação entre os sistemas penais e os afrodescendentes” (DUARTE, 2016, p. 5).

Uma das possibilidades de interpretação desta questão pode estar relacionada a naturalização do processo de desconstrução da dignidade humana do corpo e dos modos de vida da população negra durante a estruturação do colonialismo no país, que, ao passar do tempo, apesar das tentativas legais de absolvição fática dos escravizados, se mantém no pensamento escravista vinculado a uma estrutura de poder relacional e múltipla, quase invisível. Portanto, a hipótese colonial atribui ao colonialismo um papel decisivo na compreensão do racismo e da relação entre os sistemas penais e os afrodescendentes (DUARTE, 2016).

Se o período histórico do colonialismo passou, as situações coloniais dele decorrentes, a colonialidade do pensamento e dos modos de ser se mantém a partir da legitimação das visões de mundo. Para as classes dominantes a visão legítima de mundo é a sua própria forma de ver a vida e se impõe através de instrumentos de legitimação, como as normas legais. Por outro lado, as outras formas de ver o mundo são consideradas deslegitimadas ou anômalas, isso se dá pelo desigual acesso dos agentes ao acúmulo de capital no espaço social, que facilita para os que agregam mais, o poder de imposição de uma forma de vida sobre as demais (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12° edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2009.). O recorte temático sobre a letalidade que ceifa a vida de determinada parcela da população trata-se de uma tentativa de explicitação da violência simbólica, a qual atua de forma permanentemente arbitrária e se estrutura e justifica em um pilar de diferenciação racial naturalizado e aceito pela sociedade em geral, mas não esquecido pelos movimentos sociais (ARAÚJO e SANTOS, 2018).

1.2 O contrato social à brasileira

Se o colonialismo foi condição necessária para a formação da Europa e da Modernidade, as teorias jusnaturalistas fundamentaram conceitualmente a formação do Estado Moderno. A partir do século XVII e XVIII estas bases conceituais fortaleceram a dominação racional-legal que passou a se estabelecer a partir de uma visão de mundo burguesa, do modo de produção capitalista, da ideologia liberal-individualista, com a forma de organização institucional de poder (Estado-Soberano). A moderna cultura ocidental se fundamentou na força da univocidade, da estabilidade, da racionalidade formal, da certeza e da segurança jurídica (WOLKMER, 2001WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega. 2001.).

As teorias contratualistas utilizadas a seguir são em especial do período de elaboração da Europa enquanto lugar universal, apesar das inspirações em outros povos. Assim, ainda que elas justificassem a propriedade privada e a universalidade excludente, aqui as teorias serão utilizadas para explicar o contrato social à brasileira.

Para as teorias contratualistas os homens seriam absolutamente livres para decidir suas ações e optam em determinado momento por abrir mão voluntariamente desta liberdade para a formação de uma sociedade civil, regida pela convenção e pelo direito (LOCKE, 1994; ROUSSEAU, 2010; HOBBES, 2001).

O pensamento contratualista valoriza a reciprocidade. Para Hannah Arendt (2010)ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2010., o compromisso moral dos cidadãos em obedecer às leis esta tradicionalmente vinculado à suposição de que os mesmos deram consentimento, ou seja, foram os próprios legisladores, estando submetidos não a uma vontade alheia, mas a sua própria vontade. O contrato que não abarca toda a sociedade abre por sua vez a possibilidade da desobrigação ao cumprimento da lei.

Ao estudar o pacto inaugural da sociedade norte-americana, a autora Hannah Arendt (2010)ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2010. afirma que na Constituição dos Estados Unidos não havia nada ou nenhum intendo dos idealizadores que pudesse ser interpretado como incluindo o povo escravizado no contrato social, tema este também estudado por Dahl (1989). Desta forma, Arendt (2010)ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2010. afirma que um contrato social excludente ensejaria para os grupos excluídos a desobediência civil, uma vez que se sentiriam desobrigados ao cumprimento da lei pela ausência de promessa mútua entre sociedade e Estado.

Esta outra perspectiva de interpretação sobre a formação do Estado pode ser encontrada nos escritos de Clastres (1974)CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora S.A. 1978. Para o autor, o Estado seria um instrumento que permite à classe dominante exercer sua dominação violenta sobre as classes dominadas, revelando, na verdade, a história social da luta da sociedade contra o Estado. Sobre as sociedades “primitivas”, baseada na igualdade e subsistência, somente uma convulsão estrutural, abissal poderia transformar, destruindo-a, fazendo surgir a autoridade hierárquica, a relação de poder, a dominação dos homens, o Estado. De acordo com o autor, “a opressão política determina, chama, permite a exploração” (CLASTRES, 1974, p.14).

Ao analisar as bases de nossa construção nacional observa-se um pacto inaugural também excludente, que advém de uma estrutura social em que negros e indígenas amargam um processo de luta histórico-social contra diferentes formas de dominação imposto pela intervenção violenta dos portugueses. No Brasil, a poderosa junção de interesses religiosos, políticos e comerciais, numa ligadura que era ao mesmo tempo moral, econômica, política e social fundamentavam a legitimação do poder e tendia a mexer-se como uma totalidade (DA MATTA, 1981MATTA, Roberto da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Petrópolis: Vozes, 1981.).

A proposta do texto se aproxima da segunda leitura que critica o contratualismo eurocêntrico para se refletir de forma decolonial a partir do lugar daquele que é violentado, expropriado, aprisionado e dizimado. Tal entendimento de que a morte (do ser ou do corpo) seria o lugar social e simbólico destes grupos torna-se a principal chave de releitura da história social destas populações e de ressignificação quanto aos levantes e resistências em prol do direito à vida, na sua perspectiva biológica, biopolítica e necropolítica.

2. O poder simbólico das normas legais sobre os modos de vida marginalizados: o medo da onda negra

A Constituição de 1988 é a primeira a falar sobre os processos ocorridos na diáspora, trazendo direitos como a liberdade religiosa de forma ampla, os direitos culturais, a proteção aos sítios arqueológicos e o direito à terra aos remanescentes de quilombos. Antes dela o Brasil conheceu outros seis textos constitucionais e centenas de textos infraconstitucionais, muitos desses textos foram elaborados a partir da inspiração do medo da classe branca com relação a luta e resistência do povo negro14 14 Exemplo de lei que foi elaborada a partir do medo branco, Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871), teve como uma de suas motivações, “Três foram as preocupações básicas manifestadas por vários oradores: em primeiro lugar, os efeitos da Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871) estariam tornando impossível o mesmo controle disciplinar sobre os escravos, uma vez que a escravidão já não podia mais ser considerada como um regime absoluto e perpétuo, mas tão-somente relativo e condenado fatalmente a extinguir-se; em segundo lugar, temos um crescente medo dos escravos e de possíveis rebeliões, em parte devido à perda de controle disciplinar e, por outro lado, em razão do tráfico acelerado de cativos do norte; por último, em função do mesmo tráfico interprovincial, renovava-se o medo de que ocorresse no Brasil uma guerra-civil do tipo da norte-americana, com o norte (impondo ao sul uma abolição forçada e sem indenização sobre o grande capital empatado em escravos”. (grifo nosso). (AZEVEDO, 1987, p. 114). .

