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Estruturas Intocadas: Racismo e Ditadura no Rio de Janeiro

Untouchable Structures: Racism and Dictatorship in Rio de Janeiro

Resumo

O trabalho pretende racializar a produção de memória sobre a ditadura empresarial-militar no Brasil, destacando formas de resistência negra organizadas nos anos 1960-1980. Parte-se da hipótese de que a adoção do mito da democracia racial como um dos mecanismos ideológicos do regime mobilizou práticas seculares de desumanização e inscreveu, a partir delas, uma forma de atuação racista.

Palavras-chave:
Racismo; Ditadura Empresarial-Militar; Justiça de Transição

Abstract

This article aims to racialize the production of memory under the corporate-military dictatorship in Brazil, bringing to bear forms of black resistance organized during the 1960s and 1980s. The hypothesis is that the myth of racial democracy served as one of the ideological mechanisms of the regime. In this way, this period of Brazilian history inscribed a racist operational logic and further entrenched century-long practices of dehumanization.

Keywords:
Racism; Corporate-military Dictatorship; Transitional Justice

Introdução

Desde a invasão europeia e consolidação do projeto colonial em terras brasileiras, a raça determina a hierarquia a partir da qual se organizam relações intersubjetivas e, principalmente, institucionais. No entanto, apesar de ser um aspecto absolutamente estruturante e reinventado a cada período, são raras as análises que se dedicam a pautar essa categoria em imbricação com outras como gênero, classe e sexualidade na leitura de processos políticos relevantes da vida nacional.

O objetivo desse trabalho é oferecer a partir de algumas formas de resistência negra contra a Ditadura, organizadas nas décadas de 1960, 1970 e 1980, exemplos de processos de violência e enfrentamento que são costumeiramente silenciados nos trabalhos relacionados ao período, mas que podem informar muito sobre o que se consolidou como violência de Estado naquele momento, em períodos anteriores e naqueles que se sucederam.

O primeiro aspecto que precisa ser destacado tem relação com as negativas em racializar as experiências das Comissões da Verdade que se instituíram no Brasil. No âmbito da Comissão Nacional da Verdade, a questão racial não é apresentada de maneira transversal, tal como se evidenciou nas violências perpetradas, muito menos como tratamento apartado.

Em algumas experiências estaduais foi possível, ainda que tardiamente e não sem disputa, oferecer algumas referências que marcassem a relação entre racismo e ditadura empresarial-militar, como no Rio de Janeiro e São Paulo. Em todos os casos, o silenciamento ou abertura lateralizada enfrentaram o desafio de responder a perguntas como: “o que houve de específico na violência perpetrada contra negros no período da ditadura militar?”, “a violência sofrida por negros no período não foram as mesmas a que estavam secularmente submetidos?”, “Como caracterizar uma violência da ditadura estritamente pautada no racismo”?

Tais perguntas só fazem sentido diante das seguintes premissas: 1) uma visão simplista sobre o racismo, entendido puramente na sua dimensão intersubjetiva e dolosa; 2) a ideia de que só é possível entender o racismo a partir de seus efeitos sobre corpos negros; 3) na incapacidade de atribuir humanidade a corpos que habitam e representam a zona do não ser.

A primeira premissa reflete a inabilidade de perceber o racismo em sua dimensão estrutural, responsável por conformar brancos, não brancos e instituições racistas. Imaginar que o racismo da ditadura estaria refletido apenas em agressões verbais e físicas caracterizadas por motivação explicitamente racial chega a beirar o absurdo. O solipsismo branco ( OYÈWÚMI, 2000 OYÈWÚMI, Oyèronké. Family bonds/Conceptual Binds: African notes on Feminist Epistemologies. Signs, Vol. 25, No. 4, Feminisms at a Millennium (Summer, 2000), pp. 1093-1098. ) é tão contundente que prejudica a percepção da hierarquização de humanidade baseada na raça como um componente estruturante das violências perpetradas pelos agentes de Estado, sobretudo em períodos autoritários.

Com a segunda premissa, decorrente da primeira, percebe-se a dificuldade de assumir a branquitude como racialidade. O fato da branquitude apresentar-se como racialidade não nomeada tão somente evidencia que se impõe como representativa do universal, do parâmetro a partir do qual são organizadas as relações e as instituições (a exemplo do que ocorre com a masculinidade e a cis/heteronormatividade). A percepção do modelo de supremacia branca pode ser evidenciada pelos efeitos desproporcionais e violentos sobre corpos negros e indígenas, mas deve ser igualmente percebida através do sistema de privilégios e vantagens injustificáveis que beneficiam corpos brancos.

O terceiro aspecto destacado tem relação com a desumanização tão profunda de corpos não brancos que o reconhecimento de seus processos de organização e agência por democracia e liberdade, ainda que seculares e reafirmados em momentos de acirramento da violência e do arbítrio, não são entendidos nesses termos. Partindo das contribuições de Fanon (2008) FANON, Frantz. Peles Negras, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. , assume-se aqui a incomensurabilidade entre a zona do ser e a zona do não ser. A primeira esfera é tomada como régua de humanidade, a partir da qual serão identificadas as ideias de lícito/ilícito, moral/imoral, homem-mulher/macho-fêmea, civilidade/primitivo, racional/bestial, humano/não humano. A condição de aplicação da legalidade na zona do ser tem sido sustentada na violência, como regra, na zona do não ser ( GROSFOGUEL, 2016 GROSFOGUEL, R. What is racism? In Journal of World-Systems Research. Vol. 22, nº1. University of Pittsburgh, 2016. p. 9-15. ).

A partir de pesquisa feita para a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro em 2015, busca-se sublinhar como sujeitos políticos corpos não encarados nesses termos. Racializar a produção de memória sobre o período se inscreve nesse trabalho para evitar que se reproduza o silenciamento das contribuições negras na luta por democracia no período ou que se reproduza um olhar sobre racismo e ditadura a partir do problema do negro ( RAMOS, 1995 RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. ).

Nas palavras de Edson Cardoso (2017a) CARDOSO, Edson. “O passado sempre chega ao presente?”. Reflexões Brado Negro em 17 de outubro de 2017 (2017a). Disponível em <http://bradonegro.com/produtos.asp?TipoID=4>, acesso em 10 de março de 2018.
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Em condições políticas “normais”, disse Beatriz Sarlo, o passado sempre chega ao presente. Nossas condições de vida no Brasil não são normais, certo? O Estado, o governo, os meios de comunicação, escolas e partidos, e um número infinito de instituições dedicam-se a apagar ou distorcer os fatos reais e concretos nos quais se envolveu e se envolve a população negra. Tudo bem? Então, compreenda de uma vez por todas que, sem sua ativa participação, o passado não chegará até nós.

Nesse sentido, pretende-se mencionar algumas práticas que foram empreendidas pelos órgãos de (In)Segurança e que refletem um Racismo Institucional congênito. O fato do regime empresarial-militar ter adotado o mito da democracia racial como um dos seus mecanismos ideológicos de controle ( HANCHARD, 2001 HANCHARD, Michael George. Orfeu e o Poder. Movimento Negro no Rio e São Paulo (1945-1988). Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. ), consubstanciado na Lei de Segurança Nacional, mas não apenas, faz com que o relato responsável do período passe necessariamente por essa lente, sob pena de serem reproduzidas as falaciosas memórias incolores que reforçam os lugares de subalternidade e encobrem as agências de negros e negras que determinam seus percursos políticos em primeira pessoa, com sangue, suor e gritos (de ordem e de dor).

1 Mito da Democracia Racial como base ideológica da Ditadura

No período que antecede a eclosão do golpe militar, uma série de pesquisas sobre relações raciais são empreendidas no Brasil, no que se conhece como PROJETO UNESCO. Inicialmente, tomando como premissa a ideia do Brasil como paraíso racial, a intenção dos financiadores do Projeto era, no pós guerra, oferecer ao mundo a receita de harmonia entre raças que por aqui se acreditava existir. A investigação, ao contrário, foi a responsável pelo questionamento acadêmico do mito da democracia racial e ofereceu diagnósticos importantes sobre relações raciais na década de 1950.

