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Crítica, Coerção e Vida Sagrada na “Crítica da Violência” de Benjamin

Critique, Coercion and Sacred Life in Benjamin's 'Critique of Violence'

Resumo

Eu gostaria de abordar a questão da violência, mais especificamente, a questão do que uma crítica da violência poderia ser. Que significado o termo crítica assume quando se torna uma crítica da violência? Uma crítica da violência é uma investigação sobre as condições para a violência, mas também um questionamento sobre como a violência é previamente delimitada pelas perguntas que fazemos acerca dela. De que modo, então, podemos colocar a questão do que é a violência? Não precisamos saber como lidar com tal questão antes de perguntarmos, como devemos, quais são as formas legítimas e ilegítimas de violência? Eu enxergo o ensaio “Crítica da Violência” de Benjamin, escrito em 1921, como uma crítica da violência do direito, o tipo de violência que o Estado exerce por instaurar e manter o status vinculante que o direito impõe sobre quem está a ele sujeito (resumo e palavras-chaves pelo editor).

Palavras-chaves:
Walter Benjamin; Direito; Violência; Violência Divina

Abstract

I would like to take up the question of violence, more specifically, the question of what a critique of violence might be. What meaning does the term critique take on when it becomes a critique of violence? A critique of violence is an inquiry into the conditions for violence, but it is also an interrogation of how violence is circumscribed in advance by the questions we pose of it. What is violence, then, such that we can pose this question of it, and do we not need to know how to handle this question before we ask, as we must, what are the legitimate and illegitimate forms of violence? I understand Walter Benjamin’s essay ‘‘Critique of Violence,’’ written in 1921, to provide a critique of legal violence, the kind of violence that the state wields through instating and maintaining the binding status that law exercises on its subjects (abstract and keywords by the editor).

Keywords:
Walter Benjamin; Law; Violence; Divine Violence

Eu gostaria de abordar a questão da violência, mais especificamente, a questão do que uma crítica da violência poderia ser. Que significado o termo crítica assume quando se torna uma crítica da violência? Uma crítica da violência é uma investigação sobre as condições para a violência, mas também um questionamento sobre como a violência é previamente delimitada pelas perguntas que fazemos acerca dela.

De que modo, então, podemos colocar a questão do que é a violência? Não precisamos saber como lidar com tal questão antes de perguntarmos, como devemos, quais são as formas legítimas e ilegítimas de violência?

Eu enxergo o ensaio “Crítica da Violência” de Benjamin, escrito em 1921, como uma crítica da violência do direito, o tipo de violência que o Estado exerce por instaurar e manter o status vinculante que o direito impõe sobre quem está a ele sujeito1 1 Todas as citações em português neste ensaio são extraídas de “Para uma crítica da violência”, trad. Ernani Chaves, em BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2011, p. 121-156. [Nota da Tradutora] .

Quando Benjamin apresenta uma crítica, ele está oferecendo pelo menos dois tipos de considerações. Em primeiro lugar, ele questiona: como a violência do direito se torna possível? Que direito é esse que requer a violência ou, ao menos, um efeito coercitivo para tornar-se vinculante aos sujeitos? Além disso, que violência é essa que pode assumir essa forma jurídica? Quanto à última questão, Benjamin inaugura uma segunda trajetória em seu pensamento: há alguma outra forma de violência que não seja coercitiva, uma violência que possa ser, de fato, invocada e travada contra a força coercitiva do direito? Ele vai mais longe e pergunta: há um tipo de violência que não apenas seja travada contra a coerção, mas que seja em si não coercitiva e, neste sentido, quando não em alguns outros, fundamentalmente não violenta? Ele se refere à violência não-coercitiva como aquela em que “não há derramamento de sangue”, e isso pareceria implicar que ela não é travada contra corpos e vidas humanas.

Como veremos, não fica totalmente claro se ele consegue cumprir esta promessa. Se ele pudesse, adotaria uma violência que destrói a coerção sem derramar sangue no processo. Isso constituiria a possibilidade paradoxal de uma violência não-violenta. A seguir, espero considerar essa possibilidade no ensaio de Benjamin.

O ensaio de Benjamin é notoriamente difícil. Temos que lidar com muitas distinções. Além disso, parece que as analisamos por alguns poucos momentos e depois as deixamos de lado. É preciso trabalhar com dois conjuntos de distinções para tentar entender o que o autor faz. O primeiro é a distinção entre a violência instauradora do direito (rechtsetzend) e a violência mantenedora do direito (rechtserhaltend).

A violência que mantém o direito é exercida pelos tribunais e, certamente, pela polícia. Ela representa esforços constantes e institucionalizados para garantir que o direito continue vinculando a população que governa; representa as maneiras cotidianas pelas quais o direito repetidamente impõe sua obrigação aos sujeitos.

A violência que instaura o direito é diferente. O direito é postulado como algo feito quando uma política surge e cria a lei, mas também pode ser uma prerrogativa exercida pelos militares na criação de ações coercitivas para lidar com uma população indisciplinada. Curiosamente, os militares podem ser um exemplo tanto do poder instaurador do direito quanto do poder que o mantém, a depender do contexto. Retornaremos a este ponto quando questionarmos se há, ainda, outra violência, uma terceira possibilidade de violência que exceda e se oponha tanto à violência instauradora quanto à mantenedora.

Porém, se nos concentrarmos na violência instauradora do direito, veremos que Benjamin demonstra claramente que o ato de impor o direito, de fazer a lei, é trabalho do destino. Os atos pelos quais o direito é instituído não são, em si mesmos, justificados por outro direito ou pelo recurso a uma justificativa racional prévia à codificação do direito. O direito também não é formado de maneira orgânica, através do lento desenvolvimento de costumes e normas morais em direito positivo. Ao contrário, o processo de instauração do direito cria as condições para que procedimentos de deliberação e fundamentação ocorram. Isso é feito, por assim dizer, através de decreto e faz parte do que se entende pela violência deste ato fundador.

Com efeito, a violência da violência instauradora do direito se resume à alegação de que “agora essa será a lei” ou, mais enfaticamente, “agora essa é a lei”2 2 A palavra usada por Benjamin para “destino” é das Shicksal. [Para uma aproximação ao conceito de destino em Benjamin, ver: BENJAMIN, Walter. “Destino e Caráter”. Tradução de Ernani Chaves, em Escritos sobre Mito e Linguagem. São Paulo: Editora 34, 2011, p.89-99 - Nota do Revisor da Tradução]. . Esta última concepção de violência legal - a de instauração do direito - é entendida como uma operação do destino, termo que tem um significado específico para ele. O destino pertence ao reino helênico do mito e a violência mantenedora do direito é, de muitas maneiras, o subproduto desta violência instauradora, pois o direito que é mantido é justamente aquele que já foi instaurado.

O fato de que o direito só pode ser mantido pela reiteração de seu caráter vinculante sugere que ele é “preservado” apenas por ser afirmado repetidamente como vinculante. No fim, ao que parece, o modelo da violência instauradora do direito, entendido como destino - uma declaração por decreto -, é também o mecanismo de funcionamento da violência mantenedora do direito.

O fato de os militares serem o exemplo de uma instituição que tanto instaura quanto mantém o direito sugere que eles fornecem um modelo para compreender a ligação interna entre essas duas formas de violência. Para que o direito seja mantido, é preciso reafirmar seu caráter vinculante. Essa reafirmação vincula novamente o direito e, assim, repete o ato fundador de maneira regulamentada.

Além disso, podemos perceber que se o direito não se renovasse e não fosse mantido, poderia se tornar um conjunto de leis que não mais funcionaria, não mais se preservaria, não mais se tornaria vinculante. Uma vez que as forças militares parecem ser a instituição que exemplifica ao mesmo tempo a manutenção e a instauração do direito, seriam elas que reprimiriam o direito, fazendo cessar seu funcionamento e tornando-o sujeito à destruição.

Se quisermos entender a violência que atua tanto instaurando quanto mantendo o direito, devemos considerar uma outra violência, que não deve ser entendida nem pela noção de destino, nem pela ideia de “violência mítica” ou helênica.

A violência mítica estabelece o direito sem qualquer justificativa para tanto e, apenas depois de estabelecido o direito, podemos começar a falar de justificação. De maneira crucial, o direito é fundado sem justificação, sem qualquer referência à justificação, ainda que faça referência a uma possível justificação como consequência de sua fundação. Primeiro o sujeito é vinculado pelo direito e, em seguida, surge uma estrutura legal para justificar o caráter vinculativo do direito. Consequentemente, são produzidos sujeitos que são responsáveis para e perante o direito, tornando-se definidos por suas relações com a responsabilização legal.

Sobre e contra esse domínio do direito, tanto em sua instância instauradora, quanto em sua instância mantenedora, Benjamin postula uma “violência divina”, que visa a própria estrutura que estabelece a responsabilização legal. A violência divina é desencadeada contra a força coercitiva dessa estrutura jurídica, contra a responsabilização que vincula um sujeito a um sistema legal específico e que o impede de desenvolver um ponto de vista crítico, e até revolucionário, sobre esse sistema.

Quando um sistema legal precisa ser desfeito ou quando sua coercitividade leva a uma revolta por parte daqueles que sofrem sob sua coação, é importante que aqueles vínculos de responsabilização sejam quebrados. Com efeito, fazer a coisa certa de acordo com o direito estabelecido é precisamente o que deve ser suspenso para dissolver um corpo de leis estabelecidas que são injustas.

Este é certamente o argumento de Georges SorelSOREL, Georges. Reflexões sobre a violência. São Paulo: Martins Fontes, 1992. em suas “Reflexões sobre a Violência”3 3 [SOREL, Georges. Reflexões sobre a violência. Trad. Paulo Neves, São Paulo, Martins Fontes, 1992 (N.T.)] , que influenciou profundamente o debate de Benjamin sobre a greve geral; greve esta que leva à dissolução de todo um aparelho estatal. De acordo com Sorel, a greve geral não procura implementar esta ou aquela reforma específica dentro de uma determinada ordem social, mas visa desfazer toda a base jurídica de um dado Estado.

Benjamin une a posição de Sorel a um pensamento messiânico que dá ao seu ponto de vista um caráter teológico e político simultaneamente. A violência divina não apenas nos liberta das formas de responsabilização coercitiva - uma forma forçada ou violenta de obrigação -, como essa libertação é, ao mesmo tempo, uma expiação da culpa e uma oposição à violência coercitiva.