Célia Maria Azevedo em seu livro “Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX”, aborda o medo dos brancos do século XIX, “bem-nascidos e bem-pensantes” de serem tragados pelos negros “mal-nascidos e mal-pensantes”. O medo era suscitado a partir dos conflitos reais ou potenciais em que a elite (grandes proprietários e profissionais liberais) se sentia ameaçada pela presença dos negros, principalmente após a Revolta de São Domingos e as Insurreições Baianas ocorridas nas três primeiras décadas do século XIX. As insurreições não tiveram o sucesso desejado, porém, causavam temor nos brancos, posto que, a persistência poderia resultar em êxito. E cantiga como a entoada nas ruas de Pernambuco em 1823 atemorizava a elite com as seguintes frases: “Marinheiros e caiados/Todos devem se acabar/Porque só pardos e pretos/O país hão de habitar”. (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., p. 36).

O grande temor pairava sobre a questão da inversão da ordem política e social, da vingança dos negros contra os brancos, da existência dos quilombos que eram considerados “uma sociedade na sociedade” (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., p. 46), da cólera dos negros contra a destruição dos quilombos. O negro “instável e perigoso” causa medo na pequena elite branca detentora dos meios de produção. Segundo a autora,

Ora, perguntavam-se alguns assustados “grandes” homens que viviam no Brasil de então, se em São Domingos os negros finalmente conseguiram o que sempre estiveram tentando fazer, isto é, subverter a ordem e acabar de vez com a tranqüilidade, dos ricos proprietários, por que não se repetiria o mesmo aqui? Garantias de que o Brasil seria diferente de outros países escravistas, uma espécie de país abençoado por Deus, não havia nenhuma, pois aqui, assim como em toda a América, os quilombos, os assaltos às fazendas, as pequenas revoltas individuais ou coletivas e as tentativas de grandes insurreições se sucederam desde o desembarque dos primeiros negros em meados de 1500. (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., p. 35).

Portanto, o medo da onda negra faz parte do cotidiano brasileiro desde o denominado período colonial. Nesta sessão será abordado o medo branco da onda negra, ou seja, do medo que a sociedade branca tem da organização dos negros, pelo menos desde a Revolução do Haiti (1791-1804), e como esse medo aliado a biopolítica construiu um lugar social para população negra, um lugar de não-direito e de morte. Busca-se refletir como as normas legais serviram e ainda servem como poder simbólico importante para a marginalização e criminalização dos modos de vida da população negra, que resiste à dominação e sujeição de uma visão legitima de mundo imposta pelo poder dominante. Esta, composta pela elite que historicamente possui maior e melhor acesso ao acúmulo de capital (no Brasil os privilégios estão relacionados ao caráter racial e pode ser denominado como branquitude) que vai se recriando desde o período colonial (BENTO, 2002BENTO, Maria Aparecida Silva. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: Psicologia social do racismo – estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Iray Carone, Maria Aparecida Silva Bento (org). Petrópolis, RJ: Vozes. 2002.).

2.1 O Estado e o monopólio da produção jurídica

O Estado Moderno teve como um dos instrumentos de legitimação do poder político a racionalidade jurídica (WOLKMER, 2001WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega. 2001.). No Brasil, tendo como ponto chave o período do colonialismo, a formalidade jurídica foi fundamental para toda a estruturação das relações de poder constituídas no território. O formalismo jurídico e a ideologia católica fundamentaram a construção nacional, em que o poder e o prestígio diferencial hierarquizado correspondiam diretamente a diferenças de tipos físicos e origens sociais (DA MATTA, 1981MATTA, Roberto da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Petrópolis: Vozes, 1981.).

Se as classes dominantes impõem a sua visão de mundo sobre os grupos existentes no espaço social, as normas legais, a partir das suas características fundantes de universalidade e impessoalidade, passam a ser o principal instrumento de legitimação do Estado (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12° edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2009.). O que não se pode olvidar é que a produção das normas legais é influenciada pelas relações econômicas, sociais e culturais de um dado contexto temporal. Desta forma, para se estudar a forma positivada do Direito necessário se faz a compreensão da organização social, das relações estruturais de poder, de valores e interesses que ele reproduz (WOLKMER, 2001WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega. 2001.).

O Direito como produção exclusiva do Estado é modelo normativo que vem dominando os países da Europa Central e América Latina (WOLKMER, 2001WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega. 2001.). Mas, existem diferenças entre as estruturas normativas do Norte e do Sul, tendo em vista as relações sociais, reflexo cultural da confluência de uma determinada produção econômica com as necessidades da formação social e da estrutura de poder predominante. Nas sociedades industriais avançadas ocorre uma preocupação maior com uma ordem normativa caracterizada por funções distributivistas, persuasivas, promocionais e premiais. Já nas sociedades industriais periféricas e dependentes se caracteriza uma ordem normativa com funções coercitivas, repressivas e penais (WOLKMER, 2001WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega. 2001.).

O que se observa no Brasil15 15 O escravizado não tinha direitos. Foi a partir da Constituição de 1824 que se estipulou direitos limitados aos escravizados alforriados. Após 1888, leis repressivas contra a população negra foram elaboradas no intuito de controlar e criminalizar os modos de vida e o trabalho livre, a elite da época preocupava-se com a manutenção do poder e dominação sobre a população negra, com o fim de se evitar a mudança do lugar social deste grupo em uma nova ordem jurídico-formal (MATTOS, 2008). é que as normas legais se constituíram como mais um instrumento de legitimação da acumulação dos diferentes tipos de capital por parte dos grupos dominantes, enquanto serviu de ferramenta de institucionalização da criminalização dos modos de vida da população negra (ARAÚJO, 2017ARAÚJO, Danielle Ferreira Medeiro da Silva de. O problema da inclusão: um olhar sobre a realidade brasileira. Revista Científica do Curso de Direito, [S.l.], n. 01, p. 147 - 164, dez. 2017. ISSN 2594-9195. Disponível em: <http://periodicos2.uesb.br/index.php/rccd/article/view/2702>. Acesso em: 03 jul. 2019. doi: https://doi.org/10.22481/rccd.v0i01.2702.
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). Na história brasileira, o tecido social tem por base a diferenciação, e tem como foco o ataque às camadas populares, desta forma, o princípio de controle e normatização, aplicados pelo Estado, tem como principal alvo os grupos desprivilegiados (PEDROSO, 2006PEDROSO, Regina Célia. Violência e Cidadania no Brasil: 500 anos de exclusão. São Paulo: Ática, 2006.).

2.2 O poder simbólico das normas legais: a imposição de uma visão de mundo

Como já foi dito, a racionalidade jurídica é um dos pilares do Estado Moderno. A classe política busca de diferentes formas a legitimação de sua dominação, essa fundamentação opera de forma moral e também legal e se impõem sobre a sociedade que ela dirige através de doutrinas e crenças (BOBBIO, 2007BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma Teoria Geral da Política. Paz e Terra. 14. ed. 2007.).