No âmbito do projeto, Costa Pinto foi o responsável pela investigação das relações raciais no Rio de Janeiro. Uma das principais contribuições do autor na obra O Negro no Rio de Janeiro (1953) foi a de promover um estudo sociológico do negro a partir das relações raciais e não sobre os produtos dessas relações (assimilação, aculturação, etc). A partir dos dados do Censo Demográfico de 1940, Costa Pinto destacou a composição da população do Distrito Federal por cor/raça, sexo, atividades econômicas, ocupação, escolaridade, lugar de moradia, entre outros.

Costa Pinto confrontou o mito da democracia racial, defendendo a hipótese de que no período haveria o crescimento das tensões raciais, na medida em que a mudança de posição social do negro na sociedade determinou o aparecimento/recrudescimento dos atos de preconceito, que surgiram para lembrá-los dos lugares sociais a eles tradicionalmente reservados. A resistência aos atos de preconceito teriam modelos distintos dependendo do estrato social que o negro ocupava. Segundo o autor ( PINTO, 1953 PINTO, Luiz de Aguiar Costa. O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança. Brasiliana, 1953. ), o negro de classe média tendia a tomar consciência de sua opressão pelo aspecto racial, em razão da resistência a sua mobilidade pelos estratos brancos das classes superiores; enquanto que o negro-massa enfrentava o preconceito como massa, a consciência de sua opressão se dava na perspectiva de classe.

A forma como operam as violências na zona do ser são distintas do que ocorre na zona do não ser. Assim como tendem a ser diferentes as formas de resistência a elas. Quando se diz que a dimensão racial se destaca na classe média e mais abastada, isso não implica no apagamento da ideia de classe para compreensão dos códigos através dos quais o racismo, sexismo e a cis/heteronormatividade irão operar. No mesmo sentido, a dimensão de classe que primeiro se apresenta na atuação do negro-massa não torna subsidiária a atuação da raça, gênero e sexualidade no seu processo de tomada de consciência, porque a violência sofrida está ancorada na atuação imbricada entre elas.

Essa retomada do perfil do negro na sociedade do Rio de Janeiro na década de 1950 é fundamental para que sejam compreendidos os diversos modelos de violência sofridos a partir de 1964. Dependendo do estrato social a que pertence o negro, distinta tende a ser a sua resistência, assim como os mecanismos de repressão de Estado que serão empreendidos contra ele.

Representativo do discurso oficial do regime sobre a questão racial é a Informação 437/74 da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça 1 1 Disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 78482/74, CNF, I/I. para ser difundido entre SNI/AC – RECISA – CENIMAR – CIE.:

Existe no BRASIL, já há alguns anos, embora com certa raridade, a intenção velada do movimento subversivo em suscitar o problema da discriminação racial, com o apoio dos órgãos de comunicação social. [...]

Pela análise realizada pelos Órgãos de Informações, em 1971, conclui-se que indivíduos inescrupulosos e ávidos, para aumentarem as vendas de seus jornais ou revistas, e outros, principalmente por estarem ligados ou viverem na subversão ou terrorismo, estavam constantemente, difundindo boatos e notícias que exploravam o assunto, [...]

Nesses anos, a repercussão do assunto foi considerável, chegando a influir na moda com o aparecimento de um novo tipo de cabeleira, gestos típicos e dísticos alusivos em peças de roupas, visando a dar uma conotação de presença e fortalecimento da raça de cor negra.[...]

Nos Estados Unidos da América do Norte, a criação. e atuação dos grupos e movimentos conhecidos por ‘PANTERAS NEGRAS’, ‘BLACK POWER’ e outros de menor expressão, tem extensões que extrapolam os problemas locais, repercutindo em vários outros países, assumindo formas de organizações internacionais, sempre seguindo as premissas do M. C. I. [Comunismo Internacional], em colimar o agravamento das tensões sociais, visando à destruição das sociedades ocidentais.[...]

O assunto se presta à ideia-força do movimento subversivo-terrorista, por ser sensível à nossa população e contrário à formação brasileira. É explosivo e aglutinador, capaz de gerar conflitos e antagonismos, colocando em risco a segurança nacional.

Essa perspectiva é detalhada em conjunto de documentos 2 2 Informação 580/19/AC/78, Disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 109622/76, CNF, I/4. produzidos pela Agência Central do Serviço Nacional de Informações, que compilava e enviava para a chefia do SNI (CH/SNI) relatos produzidos pelas agências regionais sobre o tema que eles nomearam como “Racismo Negro”. Em quase 400 páginas, é destacado o controle do regime sobre o que eles denominaram Associações Culturais destinadas a propagação da cultura negra no Brasil 3 3 Atuando no Rio de Janeiro, o documento lista as seguintes Associações culturais: Instituto de Pesquisa da Cultura Negra (IPCN); Cultura Negra do Brasil; Grupo Apache; Centro de Estudos Brasil-África (CEBA); Gran Quilombo; Associação de Intercâmbio Brasil-África (jornal SINBA); Grupo Olorum Baba Mim . Para o regime: “As Associações Culturais desenvolvem, em primeiro plano, o trabalho de recrutar associados da raça negra, desenvolvem freqüentemente ciclos de palestras sobre o desenvolvimento da cultura negra no Brasil. Nesta fase, os conferencistas preocupam-se em não falar ostensivamente em política, mas condicionam os ouvintes a aceitar a existência de um disfarçado racismo branco no Brasil”. e sobre o Movimento Soul.

Ressaltam uma suposta articulação das associações culturais com a Embaixada do Senegal, através do diplomata Edmond Roques King 4 4 A relação da militância negra com o Senegal foi descrita por Carlos Negreiros à CEV-Rio, a partir de episódio envolvendo boicote à Orquestra Afrobrasileira por interventor da Rádio MEC, quando da realização no Senegal do Festival de Arte Negra, em 1968. Para ver parte da transcrição do depoimento, ver PIRES (2015 , p.8) . . Há alusões a apropriação do discurso racial por organizações ditas terroristas, como o MR-8 5 5 Segundo a Informação 580/19/AC/78: “Da mesma forma, para as organizações subversivo-terroristas o acirramento de antagonismos raciais é um meio útil a seus propósitos. A publicação clandestina “INDEPENDÊNCIA OPERÁRIA”, porta-voz do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), em seu n.28, edição de Jul. 77, instiga claramente a revolta racial com “palavras de ordem” como “contra a educação racista”, “contra a discriminação racial” e “por uma autêntica democracia racial”. Preconiza, também, a introdução, nos currículos escolares, da disciplina “História do Negro”, além da criação de um periódico noticioso exclusivamente da “Comunidade Afro-brasileira”. Disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 109622/76, CNF, I/4, p. 17. . Destacam como pontos de encontro dos ‘radicais’ o “Calçadão” (Praça do Relógio, em Duque de Caxias) e a Adega Pérola (em Copacabana). São listados como infiltrados no movimento negro, com antecedentes subversivos: Ricardo de Carvalho Duarte, Carlos Alberto Vieira, Olímpio Marques dos Santos e Carlos Alberto Medeiros. Há, ainda, destaque para pessoas “de maior lastro cultural”, responsáveis pela difusão de ideias que contrariam a harmonia entre as raças no Brasil, entre elas, Maria Beatriz do Nascimento e Abdias Nascimento 6 6 Abdias Nascimento é retratado pela Informação 580/19/AC/78 (disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 109622/76, CNF, I/4, p. 46) como “Racista brasileiro, negro, fundador e diretor do antigo Teatro Experimental do Negro”. A Agência Central do SNI produziu longo documento sobre os antecedentes de Abdias em 24 de agosto de 1978, através da Informação 0673/19/AC/78 que destaca sobremaneira a atuação do pensador fora do Brasil, notadamente suas possíveis relações com Cuba. Documento disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 2671/82 CNF I/I, pp. 28-29. .

Dentro da Doutrina de Segurança Nacional da época, além da negrada representar um perigo interno à ordem pública, havia efeitos externos indesejados pelo regime nesse processo de articulação. No plano internacional, interessava ao Brasil blindar-se da interferência de organizações relacionadas à proteção de direitos humanos que, no que diz respeito especificamente à questão racial, estavam bastante atentas aos processos de independência africanos, movimento por direitos civis nos EUA e regimes instituídos de apartheid como o da África do Sul.