É possível responder a tudo isso com um certo receio de que apenas o anarquismo ou o governo das massas prevaleceriam. Porém, há algumas proposições que devem ser lembradas. Em nenhum momento Benjamin argumenta que deve haver oposição a todos os sistemas legais e não está claro, com base nesse texto, se ele se opõe a certos Estados de direito e não a outros.

Além disso, se ele conversa aqui com o anarquismo, devemos primeiro nos perguntar o que anarquismo significa nesse contexto, bem como ter em mente que Benjamin leva a sério o mandamento “não matarás” - retornarei brevemente ao seu significado depois.

Paradoxalmente, Benjamin vislumbra a libertação da responsabilização legal e da culpa como uma forma de apreender o sofrimento e a transitoriedade na vida, da vida, como algo que nem sempre pode ser explicado através da estrutura da responsabilização moral ou jurídica. Essa apreensão do sofrimento e transitoriedade pode levar, em seu ponto de vista, a um tipo de felicidade.

Apenas recorrendo-se à noção benjaminiana do messiânico é possível ver como a apreensão de um sofrimento - pertencente ao domínio da vida que permanece inexplicável quando se recorre à responsabilização moral - conduz, ou constitui, uma espécie de felicidade. Em minha conclusão, tentarei deixar claro o que entendo desta concepção quando considero seu “Fragmento Teológico-Político”.

Benjamin estava trabalhando com várias fontes quando escreveu “Crítica da Violência”, que incluem “Reflexões sobre a Violência” de Sorel, “Ethic of the Pure Will” de Hermann Cohen e “Investigações Cabalísticas” de Gershom ScholemSCHOLEM, Gershom & BENJAMIN, Walter. The correspondence of Walter Benjamin and Gershom Scholem, 1932-1940. New York: Schocken, 1989.. Em certo sentido, ele trabalhava com duas trajetórias ao mesmo tempo: a teológica e a política, elaborando, por um lado, as condições para uma greve geral que resultaria na paralisação e dissolução de todo um sistema jurídico e, por outro lado, a noção de um deus divino cujo mandamento oferece um tipo de injunção que é irredutível ao direito coercitivo.

As duas vertentes do ensaio de Benjamin nem sempre são facilmente interpretadas. Há quem diga que a teologia está a serviço da teoria da greve, enquanto outros defendem que a greve geral é apenas um exemplo do - ou uma analogia com - poder destrutivo divino.

Contudo, o que parece importante aqui é que a violência divina é comunicada por um mandamento que não é nem despótico, nem coercitivo. De fato, como Franz RosenzweigROSENZWEIG, Franz. The star of redemption. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1985. antes dele, Benjamin considera o mandamento como uma espécie de lei que não é vinculante, nem imposta por meio de uma violência legal4 4 Rosenzweig argumenta que o mandamento é um esforço verbal e escrito por parte de Deus para solicitar o amor do seu povo (The Star of Redemption. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1985, p. 267-70). O seu foco no amor corresponde aos esforços da época para reavivar a dimensão espiritual do judaísmo, se contrapondo às reformas rabínicas que se concentravam na elaboração de regras e na ciência de sua interpretação. A preocupação de Rosenzweig com o judaísmo como um movimento espiritual o levou a argumentar que “o povo judeu deve negar a si mesmo a satisfação de que gozam constantemente outros povos do mundo com o funcionamento de seu Estado” (p. 332). Ele argumenta ainda que “o Estado simboliza a tentativa de eternizar as nações nos confins do tempo”. Para que tal eternidade seja assegurada, porém, as nações devem ser perpetuamente refundadas e precisam da guerra para se perpetuarem. Na visão de Rosenzweig, a vida é constituída pela preservação e renovação. O direito surge como uma antivida, na medida em que estabelece uma resistência e estabilidade que atuam contra a vida e se tornam a base para a coerção do Estado. Rosenzweig procurou entender o judaísmo para além das contradições que afligem as nações e, assim, diferenciou a ideia do povo judeu de nação judaica (p. 329). .

Quando falamos sobre a violência legal, nos referimos ao tipo de violência que mantém a legitimidade e a obrigatoriedade do direito, ao sistema punitivo que se mantém a espera do descumprimento das leis, às forças policiais e militares que sustentam um sistema jurídico e às formas de responsabilização legal e moral que garantem que os indivíduos permaneçam forçosamente obrigados a agir de acordo com a lei, ou melhor, a obter sua definição cívica em virtude de sua relação com a lei.

Curiosamente, é através da reconsideração de um mandamento bíblico, especificamente do mandamento “não matarás”, que Benjamin articula a sua crítica da violência estatal, uma violência que é, em muitos aspectos, exemplificada pelos militares na sua dupla capacidade de impor e criar o direito.

Embora estejamos acostumados a pensar no mandamento divino como algo imperativo, que determina nossas ações e que está equipado com um conjunto de reações punitivas em caso de desobediência, Benjamin nos leva a uma tradição judaica diferente quanto à interpretação do mandamento, que separa rigorosamente o imperativo articulado pela lei da questão de sua obrigatoriedade. O mandamento transmite um imperativo precisamente sem a capacidade de impor, de qualquer forma, o imperativo que comunica. O mandamento não é a vocalização de um Deus furioso e vingativo. Desse ponto de vista, a lei judaica, de modo mais geral, decididamente é não punitiva.

Além disso, o mandamento associado ao Deus judaico é, aqui, oposto à culpa, buscando até uma expiação da culpa, que, de acordo com Benjamin, é uma herança específica das tradições mítica ou helênica.

Na verdade, o ensaio de Benjamin oferece, de forma fragmentada e potencial, a possibilidade de contrariar uma concepção equivocada da lei judaica que a associa à vingança, à punição e à indução de culpa. Em oposição à ideia de um direito coercitivo e culpabilizante, Benjamin invoca o mandamento apenas como uma ordem para que o indivíduo lide com a determinação ética comunicada pelo imperativo. Este imperativo não impõe, mas deixa em aberto as formas de sua aplicabilidade e as possibilidades de sua interpretação, incluindo as condições sob as quais pode ser recusado.

Temos em Benjamin uma crítica da violência estatal inspirada, em parte, pelas fontes teológicas judaicas, crítica esta que se oporia ao tipo de violência que ataca o que ele chama de “a alma do vivente” (die Seele des Lebendigen)5 5 BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo, Duas Cidades/Editora 34, 2011, p. 152. . É importante ter cuidado, pois seria um erro dizer que esse ensaio constitui uma “crítica judaica”, ainda que seja atravessado por uma vertente da teologia judaica - e certamente não faz sentido chamá-lo de uma “crítica judaica” por Benjamin ser judeu. Se a crítica puder justificadamente ser chamada de judaica, é apenas como resultado de alguns recursos críticos que Benjamin traz à tona. É importante lembrar que Sorel, que não era judeu e que claramente não utilizou nenhum recurso judaico em sua crítica (a não ser que consideremos Bergson sob essa ótica), certamente influenciou esse ensaio tanto quanto Scholem ou Cohen.

Embora Benjamin claramente se equivoque sobre a possibilidade e o significado da não-violência, sugiro que o mandamento, como pensado por Benjamin, não é apenas a base para a crítica da violência legal, como também a condição para uma teoria da responsabilidade que traz, em seu cerne, um esforço contínuo pela não-violência.

Farei um parêntese aqui para destacar duas implicações políticas desta interpretação que gostaria de adotar. Se parte da representação vulgar que se faz do judaísmo é de que ele endossa um conceito de Deus ou uma concepção de direito baseado na vingança, na punição e na atribuição da culpa, vemos, nas linhagens cabalísticas que influenciaram o pensamento de Benjamin, um resquício que lança luz sobre um judaísmo diferente. Assim, se parte da redução do judaísmo que enfrentamos nas representações populares de seus significados consiste em identificá-lo com um Deus colérico e vingativo e o cristianismo com um princípio de amor ou caritas, temos que reconsiderar essas distinções.

Penso que também vemos os vestígios de um movimento contra-rabínico no início do século XX que influenciou o trabalho de Rosenzweig e, mais tarde, de Martin Buber, movimento este que estava associado à noção de renovação espiritual e que se preocupava tanto com o assimilacionismo, de um lado, quanto com a escolástica rabínica, de outro. Esse movimento também criticava os esforços para o estabelecimento de uma territorialidade política e jurídica para o judaísmo e, alguns destes argumentos têm importante repercussão para repensar o sionismo hoje.

Rosenzweig, por exemplo, tanto se opôs à coerção legal quanto invocou o mandamento como forma de se chegar a um direito não coercitivo. Ele aponta que, quaisquer que sejam suas estipulações específicas, todo e qualquer mandamento comunica a exigência de “amar a Deus”. De fato, em “The Star of Redemption”, Rosenzweig escreve que os mandamentos divinos podem ser resumidos à declaração “amai-me!”.

Nas décadas de 1910 e 1920, tanto Rosenzweig quanto Buber, depois dele, se opuseram à ideia de um “Estado” para o povo judeu e pensavam que o poder crítico e até espiritual do judaísmo seriam arruinados ou, nas palavras de Buber, “pervertidos” pela implementação de um Estado fundado na coerção legal e na soberania. Rosenzweig morreu muito cedo para desenvolver sua concepção, mas Buber chegou a adotar uma versão do sionismo que incluía um estado federado administrado de forma conjunta e igual por “dois povos”.

Benjamin, até onde sei, não adotou essa visão da fundação de um Estado em nome do sionismo e constantemente evitava a questão quando pressionado por seu amigo Scholem em suas correspondências6 6 Para um registro da relação indecisa de Benjamin com o sionismo, ver a correspondência entre Benjamin e Scholem no verão de 1933 em The correspondence of Walter Benjamin and Gershom Scholem, 1932-1940 Nova York: Schocken, 1989.. [Edição em português: BENJAMIN, Walter & SCHOLEM, Gershom. Correspondência (1933-1940). São Paulo: Perspectiva, 1993]. .

Para aqueles que buscam usar o texto de Benjamin como recurso cultural para pensar aquela época, há dois aspectos que parecem importar aqui: há uma oposição ao que, às vezes, equivale a uma redução antissemita da judaicidade a uma enorme carnificina e, ao mesmo tempo, estabelece uma relação crítica com a violência estatal, que pode muito bem fazer parte de um esforço para mobilizar perspectivas críticas judaicas contra as políticas atuais e, talvez, até contra a base constitucional de cidadania do Estado de Israel.

Como muitos sabem, às vezes se diz que criticar o Estado de Israel é criticar o próprio judaísmo, mas essa visão esquece que o judaísmo oferece um importante conjunto de perspectivas que criticavam o sionismo antes de seu triunfo em 1948 e continuam agora em algumas correntes de esquerda, tanto dentro de Israel/Palestina, quanto através da diáspora.