A legitimidade de quem detém o poder atrela-se a razão de comandar, e de quem suporta o poder, a razão de obedecer. Assim, a classe política procura dar uma base moral e legal, que se une ao monopólio legítimo do uso da força física (BOBBIO, 2007BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma Teoria Geral da Política. Paz e Terra. 14. ed. 2007.). As relações de força operam de forma multidimensional em uma sociedade determinada e se perfazem em rituais políticos de poder produzindo relações desiguais e assimétricas (DREYFUS e RABINOW, 2001). Os efeitos do poder operam no interior do corpo social em múltiplas formas, nos corpos, gestos, discursos e desejos dos indivíduos (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1979.). Além disso, o poder também se encadeia nos pensamentos, nas representações, nas racionalizações e no reconhecimento dos próprios sujeitos (FOUCAULT, 1999).

Com o advento do positivismo jurídico, que considera como direito apenas o direito posto por autoridades delegadas, o que se fundamenta é que o poder de fato seria o legítimo. O poder soberano torna-se o poder de criar e aplicar o direito num território para um determinado povo, e que pode valer-se inclusive da força. O Estado enquanto ordenamento coativo torna-se uma técnica de organização social que privilegia o poder racional (BOBBIO, 2007BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma Teoria Geral da Política. Paz e Terra. 14. ed. 2007.).

As normas jurídicas, como um dos instrumentos de poder, ordenariam o mundo social de forma a exprimir a visão de mundo das classes dominantes, desconsiderando ou deslegitimando outras formas de estilo de vida (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12° edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2009.). O poder simbólico que envolve a enunciação de uma visão legítima do mundo visa a construção da realidade para o estabelecimento de uma ordem e tal imposição não é percebida como arbitrária.

A autoridade jurídica representa por excelência a violência simbólica legítima que pertence ao Estado, e consagra um conjunto de regras sociais universalizantes, para além das distintas condições e estilos de vida, considerando como desviantes todas as práticas que não se encaixam em uma cultura legítima (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12° edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2009.). O que por vezes torna um obstáculo o estudo do racismo enquanto categoria de diferenciação nas ações institucionalizadas do Estado, mas especificamente quanto ao monopólio legítimo do uso da força física, seria a naturalização do lugar social do negro na sociedade. A naturalização significa ver o lugar do negro vinculado a determinados papéis e funções (SILVA, 2011SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou? Salvador: EDUFBA: 2011.).

2.3 Dualidade jurídica: direito e não-direito no Brasil

A cultura jurídica brasileira nasce e se desenvolve com um caráter dual. Para descobrir as origens do caráter dual do direito brasileiro, temos, sem dúvida, que remontar ao período da colonização/invasão portuguesa nestas terras. O direito escrito – as ordenações do Reino, acrescidas das leis, provisões e alvarás posteriores – vinha todo da metrópole e eram estranhas ao nosso meio. A tais regras devia-se respeito, mas não necessariamente obediência. O que prevaleceu aqui foi a máxima difundida em toda a Hispano-américa: las ordenanzas del rey nuestro Señor se acátan pero no se cúmplen. (COMPARATO, 2009).

De acordo com Wolkmer (2011), na evolução do ordenamento jurídico nacional coexistiu, desde as origens da colonização/invasão, um dualismo normativo corporificado, de um lado, o Direito do Estado e as leis oficias, e de outro, o Direito comunitário não-estatal, obstaculizado pelo monopólio do poder oficial, mas gerado e utilizado por grandes parcelas da população, por setores discriminados e excluídos da vida política.

O direito não-estatal ou o que podemos chamar de normas sociais16 16 Trata-se de normas informais e coletivas que possuem força e influenciam comportamentos dentro de um grupo social e que passam a ser naturalizadas em pensamentos e formas de agir (BICHIERI, 2013). podem ser compreendidos como modos de vida ilegítimos ou anormais diante do Estado. Trata-se de uma tentativa de construção de uma vida social a partir do não-direito.

A exclusão dos modos de vida outros, não dominantes, da esfera da legitimação formal apenas invisibilizou atrás do conceito de ordem ou harmonia social a pluralidade de visões de mundo existentes no espaço social. Para Gaglietti (2006GAGLIETTI, Mauro. O poder simbólico e a distancia entre os dois brasis:o formal e o informal. Revista Katálysis. v.9. n.1. jan/jun. Florianópolis - SC, 2006., p.46), “ [...] atribui-se a ordem legal uma obrigatoriedade, quando, na verdade, as normas jurídicas estão sujeitas às oscilações provocadas pelos resultados nas disputas no campo social”. Ora, no campo social, as normas legais e as normas sociais se digladiam em prol da enunciação legítima de um modo de vida, sendo que as classes dominantes se fortalecem porque compreendem e dominam todo o processo legal (BORDIEU, 2009).

3. Necropolitica e tanatopolítica: colonialidade e política de morte

Até aqui o texto levantou questões importantes no intuito de refletir como, ainda na atualidade, se permite/concebe/aceita e minimiza a continuidade de um processo seletivo de homicídios da juventude negra. Buscou-se compreender os caminhos históricos e sociais que tornaram possível a construção de uma estrutura social hierárquica que introjetou, a partir dos valores e visões de mundo de uma classe dominante, dispositivos de controle, normatização e exclusão de qualquer grupo para se manter a cultura do privilégio. Esta forma de colonialidade17 17 Nas palavras de Ramon Grosfoguel, “A colonialidade permite-nos compreender a continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais, produzidas pelas culturas coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial. A expressão “colonialidade do poder” designa um processo fundamental de estruturação do sistema-mundo moderno/colonial, que articula os lugares periféricos da divisão internacional do trabalho com a hierarquia étnico-racial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro Mundo na hierarquia étnico-racial das cidades metropolitanas globais. Os Estados-nação periféricos e os povos não-europeus vivem hoje sob o regime da “colonialidade global” imposto pelos Estados Unidos, através do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BM), do Pentágono e da OTAN. As zonas periféricas mantêm-se numa situação colonial, ainda que já não estejam sujeitas a uma administração colonial. A palavra “colonial” não designa apenas o “colonialismo clássico” ou um “colonialismo interno”, nem pode ser reduzida à presença de uma “administração colonial”. (GROSFOGUEL, 2008, p. 55-56). se mantém até os dias de hoje. O Relatório das Nações Unidas - CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) intitulado “A ineficiência da desigualdade”18 18 Disponível: https://www.cepal.org/pt-br/publicaciones/43569-ineficiencia-desigualdade-sintese. Acesso: 09 mai. 2019. , divulgado em 2018, afirma que,

[...] a cultura do privilégio garante assimetrias em múltiplos âmbitos da vida coletiva, como o acesso a posições privilegiadas nos negócios e nas finanças; o poder decisório ou deliberativo; a maior ou menor presença em meios que impõem ideias, ideologias e agendas políticas; a captura de recursos públicos para benefícios privados; condições especiais de justiça e sistema fiscal; contatos para ter acesso a melhores empregos e serviços; e facilidade para obter os melhores lugares para viver, circular, educar-se, abastecer-se e cuidar-se.(p.49).