Durante a década de 1960 o Brasil internalizou três importantes documentos internacionais sobre o tema: a Convenção 111 OIT (1958), em 1968; a Convenção relativa à luta contra a discriminação no ensino (1960), também em 1968; e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968), em 1969. A possibilidade de que os movimentos internos de contestação das desigualdades raciais repercutissem externamente era entendida como uma espécie de “campanha antibrasileira no exterior” 7 7 Ilustrativa dessa postura é o trecho do Encaminhamento 129/19/AC/77, em que se lê: “Encaminha-se, para conhecimento desse órgão, reportagem intitulada “Contra o Racismo por uma Nova História”, publicada na ‘VERSUS’, edição de Out. de 77 abordando o I Congresso de Cultura Negra das Américas”, no qual um dos itens das “recomendações aprovadas”, de autoria do brasileiro ABDIAS DO NASCIMENTO - conhecido esquerdista - é mais um capítulo da campanha antibrasileira no exterior”. Disponível em Arquivo Nacional, AC_ACE_109622-76-003, p. 78. .

Defende-se a hipótese de que além de uma violência racial que pode ser atribuída estruturalmente aos órgãos de Justiça Penal 8 8 Entende-se por órgãos de Justiça Penal toda a engrenagem formada pelo Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Polícia, Sistema carcerário e demais agências formais de controle, que orientam suas ações para a retirada do convívio social dos membros considerados ‘fora de lugar’. e aquela sofrida por negros e negras que se engajaram em movimentos reconhecidos de oposição ao regime, houve no período da ditadura uma repressão orientada a neutralizar os processos de articulação negra. Não por se tratar de uma mobilização política como outra qualquer, mas por colocar em xeque externamente a imagem que o Estado pretendia cultivar – de paraíso racial – e internamente por ser capaz de aglutinar um contingente significativo de pessoas predispostas a desafiar os processos políticos, sociais, econômicos e culturais de opressão e subalternização do negro na sociedade brasileira.

Ao assumir o mito da democracia racial como uma de suas bases ideológicas, a ditadura empresarial-militar garantia, de um lado, que fosse intocado o modelo de supremacia branca e os privilégios a ele decorrentes; de outro, sufocava qualquer possibilidade de enfrentamento direto da população não branca sobre as violências sofridas: “Falar de racismo, e de seu enfrentamento, é sempre inoportuno. Nunca é a hora nem o lugar, no caso brasileiro” (CARDOSO, 2017b CARDOSO, Edson. “O inoportuno, sempre ele”. Reflexões Brado Negro em 17 de janeiro de 2017 (2017a). Disponível em < http://bradonegro.com/produtos.asp?TipoID=4>, acesso em 10 de março de 2018.
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).

2 Racismo Institucional e Ditadura Militar

Para além dos aspectos destacados, serão evidenciadas outras práticas que caracterizam essa articulação entre Racismo Institucional e Ditadura Empresarial-Militar. Antes de indicar alguns episódios, é preciso voltar a um ponto central da análise que se pretende desenvolver.

Partindo da ideia de que a violência é a norma na zona do não ser , consegue-se perceber a dificuldade ainda maior de que suas manifestações cotidianas sejam percebidas em momentos de alargamento dos espaços de dor. Como se está diante de uma violência estrutural, permanente e ressignificada, é como se essas manifestações violentas não tivessem ganhado contornos próprios com a ditadura. No entanto, o racismo como fonte política do Estado, orientando historicamente o controle e o extermínio das populações negra e indígena é não apenas um problema da ditadura, como parte constitutiva de sua possibilidade de existência e dos termos de sua atuação.

No período que vai de 1964-1985, a população não branca que vivia no território do que hoje se considera Estado do Rio de Janeiro passou por uma série de violações de direitos humanos, perpetradas sobretudo pelas Polícias Civil e Militar 9 9 As Polícias Militares estaduais foram, de acordo com Angela Almeida (2007) , seguramente o vetor mais presente na violência institucional. Estruturadas por decreto-lei de 1969, subordinadas inicialmente ao Estado Maior do Exército, passaram ao comando dos governos estaduais em 1976, mas mantiveram-se como forças auxiliares e reserva do Exército. . As polícias passaram ao comando de oficiais do Exército, de modo que não há como separar violência de Estado imposta pelo regime militar daquela supostamente ordinária.

A realidade de negros e negras era, em regra, permeada por “blitz”, prisões arbitrárias, invasões a domicílio, expropriação de lugares de moradia (remoções), torturas físicas e psicológicas, além do convívio com a ameaça latente dos grupos de extermínio. Uma política criminal enraizada no colonialismo escravocrata, radicada principalmente nas favelas, subúrbio, Baixada Fluminense e outras regiões periféricas do Estado.

De 1938 a 1969, o número de presos condenados no sistema penitenciário passou de 3.866 (3.790 homens e 76 mulheres) para 28.538 pessoas (27.726 homens e 812 mulheres). O golpe de 1964, a militarização da polícia e a banalização de direitos e garantias fundamentais em nome da segurança nacional fortaleceram a verve punitiva do Estado e, a despeito das narrativas hegemônicas, recaíram desproporcionalmente sobre corpos não brancos. A junção de positivismo e democracia racial gerou o Código Penal de 1940 e a arquitetura do calvário, vigente até os dias atuais.

Na década de sessenta foi escancarada a violência policial na cidade do Rio de Janeiro. Um dos exemplos mais emblemáticos dessa realidade foi a criação, em 1962, da Invernada de Olaria, grupo ligado ao Departamento Estadual de Segurança Pública do então recém-fundado estado da Guanabara. “A Invernada também possuía licença para matar. Não raro pairavam sobre ela acusações de tortura, espancamentos e assassinatos (alguns deles por afogamento nos rios Guandu e da Guarda)” ( LEITÃO, 2014 LEITÃO, Alexandre. Os primeiros esquadrões. In RevistadeHistória.com.br, 16 de julho de 2014. Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/os-primeiros-esquadroes. Acesso em 20 de julho de 2015.
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). Apesar da flagrante ação criminosa do Estado, em novembro de 1964, o governador Carlos Lacerda, orgulhoso de seu departamento, declarou: “Com a Invernada eu sei que posso contar ( LEITÃO, 2014 LEITÃO, Alexandre. Os primeiros esquadrões. In RevistadeHistória.com.br, 16 de julho de 2014. Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/os-primeiros-esquadroes. Acesso em 20 de julho de 2015.
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).

Estava ‘dada a largada’ pública para a organização de grupos de extermínio. Segundo José Cláudio Alves (2007) ALVES, José Cláudio Souza. Assassinos no poder. Ação de grupos de extermínio dá lucro à contravenção e favorece a ascensão de políticos ligados ao crime na Baixada Fluminense. In Revista de Historia da Biblioteca Nacional, Edição n. 25, Outubro de 2007. Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/revista/edicao/25>, acesso em 20 de julho de 2015.
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, a partir de 1967 ocorreu um crescimento vertiginoso de homicídios dolosos com características de execuções sumárias: pessoas alvejadas de cima para baixo e a curta distância, marcas de algemas nos pulsos das vítimas, entre outros indícios que revelavam que elas haviam sido presas pela polícia antes da execução. O autor traz levantamento feito pela Secretaria de Segurança Pública, entre 1956 e 1962, para demonstrar que no período teria ocorrido na Comarca de Nova Iguaçu (Nova Iguaçu, Belford Roxo, Mesquita e Queimados) 6 (seis) homicídios com características de execução sumária. Entre 1963 e 1975, contavam-se 654 casos. Nos seis primeiros meses de 1975 foram registrados 198 homicídios de autoria desconhecida na Baixada Fluminense ( ALVES, 2007 ALVES, José Cláudio Souza. Assassinos no poder. Ação de grupos de extermínio dá lucro à contravenção e favorece a ascensão de políticos ligados ao crime na Baixada Fluminense. In Revista de Historia da Biblioteca Nacional, Edição n. 25, Outubro de 2007. Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/revista/edicao/25>, acesso em 20 de julho de 2015.
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). Todos os dados foram retirados dos registros oficiais da própria polícia. É preciso levar em conta o histórico de subnotificações para estimar o que de fato aconteceu.