É claro que o ensaio de Benjamin tem seus detratores atuais, muitos dos quais sem dúvida argumentariam que ele falhou em antecipar o ataque do fascismo ao Estado de direito e às instituições parlamentares. Entre a escrita do ensaio em 1921 e seus leitores contemporâneos, várias catástrofes históricas ocorreram, incluindo o assassinato de mais de dez milhões de pessoas em campos de extermínio nazistas.

É possível argumentar que o fascismo deveria ter sofrido oposição justamente de um Estado de direito considerado vinculante sobre seus sujeitos. Porém, se o direito que vincula seus sujeitos faz parte de um aparato legal fascista, é justamente contra a força vinculante de tal direito que devemos nos opor e resistir até que o aparato entre em colapso.

No entanto, a crítica de Benjamin ao direito permanece não específica, de forma que uma oposição geral ao caráter vinculante, ou mesmo coercitivo, do direito parece menos palatável quando consideramos a ascensão do fascismo, bem como o desprezo pelas leis constitucionais e internacionais que caracteriza a política externa dos Estados Unidos em suas práticas de guerra, tortura e detenção ilegal. Certamente foi à luz da ascensão do fascismo europeu que alguns críticos se distanciaram do ensaio de Benjamin.

O ensaio de Benjamin recebeu uma interpretação incisiva de Jacques DerridaDERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. em seu livro “Força de Lei” e tomou um rumo controverso com Hannah Arendt em “Sobre a Violência”. Na época em que Derrida escreveu seu ensaio sobre Benjamin, ele se preocupava abertamente com o que chamava de “marxismo messiânico”, que percorria a “Crítica da Violência”. Derrida buscou se distanciar do tema da destruição e valorizar um ideal de justiça que vai além de qualquer lei específica ou positiva. Naturalmente, Derrida revisitaria, mais tarde, o messianismo, a messianicidade e o marxismo em “Espectros de Marx”7 7 [DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx (trad. Anamaria Skinner, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994. (N.T.)] e em vários escritos sobre religião.

No ensaio sobre Benjamin, Derrida deixou claro que, para ele, Benjamin foi longe demais ao criticar a democracia parlamentar e que a crítica de Benjamin sobre a violência legal poderia levar a um sentimento político antiparlamentar que muito se aproximava do fascismo. Em determinado momento, Derrida afirma que Benjamin surfa numa “vaga antiparlamentar, a mesma do fascismo”8 8 Ver DERRIDA, Jacques. Force de loi. Paris: Galilée, 1994, p. 69. [ed. bras.: Força de lei, 2. ed., trad. Leyla Perrone-Moisés, São Paulo, Martins Fontes, 2010]. .

Derrida também se inquietou com o fato de Benjamin ter escrito para Carl Schmitt no mesmo ano em que publicou “Crítica da Violência”9 9 [A carta na verdade é de 1930 (Gesammelte Briefe. Band III, 1925-1930, Frankfurt, Suhrkamp, 1997, p.558), e não de 1921 quando o ensaio Zur Kritik der Gewalt foi publicado. Nela, Benjamin comunica à Schmitt o envio através da editora de seu livro “A origem do Drama Barroco alemão” que havia sido publicado em 1928. Nota do Revisor da Tradução]. , mas não sabemos o que, na carta, dava causa a essa inquietação, se é que havia alguma causa. Aparentemente, a carta possui cerca de duas linhas que indicam que Benjamin agradece a Schmitt por ter enviado seu livro. Essa expressão formal de agradecimento dificilmente permite inferir que Benjamin concorda com o livro de Schmitt no todo ou em parte.

Arendt, em “Sobre a Violência”, também se preocupa que visões como as de Benjamin não entendam a importância do direito para a união de uma comunidade. Ela sustenta que Benjamin não entendeu que a fundação de um Estado pode e deve ter um começo não coercitivo e, nesse sentido, é não violenta em suas origens10 10 ARENDT, Hannah. “On Violence”, em Crises of the Republic. Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, 1972. [ed. bras.: Sobre a violência, trad. André Duarte, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010 (N.R.T)]. . Ela busca basear o direito democrático em uma concepção de poder que o distingue da violência e da coerção. Neste sentido, Arendt procura resolver o problema através da fixação de certas definições, empregando o que pode ser chamado de estratégia estipulativa. Em seu léxico político, a violência é definida como coerção, enquanto o poder é definido como não violento ou, especificamente, como o exercício da liberdade coletiva. Com efeito, ela sustenta que se o direito fosse baseado na violência, seria ilegítimo, e discorda de que o direito possa ser instaurado ou mantido pela violência.

Na verdade, enquanto Arendt entende que as revoluções instauram o direito e expressam o consentimento conjunto do povo, Benjamin sustenta que algo chamado “destino” origina o direito. E, enquanto Derrida, em sua interpretação do ensaio, situa o messiânico na operação performativa pela qual o próprio direito se origina (e o mesmo vale para o poder que estabelece o direito, para o destino e para a esfera mítica), está claro que para Benjamin o messiânico está associado à destruição da estrutura legal, sendo uma alternativa distinta ao poder mítico. Por fim, gostaria de examinar essa distinção entre destino e violência divina, bem como de considerar as implicações da noção benjaminiana do messiânico para o problema da crítica.

...

Recordemos que Benjamin faz pelo menos dois conjuntos de distinções sobrepostas: uma entre a violência instauradora e mantenedora do direito e outra entre a violência mítica e divina. É dentro do contexto da violência mítica que recebemos um relato da violência instauradora e mantenedora do direito. Logo, vamos começar por aí para entendermos o que está em jogo.

A violência traz à existência um sistema jurídico e esta violência fundadora do direito é precisamente aquela que atua sem justificação. O destino produz o direito, mas o faz primeiro pela manifestação da ira dos deuses. Essa ira toma forma como direito, porém, não serve a nenhum fim em particular. Ela constitui um puro meio; o seu fim, por assim dizer, é a própria manifestação.

Para demonstrar isso, Benjamin invoca o mito de Níobe. O grande erro de Níobe foi afirmar que ela, uma mortal, era superior e mais fecunda que Leto, a deusa da fertilidade. Ela ofendeu Leto imensamente e também procurou, através de seu ato de fala, aniquilar a distinção entre deuses e humanos. Quando Ártemis e Apolo entram em cena para levar os filhos de Níobe como punição por sua ultrajante afirmação, esses deuses podem ser entendidos, no sentido de Benjamin, como instauradores do direito.

Porém, essa atividade criadora do direito não deve ser entendida, em primeiro lugar, como uma punição ou penitência11 11 [A palavra original é retribution. No entanto, adotando, quanto a este vocábulo, a mesma lógica da tradução de Rogério Bettoni em Judith Butler, Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo (São Paulo, Editora Boitempo, 2017, p. 84), optou-se por traduzir retribution por penitência, uma vez que tem sentido mais próximo ao vocábulo alemão Sühne, utilizado por Benjamin. (N.T.)]. por um crime cometido contra um direito existente. A arrogância de Níobe, nas palavras de Benjamin, não ofende o direito; caso o fizesse, teríamos que assumir que o direito já estava em vigor antes da ofensa. Pelo contrário, através de seu discurso arrogante, Níobe desafia ou tenta o destino. Ártemis e Apolo agem em nome do destino ou tornam-se o meio pelo qual o destino é instituído. O destino vence esta batalha e, como resultado, seu triunfo instaura o próprio direito12 12 Benjamin, op. cit., p. 147. .

Em outras palavras, o mito de Níobe ilustra a violência instauradora do direito porque os deuses respondem a uma injúria com a instituição de um direito. A injúria, em um primeiro momento, não é vista como uma infração à lei; ao contrário, torna-se a condição que enseja a instituição do direito. Assim, o direito é uma consequência específica de uma cólera que responde a uma injúria, mas nem essa injúria, nem essa cólera foram previamente circunscritas pelo direito.

A cólera atua performativamente para marcar e transformar Níobe, definindo-a como o sujeito culpado que assume a forma de uma rocha. Com isso, o direito petrifica o sujeito, aprisionando a vida ao momento da culpa. Embora a própria Níobe continue viva, ela está paralisada nessa vivência: ela se torna permanentemente culpada e a culpa transforma em pedra o sujeito que a carrega. Ela se torna permanentemente petrificada e a penitência que os deuses infligem a ela aparentemente é infinita, assim como sua expiação.

De certa forma, Níobe representa a economia da penitência e expiação infinita que Benjamin, em outro lugar, afirma pertencer à esfera do mito13 13 Benjamin associa a expiação e a penitência ao mito, tanto neste ensaio como em vários da mesma época. Ele também se opõe claramente à operação da crítica ao mito, que, em sua visão, peleja contra a verdade. Ver, por exemplo, BENJAMIN, Walter. “Goethe’s Elective Affinities”, em Walter Benjamin: Selected Writings, v. 1, p. 297-362. Esse ensaio foi escrito entre 1919 e 1922. . Ela está parcialmente enrijecida, endurecida na e pela culpa, mas cheia de sofrimento, chorando interminavelmente naquela fonte petrificada.

A punição produz o sujeito vinculado ao direito - responsabilizável, punível e punido. Níobe estaria totalmente morta pela culpa se não fosse sua tristeza e suas lágrimas. Por isso, é significativo que Benjamin retorne a essas lágrimas quando considera o que é libertado através da expiação da culpa14 14 Benjamin, op. cit., 150-151. .

A princípio, a culpa de Níobe é imposta externamente. É importante lembrar que apenas através de uma causalidade mágica ela se torna responsável pela morte dos filhos. Afinal, eles não foram assassinados por suas mãos. Ainda assim, ela assume a responsabilidade pelos assassinatos como consequência do golpe desferido pelos deuses.

Portanto, pode parecer que a transformação de Níobe em um sujeito jurídico implica na reformulação da violência desferida pelo destino em uma violência que decorre de sua própria ação e pela qual ela, como sujeito, assume a responsabilidade direta. Ser um sujeito nesses termos significa assumir a responsabilidade por uma violência que precede o sujeito e cuja operação é ocluída por ele, que vem a atribuir a violência que sofre aos seus próprios atos. A formação do sujeito que oclui a operação da violência ao se colocar como o único causador do que sofre é, assim, uma operação adicional dessa violência.

Curiosamente, o destino caracteriza a instauração do direito, mas não explica como o direito ou, especificamente, a coerção legal, podem ser desfeitos e destruídos. Ao contrário, o destino instaura as condições coercitivas do direito através da manifestação do sujeito da culpa; seu efeito é vincular a pessoa ao direito, estabelecendo o sujeito como causa singular do que sofre e mergulhando-o numa forma de responsabilização dominada pela culpa.