Observou-se que diferentes instrumentos de legitimação foram utilizados pela classe política sobre os outros grupos existentes no território. O não-direito foi o primeiro lugar de existência dos grupos excluídos aos olhos dos seus dominadores, que possibilitou todo e qualquer tipo de violência, atrocidade e aniquilamento possível da população negra e indígena. O outro não era ser, era coisa, propriedade. A resistência foi o lugar dos oprimidos, que não assinaram nenhum contrato social, e lutaram, fora da lei e contra a lei, para a garantia da vida. É a partir do olhar para a relação dos sujeitos com o poder, reajustada em uma acomodação biológica promovida pelo Estado, que se pretende aprofundar questões que foram levantadas no texto, a saber, a conflituosa relação de luta pela vida que a população negra deflagra desde o período colonial e a perversa invisibilidade ou permissividade social referente as perdas humanas advindas deste conflito.

O que se apresenta neste capítulo é um olhar para a questão a partir do biopoder, ou seja, a vida, em dado momento histórico, passa a integrar o cálculo da gestão do poder, o biológico torna-se um mecanismo biopolítico indispensável para a definição da vida protegida e a vida exposta à morte. E a partir desta leitura de mundo o que se pretende é abrir caminhos para novos referenciais de mudanças estruturais nesta relação conflituosa que se reverbera no tempo. Dentro desta perspectiva, foram mobilizados dois autores, Roberto Esposito e Achille Mbembe, que nos permite pensar as questões raciais e os efeitos da colonialidade na atualidade, e como enfrentar os desafios para construção de uma política de vida para a população negra brasileira (LIMA, 2018LIMA, Fátima. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. Revista Arquivos Brasileiros de Psicologia; Rio de Janeiro, 70 (no.spe.), 2018. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-5267201800040000 3&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 22 de mar. de 2019.
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).

A questão a ser refletida é: como transformar a lógica tanatológica em uma política da vida? Relacionando os pensamentos dos autores ao contexto brasileiro que também possui uma raiz racial que determina as ações políticas e jurídicas do Estado (ARAÚJO e CHAGAS, 2018).

3.1. Compreendendo a noção de biopolítica

A questão do biopoder para Foucault relaciona-se ao fato do Estado atuar no corpo coletivo e na gestão da vida social. Na passagem para o século XIX o poder assume a função de gerir, garantir, reforçar, multiplicar e pôr em ordem a vida. A partir da lógica do fazer viver e deixar morrer passa a se proliferar as tecnologias políticas de investimento sobre o corpo, a saúde, as condições de vida e todos os espaços de existência. Nas mãos do Estado estaria a decisão de quem vive e de quem morre (FOUCAULT, 2017FOUCAULT, Michael. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 4ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra.2017.).

A discussão proposta pelo autor revela a multiplicidade das relações de poder que atuam em todos os lugares e operam sobre os corpos dos indivíduos através de estratégias de um saber-poder que se difundiu e se expandiu de um modelo disciplinar, de um regime de ordens impostas, para uma relação de poder em que o sistema de poder molda o indivíduo. A valorização do saber, a enunciação da verdade, fortaleceu a regulação e correção dos comportamentos19 19 A construção da conduta criminal dos pobres e negros no Brasil auxiliou no permanente processo de estigmatização destas populações, revelando o estereótipo do corpo marginal. De acordo com estudos de Nina Rodrigues as raças inferiores, negra e vermelha, eram responsáveis pelos atos antijurídicos que se prestavam à criminalidade. (REZENDE, 2018REZENDE. Gabriel Silva. O poder e a biopolítica: as fronteiras que separam a vida digna da vida indigna de ser vivida. Revista Mosaico, 09 (1), Jan./Jun. 2018.).

A discussão que tem sido levantada até aqui baseia-se no descortinamento do discurso sobre a visão de mundo legítima em detrimento de outras e, concomitantemente, a abertura de um espaço para a releitura dos modos de vida ora deslegitimados, que foram forjados na resistência não legalizada com a finalidade de vencer a força aniquiladora do Estado para viver. O que se apresentou foi uma reflexão sobre a violência das normas legais no intuito de harmonizar a pluralidade social na imposição de uma verdade. Esta, que por sua vez, apresenta-se entrelaçada a uma regulação jurídica passível de correção, nos casos de desvirtuamento. O desviante teria então o direito a resistir ao aniquilamento que se revela indissociável as suas características biológicas?

A raça enquanto disposistivo tanatológico apresenta-se na contraditória relação entre vida e morte, pois fala-se de um cuidado da vida a partir da proliferação da morte. Por isso torna-se necessário a criação do corpo marginal, para que a sociedade precisa acreditar que está assegurando a sua saúde e sobrevivência através da matança de determinado grupo. De acordo com Foulcault (2017), para matar é preciso invocar a enormidade do crime, a monstruosidade do criminoso, sua incorrigibilidade e a salvaguarda da sociedade, desta maneira, a morte se constituiria legítima, por se tratar de um perigo biológico para os outros.

O que o autor Roberto Esposito pretende discutir em seu livro “Bios: Biopolítica e Filosofia”, é por que uma política da vida (biopolítica) continuamente é ameaçada em se transformar em uma política de morte (tanatopolítica)? A inversão do vetor biopolítico para o seu oposto, a tanatopolítica, passa a vincular a batalha da vida como uma prática de morte.

3.2. Compreendendo o dispositivo tanatológico na obra de Roberto Esposito2020Para maiores detalhes sobre a obra de Roberto Esposito indicamos o texto “Biopolítica e Filosofia em Roberto Esposito: Considerações Introdutórias” (RODRIGUES, 2017).

O texto de Esposito tem por objetivo analisar os caminhos de discussão do tema biopolítica após o fim do nazismo. O autor afirma que o fim do nazismo não significou o fim da biopolítica, mas que o primeiro foi uma experiência de realização histórica do segundo. O autor, que iniciou o seu pensamento afirmando que a biopolítica teve seu nascimento na era moderna, e para tanto dialoga com outros pensadores como Hobbes e Locke, acredita ter sido o nazismo uma forma extrema e perversa da biopolítica, ou seja, uma versão particular. Todavia, mesmo com o fim do nazismo ainda hoje todas as questões de interesse público seriam interpretadas a partir de uma conexão profunda e imediata com a esfera do bíos, desde a importância do elemento étnico nas relações entre os povos, assim como a questão sanitária e a ordem pública seriam exemplos do achatamento tendencial da política sobre os corpos (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p. 184).

Esposito pretende penetrar no interior da semântica nazista e inverter os seus pressupostos tanatológicos. O autor propõe assumir as mesmas categorias de “vida”, “corpo” e “nascimento” invertendo sua inclinação imunitária autonegativa em direção a um sentido mais originário e intenso da communitas. O objetivo é traçar um caminho biopolítico afirmativo, não mais sobre a vida, mas da vida. O que se pretende é uma vitalização da política e não a subtração da vida pela mesma (politização da vida), mesmo que os dois movimentos tendam a sobrepor-se em uma mesma relação de sentido (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p.199). Neste texto duas categorias serão discutidas: corpo e vida.

3.2.1 O corpo

O autor inicia a análise do dispositivo imunitário da dupla clausura do corpo compreendido como a absoluta identidade entre o corpo e nós mesmos, ou acorrentamento do sujeito ao próprio corpo, em que o corpo aparece como a essência do eu. Assim, “o homem é inteiramente definido pelo passado que traz dentro de si e que se reproduz na continuidade das gerações” (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p. 179). O dado biológico para o nazismo aparece como verdade última.