Qualquer semelhança com a realidade atual dos autos de resistência 10 10 Em janeiro de 2016 houve uma alteração na nomenclatura “auto de resistência” para “homicídios decorrentes de oposição à ação policial”, através de resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil. Não serão adotadas nesse trabalho expressões que tendam a mascarar violência letal por parte do Estado. Nesse sentido, falaremos em auto de resistência, execução sumária e genocídio. não é mera coincidência. De acordo com o Atlas da Violência 2017, Rio de Janeiro e São Paulo são os recordistas de mortes em decorrência de intervenção militar. Atenção: quando o Atlas da Violência foi publicizado, a intervenção militar no Rio de Janeiro 11 11 Faz-se referência ao Decreto Presidencial 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, editado por Michel Temer. O documento formaliza (sem que estejam presentes todas as formalidades constitucionais para sua edição, como a injustificável ausência do plano de execução da medida) a intervenção federal na área da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, nomeando como interventor o General do Exército Walter Souza Braga Netto e fazendo questão de explicitar que “O cargo de Interventor é de natureza militar” (artigo 2 o). ainda não tinha sido sequer decretada oficialmente. O extermínio tem bem caracterizados seus corpos preferenciais: jovens (que respondem por 92% dos homicídios) negros (que representam 71% dos casos).

Além das execuções sumárias, as duras ou blitz eram muito comuns também nesse período. Conforme relato de duas lideranças comunitárias da Rocinha, Xavante e Xaolim, à pesquisadores da Comissão Estadual da Verdade 12 12 Depoimento foi coletado no dia 20/03/2015, na Rocinha, pelos pesquisadores da CEV-Rio Lucas Pedretti e Marco Pestana. Xaolin é Antonio Mello, 62 anos, líder comunitário e presidente da Câmara Comunitária da Rocinha. Foi diretor do Sindicato dos Metroviários do Rio de Janeiro e Presidente da Associação de Moradores da Rocinha. Xavante é José Fernandes Pereira, liderança da União Pró-Melhoramentos dos moradores da Rocinha. Foi secretário de obras e vice-presidente da UPMMR. , pode-se compreender a sua dinâmica e frequência:

Xavante – Aquelas rondas, aquelas blitz dentro do morro, eles entravam com suporte militar, entrava e desciam com a gente amarrado tipo arrastão de peixe, que você joga aquele espinhal. Todo mundo amarrado na mesma corda, descendo o morro.

Xaolin – Você chegou a ser amarrado?

Xavante – Cheguei a ser amarrado e levado.

Xaolin – Então isso aí tem a questão da discriminação do negro e do favelado. Se eles torturavam e matavam a classe média, o favelado estava no mesmo caminho, só que com outro viés. O viés da discriminação e da marginalidade, né? Para eles todo favelado era marginal.

Xavante – E quando dava dez horas da noite onde você estivesse, você tinha que correr da polícia, se você não corresse... depois de dez horas da noite os caras te prendiam e dependendo, se fosse preso na sexta-feira à noite, só saia na segunda-feira.

Dom Filó 13 13 Asfilófio de Oliveira Filho (Dom Filó) prestou depoimento à Comissão da Verdade do Rio em 02/06/2015. , reconhecida liderança do Movimento Black Soul, em depoimento à CEV-Rio contou sobre as duras sofridas na madrugada em razão da aparência: negro, cabelos black power, calças largas, roupas coloridas.

Filó: A gente saía do baile andando. Não tinha bonde e não tinha lotação. Você curtia, saía da Praça Saens Peña até a Praça Sete a pé. [...] A polícia vinha e dava aquela geral nos jovens para ver se ele... qual a arruaça que eles fizeram? Era assim. Mas isso não era só negro não, era geral. Mas pro preto era... ele já era culpado de cara. [...] Então primeira geral era nele. Já manda encostar. Naquela época era encostar na parede, era assim a abordagem. E era constante. Então a partir do momento em que o visual daquele negro muda, agride a esse policial.

Sobre a banalização das prisões arbitrárias, Xavante descreve:

Xavante: Eu ganhei uma vadiagem. Vadiagem na gíria era “jacaré”. Se você entrasse em cana em um ano cinco vezes, você ganhava duas semanas de cadeia. E como novo eu sempre andei, sempre saía pros bailes aí e a gente sofria com isso. (...) então quer dizer, a Rocinha, e dentro dessa comunidade aqui, os caras quando entravam aqui entravam com olhar assim de: “todo mundo é bandido”. Eu me lembro que eu fazia uma reforma, trabalhava numa reforma em Botafogo, eu comia marmita aqui no ponto do ônibus, do 547, ainda existia lá o amarelinho, o 46 e o 47. Aí eu ia pegar o ônibus, simplesmente os caras pararam, olharam na minha cara dentre outras pessoas que estavam ali e me prenderam. E eu fiquei aí no mínimo, rapaz, uma semana e meia.

Também sobre as prisões arbitrárias, o depoimento de Daílton Lopes, perseguido e expulso das forças armadas, retoma o efeito do desrespeito não apenas sobre a vítima direta do ato arbitrário, mas o dano que o ato era capaz de gerar em toda a família do envolvido:

Daílton: Na época em que meu pai foi preso várias vezes, nós morávamos mais especificamente no “Bar dos Cavalheiros” ali em Duque de Caxias.

(…) Eu lembro, antes de eu entrar para o quartel, o meu pai ser humilhado várias vezes. Às vezes, sabe, eu chorar... o... meu pai, nas vezes que ele esquecia, saía para procurar emprego, muitas das vezes ele saía e esquecia o documento em casa. E você sabe muito bem que naquela época tinha a lei de vadiagem. [...] Ele foi várias vezes para a delegacia, a gente ficava desesperado em casa. Minha mãe... às vezes meu pai ficava 48 horas sem aparecer em casa e a gente não sabia o porquê. E ele aparecia com as duas mãos inchadas: “o que aconteceu, pai?”, “fui preso”, “mas por que”, “porque eu tava sem documento, me levaram para a delegacia, eu falei que era trabalhador, mostrei a mão cheia de calo”, “a ordem aqui é a seguinte: qualquer pessoa que for presa sem documento, para não esquecer mais, tem que levar umas porradas com cassetete na mão”. Aí era obrigado a abrir a mão, e meu pai dizia que levava três em cada mão. Era com toda a raiva que eles davam. Dá vontade de chorar, sabe? Um cidadão sair para procurar emprego, esquecer o documento em casa, ser preso... até parecia que na época nosso país estava navegando em emprego. Estava faltando emprego na época da ditadura. Várias vezes meu pai foi preso, humilhado dessa forma, esculachado. Eu me lembro desses detalhes, minha mãe chorava, pedia para minha tia ficar com a gente para procurar meu pai.

Outro exemplo do desrespeito do Estado em relação à população negra está referenciado em monitoramento feito para o SNI sobre o I Encontro Nacional de Afro-Brasileiros, no qual militantes denunciam a ação policial de retirada de negros de seus barracos à noite, sem mandado de prisão e geralmente de maneira violenta e constrangedora 14 14 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 27 de julho de 1982, DGIE 312, 608-612. .

Entre os relatos e provas documentais de violência, a que mais representa a herança escravista do racismo institucional da Polícia Militar é o arrastão , rotina que ficou conhecida em outras cercanias quando divulgada na imprensa de massa em 1982. Quando o Jornal do Brasil publicou no dia 30 de setembro de 1982, na sua capa, uma foto em que um policial “escolta” um grupo de homens negros amarrados por uma corda pelo pescoço, depois de blitz realizada nos Morros da Coroa/Cachoeirinha, a sociedade branca tomou conhecimento que quase um século depois da abolição formal órgãos de segurança pública customizavam práticas escravistas no Rio de Janeiro.

Conforme Lélia Gonzalez (1982 GONZALEZ, Lélia. Lugar de negro. Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg. Rio de Janeiro: Marco zero, 1982. , p. 16):

A sistemática repressão policial, dado o seu caráter racista (segundo a polícia, todo crioulo é marginal até que se prove o contrário), tem por objetivo próximo a imposição de uma submissão psicológica através do medo. A longo prazo, o que se pretende é o impedimento de qualquer forma de unidade e organização do grupo dominado, mediante a utilização de todos os meios que perpetuem sua divisão interna. Enquanto isso o discurso dominante justifica a atuação desse aparelho repressivo, falando em ordem e segurança sociais.