O destino também explica o sofrimento permanente que emerge desse sujeito. Porém, o esforço para abolir essas condições da coerção não pode ser chamado de destino. Para compreender essas condições, é preciso passar do destino para Deus, ou do mito, esfera a que pertence o destino, para o divino, esfera a que pertence uma certa destruição não-violenta.

Ainda precisamos entender em que consiste, precisamente, essa destruição não-violenta, mas parece ser o tipo de destruição que Benjamin imagina ser dirigida contra a própria estrutura jurídica e, nesse sentido, seria distinta da violência exigida e conduzida por ela.

Abruptamente, no fim de seu ensaio, Benjamin conclui que a destruição de toda a violência legal se torna obrigatória15 15 Ibid., p. 150. . Contudo, não entendemos se se trata de uma violência que é exercida por sistemas jurídicos específicos ou uma violência que corresponde ao direito de forma mais geral. Seu debate permanece em um nível de generalidade que leva o leitor a assumir que é o direito em geral que constitui um problema para Benjamin. Quando ele escreve que a destruição de toda violência legal é obrigatória, parece que ele escreve em um momento e em um determinado contexto que permanece indefinido no ensaio.

Anteriormente, Benjamin distinguira a greve geral política, que instaura o direito, da greve geral, que destrói o poder do Estado e, com ele, a força coercitiva que garante o caráter vinculante de todo o direito - a própria violência legal. Ele escreve que o segundo tipo de greve é destrutivo, mas é não-violenta16 16 Ibid., p. 143 . Aqui, ele já propõe uma forma não-violenta de destrutividade. Nas últimas páginas, ele recorre ao debate sobre Deus para exemplificar e esclarecer essa forma não-violenta de destrutividade. De fato, é possível dizer que Deus tem algo a ver com a greve geral, uma vez que ambos são considerados destrutivos e não violentos ao mesmo tempo.

Deus também está relacionado ao que Benjamin chama de anarquismo, e não com a instauração do direito. Assim, se pensarmos que Deus é quem nos dá a lei ou, através de Moisés, veicula um preceito do que a lei deveria ser, devemos considerar novamente que o mandamento não se confunde com o direito positivo que mantém seu poder através da coerção: como uma forma da lei, o mandamento é justamente não coercitivo e inaplicável.

Se o que há de divino na violência divina não instaura e nem preserva o direito, ficaremos em um dilema sobre a melhor forma de entender o mandamento e, especificamente, o seu equivalente político. Para Rosenzweig, o mandamento enfaticamente não é uma instância de violência legal ou coerção. Pensamos no Deus de Moisés como aquele que dá o mandamento, mas, ainda assim, o mandamento não é uma instância que instaura o direito, na concepção de Benjamin. Ao contrário, o mandamento estabelece um ponto de vista que leva à destruição do direito como coercitivamente vinculante.

Entender o mandamento como uma instância da violência divina pode parecer estranho, principalmente porque o mandamento citado por Benjamin é “não matarás”. Mas e se o sistema jurídico positivo ao qual estamos legalmente vinculados exigir que matemos? Será que o mandamento, ao atacar a legitimidade desse sistema jurídico, se tornaria um tipo de violência que se opõe à violência? Para Benjamin, essa violência divina tem o poder de destruir a violência mítica. Deus é o nome do que se opõe ao mito17 17 Também em 1921, Benjamin escreve sobre “o imensurável significado do Juízo Final, aquele dia constantemente adiado que foge com tanta determinação para o futuro, após a prática de cada delito. Esse significado é revelado não no mundo do direito, onde impera a penitência, mas apenas no universo moral, onde o perdão sai ao seu encontro. A fim de combater a penitência, o perdão encontra no tempo o seu poderoso aliado. Pois o tempo, em que Ate/Agne (cegueira moral) persegue o criminoso, não é a calma solitária do medo, mas a turbulenta tempestade do perdão que precede a marcha do Juízo Final e contra a qual Ate não pode avançar. Essa tempestade não é apenas a voz que carrega o grito de terror do criminoso; é também a mão que destrói os vestígios dos seus delitos, mesmo que deva assolar o mundo no processo” (“The Meaning of Time in The Moral Universe”, em Walter Benjamin, Selected Writings, 1, p. 287). O perdão, que normalmente poderíamos entender como uma capacidade alcançada após a reflexão, quando as paixões se acalmam, é aqui representado como uma tempestade com uma mão e uma voz e, portanto, uma força divina, mas que não é baseada na penitência. Substancialmente, essa tempestade de perdão constitui uma alternativa radical à economia fechada da expiação e penitência. Para uma discussão mais aprofundada sobre esta questão do perdão benjaminiano, ver meu “Beyond Seduction and Morality: Benjamin´s Early Aesthetics”, em Dominic Willsdon e Diarmuid Costello (orgs.), The Life and Death of Images: Ethics and Aesthetics. Ithaca: Cornell University Press, 2008. .

É importante lembrar que o poder divino não apenas destrói o poder mítico, mas também expia. Isso sugere que o poder divino atua sobre a culpa, num esforço para desfazer seus efeitos. A violência divina atua sobre a instauração do direito e de todo o âmbito do mito, procurando expiar as marcas das transgressões em nome de um perdão que não assume expressão humana. Desta forma, o poder divino executa seu ato, seu ato destrutivo, mas só pode fazê-lo se o poder mítico tiver constituído o sujeito culpado, sua ofensa punível e uma estrutura jurídica de punição.

É interessante que o Deus judeu, para Benjamin, não induz à culpa e, portanto, não está associado aos terrores da repreensão. De fato, o poder divino é descrito como letal, mas sem derramamento de sangue. Ele ataca os grilhões legais pelos quais o corpo é petrificado e forçado ao sofrimento infinito, mas não ataca, na visão de Benjamin, a alma dos viventes. Na verdade, a violência divina age em nome da alma dos viventes. Portanto, é a alma dos viventes que deve ser posta em perigo pelo direito que paralisa o sujeito através da culpa. Essa culpa ameaça tornar-se uma espécie de homicídio da alma. Ao distinguir a alma dos viventes da própria “vida”, Benjamin nos convida a considerar o valor que a vida tem uma vez destruída a alma.

Quando perguntamos o que motiva essa virada contra a violência legal e essa obrigação de destruí-la, Benjamin se refere à “culpa inerente à mera vida natural”18 18 Benjamin, op. cit., 151. . Ele esclarece, em “As Afinidades Eletivas de Goethe”, que um “tipo natural” de culpa não é ético e não é o resultado de qualquer transgressão: “com o desvanecimento da vida sobrenatural no homem, sua vida natural torna-se culpa, mesmo que em seu agir, não cometa nenhuma falta em relação à moralidade. Pois agora, está no território da mera vida, o qual se manifesta no ser humano enquanto culpa”19 19 BENJAMIN, Walter. “As afinidades eletivas de Goethe”, trad. Mônica Krausz Bornebusch, Irene Aron e Sidney Camargo, em Ensaios reunidos: escritos sobre Goethe. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2009, p. 11-121. .

Benjamin não desenvolve a noção de vida natural em “Crítica da Violência”, embora se refira à “mera vida (blosse Leben)” em outra parte do ensaio. Ele escreve que “a violência mítica é a violência sangrenta (Blutgewalt) exercida em favor próprio (um ihrer selbst) sobre a mera vida; a violência divina e pura se exerce sobre toda vida, em favor do vivente (reine Gewalt über alles Leben um des Lebendigen)”20 20 Id., Escritos sobre mito e linguagem, p. 151-152. [A tradução de Ernani Chaves foi ligeiramente modificada com o termo “über” sendo vertido para “sobre”, levando em conta o original alemão (BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. II.1. Frankfurt: Suhrkamp, 1991, p. 200), a tradução de Butler e as traduções para o português de Willi Bolle (BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência - Crítica do Poder”. In: Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie: Escritos escolhidos. São Paulo: EdUSP/Cultrix, 1986, p.173) e João Barrento (BENJAMIN, Walter. “Sobre a crítica do poder como violência”. In: O anjo da história. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2012, p.79- N.R.T]. .

Assim, o direito positivo procura restringir “a vida em favor próprio”. Porém, o poder divino não salvaguarda a vida em si, e sim a vida em favor do “vivente”. Quem constitui “o vivente” nessa concepção? Não podem ser todos que apenas vivem, uma vez que a alma dos viventes é diferente, e o que é feito “a favor dos viventes” pode muito bem envolver a aniquilação da mera vida. Isso parece claro quando Benjamin se refere, por exemplo, ao caso de Coré - um episódio bíblico em que uma comunidade inteira é aniquilada pela ira de Deus por não ter se mantido fiel à palavra divina - como um exemplo da violência divina.

Dessa maneira, é com alguma consternação que devemos nos perguntar se o mandamento “não matarás” procura salvaguardar a vida natural ou a alma dos viventes e como distinguir os dois. A vida em si não é um fundamento necessário ou suficiente para se opor ao direito positivo, mas talvez a “alma” dos viventes seja. Tal oposição pode ser feita a favor dos viventes, ou seja, por aqueles que estão vivos em virtude dessa alma viva ou ativa. Sabemos, desde o início do ensaio, que o “mal-entendido do direito natural, segundo o qual há uma distinção entre a violência usada para fins justos e a usada para fins injustos, deve ser enfaticamente rejeitado”. O tipo de violência que Benjamin chama de “divina” não se justifica por um conjunto de fins, mas constitui um “puro meio”. O mandamento “não matarás” não pode ser uma lei na mesma ordem das leis que são destruídas. Deve ser, ele mesmo, um tipo de violência que se opõe à violência, da mesma forma que a mera vida controlada pelo direito positivo se distingue da alma dos viventes, que continua sendo o foco da injunção divina.

Em uma reviravolta bastante peculiar, Benjamin parece interpretar o mandamento de não matar como um mandamento para não assassinar a alma dos viventes e, portanto, como um mandamento para utilizar a violência contra o direito positivo que é responsável por tal assassinato.

Um exemplo de apreensão da mera vida por parte do direito positivo é a pena capital. Ao se opor à violência legal, Benjamin parece agora se opor à pena de morte como a forma de violência imposta legalmente que articula e exemplifica de maneira mais completa a violência do direito positivo. Em oposição a um direito que poderia sentenciar e, de fato sentenciaria, um sujeito à morte, o mandamento arquiteta um tipo de lei que funciona justamente para salvaguardar algum sentido da vida contra tais punições - mas que sentido é este? Claramente não se trata de uma vida meramente biológica e sim do estado de morte induzido pela culpa, da condição petrificada de Níobe com suas lágrimas intermináveis.