A raça constituiu concomitantemente o caráter espiritual do corpo e o caráter biológico da alma conferindo desta forma a identidade do corpo a um significado que excederia os limites individuais do nascimento e da morte. Desta maneira a unidade biológica do corpo seria o fundamento do corpo étnico. A dupla clausura aparece como a incorporação de si ao próprio corpo somado a uma incorporação a um corpo maior, que constituiria a totalidade orgânica do povo alemão. A segunda incorporação confere a primeira um valor espiritual, e o que conecta todos seria uma linha vertical do patrimônio hereditário. Assim sendo, a proteção do corpo étnico alemão se constitui pela manutenção e melhoramento do patrimônio sadio, a eliminação dos elementos doentes e a manutenção do caráter racial do povo. O genocídio seria então a limpeza do corpo para o experimento da clausura sobre si mesmo, ou seja, do pertencimento de cada um dos seus membros (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p.216).

Para Esposito todas as vezes que se pensou o corpo em termos políticos o destino sempre foi fechar o “corpo político” sobre si mesmo e dentro de si mesmo, as partes, inscritas em um único corpo devem compactar-se em uma única figura com a finalidade de autoconservação do conjunto do organismo político. O totalitarismo nazista estabelece uma coincidência absoluta entre identidade política e a biológico racial, incorporando no próprio corpo nacional a linha de demarcação entre o interior e o exterior. Assim, o corpo individual e coletivo seria imunizado para além da relação com o exterior, e sim em relação aos seus próprios excedentes. (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p.216).

A linha de pensamento do autor pode oferecer importantes chaves de interpretação para questões que se apresentam no universo social brasileiro, como foi exposto anteriormente o corpo marginal caracteriza-se como uma representação social21 21 De acordo com Jodelet, “Seu tratamento é objeto de uso explícito e racional nas ciências sociais. Elas encontram neste conceito um meio de acesso às dimensões simbólicas, culturais e práticas dos fenômenos sociais, bem como um instrumento que permite pensar a relação do mental e do material como meio para dar lugar novamente à cultura e ao reconhecimento de que os fatos sociais são objetos de conhecimento”. (2018, p. 429). presente tanto no imaginário da sociedade22 22 As classes populares no Brasil são vistas como classes perigosas que demandam controle social (PINHEIRO, 2001). como de forma institucionalizada (no que tange a seletividade dos homicídios no Brasil23 23 “A cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil” (RELATÓRIO CPI DOS ASSASSINATOS DE JOVENS, 2016, p.41). ). As dificuldades de ascensão social24 24 RELATÓRIO GEEMA, 2017. Disponível: http://gemaa.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2017/08/Relato%CC%81rio_Corrigido-2.0.pdf. Acesso em: 19 ago. 2019. a partir da efetividade do acesso aos direitos constitucionalmente garantidos revela a cruel realidade de um grupo que legalmente é incluído, mas não de forma fática, pois todo o descuidado do Estado para com esta parcela da população os direciona para a encruzilhada da ilegalidade ou da morte25 25 Nota Técnica nº 18 – IPEA - Indicadores Multidimensionais de Educação e Homicídios e Territórios nos Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios afirma que as trajetórias individuais de crianças e adolescentes da periferia seguem de maneira sequencial, desde o nascimento, como um conjunto de portas que se fecham e que o aproximam da ilegalidade. , seja pelos pares seja pelo Estado, evidenciando a crueldade do modelo de pensamento colonial que não alterou e nem pretende alterar o lugar do negro na sociedade de privilégios. De acordo com Araújo,

O que se verifica na estrutura social da sociedade brasileira é que existem distintas formas de desigualdades que se constituem como base de construção para formas de vida, ou mesmo, de sobrevivência. Uma análise histórica possibilita visualizar o caminho que a população negra faz no país tendo origem no não-direito até a concretização de garantias legais que, no entanto, não correspondem a uma efetividade de direitos na realidade social. O que se opera é uma desconstrução da humanidade, que sempre justifica os abusos de autoridade a até mesmo a letalidade para a manutenção da ordem pública, a afirmação “ele é marginal” ainda é a senha para o massacre de jovens negros no Brasil. (ARAÚJO, 2019ARAÚJO, Danielle Ferreira Medeiro da Silva de. Juventude negra no Brasil: para uma desconstrução de um corpo marginal e descartável. Caderno Sisterhood. Vol. 3, n. 1 (março, 2019)., p. 57).

O corpo negro, neste sentido, encontra-se mortalmente aprisionado a uma construção social negativa, ilegal, ilegítima, que, na concepção tanatopolítica justifica o seu controle, encarceramento e morte. A limpeza do corpo negro ao longo do tempo vai justificando os novos valores sociais, a urbanidade, a civilidade, a segurança pública, a ordem. É preciso acreditar e se fazer acreditar através de todos os instrumentos de legitimação do Estado que a morte do jovem negro é legítima, e o é por que ele é marginal.

3.2.2 A normatização da vida

A normatização absoluta da vida seria o traço imunitário do nazismo revelado pela justaposição do biológico e do jurídico. No aspecto da biologização do direito, os médicos (sacerdotes da vida e da morte) começam a assumir poderes reservados a outros âmbitos de competências quanto mais se aumentavam em amplitude ilimitada o juízo da deformidade racial e do desvio social. Por outro lado também aconteceu o fenômeno de aumento do controle da medicina, a relação médico e Estado cada vez mais se estreitava, o diagnóstico se tornava uma questão não mais privada, mas pública, sendo a responsabilidade do médico exercida em relação ao Estado, que por sua vez detinha o segredo sobre as condições do paciente. O sujeito passa a ser um objeto de determinação biológica. Os médicos legitimavam as decisões de discriminações raciais tomadas em âmbito político levando a uma juridicização política do âmbito biológico (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p.230).

O que se pretendeu não foi a superação da norma a mais a sua recondução a um quadro normativo de caráter objetivo que satisfizesse as necessidades do povo alemão. O âmbito inteiro da vida estava ao comando da norma, tanto a vida estava normatizada quanto a norma biologizada. O ordenamento nacional estaria enraizado em uma matriz biológica, sendo ela a aplicação a posteriori de uma determinação natural, seria então a conotação racial o fundamento do direito de existência do povo. Assim, o campo de concentração simbolizava o lugar onde o arbítrio se tornava legal, e a lei, arbitrária, antecipando tudo que poderia exceder ao seu resultado mortífero (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p. 232).

A “norma de vida” criada pelo nazismo encerrava toda a extensão da vida a uma norma de morte que ora a absolutizava, ora a destituía. Essa estrutura jurídica estaria fundamentada na afirmação de que “somente uma vida já decidida segundo uma determinada ordem jurídica pode constituir o critério natural de aplicação do direito” (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p.232).

A norma de vida à brasileira enfrenta o paradoxo de que a norma legal garante a todos o direito à vida, mas no campo fático, existem outras normas sociais que assumem um poder real de determinar o critério de aplicação deste “direito” (como grupos de extermínio, milícias, entre outros). Ora, não existe qualquer garantia real de existência digna para determinado grupo social que tenha no corpo as características da marginalidade, a saber, cor, escolaridade, idade e local de residência determinados. A seletividade para a morte social (encarceramento) ou física acontece tanto no campo das normas legais quanto no campo das normas sociais, o que torna o jogo pela sobrevivência, uma tentativa de se manter longe da ilegalidade, em um universo construído sob a base da deslegitimidade.