Documento do SNI sobre Reunião da Comunidade de Informações do I Exército 15 15 Disponível no Arquivo Nacional, em AC-ACE-37868-71, p. 6. dispõe que os episódios referidos não eram pontuais, para serem encarados como desvios de conduta de agentes irresponsáveis. Ao contrário, representavam a mais bem acabada aplicação da política da ditadura nas favelas. Em agosto de 1971, textualmente se lê: “g- PMEG. Vai intensificar as batidas nas favelas, realizando-as da ordem de 3 a 4 vêzes por semana”.

O policial-feitor que aparece na foto da apreensão na Coroa/Cachoeirinha, de acordo com o Jornal do Brasil do dia 30 de setembro de 1982, era o tenente Luis Claudio. O chefe da “operação peneira” teria dito: “Não tínhamos algemas para todos, tivemos que coagi-los psicologicamente”. E a violência tinha que ser coletiva, desfilaram com 18 homens negros, amarrados como escravos, na comunidade em que viviam, por estarem sem documentação e, por isso, tipificados como bandidos. A todos que manifestavam sua indignação pelo arbítrio policial, principalmente às mulheres que bradavam contra os desmandos e covardia dos policiais, armas em punho e ameaça de detenção: para que não pairasse nenhuma dúvida de como se tratam os negros no país da democracia racial, e em franco processo de abertura política. Para quem não percebeu a data, o fato aconteceu em 30 de setembro de 1982.

Discursos sediciosos, organização política e territórios negros na mira do regime

Somadas às violências cotidianas, o Estado passou a incorporar outras tecnologias de repressão e controle sobre negros e negras. Os processos de mobilização político-cultural que foram sendo gestados no Rio de Janeiro, principalmente a partir da década de 1970, os discursos de descontentamento em relação às flagrantes desigualdades raciais e ao racismo estrutural fizeram com que alguns negros fossem “promovidos” da condição de criminoso comum a criminoso político.

A questão agora não estava relacionada à contenção dos riscos que a massa negra representava para a segurança pública, em razão de sua “criminalidade potencial”, mas a necessidade de que fossem monitorados de perto pelos órgãos de repressão, e eventualmente mais do que isso, por desafiarem as bases estruturais da ordem social vigente.

De acordo com a Lei de Segurança Nacional, o Decreto-lei 314, de 13 de março de 1967, a “segurança nacional é a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos” (artigo 2º). E, para sua manutenção foram empreendidas ações destinadas a preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva. Os parágrafos do artigo 3º do decreto elucidam cada uma dessas esferas:

§ 1º A segurança interna, integrada na segurança nacional, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país;

§ 2º A guerra psicológica adversa é o emprêgo da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais.

§ 3º A guerra revolucionária é o conflito interno, geralmente inspirado em uma ideologia ou auxiliado do exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelo contrôle progressivo da Nação. 16 16 Artigo 3o do Decreto-lei 314/1967

Os processos de denúncia e contestação promovidos pelas associações culturais e pelo movimento black soul17 17 Apesar de serem conhecidos como Movimento Soul ou Movimento Black Rio, será mantida a referência aos movimentos através da expressão Black Soul, em razão de ser essa a forma a partir da qual estão referenciados dos documentos do Serviço de Informação, como forma de facilitar futuras consultas. foram tratados com cautela por serem passíveis de representar ameaça à segurança interna e por promover suposta guerra psicológica adversa . Entre os tipos definidos na Lei de Segurança Nacional, dois permitiriam mais diretamente a incursão das forças repressivas contra os movimentos negros: o tipo definido no artigo 21 (Tentar subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou de indivíduo) e o descrito no artigo 33, VI (Incitar publicamente: VI - ao ódio ou a discriminação racial). As condutas definidas pelo decreto eram processadas e julgadas pela Justiça Militar, independentemente da condição (civil ou militar) do acusado.

Qualquer semelhança com a Lei 13.491/2017 que passa a considerar a Justiça Militar competente para julgar crimes contra a vida cometidos por militares contra civis também não é mera coincidência. Conforme afirmado anteriormente, havia uma associação – pelo regime – entre luta contra o racismo e deturpação da ordem. Essa relação continua a existir e a “autorizar” investidas arbitrárias contra corpos pretos que se insurjam contra os processos de violência que sobre eles se adensam.

O início dos anos 1970 testemunhou o aumento da preocupação do regime militar com os processos de articulação político-cultural que desembocou em 1978 na fundação do Movimento Negro Unificado. O Estado do Rio de Janeiro foi o celeiro de muitas dessas iniciativas, devidamente controladas pelo Departamento Geral de Investigações Especiais (DGIE).

Em documento datado de 09 de setembro de 1982 18 18 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro – Reunião de Militantes”, 6 de setembro de 1982, DGIE 296, 171-174. , consta o monitoramento da Reunião do Grupo União e Conscientização Negra (GRUCON), realizada em Goiânia. Nele o agente destaca na área do Rio de Janeiro sete entidades engajadas na luta do Movimento Negro: 1- Movimento Negro Unificado (MNU), 2- Grupo de União e Conscientização Negra (GRUCON), 3- Movimento Negro da Baixada (MNB), 4- Clube Palmares (Volta Redonda/RJ), 5- Grupo de Danças OLORUM BABA MIM, 6- Associação Cultural Afro-Brasileira e 7- Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA). Destaca a participação nas reuniões e atos promovidos pelo Movimento Negro as seguintes pessoas: Carlos Alberto de Oliveira (Caó), Daniel Aarão Reis, Márcio Moreira Alves, Gerson Miranda (Togo), Januário Garcia, Ronaldo Conde, Raymundo de Souza Dantas, José Maria Nunes Pereira, Clóvis Brigagão, Neiva Moreira, Carlos Contini, Abdias Nascimento e Maria Regina Soares de Lima. Indica como militantes expressivos do Movimento Negro: Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg.

A preocupação e controle dos processos de articulação negras não foi inaugurada nessa fase. O confronto com a ideia de democracia racial, independente de sua vinculação com reivindicações tradicionalmente de esquerda ( KÖSSLING, 2008 KÖSSLING, Karin Sant’Anna. Movimentos Negros no Brasil entre 1964 e 1983. In Perseu, n. 2, ano 2, 2008. ) foi objeto de atenção no Estado Novo e mesmo no período de redemocratização há documentos que monitoravam a atuação de organizações como o Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado por Abdias Nascimento em 1944.

Dentre as muitas organizações antirracismo que se desenvolveram na década de 1970 no Rio de Janeiro, algumas foram monitoradas mais de perto pela polícia política. Em 20 de outubro de 1976 19 19 Informe 0204 / CISA-RJ, Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 109622/76 CNF I/4. , sob o assunto “Racismo Negro no Brasil”, a CISA –RJ retrata o olhar do Ministério da Aeronáutica sobre a proliferação das Associações Culturais, nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que teriam o objetivo de propagar a cultura negra no Brasil. De acordo com o Informe, algumas das entidades estariam sendo apoiadas por missões diplomáticas do Senegal e da Nigéria que teriam o interesse em difundir a cultura, a história do colonialismo na África, história das etnias e o socialismo africano.

Constata-se no documento forte preocupação em destacar nas palestras a propaganda racista e socialista. Caracterizam os “radicais” como aqueles que defendem a ‘libertação do negro’ das sociedades capitalistas, inspirados nos Panteras Negras e cultuadores de IDI AMIN DADA20 20 Não se sabe de onde retiraram a referida relação. IDI AMIN DADA foi ditador ugandense durante a década de 1970 (1971-1979), considerado um dos dirigentes mais sanguinários da história da África. De acordo com reportagem da Folha de São Paulo, por ocasião da morte do ditador, em 16 de agosto de 2003, ele teria sido responsável por assassinatos em massa, prisão de opositores, extermínio de tribos hostis e por ter instaurado pelotões de execução. Estima-se que entre 100 mil e 300 mil ugandenses tenham sido torturados e mortos durante o regime do ex-ditador, que costumava jogar os corpos no rio Nilo. Dezenas de milhares de refugiados fugiram do país. . De acordo com o Informe, os negros deveriam ser identificados mais pelos cabelos “encarapinhados” do que pela cor da pele, em razão das diversas etnias envolvidas. Teriam o socialismo como base ideológica: “Dizem que a forma imperialista não dará alcance para a evolução da raça negra no mundo”. Suas reuniões seriam em caráter bastante restrito e seriam denominados “Almas Negras”. 21 21 Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 109622/76 CNF I/4, p. 30.