Contudo, é em nome da vida que a expiação alcançaria Níobe, o que levanta a questão de a expiação da culpa ser, de algum modo, uma motivação ou um fim para a revolta contra a violência legal. Será que os vínculos de responsabilização a um sistema jurídico que reserva para si a prerrogativa da pena capital são quebrados por uma revolta contra a própria coerção legal? Há algo na reivindicação dos “viventes” que motiva a greve geral, greve esta que expia a culpa que, por sua vez, mantém o poder da coerção legal sobre o sujeito? O desejo de libertar a vida de uma culpa assegurada pelo contrato legal com o Estado - este seria um desejo que dá origem a uma violência contra a violência, uma violência que procura libertar a vida de um contrato de morte com o direito, uma morte da alma vivente pela força endurecedora da culpa. Esta é a violência divina que se move, como uma tempestade, sobre a humanidade a fim de obliterar todos os traços de culpa, uma força divina expiatória e, portanto, não uma penitência.

A violência divina não atinge o corpo ou a vida orgânica do indivíduo, e sim o sujeito que é formado pelo direito. Ela purifica o culpado, não da culpa, mas de sua imersão no direito e, dessa forma, dissolve os vínculos de responsabilização que decorrem do próprio Estado de direito. Benjamin explicita essa ligação quando se refere ao poder divino como um “poder puro sobre toda vida a favor do vivente”. O poder divino constitui um momento de expiação que se exerce sem derramamento de sangue. O ser vivente é separado de seu status legal (o que seria uma expiação ou libertação desse ser vivente dos grilhões do direito positivo) como resultado do golpe, do ataque e de seu efeito sem sangue.

Se essa violência envolve a aniquilação de pessoas, como na história de Coré, ou se está baseada numa distinção questionável entre uma vida natural e a alma do vivente, será verdadeiramente uma violência sem sangue? Há um platonismo tácito em ação na concepção de “alma do vivente”? Gostaria de argumentar que não existe um significado ideal ligado à esta noção de “alma”, pois ela pertence justamente àqueles que são viventes. Espero deixar claro como isso funciona em minha argumentação final.

Benjamin começa a articular essa distinção quando reconhece que a violência pode ser infligida “de maneira relativa com respeito a bens, direito, vida e que tais”, mas nunca aniquila, em absoluto, a alma do vivente [die Seele des Lebendigen]21 21 Ibid., p. 152. . Embora a violência divina seja violência, ela nunca aniquila em sentido absoluto, apenas relativamente. Como entendemos esse uso do termo “relativamente” [relativ]? E como, exatamente, Benjamin continua a afirmar que sua tese não confere aos seres humanos a prerrogativa de exercer poderes letais uns contra os outros? “A questão ‘posso matar?’ encontra sua resposta irredutível [Unverruckbare: inalterável, fixa - literalmente, incapaz de fazer enlouquecer ou desviar do caminho] no mandamento ‘não matarás’”.

Que o mandamento seja irredutível e inalterável não significa que não possa ser interpretado e, até mesmo, transgredido. Aqueles que consideram o mandamento “na sua solidão tem de se confrontar [sich auseinanderzusetzen] com ele e assumir, em casos extremos [ungeheuren], a responsabilidade de não o levar em conta22 22 Ibid., p. 153. .

Em oposição à cena mítica em que uma ação raivosa instaura um direito punitivo, o mandamento exerce uma força que não se confunde com a marca da culpa. A palavra divina, se é performativa, é um ato de fala perlocucionário que depende fundamentalmente de sua apreensão para funcionar. Ela opera apenas por sua apropriação e, com certeza, isso não é garantido.

Benjamin descreve os poderes não despóticos do mandamento: “a injunção torna-se inaplicável, incomensurável, uma vez cumprida a escritura”, o que sugere que qualquer temor que o mandamento provoque não vincula imediatamente o sujeito à lei por meio da obediência. No exemplo do direito mítico, a punição instila culpa e medo. Níobe exemplifica a punição pronta a ser atribuída a qualquer um que se compare aos deuses.

O mandamento de Benjamin não implica tais punições e carece de poder para impor as ações que exige. O mandamento, para Benjamin, não tem força policial. É inalterável, pronunciado e se torna a ocasião para uma luta contra o próprio mandamento. Ele não inspira medo e nem exerce o poder de impor um julgamento após o fato. Por isso, escreve ele, “do mandamento não pode ser deduzido nenhum julgamento do ato”23 23 Ibid., p. 152. . De fato, o mandamento não pode ditar ações, compelir à obediência ou julgar aquele que cumpre ou não o seu imperativo.

Ao invés de constituir um critério de julgamento a um conjunto de ações, o mandamento funciona como uma diretriz [Richtschnur des Handelns]. O que o mandamento manda é uma luta com o mandamento, cuja forma final não pode ser determinada previamente. Na surpreendente interpretação de Benjamin, lutamos com o mandamento em solidão.

Como forma de interpelação ética, o mandamento é aquele com o qual cada indivíduo deve lutar sem contar com nenhum outro modelo. Uma resposta ética ao mandamento é recusá-lo [abzusehen], mas, ainda assim, é preciso assumir a responsabilidade dessa recusa. A responsabilidade é algo que se assume em relação ao mandamento, mas não é ditada por ele. Na verdade, ela se distingue claramente do dever e, de fato, da obediência. Se há um confronto, então há algum aspecto de liberdade. Não se é livre para ignorar o mandamento. Deve-se, por assim dizer, confrontar-se consigo mesmo em relação a ele. Porém, esse confronto pode muito bem gerar um resultado, uma decisão, um ato de recusa ou revisão do mandamento. Neste sentido, a decisão é o efeito de uma interpretação ao mesmo tempo restrita e livre.

Seria possível esperar que Benjamin salvaguardasse o valor da vida em relação à violência e cunhasse uma noção de violência não-violenta para essa ação de salvaguarda, para essa luta contra os grilhões do direito, para essa expiação da culpa e ressuscitação da vida. Contudo, ele deixa claro que aqueles que prezam a existência em detrimento da felicidade e da justiça aderem a uma posição que é, ao mesmo tempo, “falsa” e “ignominiosa” [niedrig]. Ele se opõe à concepção da “existência” como “mera vida” e sugere que há uma “verdade poderosa” na afirmação de que a existência deve ser posta acima da felicidade e da justiça se considerarmos que a existência e a vida designam “a condição de composto irredutível do ‘homem’… o homem não se reduz à mera vida do homem”24 24 Ibid., p. 154. .

Quando Benjamin concorda com a visão judaica de que matar em legítima defesa não é proibido pelo mandamento, fica claro que o mandamento contra o assassinato não se baseia na sacralidade [heiligkeit] da vida em si (uma noção que está relacionada à culpa), mas em algo mais. Ele não recusa a concepção da sacralidade ao tentar estabelecer os fundamentos e objetivos do mandamento contra o assassinato, mas ele quer distinguir de forma clara a sacralidade da vida da mera vida ou vida natural.

A tentação de ler Benjamin como se ele endossasse uma doutrina sobrenatural da alma ou do sagrado vem à tona temporariamente quando ele se refere àquela vida no homem “que existe, idêntica, na vida terrena, na morte e na continuação da vida”25 25 Ibid., p. 154. . Mesmo assim, ele apenas se refere ao sagrado por meio de uma conjectura e de um apelo entre parênteses: “por mais sagrado que o homem seja [so heilig der Mensch ist], … não há santidade em sua condição”, o que inclui a vida corporal e sua precariedade. O que é sagrado é algum sentido restrito da vida que é idêntico nesta vida e após a morte - mas que sentido devemos dar a isto?

Benjamin introduz o problema do sagrado e da justiça apenas no contexto de uma conjectura, sugerindo que pertencem a um futuro indefinido, se é que pertencem a algum tempo qualquer. Como devemos entender as afirmações de Benjamin? Será que este apelo a uma outra vida, a um sentido de vida que está além do corpo, é uma manobra do “terrorista espiritual (der geistige Terrorist)” que fornece os “fins” que justificam a violência? Isso parece estar em desacordo com a afirmação anterior de Benjamin de que a violência divina não age de acordo com fins específicos, e sim como um puro meio. Por esta última frase, ele parece sugerir que a violência divina consuma um processo, mas não o “causa”, que não podemos extrair os “fins” que ela alcança dos “meios” pelos quais é alcançada e que cálculos instrumentais desse tipo estão superados.

Em primeiro lugar, vamos compreender o sentido restrito da vida que surge na conjectura de Benjamin. Se há algo sagrado ou divino neste sentido restrito de vida, parece ser justamente o que se opõe à culpa e à violência impositiva do direito positivo. Consistiria naquilo que resiste ou contraria essa forma de violência legal. Vimos que esse tipo de contraviolência hostil é, em si mesmo, a expressão do que permanece desvinculado, sem culpa ou expiado.

Neste ensaio, no entanto, vemos que a violência divina está aliada à greve geral e ao que é revolucionário e isso, por sua vez, está relacionado ao que contesta e devasta a estrutura jurídica do Estado. Minha sugestão é que esse sentido sagrado ou divino da vida também está ligado ao anárquico, ao que está além ou fora de princípio. Já vimos este momento anárquico quando a pessoa solitária é vista como aquela que se confronta com o mandamento sem modelo ou razão. Trata-se de um confronto anárquico, que ocorre sem qualquer recurso a princípios e que se passa entre o mandamento e quem deve agir em relação a ele. Não há nenhuma razão conectando os dois.

Há, nesse solitário acerto de contas com o mandamento, um momento não generalizável que destrói os fundamentos do direito, momento que é invocado por outra lei em nome da vida e da esperança de um futuro para o vivente fora dos grilhões da coerção, da culpa e da responsabilização que mantêm o status quo jurídico inconteste. A destruição ou aniquilação do poder estatal não pertence nem à violência instauradora nem à violência mantenedora do direito.

Embora uma época seja fundada através desta abolição ou destruição revolucionária da violência legal, nenhum direito é criado a partir deste lugar. A destruição não faz parte de uma nova elaboração do direito positivo. A destruição tem alguma estranha permanência e isso faz sentido se considerarmos que o momento anárquico, em um esforço para lidar com o mandamento, destrói a base do direito positivo. Também faz sentido quando consideramos que o sentido teológico do messiânico - com o qual o próprio Benjamin lida neste ensaio -, não apenas esclarece o sentido restrito da vida que temos investigado, como também contraria a interpretação platônica de sua compreensão da alma.