3.3. Mbembe e a necropolítica: morte e vida

Das discussões apresentadas é necessário ponderar se o conceito de biopolítica é suficiente para pensar o genocídio da juventude negra no Brasil. Para ampliar o debate apresentamos as ideias trazidas pelo camaronês Achille Mbembe para traçar o conceito de necropolítica.

No ensaio “Necropolítica” Mbembe baseia-se no conceito de biopoder e sua relação com soberania e estado de exceção. O autor apresenta que a expressão máxima da soberania reside o poder e na capacidade de escolher quem pode viver e quem pode morrer, sendo o exercício da soberania explicitado, entre outras possibilidades, no controle sobre a mortalidade (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 123-124).

Combinar as noções de biopoder, estado de exceção, estado de sítio e relação de inimizade é importante para entender a base normativa do direito de matar, é necessário observar que o poder não é só estatal. O biopoder, direito soberano de matar, funciona mediante a divisão entre as pessoas que devem viver e as que devem morrer, porém, a divisão dos seres humanos em grupo só é possível a partir de uma censura biológica, que Foucault denomina “racismo” (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 128).

A raça foi utilizada para desumanizar e/ou dominar povos estrangeiros, ou conforme indicado no início do texto, a raça foi utilizada no Brasil para justificar inicialmente a escravização, depois a suposta propensão à criminalidade do negro e atualmente é uma autorização para o policial matar o jovem negro. Segundo Mbembe é o racismo que garantirá a aceitabilidade da morte, ou seja, “em termos foucaultianos, racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, “aquele velho direito soberano de morte”. Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição de morte e tornar possível as funções assassinas do Estado” (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 128).

Para Mbembe a escravidão, forma de terror moderno, é uma das primeiras formas de experimentação da biopolítica, e o sistema de colonização seria a manifestação do estado de exceção. O escravizado é retirado forçadamente de sua terra, obrigado a romper laços familiares, sociais e religiosos, tratado como mercadoria, exposto em praça pública a venda, humilhado26 26 “O escravo, por conseguinte, é mantido vivo, mas em “estado de injúria”, em um mundo espectral de horrores, crueldade e profanidade intensos. O sentido violento da vida de um escravo se manifesta pela disposição de seu supervisor em se comportar de forma cruel e descontrolada, e no espetáculo de dor imposto ao corpo do escravo.32 Violência, aqui, torna-se um elemento inserido na etiqueta, como chicotadas ou tirar a própria vida do escravo: um ato de capricho e pura destruição visando incutir o terror”. (MBEMBE, 2016, p. 131-132). pelo colonizador que ao tratá-lo como res, tem “uma tripla perda: perda de um “lar”, perda de direitos sobre seu corpo e perda de status político. Essa perda tripla equivale a dominação absoluta, alienação ao nascer e morte social (expulsão da humanidade de modo geral)[...]A vida de um escravo, em muitos aspectos, é uma forma de morte em vida” (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 131-132).

Apesar de ser tratado como mero objeto de trabalho, como morto-vivo, o escravizado reinventa seu lugar, suas relações humanas, “por meio da música e do próprio corpo, que supostamente era possuído por outro”. (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 132).

Nas colônias, as garantias de ordem judicial eram suspensas, eram governadas na ilegalidade absoluta, e a violência do estado de exceção era operada em nome da “civilização”, assim, o direito soberano de matar não está sujeito a regras, as barbáries do período anterior a modernidade podem ser praticadas, mais uma vez demonstrando que a universalidade pretendida pela Europa era excludente, a garantia de direitos, o respeito a legalidade e aos direitos individuais teriam como endereço apenas o colonizador. Portanto, “a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é “descartável” e quem não é” (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 135). E qual foi o corpo “escolhido” para figurar como descartável no Brasil? Essa escolha mudou do período colonial para a atualidade?

Laís Avelar, ao analisar a implantação de bases comunitárias de segurança em Salvador informa que a política de segurança pública se constitui para a manutenção do regime de cidadania racializado e para o racismo institucional (AVELAR, 2017AVELAR, Laís da Silva. O pacto pela vida, aqui, é o pacto pela morte!: o controle racializado das bases comunitárias de segurança pelas narrativas dos jovens do grande nordeste de Amaralina. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos e Cidadania) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.). Segundo Ana Laura Vilela, o necropoder foi praticado no colonialismo e opera atualmente no descarte de corpos e na violência direcionada aos grupos racializados, portanto, as práticas de morte contra a população negra foram forjadas nas relações coloniais. O genocídio da juventude negra brasileira possui pontos de aproximação com o debate estabelecido por Mbembe sobre o necropoder/necroplítica, assim,

A experiência de morte brasileira se aproxima da noção de necropoder de Achille Mbembe quando se analisa o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Assassinatos de Jovens, que foi aprovado pelo Senado Federal em 2016 (BRASIL 2016). Por meio da realização de audiências públicas, em diversas cidades do país, e pela coleta de informações com o Poder Público, organizações da sociedade civil e familiares das vítimas, o relatório afirma a existência de genocídio da juventude negra no Brasil, realizado pela ação ou omissão do Estado Brasileiro (VILELA, 2018VILELA, Ana Laura Silva. Violência Colonial e Criminologia: Um confronto a partir do documentário Concerning Violence. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 9, N. 4, 2018. Disponível em:< https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/30110/23636>. Acesso em: 21 de mar. de 2019.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 2031).

Os dados apresentados pela autora demonstram que ao exercer a sua soberania, nos termos estabelecidos por Mbembe, em que se estabelece a escolha de quem deve viver ou morrer, a causa central do genocídio da juventude negra é a negligência estatal. Ou seja, assim como no período colonial os senhores disciplinavam o descarte dos corpos negros, na atualidade o Estado brasileiro, que se estabelece como um Estado Democrático de Direito, disciplina quais jovens deverão viver e morrer nas ruas do país, o Estado é ““administrador da morte” (ZAFFARONI, 2012, p. 68) da população negra através também do sistema penal, da criminalização de pessoas negras e produção de biografias criminais como justificação do assassinato [...]o Estado demonstra sua vocação necropolítica” (VILELA, 2018VILELA, Ana Laura Silva. Violência Colonial e Criminologia: Um confronto a partir do documentário Concerning Violence. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 9, N. 4, 2018. Disponível em:< https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/30110/23636>. Acesso em: 21 de mar. de 2019.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 2034).

A necropolítica, forma contemporânea de subjugação da vida ao poder da morte (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 146), é muito bem retratada no Atlas da Violência 2019, este demonstra o aprofundamento da desigualdade racial nos indicadores de letalidade no país,

Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros [...] sendo que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1, ao passo que a taxa de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 16,0. Ou seja, proporcionalmente às respectivas populações, para cada indivíduo não negro que sofreu homicídio em 2017, aproximadamente, 2,7 negros foram mortos. (BRASIL, 2019BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Org.). “Atlas da violência 2019”. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019., p. 49).