As Associações Culturais citadas no referido Informe , com atuação no Estado do Rio de Janeiro foram: INSTITUTO DE PESQUISA DA CULTURA NEGRA – IPCN, vista como a responsável pela coordenação de todo trabalho de desenvolvimento da cultura negra no Estado; CULTURA NEGRA DO BRASIL – cujas atividades seriam orientadas por Lélia Gonzalez; GRUPO APACHE e CENTRO DE ESTUDOS BRASIL-ÁFRICA – (CEBA/São Gonçalo) em que só consta a localização, sem maiores detalhes sobre suas atuações; GRUPO OLORUM BABA MIM – caracterizado como conjunto musical especializado em músicas africanas; e, CALÇADÃO DE CAXIAS e ADEGA PÉROLA (Copacabana) identificados como pontos de encontro entre os “radicais”.

O IPCN foi monitorado diversas vezes, constando, entre outros documentos a esse respeito, no Relatório 394 de 24/09/1980, REF: Operação I.P.C.N. 22 22 Disponível no acervo CEV-Rio. . Ao relatório foram anexados “dois jornalecos” - maneira pela qual o agente se referiu ao número de setembro de 1980 do SINBA e o de outubro de 1979 do EMANCIPADOR – e panfleto divulgando curso sobre Direito Cooperativo promovido pelo Centro de Pesquisa e Estudos Cooperativos.

Sobre o IPCN o Informe 0204 CISA-RJ 23 23 Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 109622/76 CNF I/4, p. 32. , além de colocá-lo como órgão coordenador das atividades de resistência negra do Estado do Rio de Janeiro, reporta que a entidade estaria se articulando para desenvolver um “trabalho de massa” nas favelas dos morros da Mangueira e São Carlos, através da formação de grupos de capoeira e seus dirigentes estariam se preparando para enviar uma delegação para a Reunião Internacional de Negros (a ser realizada em 1977, em Caracas/Venezuela). No documento de 25 de abril de 1977 (Pedido de Busca 438/77-F, do DPPS/RJ-Arq 24 24 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 18 de maio de 1977, DGIE 296, 632. ), consta que o IPCN receberia ajuda externa, de entidade desconhecida, no valor de 85 mil dólares.

Mas, o documento que mais detalhadamente caracteriza o IPCN é a Informação de 18 de maio de 1977 25 25 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 18 de maio de 1977, DGIE 296, 623-629. que indica que não foi possível constatar o recebimento, pelo instituto, da quantia de 85 mil dólares acima referenciada; destaca a natureza jurídica do IPCN, nomeia seu corpo diretivo e membros fundadores; descreve as atividades realizadas pela associação cultural; assinala algumas entidades com mantém laços de colaboração com o IPCN (por exemplo, Câmara de Comércio Brasil África, Museu de Arte & Folclore do Rio de Janeiro, Centro de Estudos Afro Asiáticos, Grêmio Recreativo de arte negra e samba Quilombo e Afoxé Filhos de Ghandi) e, em seguida, dispõe: “Ressalte-se aqui o crescente espírito de luta do IPCN em prol da valorização (!) social do negro na comunidade brasileira”. O desconforto do agente em relação à atuação do IPCN continua a ser explicitado em trecho posterior:

O raciocínio seguido pelo IPCN, conduz a uma desvinculação do que até aqui foi observado em termos de história do negro no Brasil. Assim, tratam eles de desmistificar as datas históricas significativas para a compreensão da Cultura Negra (o 13 de maio, por exemplo), da forma como eram (!) apresentados, emergindo, modernamente, o fato da libertação dos escravos como uma obrigação , e não como um ato de caridade do SISTEMA. 26 26 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 18 de maio de 1977, DGIE 296, 624.

Todos os grifos são da versão original da Informação . As exclamações indicam com bastante propriedade a absorção, pelo agente de segurança, do mito da democracia racial e da “inadequação” da crítica antirracista no Brasil. Essa conotação torna-se ainda mais evidente quando o agente considera “paradoxal” a postura do IPCN de valorizar o negro na sociedade brasileira e, ao mesmo tempo, declarar maciço apoio aos movimentos “SOUL MUSIC”.

De acordo com Márcia Contins (2005), Feliciano Pereira, militante do Movimento Negro, contou que a sede do IPCN foi vasculhada pelo Departamento de Organização Política e Social, o DOPS. Nesse mesmo sentido, Carlos Alberto Medeiros, em depoimento à Comissão da Verdade do Rio, disse que o IPCN foi invadido várias vezes, roubaram documentos, “era uma forma de dizer estamos aqui, uma forma de advertência”.

O processo de monitoramento das associações culturais é descrito na Informação 0594/19/AC/78, de 25 de julho de 1978 27 27 Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 2671/82 CNF I/I. . Nesse mesmo documento 28 28 Informação 0594/19/AC/78, de 25 de julho de 1978. Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 2671/82 CNF I/I , elaborado vinte e dois dias depois do ato público de fundação do Movimento Negro Unificado, há a transcrição de trechos da carta aberta distribuída quando da sua fundação. A carta teria sido conhecida pelo agente do Serviço de Informação na XXX Reunião Annual da SBPC, em 11 de julho de 1978.

Os atos do Movimento Negro Unificado ficaram sob constante vigilância do regime. Entre os atos organizados pelo Movimento Negro Unificado no Rio de Janeiro, destaca-se o monitoramento dos seguintes: o “I Encontro Estadual de Negros na Baixada Fluminense”, realizado pelo Movimento Negro na Baixada no dia 25 de maio de 1980, no Centro Pastoral Catequese da Diocese de Nova Iguaçu 29 29 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro – Reunião de Militantes”, DGIE 296, 146. e o Encontro Geral do Movimento Negro, em 23 de julho de 1980, na Paróquia de São Simão, em Belford Roxo. De acordo com o mesmo documento, em agosto de 1980, na cidade de Niterói- RJ, integrantes do Movimento Negro realizaram ato contra anúncio racista posto em jornal pelo curso de datilografia Oxford. O ato foi contra a diretora do curso que colocou anúncio num jornal da cidade para contratar uma professora de datilografia, vetando, no entanto, “gente de cor”. Em 20 de novembro de 1980, as atividades em comemoração ao “Dia Nacional da Consciência Negra” realizadas na Cinelândia também ocorreram sob a vigilância do regime 30 30 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro – Reunião de Militantes”, DGIE 296, 146. .

Em 1988, o Movimento Negro organizou uma marcha para denunciar a farsa da abolição, nesse momento as Forças Armadas garantiram que a repressão contra as mobilizações políticas negras continuaram a acontecer.

Segundo Januário Garcia 31 31 Januário Garcia prestou depoimento à Comissão da Verdade do Rio em 22/05/2015. , na época Presidente do IPCN:

Januário: Tanto é que em 88, nós fizemos uma marcha no 13 de maio, a marcha da farsa da abolição, que foi um negócio tão forte que o 4º Exército saiu às ruas com os carros urutus para nos reprimir porque a gente havia levantado uma questão muito importante naquela época que foi a guerra do Paraguai. A gente levantou a questão dos pelotões de negros que foram à guerra do Paraguai sem armas, descalços, que Caxias botou para morrer. E havia em Caxias, o bispo Dom Hipólito, que levantou a questão de mudar o nome do município de Caxias porque ele era um sanguinário. Aí o frei David que era o pároco da Igreja de São João de Meriti, falou que nós íamos fazer uma marcha da Candelária até o monumento de Zumbi. Mas que íamos fazer uma parada em frente ao Panteon de Caxias e quebrar o pau. Bastou, minha amiga. Foi o exército vir todo para rua.

CEV-Rio: Tinham quantas pessoas? Centenas?