Eu sugeriria que o anarquismo ou destruição a que Benjamin se refere aqui não deve ser entendido como outro tipo de Estado político, nem como uma alternativa ao direito positivo. Ao contrário, ele constantemente se repete como a condição do direito positivo e como seu limite necessário. O anarquismo não retrata uma época ainda por vir, mas é subjacente à violência legal de todos os tipos, constituindo o potencial de destruição que sustenta cada ato pelo qual o sujeito está vinculado ao direito.

Para Benjamin, a violência externa ao direito positivo é considerada, ao mesmo tempo, revolucionária e divina - é, em seus termos, pura, imediata, desvinculada. Para descrevê-la, Benjamin lança mão da linguagem que utilizou para retratar a greve geral - aquela que derruba todo um sistema jurídico. Há algo de especulativo quando Benjamin afirma que a violência expiatória não é visível aos homens e que está ligada a formas eternas: a vida no homem que é igualmente presente na vida terrena, na morte e na vida após a morte.

Quando lemos “Crítica da Violência” junto com o “Fragmento Teológico-Político”26 26 “Theologico-Political Fragment”, em BENJAMIN, Walter Benjamin. Reflections: Essays, Aphorisms, Autobiographical Writings, trans. Edmund Jephcott, ed. e introd. Peter Demetz (Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, 1978), p. 312-13; originalmente publicado em Benjamin, Kritik der Gewalt und andere Aufsätze, cit., p. 95-96. [ed. bras. O anjo da história, trad. João Barrento, Belo Horizonte, Autêntica, 2012, p.23-24 (N.R.T)]. , escritos aproximadamente na mesma época, podemos perceber afirmações que merecem uma consideração cuidadosa: em primeiro lugar, nada que é histórico pode se relacionar ao messiânico; em segundo, essa violência expiatória “pode se manifestar na guerra verdadeira do mesmo modo como pode se manifestar o juízo de Deus proferido pela multidão acerca do criminoso”27 27 Id., Escritos sobre mito e linguagem, p. 156. .

Neste ponto, ainda parece haver motivo para preocupação. Será que Benjamin oferece justificação para uma verdadeira guerra fora de toda legalidade ou para que a multidão se revolte e ataque um criminoso designado como tal apenas por ela mesma? Sua referência final a uma execução sagrada também parece conjurar imagens semelhantes das massas sem lei que se revoltam para praticar todo tipo de violência física em nome de algum poder sagrado. Será que Benjamin está surfando numa “vaga antiparlamentar” que o aproxima perigosamente do fascismo? Ou será que a assim chamada execução sagrada ataca apenas as reivindicações totalizantes do direito positivo? Ele já havia afirmado que a violência divina ou sagrada não deve ser justificada por um conjunto de fins, embora pareça afirmar que há, na violência divina, uma relação específica entre o ator e o divino28 28 A razão para o mandamento, escreve Benjamin, deve ser encontrada “não mais naquilo que o homicídio faz ao assassinado, mas no que ele faz a Deus e ao autor desse ato”. .

Como interpretamos, então, as afirmações de Benjamin aqui? Ele não apela à violência, mas sugere que a destruição já está em curso como pressuposto do direito positivo e, na verdade, da própria vida. O sagrado não designa o que é eterno, a menos que entendamos a própria destruição como uma espécie de eternidade. Além disso, a noção do sagrado invocada por Benjamin implica que a destruição pode não ter fim e que não é redimida nem pela imposição das leis, nem por uma história teleológica. Neste sentido, a destruição é, ao mesmo tempo, o momento anárquico em que ocorre a apropriação do mandamento e a luta contra o sistema jurídico positivo que aprisiona seus sujeitos à culpa sem vida. É também messiânica, num sentido bastante preciso.

Em conclusão, consideremos o significado exato da destruição na concepção messiânica em que Benjamin trabalha. Consideremos, primeiro, a afirmação do “Fragmento Teológico-Político” de que “na felicidade tudo o que é terreno aspira à sua dissolução [im Glück erstrebt alles Irdische seinen Untergang]”29 29 [Walter Benjamin, “Fragmento Teológico-Político”, trad. João Barrento, em O anjo da história, Belo Horizonte, Editora Autêntica, p.24. (N.R.T)]. . Essa queda não ocorre de uma só vez, mas continua a ocorrer, faz parte da própria vida e pode muito bem constituir justamente o que é sagrado na vida, aquilo que se entende com “a alma do vivente”.

Para o Benjamin do “Fragmento Teológico-Político”, o homem interior, ligado à solicitude ética, é o lugar da intensidade messiânica. Isso faz sentido se tivermos em mente a luta solitária com o mandamento que constitui a visão de responsabilidade de Benjamin e que permanece radicalmente oposta e distinta à obediência coercitiva. A intensidade messiânica do homem interior é condicionada ou provocada pelo sofrimento, entendido como infortúnio ou destino.

Sofrer em razão do destino significa justamente não ser a causa do próprio sofrimento. Trata-se do sofrimento fora do contexto da culpa, como consequência de um acidente ou de poderes além de seu próprio controle. Contudo, quando o destino consegue criar um direito positivo, ocorre uma transmutação significativa desse sentido de destino. O direito forjado pelo destino consegue fazer o sujeito acreditar que é responsável por seu próprio sofrimento na vida. Em outras palavras, o seu sofrimento é a consequência causal de suas ações. O destino inflige um sofrimento que é, através do direito, atribuído ao sujeito como sua própria responsabilidade.

Evidentemente, isso não quer dizer que não existe, ou não deveria existir, responsabilidade. Pelo contrário. Mas o objetivo de Benjamin é apresentar pelo menos três pontos interligados: 1) a responsabilidade tem de ser entendida como uma forma solitária - e anárquica - de enfrentar uma exigência ética; 2) a obediência coagida ou forçada assassina a alma e mina a capacidade de uma pessoa para lidar com a exigência ética que lhe é imposta e 3) a estrutura de responsabilização legal não consegue abarcar, nem retificar as plenas condições do sofrimento humano.

O sofrimento a que Benjamin se refere é coextensivo à vida, não pode ser completamente resolvido dentro da vida e não possui uma explicação causal ou teleológica adequada. Não há uma boa razão para esse sofrimento e nenhuma boa razão aparecerá com o tempo. O messiânico ocorre precisamente nesta conjuntura, em que a queda parece ser eterna.

No “Fragmento”, a dissolução perpétua da felicidade humana estabelece a transitoriedade como eterna. Isso não significa que haja apenas ou sempre a dissolução, e sim que o ritmo da transitoriedade é recorrente e sem fim. O que se chama imortalidade corresponde, em sua visão, a uma restituição “que conduz à eternidade de uma dissolução; e o ritmo dessa ordem do profano eternamente transitório, transitório na sua totalidade, na sua totalidade espacial, mas também temporal, o ritmo da natureza messiânica é a felicidade”30 30 [Walter Benjamin, “Fragmento Teológico-Político”, trad. João Barrento, em O anjo da história, Belo Horizonte, Editora Autêntica, p.24. (N.R.T)]. .

Benjamin enxerga a felicidade como derivada dessa compreensão, dessa apreensão do ritmo da transitoriedade. Com efeito, a dimensão rítmica do sofrimento se torna a base da forma paradoxal de felicidade com a qual é assemelhada.

Se o ritmo do messiânico é a felicidade, e o ritmo consiste numa apreensão de tudo o que está destinado a se extinguir, a sofrer sua queda, então este ritmo, o ritmo da própria transitoriedade, é eterno e é justamente ele que liga a vida interior da pessoa que sofre com o que é eterno. Isso parece explicar o sentido restrito da vida invocado pelo mandamento. Não é o oposto da “mera vida”, pois a transitoriedade certamente caracteriza a mera vida, mas é a mera vida compreendida como o ritmo da transitoriedade. Isso nos fornece uma perspectiva contrária à visão de que a própria vida é pecaminosa, de que a culpa deve nos vincular ao direito e, portanto, de que o direito deve exercer uma violência necessária sobre a vida.

Há, portanto, uma espécie de correlação entre a vida interior e um sofrimento que é eterno, isto é, irrestrito à vida desta ou daquela pessoa. A vida interior, agora entendida como sofrimento, é também a condição não generalizável da luta com o mandamento de não matar; mesmo que o mandamento seja transgredido, deve ser suportado. Essa luta e sofrimento solitários também são o significado do anarquismo que motiva ações fatais ao direito coercitivo.

O direito coercitivo busca transformar todo sofrimento em falha, todo infortúnio em culpa. No entanto, ao estender a responsabilização para além de seu domínio apropriado, o direito positivo derrota a vida e sua transitoriedade necessária - tanto seu sofrimento, quanto sua felicidade. Ele transforma seus sujeitos em pedras lamuriosas.

Se o direito positivo estabelece um sujeito como responsável por seu sofrimento, então esse direito positivo produz um sujeito imerso em culpa, que é obrigado a assumir a responsabilidade por infortúnios que não se originam de suas próprias ações, ou um sujeito que pensa que, apenas em virtude de sua vontade, poderia pôr fim a todo sofrimento.

Embora seja certo que os seres humanos causam danos uns aos outros, nem tudo o que sofremos pode ser atribuído às ações dos outros. A expiação do sujeito culpado através da violência divina ocorre quando a noção egocêntrica do sujeito como causa prejudicial é atenuada e oposta pela realização de um sofrimento que acusação alguma consegue reduzir. Essa expiação liberta o sujeito do narcisismo fugaz da culpa e promete devolver o sujeito à vida - não à mera vida, e não a algum além eterno, mas à vida nesse sentido de sua sagrada transitoriedade.

Uma transitoriedade eterna significa que nunca terá fim e que o perecer está presente no ritmo de toda vida. Benjamin, portanto, não defende a vida contra a morte, mas encontra na morte o ritmo, se não da felicidade, da vida - uma felicidade que requer uma libertação expiatória para o sujeito da culpa e que seria a anulação do próprio sujeito, a decomposição daquela existência petrificada.

Nos primeiros escritos de Benjamin sobre arte, ele se refere a algo chamado “violência crítica”, até mesmo “violência sublime”, no campo da obra de arte31 31 Ver as observações de Benjamin sobre “violência crítica” em “On Semblance”, escrito entre 1919-1920, em Walter Benjamin: Selected Writings, v. 1, 1913-1926, cit., p. 224 e em “As afinidades eletivas de Goethe”, cit., p. 92. . O que é vivente na obra de arte se move contra a sedução e a beleza. Apenas como um remanescente petrificado de vida é que a arte pode evidenciar uma certa verdade. A obliteração da beleza requer a obliteração da aparência, que constitui o belo, e a obliteração da culpa requer a obliteração das marcas - por isso, no final, tanto os signos quanto as marcas devem ser detidos para que a obra de arte evidencie sua verdade.