Respondendo a pergunta apresenta linhas atrás, infelizmente, o corpo negro continua sendo tratado como corpo marginal. E diante dos dados apresentados, é preciso afirmar que, nenhum corpo deveria ser desconsiderado em sua humanidade, ser tratado como coisa, como sem valor, como descartável.

4. Até breve - desafios para superar a política de morte do estado brasileiro: em busca da construção de uma política de vida

O objetivo do artigo foi abordar a política de morte imposta a juventude negra no Brasil a partir de revisão de literatura e dados estáticos sobre o tema, demonstrando que o corpo negro ainda é tratado como corpo descartável e marcado para morrer. Achille Mbembe permite pensar as questões raciais e os efeitos da colonialidade na atualidade, e a nossa proposta foi pensar a partir dos ensinamentos de Mbembe, assim como os de Esposito, sobre como enfrentar os desafios para construção de uma política de vida para a população negra brasileira.

Como transformar a lógica tanatológica em uma política da vida? Como pensar a possibilidade de vitalização da norma a partir da superação da esfera absoluta do normativismo? Como transformar o Estado “administrador da morte” em garantidor da vida? Esposito sinaliza um caminho a partir da filosofia de Spinoza que teria por pressuposto que “norma e vida não podem pressupor-se mutuamente porque fazem parte de uma única dimensão em contínuo devir” (ESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p. 234). O autor entenderia a vida normatizada desde sempre e a norma provida de um conteúdo vital de forma natural, assim toda a forma de existência, mesmo as desviantes, teriam legitimidade para viver segundo suas possibilidades advinda das relações em que se estaria inserida.

Para Spinoza, os indivíduos são fruto de um processo de sucessivas individuações, que continuamente reproduzem. A potência expansiva do indivíduo aumentaria a partir da frequência de relações e intercâmbios em que o mesmo estaria exposto, essa relação complexa com o ambiente deixará subsistir de forma reduzida a sua identidade originária. Sendo os indivíduos múltiplos em seu modos de substância, a norma também seria multiplicada, assim “o ordenamento jurídico, no seu conjunto, é produto dessa pluralidade e resultado provisório do seu mutável equilíbrio” (SPINOZA apudESPOSITO, 2017ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., p. 237). Esse pensamento impede a criação de um critério normativo com base em medidas de exclusão.

O processo normativo seria então caracterizado pelo confronto das normas individuais que se medem segundo as diferentes potências que as mantêm vivas, sem nunca extraviar a medida da sua relação recíproca. Mais do que enquanto aparato imunitário de autoconservação, a ordem jurídica se configura em Spinoza como um sistema metaestável de recíprocas contaminações em que a norma jurídica se enraíza na biológica, reproduzindo as suas mutações. O único valor que permaneceria estável na transformação das normas de um sistema para outro, seria a consciência da sua tradução em formas diferentes e mutáveis. A constituição das normas, para Spinoza estaria introduzida no movimento da vida fazendo da vida a fonte primária de instituição das normas.

Esposito apresenta como pressuposto biopolítico que “toda a vida é forma de vida e toda a forma se refere à vida”, assim qualquer vivente deveria ser pensado na unidade da vida. O pensamento contemporâneo teria em suas mãos a decisão de afirmar uma política de morte ou uma política da vida. Portanto, a biopolítica deve ser enfrentada não desde o seu exterior, mas no seu interior, configurando-se como biopolítica afirmativa. (RODRIGUES, 2017).

É necessário pensar em caminhos para a construção de uma política de vida, ou nas palavras de Esposito, pensar em uma biopolítica afirmativa (RODRIGUES, 2017), ou ainda nas palavras de Ramón Grsfoguel, pensar em alternativas descoloniais para superar as desigualdades (GROSFOGUEL, 2008GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Título original Decolonizing Political-economy and Postcolonial Studies: Transmodernity, Border Thinking, and Global Coloniality Pour décoloniser les études de l’économie politique et les études post-coloniales. Transmodernité, pensée de frontière et colonialité globale. Tradutor: Inês Martins Ferreira. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 80, Março 2008.). Em conjunto com a atuação estatal nós temos a atuação da sociedade, do movimento negro, da juventude negra, posto que, alternativas descoloniais pressupõem a atuação da população que sofre os efeitos do colonialismo/colonialidade. Conforme apresentado no texto, não só o Estado é capaz de criar normas, mas o próprio corpo social.

E a população negra, apesar de ainda ser tratada como morta-viva, como objeto de trabalho, tem se reinventado, conforme informou Mbembe, seja através da música, da arte de rua, da religiosidade, das expressões culturais, da resistência. O corpo negro é lugar para se reelaborar, buscar alternativas, apesar da sociedade, do Estado supostamente entender que é seu possuidor. Esse corpo insurgente, racializado, da periferia, dos islãs, do funk, do grafite, não aceita ser morto-vivo, não aceita a morte em vida, e assim todos os dias nasce um Haiti, uma Revolta dos Búzios na luta por uma política de vida da juventude negra.