Januário: Tinha centenas de pessoas, muita gente. A gente estava na Candelária e neguinho que chegava, chegava no máximo à Uruguaiana porque não dava para vir mais. E o Exército colocou gente na Central do Brasil, em todos os lugares, qualquer um que estivesse com um papel na mão, com a bandeira na mão, nego tomava mesmo, batia tomava. Então, chegou na hora, veio o comandante, [...], não sei se era um coronel, não me lembro, e ele disse que a gente não podia seguir em direção ao monumento do Zumbi, disse que a gente tinha que seguir em direção à Cinelândia. E a gente falou que não, disse que ia. Ele disse que ia nos impedir, não sei o quê, não sei o quê. E naquele momento eu entro naquela discussão, eu era o presidente do IPCN na época e essa reunião toda foi feita dentro do IPCN, toda a articulação foi feita dentro do IPCN e eu respondia politicamente pelo IPCN na época, aí eu falei, coronel, é o seguinte, nós vamos marchar até aonde o racismo do Exército permitir, mas nós vamos nessa direção. E fomos, fomos até certo ponto. Quando a gente chegou lá, mas tinha um aparato de policiais, que não dava, uma barreira, tinha carro de combate, tinha tudo, não dava para seguir.

Além da atuação das organizações que foram monitoradas e referenciadas acima, a preocupação dos órgãos de segurança voltou-se a uma outra forma de articulação negra que se desenvolveu no período: o Movimento Black Soul . Segundo Filó, o movimento começou com o Dj Big Boy. Nesse movimento surgiram a Banda Black Rio, Gerson King Combo, União Black, Tim Maia e outros. Quando Big Boy começou a fazer festas itinerantes, aumentou ainda mais a capilaridade do movimento pela zona norte e foram despertadas muitas equipes de som. Um dos assistentes do Big Boy, Mr. Funk Santos, saiu e montou sua própria equipe, por volta de 1971.

Uma das equipes que surgiu com o cunho político, nasceu no Clube Renascença, promovido por jovens sócios do clube vinculados à diretoria artística do clube, no mesmo momento em que começou a confluir as reuniões no Teatro Teresa Rachel que deram origem às associações culturais, em que muitos desses jovens estavam envolvidos. Passaram a promover no Renascença nas quintas feiras filmes com palestras, som black e fotos para aproximar a juventude das redondezas do clube. Quando já tinham um público formado, passaram a fazer nos domingos, a noite do Shaft, quando surgiu a Equipe Soul Grand Prix, inspirada na experiência do Mr. Funk Santos. Como novidade, projetavam vídeos e fotos dos ícones negros estadunidenses do movimento pelos direitos civis ao lado das fotos dos frequentadores do baile, com o objetivo de formar uma consciência racial naquela juventude.

De 1972 a 1974, a música black teve o seu auge no Clube Renascença. E, nesse período também, começaram as infiltrações no movimento. Despertou interesse da repressão a presença de estrangeiros nos bailes, eram jogadores de basquete americanos negros e DJs americanos foram convidados para tocarem nas festas. Em função de obra para construção de nova sede para o Clube Renascença, o movimento ganhou as ruas e os membros do movimento ficaram mais expostos também.

A Equipe Soul Grand Prix firmou contrato com a Warner, laçou seu primeiro LP por volta de 1974/75 e ganhou disco de ouro. O segundo disco saiu em 1976 e o último entre 1977/78. Os bailes estavam atingindo um milhão de jovens no Rio de Janeiro e a repressão passou a monitorar mais de perto. O estopim foi em 1976, com uma reportagem do Jornal do Brasil desqualificando o movimento, acusando-o de imperialista. Segundo Dom Filó em seu depoimento à CEV-Rio, esse evento marca o recrudescimento da perseguição da ditadura militar contra ele, que vai culminar no seu sequestro para a Barão de Mesquita por membros do regime, quando estava saindo de uns dos bailes realizados no Clube Renascença.

O movimento atraiu a atenção dos órgãos de segurança por vários motivos. Em primeiro lugar, a ideia amplamente compartilhada de que se tratava de uma “infiltração” de movimentos externos como os Panteras Negras ou de enfrentamento à herança colonialista no modelo dos processos de Independência em África, colocava o movimento na onda de denúncias marxistas, contra o imperialismo e, portanto, lidas como sendo de franca oposição ao regime militar.

Além desse aspecto, o teor de confronto em relação às situações cotidianas de desigualdade e desrespeito tinha o potencial de desmantelar importante ferramenta ideológica que, apesar de não mais se sustentar academicamente, continuava pautando o ideário sobre relações raciais no Brasil, o que servia como mecanismo de contenção de rancor de uma massa significativa da população brasileira.

O exercício de liberdade experimentado na aceitação do próprio corpo, cabelo, cultura e ancestralidade em um território de enraizada moral colonial-escravista era demasiado inapropriado para o ambiente de repressão e violência imposto pelo regime. Quanto mais o regime endurecia, mais cabeleiras orgulhosamente se encrespavam, roupas extravagantes eram expostas e a partir de tudo isso a desconstrução de imagens naturalizadas de subserviência e subalternidade.

O incômodo que geravam era evidente, não fosse isso não haveria a necessidade de mostrar aos que foram apreendidos (ilegal e arbitrariamente) a postura que nunca deveriam ter deixado de ter: cabelos raspados, aparência uniforme, olhar desviado para baixo, de preferência, invisíveis.

Com toda polêmica e potencial de aglutinar multidões, os bailes black estiveram na mira da repressão de diversas formas e em diversos momentos. Em 07 de fevereiro de 1975, o DOPS-GB expediu o Informe 17/75-B 32 32 Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Black Power e Música Soul”, 07 de fevereiro de 1975, DOPS 232, 219. - documento confidencial - através do qual a agência alega ter recebido informações sobre a formação de um grupo no Rio de Janeiro, liderado por jovens negros de nível intelectual acima da média, “com pretensões de criar no Brasil um clima de luta racial entre brancos e pretos”.

Gradativamente, os monitoramentos foram gerando ações mais incisivas sobre as lideranças do Movimento Black Soul e ações nos próprios bailes. A prisão-sequestro do Filó não foi a única. De acordo com relato de Xavante, não eram só as lideranças do movimento black que sofreram a atuação da ditadura, frequentadores dos bailes também estavam na mira da repressão.

Xavante contou em depoimento à CEV-Rio que no final da década de 1970, numa saída de baile, um grupo no qual estava foi levado para a Lespan, Casa dos Marinheiros, e dentro do quartel, cortaram os cabelos black (deixando-os carecas), receberam duchas de água gelada e permaneceram presos de sexta a noite até a tarde do sábado. Ele atribui a violência direcionada aos bailes ao fato de que “a gente pregava na época o fim da ditadura nos bailes, pregava a igualdade social. E o movimento black era discriminado naquela época.” Além desse episódio, descreveu o mesmo “ritual” em saída de baile no Caramujo (em Niterói) e na Penha.

No mesmo sentido, Daílton Lopes, militar da Força Aérea, perseguido e expulso das forças armadas, em depoimento prestado à Comissão da Verdade em 23/07/2015, testemunhou que em todo baile tinha alguém do serviço secreto, que eram recorrentes as “revistas” na entrada dos bailes e apreensão dos pentes.

Além das torturas físicas e psicológicas, o racismo institucional do regime se decanta na crueldade dos agentes de cortarem os cabelos black power da negrada. Era o recado da Casa Grande de que não seriam admitidas posturas altivas de afirmação de negritude e questionamento do sistema perverso de desigualdade vivido na senzala. Cada um no seu lugar, como sempre foi, e continuaríamos a ser o país da harmonia racial, exemplo para o mundo.

O olhar racializado para as violências perpetradas nesse período traz a possibilidade de memorializar a atuação do regime sobre outras territorialidades negras como as escolas de sambas e locais de religiosidade de matrizes africanas, colocando em negrito os desdobramentos da privação de direitos cuja continuidade pode ser percebida na redemocratização (e nos seus limites). Permite ainda que se conheça atores políticos combativos e historicamente ignorados. Produz a racialização do não branco e do branco, tomado como padrão para identificação do que é luta por democracia e resistência. Oferece mais elementos para a compreensão das condições estruturais que viabilizam o florescimento e consolidação de regimes autoritários. Reposiciona o que se entende por violência e os contornos possíveis da liberdade.