Essa verdade deve assumir a forma da linguagem, da palavra em seu sentido absoluto (uma visão que se mostra problemática para entender o campo visual como algo distinto do campo linguístico). Essa palavra, no sentido de Benjamin, confere unidade organizacional ao que aparece, embora ela mesma não apareça; ela constitui uma idealidade inscrita na esfera da aparência como estrutura organizacional.

Em “Crítica da Violência”, a palavra é o mandamento de não matar, mas esse mandamento só pode ser recebido se for entendido como um tipo de idealidade que organiza a esfera da aparência32 32 Benjamin escreve que “resta em todas as línguas e em suas composições, afora o elemento comunicável, um elemento não comunicável”, ao qual ele se refere como “o núcleo de todas as línguas”. (“The Task of the Translator”, Selected Writings 1:261). [BENJAMIN, Walter Benjamin. “A tarefa do tradutor”, trad de Susana Lages, em Escritos sobre mito e linguagem, São Paulo, Editora 34, 2011, p. 101-119 (N.R.T)] . O que é sagrado na transitoriedade não é encontrado fora dela, mas também não se reduz à mera vida. Se a condição da “mera vida” deve ser superada pela transitoriedade sagrada, segue-se daí que a mera vida não justifica o mandamento que interdita o assassinato. Ao contrário, o mandamento se endereça ao que é sagrado e transitório na vida humana, o que Benjamin chama de o ritmo do messiânico e que constitui a base de uma apreensão não coercitiva da ação humana.

Embora Benjamin afirme que não é a singularidade do corpo que impede o assassinato, ele parece sugerir que a noção de uma transitoriedade extra-moral permite uma apreensão do sofrimento humano que expõe os limites de uma concepção de moralidade baseada na culpa, a metalepse da causalidade moral que produz paralisia, auto-repreensão e tristeza infinita. Ainda assim, Benjamin parece preservar algo da tristeza interminável deste relato. Afinal de contas, Níobe não apenas se arrepende do que fez, como também lamenta o que perdeu. A transitoriedade excede a causalidade moral. Como resultado, as lágrimas de Níobe podem fornecer uma imagem que nos permita compreender a transição da violência mítica para a divina.

Níobe se orgulhava de ser mais fértil que Leto e, por isso, Leto mandou Apolo matar os sete filhos de Níobe. Níobe continuou se vangloriando e Leto mandou Ártemis matar suas sete filhas, embora alguns digam que uma filha, Clóris, sobreviveu. O marido de Níobe tira a própria vida e Ártemis transforma Níobe numa pedra de onde as lágrimas jorram eternamente.

Alguém poderia dizer que Níobe causou sua própria punição e que ela foi culpada por se vangloriar arrogantemente. Mas fato é que foi Leto quem pensou nesse castigo e ordenou os assassinatos dos filhos de Níobe. Da mesma forma, foram os filhos de Leto, Apolo e Ártemis, que executaram sua autoridade legal, constituindo sua legitimidade retroativamente. Somente com essa punição o direito emerge, produzindo o sujeito culpado e punível que efetivamente dissimula e realiza o poder instaurador do direito. Se a violência divina não estivesse envolvida na instauração do direito, mas mobilizasse o messiânico em seus poderes de expiação, então o poder divino libertaria da culpa o sujeito punido.

Como seria a expiação de Níobe? Será que podemos imaginar? A justiça, nesse caso, exigiria uma conjectura, a abertura da possibilidade de conjectura? Podemos imaginar apenas que a rocha se dissolveria em água e que sua culpa daria lugar a lágrimas sem fim. Não seria mais uma questão do que ela fez para merecer tal punição, e sim de qual sistema de punição impõe sobre ela tal violência. Podemos imaginá-la revoltando-se novamente para questionar a brutalidade do direito, derramando a culpa de sua arrogância em uma recusa furiosa da autoridade violenta exercida sobre ela, e um luto sem fim pela perda daquelas vidas. Se esse sofrimento é interminável, talvez seja também permanente, até mesmo eterno. Nesse ponto, é a perda de Níobe e, também, parte de sua “queda”, que a conecta aos ritmos de destruição que constituem o que na vida é sagrado e o que na vida leva à felicidade.

Ainda há muitos motivos para suspeitarmos dos argumentos de Benjamin neste ensaio inicial, uma vez que ele não nos diz se é obrigatório se opor a toda violência legal, se ele apoiaria certas formas de obrigação que coercitivamente coíbem os detentores do poder de praticar violência e se os sujeitos deveriam ter obrigações para com o Estado de alguma forma.

Evidentemente, Benjamin não está oferecendo um plano para o futuro, apenas uma outra perspectiva no tempo. O ensaio termina com uma nota de destruição, mas não de transformação, e nenhum futuro é elaborado. Isso não significa, no entanto, que não possa haver futuro. Anteriormente, ele observou que, para Sorel, a greve geral proletária envolve um tipo de violência que é “enquanto um meio puro, …, não-violento”. Ao explicar isso, Benjamin escreve:

com efeito, esta não acontece com a disposição de retomar o trabalho depois de concessões superficiais ou de qualquer modificação das condições de trabalho, mas com a resolução de retomar apenas um trabalho totalmente transformado, sem coerção por parte do Estado, uma subversão [ein Umsturz] que esse tipo de greve não apenas desencadeia, mas leva a sua completude [nicht so wohl veranlasst als vielmehr vollzieht]33 33 Id., Escritos sobre mito e linguagem, p. 143. .

Essa subversão que leva à completude liga a greve geral à violência divina. Esta última também rompe com os modos de imposição coercitiva e se abre para um sentido de tempo que recusa a estrutura e previsão teleológica. Especificamente, o messiânico frustra o desdobramento teleológico do tempo (o messias jamais aparecerá no tempo). O messiânico traz a expiação, afastando a culpa, a penitência e a coerção com uma concepção mais ampla do sofrimento em relação a uma transitoriedade eterna ou recorrente.

Nesse sentido, a crítica de Benjamin à violência legal nos obriga a suspender o que entendemos sobre a vida, a perda, o sofrimento e a felicidade e a questionar a relação entre sofrimento, “queda” e felicidade. Assim, percebemos o acesso que a transitoriedade proporciona ao que tem valor sagrado a fim de nos opormos a um enfraquecimento da vida e a uma perpetuação da perda por meio da violência estatal.

A transitoriedade sagrada poderia muito bem funcionar como um princípio que nos mostra o que faz com que a mera vida seja digna de proteção contra a violência estatal. Também pode sugerir por que o mandamento do “não matarás” funciona não como base teológica para a ação revolucionária, mas como fundamento não teleológico para a apreensão do valor da vida. Quando o sofrimento do sujeito passa a ser entendido como um ritmo recorrente, até mesmo eterno, de dissolução, o próprio sofrimento pode ser dissipado num ritmo de sofrimento recorrente, que não aflige um sujeito nem mais, nem menos do que outro qualquer. Além disso, o ponto de vista de primeira pessoa pode ser descentralizado - dissipando-se tanto a culpa quanto a vingança. Se essa queda recorrente dá à vida seus ritmos de felicidade, essa felicidade não seria, em qualquer sentido, puramente pessoal.

Talvez também possamos discernir, no debate de Benjamin, as condições da crítica, uma vez que é preciso já ter se afastado da perspectiva do direito positivo para questionar e se contrapor à violência pela qual ele ganha sua legitimação e seu poder de autopreservação. O direito legitima a violência exercida em seu nome e a violência se torna a maneira pela qual o direito se impõe e se legitima a si mesmo. O círculo é quebrado quando o sujeito se desprende dos grilhões do direito ou os encontra repentinamente removidos ou desfeitos ou, ainda, quando a multidão toma o lugar do sujeito e se recusa a implementar as exigências do direito, lutando com outro mandamento cuja força é decididamente não despótica.

O indivíduo que luta com o mandamento é comparado à população que elege uma greve geral, uma vez que ambos recusam uma certa coerção e, na recusa, exercem uma liberdade deliberativa que só por si mesma serve de base para a ação humana. Benjamin observa que sob as condições de uma greve geral rigorosa, especialmente quando os militares se recusam a fazer seu trabalho, “a ação pode diminuir o desdobramento da violência propriamente dita”34 34 Ibid., p. 144. .

Embora chamemos uma greve de “ação” contra o Estado, ela é, como observa Hamacher, uma omissão35 35 Ver Werner Hamacher, “Afformative, Strike”, em Andrew Benjamin e Peter Osborne (orgs.), Walter Benjamin’s Philosophy: Destruction and Experience (Londres, Routledge, 1994), p. 110-138. [Tradução: HAMACHER, Werner. Aformativo, greve. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 3, p. 2102-2129, set. 2020.] , uma falta de demonstração, de cumprimento, de endosso e, portanto, de perpetuação do direito estatal. Se essa recusa de agir é, em si mesma, violenta, então ela se dirige contra o próprio imperativo de agir, o que é uma forma de eximir o direito de seu poder e força pela recusa em instaurá-lo repetidamente e pela recusa das implementações pelas quais o direito se preserva e se instaura como direito ao longo do tempo.

O direito pode e vai “afundar”, o direito terá sua “dissolução” e isso vai conectar essa ação à destruição do que existiu historicamente em nome de um tempo novo e diferente - uma subversão, como afirma Benjamin. Oferecer uma crítica é interromper e contestar o poder mantenedor do direito, abandonar nossa conformidade com o direito, ocupar-se de uma criminalidade provisória que falha em manter o direito e, com isso, se encarrega de sua destruição.

O fato de o ensaio de Benjamin terminar tão abruptamente pode ser entendido como uma espécie de final repentino, como o próprio funcionamento da crítica sobre o modelo de destruição e subversão que contraria os tempos teleológicos.

Se puder, imagine que Apolo e Ártemis pediram que sua mãe se controlasse e se recusaram a obedecer à sua ordem ou que os militares, recusando-se a intervir em uma greve, efetivamente entrassem, eles mesmos, em greve, depondo suas armas, abrindo as fronteiras, recusando-se a trabalhar nos postos de controle, todos os seus membros aliviados da culpa que sustenta a obediência e a violência do Estado, levados, antes, a conter sua ação diante da memória e antecipação de tanta tristeza e luto. Tudo isso - em nome do vivente.