  • 1
    Para Esposito (2017)ESPOSITO, Roberto. Filosofia do Bíos. In: Bios: biopolítica e filosofia. Tradução Wander Melo Miranda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017., mesmo com o fim do nazismo ainda hoje todas as questões de interesse público seriam interpretadas a partir de uma conexão profunda e imediata com a esfera do bíos, desde a importância do elemento étnico nas relações entre os povos, assim como a questão sanitária e a ordem pública seriam exemplos do achatamento tendencial da política sobre os corpos.
  • 2
    Segundo Silvio Almeida, “Podemos dizer que o racismo é uma forma sistêmica de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes e inconscientes que culminaram em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertencem”. (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Letramento, 2018., p. 25).
  • 3
  • 4
    Além da violência letal a desigualdade racial permanece no que tange aos índices socioeconômicos, de escolaridade e renda (RELATÓRIO GEEMA, 2017LEÃO, Natália; CANDIDO, Marcia Rangel; CAMPOS, Luiz Augusto; FERES JÚNIOR, João. Relatório das Desigualdades de Raça, Gênero e Classe (GEMAA), n. 1, 2017, pp. 1-21.).
  • 5
    Mãe de jovem morto no Rio: “É um Estado doente que mata criança com roupa de escola”. Disponível em:< https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/22/politica/1529618951_552574.html>
  • 6
  • 7
    Jovem negro morre após ser baleado por PM em escola no extremo sul de São Paulo. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2016/10/05/jovem-negro-morre-apos-ser-baleado-por-pm-em-escola-no-extremo-sul-de-sao-paulo/>
  • 8
    Estudante morre após ser atingido por bala perdida em ponto de ônibus na Tijuca, Zona Norte do Rio Disponível em:<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/08/09/rapaz-morre-apos-ser-atingido-por-bala-perdida-em-ponto-de-onibus-na-tijuca-zona-norte-do-rio.ghtml>
  • 9
    Polícia confunde guarda-chuva com fuzil e atira e mata um jovem negro. Disponível em:<https://www.geledes.org.br/policia-confunde-guarda-chuva-com-fuzil-e-atira-e-mata-um-jovem-negro/>
  • 10
    Para acessar discussão mais ampla recomendamos a leitura do artigo: ARAÚJO e SANTOS, 2019.
  • 11
    Para acessar debate ampliado sugerimos: ARAÚJO e SANTOS, 2019.
  • 13
    O que é possível perceber é que, “[...] a noção de universalidade a partir da experiência particular (ou paroquial) da história europeia e realizar a leitura da totalidade do tempo e do espaço da experiência humana do ponto de vista dessa particularidade, institui-se uma universalidade radicalmente excludente”. (LANDER, 2005, p. 10).
  • 14
    Exemplo de lei que foi elaborada a partir do medo branco, Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871), teve como uma de suas motivações, “Três foram as preocupações básicas manifestadas por vários oradores: em primeiro lugar, os efeitos da Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871) estariam tornando impossível o mesmo controle disciplinar sobre os escravos, uma vez que a escravidão já não podia mais ser considerada como um regime absoluto e perpétuo, mas tão-somente relativo e condenado fatalmente a extinguir-se; em segundo lugar, temos um crescente medo dos escravos e de possíveis rebeliões, em parte devido à perda de controle disciplinar e, por outro lado, em razão do tráfico acelerado de cativos do norte; por último, em função do mesmo tráfico interprovincial, renovava-se o medo de que ocorresse no Brasil uma guerra-civil do tipo da norte-americana, com o norte (impondo ao sul uma abolição forçada e sem indenização sobre o grande capital empatado em escravos”. (grifo nosso). (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., p. 114).
  • 15
    O escravizado não tinha direitos. Foi a partir da Constituição de 1824 que se estipulou direitos limitados aos escravizados alforriados. Após 1888, leis repressivas contra a população negra foram elaboradas no intuito de controlar e criminalizar os modos de vida e o trabalho livre, a elite da época preocupava-se com a manutenção do poder e dominação sobre a população negra, com o fim de se evitar a mudança do lugar social deste grupo em uma nova ordem jurídico-formal (MATTOS, 2008MATTOS, Wilson Roberto de. Negros contra a ordem: astúcias, resistências e liberdades possíveis (Salvador, 1850-1888). Salvador: EDUNEB: EDUFBA, 2008.).
  • 16
    Trata-se de normas informais e coletivas que possuem força e influenciam comportamentos dentro de um grupo social e que passam a ser naturalizadas em pensamentos e formas de agir (BICHIERI, 2013BICHIERI, Cristina. Norms, conventions and the power of expectations. To appear in Philosophy of Social Science, N.Cartwright and E. Montuschi, eds., Oxford University Press. Fev 2013.).
  • 17
    Nas palavras de Ramon Grosfoguel, “A colonialidade permite-nos compreender a continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais, produzidas pelas culturas coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial. A expressão “colonialidade do poder” designa um processo fundamental de estruturação do sistema-mundo moderno/colonial, que articula os lugares periféricos da divisão internacional do trabalho com a hierarquia étnico-racial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro Mundo na hierarquia étnico-racial das cidades metropolitanas globais. Os Estados-nação periféricos e os povos não-europeus vivem hoje sob o regime da “colonialidade global” imposto pelos Estados Unidos, através do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BM), do Pentágono e da OTAN. As zonas periféricas mantêm-se numa situação colonial, ainda que já não estejam sujeitas a uma administração colonial. A palavra “colonial” não designa apenas o “colonialismo clássico” ou um “colonialismo interno”, nem pode ser reduzida à presença de uma “administração colonial”. (GROSFOGUEL, 2008GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Título original Decolonizing Political-economy and Postcolonial Studies: Transmodernity, Border Thinking, and Global Coloniality Pour décoloniser les études de l’économie politique et les études post-coloniales. Transmodernité, pensée de frontière et colonialité globale. Tradutor: Inês Martins Ferreira. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 80, Março 2008., p. 55-56).
  • 18
  • 19
    A construção da conduta criminal dos pobres e negros no Brasil auxiliou no permanente processo de estigmatização destas populações, revelando o estereótipo do corpo marginal. De acordo com estudos de Nina Rodrigues as raças inferiores, negra e vermelha, eram responsáveis pelos atos antijurídicos que se prestavam à criminalidade.
  • 21
    De acordo com Jodelet, “Seu tratamento é objeto de uso explícito e racional nas ciências sociais. Elas encontram neste conceito um meio de acesso às dimensões simbólicas, culturais e práticas dos fenômenos sociais, bem como um instrumento que permite pensar a relação do mental e do material como meio para dar lugar novamente à cultura e ao reconhecimento de que os fatos sociais são objetos de conhecimento”. (2018JODELET, Denise. Ciências Sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e processos sociais, do local ao global. Revista Sociedade e Estado – Volume 33, Número 2, Maio/Agosto. 2018., p. 429).
  • 22
    As classes populares no Brasil são vistas como classes perigosas que demandam controle social (PINHEIRO, 2001PINHEIRO, Paulo Sérgio. Democracia, violência e injustiça: o Não – Estado de Direito na América Latina. Org. Juan E. Méndez, Guilhermo O’Donnell, Paulo Sérgio Pinheiro, trad. Ana Luiza Pinheiro, Octacilio Nunes, São Paulo: paz e terra, 2000.).
  • 23
    “A cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil” (RELATÓRIO CPI DOS ASSASSINATOS DE JOVENS, 2016, p.41).
  • 24
    RELATÓRIO GEEMA, 2017. Disponível: http://gemaa.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2017/08/Relato%CC%81rio_Corrigido-2.0.pdf. Acesso em: 19 ago. 2019.
  • 25
    Nota Técnica nº 18 – IPEA - Indicadores Multidimensionais de Educação e Homicídios e Territórios nos Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios afirma que as trajetórias individuais de crianças e adolescentes da periferia seguem de maneira sequencial, desde o nascimento, como um conjunto de portas que se fecham e que o aproximam da ilegalidade.
  • 26
    “O escravo, por conseguinte, é mantido vivo, mas em “estado de injúria”, em um mundo espectral de horrores, crueldade e profanidade intensos. O sentido violento da vida de um escravo se manifesta pela disposição de seu supervisor em se comportar de forma cruel e descontrolada, e no espetáculo de dor imposto ao corpo do escravo.32 Violência, aqui, torna-se um elemento inserido na etiqueta, como chicotadas ou tirar a própria vida do escravo: um ato de capricho e pura destruição visando incutir o terror”. (MBEMBE, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Arte e Ensaio, Rio de Janeiro, n. 32, 2016. Publicação original: Public Culture, 15 (1), 2003., p. 131-132).

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    Para maiores detalhes sobre a obra de Roberto Esposito indicamos o texto “Biopolítica e Filosofia em Roberto Esposito: Considerações Introdutórias” (RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Renê Chiquetti; SANTOS, Diego Prezzi; CARNIO, Henrique Garbellini. Biopolítica e Filosofia em Roberto Esposito: Considerações Introdutórias. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 08, N. 04, 2017. Disponível em:< https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/25136/21609>. Acesso em: 21 de mar. de 2019.
    https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
    ).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Nov 2019
    • Data do Fascículo
      Oct-Dec 2019

    Histórico

    • Recebido
      15 Set 2019
    • Aceito
      01 Out 2019
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