Referências bibliográficas

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  • SCHOLEM, Gershom & BENJAMIN, Walter. The correspondence of Walter Benjamin and Gershom Scholem, 1932-1940. New York: Schocken, 1989.
  • 1
    Todas as citações em português neste ensaio são extraídas de “Para uma crítica da violência”, trad. Ernani Chaves, em BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2011, p. 121-156. [Nota da Tradutora]
  • 2
    A palavra usada por Benjamin para “destino” é das Shicksal. [Para uma aproximação ao conceito de destino em Benjamin, ver: BENJAMIN, Walter. “Destino e Caráter”. Tradução de Ernani Chaves, em Escritos sobre Mito e Linguagem. São Paulo: Editora 34, 2011, p.89-99 - Nota do Revisor da Tradução].
  • 3
    [SOREL, Georges. Reflexões sobre a violência. Trad. Paulo Neves, São Paulo, Martins Fontes, 1992 (N.T.)]
  • 4
    Rosenzweig argumenta que o mandamento é um esforço verbal e escrito por parte de Deus para solicitar o amor do seu povo (The Star of Redemption. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1985, p. 267-70). O seu foco no amor corresponde aos esforços da época para reavivar a dimensão espiritual do judaísmo, se contrapondo às reformas rabínicas que se concentravam na elaboração de regras e na ciência de sua interpretação. A preocupação de Rosenzweig com o judaísmo como um movimento espiritual o levou a argumentar que “o povo judeu deve negar a si mesmo a satisfação de que gozam constantemente outros povos do mundo com o funcionamento de seu Estado” (p. 332). Ele argumenta ainda que “o Estado simboliza a tentativa de eternizar as nações nos confins do tempo”. Para que tal eternidade seja assegurada, porém, as nações devem ser perpetuamente refundadas e precisam da guerra para se perpetuarem. Na visão de Rosenzweig, a vida é constituída pela preservação e renovação. O direito surge como uma antivida, na medida em que estabelece uma resistência e estabilidade que atuam contra a vida e se tornam a base para a coerção do Estado. Rosenzweig procurou entender o judaísmo para além das contradições que afligem as nações e, assim, diferenciou a ideia do povo judeu de nação judaica (p. 329).
  • 5
    BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo, Duas Cidades/Editora 34, 2011, p. 152.
  • 6
    Para um registro da relação indecisa de Benjamin com o sionismo, ver a correspondência entre Benjamin e Scholem no verão de 1933 em The correspondence of Walter Benjamin and Gershom Scholem, 1932-1940 Nova York: Schocken, 1989.. [Edição em português: BENJAMIN, Walter & SCHOLEM, Gershom. Correspondência (1933-1940). São Paulo: Perspectiva, 1993].
  • 7
    [DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx (trad. Anamaria Skinner, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994. (N.T.)]
  • 8
    Ver DERRIDA, Jacques. Force de loi. Paris: Galilée, 1994, p. 69. [ed. bras.: Força de lei, 2. ed., trad. Leyla Perrone-Moisés, São Paulo, Martins Fontes, 2010].
  • 9
    [A carta na verdade é de 1930 (Gesammelte Briefe. Band III, 1925-1930, Frankfurt, Suhrkamp, 1997, p.558), e não de 1921 quando o ensaio Zur Kritik der Gewalt foi publicado. Nela, Benjamin comunica à Schmitt o envio através da editora de seu livro “A origem do Drama Barroco alemão” que havia sido publicado em 1928. Nota do Revisor da Tradução].
  • 10
    ARENDT, HannahARENDT, Hannah. 1972. “On Violence”, in Crises of the Republic. New York: Harcourt Brace Jovanovich.. “On Violence”, em Crises of the Republic. Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, 1972. [ed. bras.: Sobre a violência, trad. André Duarte, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010 (N.R.T)].
  • 11
    [A palavra original é retribution. No entanto, adotando, quanto a este vocábulo, a mesma lógica da tradução de Rogério Bettoni em Judith ButlerBUTLER, Judith. 2008. “Beyond Seduction and Morality: Benjamin´s Early Aesthetics”, in Dominic Willsdon e Diarmuid Costello (orgs.), The Life and Death of Images: Ethics and Aesthetics. Ithaca: Cornell University Press, 2008., Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo (São Paulo, Editora Boitempo, 2017, p. 84), optou-se por traduzir retribution por penitência, uma vez que tem sentido mais próximo ao vocábulo alemão Sühne, utilizado por Benjamin. (N.T.)].
  • 12
    Benjamin, op. cit., p. 147.
  • 13
    Benjamin associa a expiação e a penitência ao mito, tanto neste ensaio como em vários da mesma época. Ele também se opõe claramente à operação da crítica ao mito, que, em sua visão, peleja contra a verdade. Ver, por exemplo, BENJAMIN, Walter. “Goethe’s Elective Affinities”, em Walter Benjamin: Selected Writings, v. 1, p. 297-362. Esse ensaio foi escrito entre 1919 e 1922.
  • 14
    Benjamin, op. cit., 150-151.
  • 15
    Ibid., p. 150.
  • 16
    Ibid., p. 143
  • 17
    Também em 1921, Benjamin escreve sobre “o imensurável significado do Juízo Final, aquele dia constantemente adiado que foge com tanta determinação para o futuro, após a prática de cada delito. Esse significado é revelado não no mundo do direito, onde impera a penitência, mas apenas no universo moral, onde o perdão sai ao seu encontro. A fim de combater a penitência, o perdão encontra no tempo o seu poderoso aliado. Pois o tempo, em que Ate/Agne (cegueira moral) persegue o criminoso, não é a calma solitária do medo, mas a turbulenta tempestade do perdão que precede a marcha do Juízo Final e contra a qual Ate não pode avançar. Essa tempestade não é apenas a voz que carrega o grito de terror do criminoso; é também a mão que destrói os vestígios dos seus delitos, mesmo que deva assolar o mundo no processo” (“The Meaning of Time in The Moral Universe”, em Walter Benjamin, Selected Writings, 1, p. 287). O perdão, que normalmente poderíamos entender como uma capacidade alcançada após a reflexão, quando as paixões se acalmam, é aqui representado como uma tempestade com uma mão e uma voz e, portanto, uma força divina, mas que não é baseada na penitência. Substancialmente, essa tempestade de perdão constitui uma alternativa radical à economia fechada da expiação e penitência. Para uma discussão mais aprofundada sobre esta questão do perdão benjaminiano, ver meu “Beyond Seduction and Morality: Benjamin´s Early Aesthetics”, em Dominic Willsdon e Diarmuid Costello (orgs.), The Life and Death of Images: Ethics and Aesthetics. Ithaca: Cornell University Press, 2008.
  • 18
    Benjamin, op. cit., 151.
  • 19
    BENJAMIN, Walter. “As afinidades eletivas de Goethe”, trad. Mônica Krausz Bornebusch, Irene Aron e Sidney Camargo, em Ensaios reunidos: escritos sobre Goethe. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2009, p. 11-121.
  • 20
    Id., Escritos sobre mito e linguagem, p. 151-152. [A tradução de Ernani Chaves foi ligeiramente modificada com o termo “über” sendo vertido para “sobre”, levando em conta o original alemão (BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. II.1. Frankfurt: Suhrkamp, 1991, p. 200), a tradução de Butler e as traduções para o português de Willi Bolle (BENJAMIN, Walter. “Crítica da Violência - Crítica do Poder”. In: Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie: Escritos escolhidos. São Paulo: EdUSP/Cultrix, 1986, p.173) e João Barrento (BENJAMIN, Walter. “Sobre a crítica do poder como violência”. In: O anjo da história. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2012, p.79- N.R.T].
  • 21
    Ibid., p. 152.
  • 22
    Ibid., p. 153.
  • 23
    Ibid., p. 152.
  • 24
    Ibid., p. 154.
  • 25
    Ibid., p. 154.
  • 26
    “Theologico-Political Fragment”, em BENJAMIN, Walter Benjamin. Reflections: Essays, Aphorisms, Autobiographical Writings, trans. Edmund Jephcott, ed. e introd. Peter Demetz (Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, 1978), p. 312-13; originalmente publicado em Benjamin, Kritik der Gewalt und andere Aufsätze, cit., p. 95-96. [ed. bras. O anjo da história, trad. João Barrento, Belo Horizonte, Autêntica, 2012, p.23-24 (N.R.T)].
  • 27
    Id., Escritos sobre mito e linguagem, p. 156.
  • 28
    A razão para o mandamento, escreve Benjamin, deve ser encontrada “não mais naquilo que o homicídio faz ao assassinado, mas no que ele faz a Deus e ao autor desse ato”.
  • 29
    [Walter Benjamin, “Fragmento Teológico-Político”, trad. João Barrento, em O anjo da história, Belo Horizonte, Editora Autêntica, p.24. (N.R.T)].
  • 30
    [Walter Benjamin, “Fragmento Teológico-Político”, trad. João Barrento, em O anjo da história, Belo Horizonte, Editora Autêntica, p.24. (N.R.T)].
  • 31
    Ver as observações de Benjamin sobre “violência crítica” em “On Semblance”, escrito entre 1919-1920, em Walter Benjamin: Selected Writings, v. 1, 1913-1926, cit., p. 224 e em “As afinidades eletivas de Goethe”, cit., p. 92.
  • 32
    Benjamin escreve que “resta em todas as línguas e em suas composições, afora o elemento comunicável, um elemento não comunicável”, ao qual ele se refere como “o núcleo de todas as línguas”. (“The Task of the Translator”, Selected Writings 1:261). [BENJAMIN, Walter Benjamin. “A tarefa do tradutor”, trad de Susana Lages, em Escritos sobre mito e linguagem, São Paulo, Editora 34, 2011, p. 101-119 (N.R.T)]
  • 33
    Id., Escritos sobre mito e linguagem, p. 143.
  • 34
    Ibid., p. 144.
  • 35
    Ver Werner Hamacher, “Afformative, Strike”, em Andrew Benjamin e Peter Osborne (orgs.), Walter Benjamin’s Philosophy: Destruction and Experience (Londres, Routledge, 1994), p. 110-138. [Tradução: HAMACHER, WernerHAMACHER, Werner. “Afformative, Strike”, in Andrew Benjamin e Peter Osborne (orgs.), Walter Benjamin’s Philosophy: Destruction and Experience. London, Routledge, 1994. [Tradução: HAMACHER, Werner. “Aformativo, greve”. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 3, p. 2102-2129, set. 2020.]. Aformativo, greve. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 3, p. 2102-2129, set. 2020.]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2020
  • Aceito
    12 Jul 2020
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