O que implica produzir memórias incolores?

A subsidiariedade imposta a determinadas categorias revela muito sobre o tipo de memória que se produz e, a partir delas, os limites e possibilidades de processos de transição e reparação que através delas se pretende construir. Colocar em questão a subsidiariedade de categorias como raça, gênero, classe, sexualidade, deficiência, religiosidade, etc., não inscreve a análise em uma lógica identitária. Tais categorias não estão sendo reduzidas a marcadores identitários, mas refletem o impacto estrutural de determinadas posições sociais em determinado contexto.

Ochy Curiel (2014) CURIEL, Ochy. “Género, raza, sexualidad: debates contemporáneos.” Colombia: Universidad del Rosario. Disponible en http://www. urosario. edu. co/urosario_files/1f/1f1d1951-0f7e-43ff-819f-dd05e5fed03c. pdf, 2014.
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nos provoca a nomearmos tudo aquilo a que lançamos luz, mas principalmente, o que renunciamos. Em sociedades de herança colonial escravista, os não brancos tratados como objeto ( RAMOS, 1995 RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. ) são extremamente racializados, em contraposição ao branco, representante do universal, sujeito a partir do qual são definidas as noções de respeito e cidadania. Esse pacto narcísico (BENTO, 2014) é responsável, em grande medida, por informar a renúncia da categoria raça das propostas que defendem a centralidade da classe, gênero ou sexualidade.

Não renunciar a categoria raça permite perceber não apenas os efeitos do racismo sobre brancos e não brancos, mas também o seu impacto sobre o funcionamento de outras formas de dominação e opressão. O funcionamento institucional de regimes políticos (autoritários ou não) podem ser mais bem compreendidos nesses termos. Não renunciar a categoria raça ajuda a entender melhor como funciona o patriarcado, a cis/heteronormatividade, a luta de classes e as dinâmicas institucionais.

O que nos mantém divididos entre as zonas do ser e do não ser é a perpetuação de um sistema de normas e pactos que privilegiam algumas categorias e renunciam outras, mantendo a conversa inacessível a alguns corpos, narrativas e saberes. Conforme Ochy Curiel (2016) CURIEL, Ochy. De las identidades a la imbricación de las opresiones. Desde la experiencia. In Encrespando. Anais do I Seminário Internacional: Refletindo a Década Internacional dos Afrodescentendes (ONU, 2015-2024) / FLAUZINA, Ana; PIRES, Thula (org.). Brasília: Brado Negro, 2016, p. 75-89. , compreender a imbricação das opressões não se trata de pensar categorias que conformam um somatório de experiências ou uma intersecção de categorias analíticas. Trata-se de entender como estas experiências tem atravessado historicamente nossa região desde o colonialismo até a colonialidade contemporânea e como se tem expressado em certos sujeitos que não experimentaram privilégios de raça, classe, sexo e sexualidade.

A subsidiariedade da raça no processo de transição repousa na lateralidade atribuída à agência das/os não brancas/os. Ler processos históricos sem uma lente racializada macula a interpretação do que passou, expropria do presente uma série de referências e explicações e empurra ao futuro os mesmos desafios de sempre. Ao contrário, busca-se racializar para politizar.

Uma resistência política popular de larga escala só pode ser tecida por meios que não reinventem as hierarquias moderno-coloniais. Renunciar categorias é renunciar a condição política de diversos corpos e experiências que por elas são social e politicamente produzida(o)s. A luta contra a ditadura e seus legados só faz sentido se percebida a partir dos seus atravessamentos com as estruturas de poder racistas, sexistas, cis/heteronormativas, capitalistas, imperialistas e neocoloniais.

  • 1
    Disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 78482/74, CNF, I/I.
  • 2
    Informação 580/19/AC/78, Disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 109622/76, CNF, I/4.
  • 3
    Atuando no Rio de Janeiro, o documento lista as seguintes Associações culturais: Instituto de Pesquisa da Cultura Negra (IPCN); Cultura Negra do Brasil; Grupo Apache; Centro de Estudos Brasil-África (CEBA); Gran Quilombo; Associação de Intercâmbio Brasil-África (jornal SINBA); Grupo Olorum Baba Mim . Para o regime: “As Associações Culturais desenvolvem, em primeiro plano, o trabalho de recrutar associados da raça negra, desenvolvem freqüentemente ciclos de palestras sobre o desenvolvimento da cultura negra no Brasil. Nesta fase, os conferencistas preocupam-se em não falar ostensivamente em política, mas condicionam os ouvintes a aceitar a existência de um disfarçado racismo branco no Brasil”.
  • 4
    A relação da militância negra com o Senegal foi descrita por Carlos Negreiros à CEV-Rio, a partir de episódio envolvendo boicote à Orquestra Afrobrasileira por interventor da Rádio MEC, quando da realização no Senegal do Festival de Arte Negra, em 1968. Para ver parte da transcrição do depoimento, ver PIRES (2015 PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Colorindo memórias e redefinindo olhares: Ditadura Militar e Racismo no Rio de Janeiro. RIO DE JANEIRO (Estado). Comissão da Verdade do Rio. Relatório. Rio de Janeiro: CEV-Rio, 2015. , p.8) .
  • 5
    Segundo a Informação 580/19/AC/78: “Da mesma forma, para as organizações subversivo-terroristas o acirramento de antagonismos raciais é um meio útil a seus propósitos. A publicação clandestina “INDEPENDÊNCIA OPERÁRIA”, porta-voz do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), em seu n.28, edição de Jul. 77, instiga claramente a revolta racial com “palavras de ordem” como “contra a educação racista”, “contra a discriminação racial” e “por uma autêntica democracia racial”. Preconiza, também, a introdução, nos currículos escolares, da disciplina “História do Negro”, além da criação de um periódico noticioso exclusivamente da “Comunidade Afro-brasileira”. Disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 109622/76, CNF, I/4, p. 17.
  • 6
    Abdias Nascimento é retratado pela Informação 580/19/AC/78 (disponível no Arquivo Nacional: AC ACE 109622/76, CNF, I/4, p. 46) como “Racista brasileiro, negro, fundador e diretor do antigo Teatro Experimental do Negro”. A Agência Central do SNI produziu longo documento sobre os antecedentes de Abdias em 24 de agosto de 1978, através da Informação 0673/19/AC/78 que destaca sobremaneira a atuação do pensador fora do Brasil, notadamente suas possíveis relações com Cuba. Documento disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 2671/82 CNF I/I, pp. 28-29.
  • 7
    Ilustrativa dessa postura é o trecho do Encaminhamento 129/19/AC/77, em que se lê: “Encaminha-se, para conhecimento desse órgão, reportagem intitulada “Contra o Racismo por uma Nova História”, publicada na ‘VERSUS’, edição de Out. de 77 abordando o I Congresso de Cultura Negra das Américas”, no qual um dos itens das “recomendações aprovadas”, de autoria do brasileiro ABDIAS DO NASCIMENTO - conhecido esquerdista - é mais um capítulo da campanha antibrasileira no exterior”. Disponível em Arquivo Nacional, AC_ACE_109622-76-003, p. 78.
  • 8
    Entende-se por órgãos de Justiça Penal toda a engrenagem formada pelo Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Polícia, Sistema carcerário e demais agências formais de controle, que orientam suas ações para a retirada do convívio social dos membros considerados ‘fora de lugar’.
  • 9
    As Polícias Militares estaduais foram, de acordo com Angela Almeida (2007) ALMEIDA, Angela Mendes de. Estado AutoritáRio e Violência Institucional. Prepared for delivery at the 2007 Meeting of the Latin American Studies Association, Montreal, Canada September 5-8, 2007. SV1017 – Violence, Security, and Democratic States. , seguramente o vetor mais presente na violência institucional. Estruturadas por decreto-lei de 1969, subordinadas inicialmente ao Estado Maior do Exército, passaram ao comando dos governos estaduais em 1976, mas mantiveram-se como forças auxiliares e reserva do Exército.
  • 10
    Em janeiro de 2016 houve uma alteração na nomenclatura “auto de resistência” para “homicídios decorrentes de oposição à ação policial”, através de resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil. Não serão adotadas nesse trabalho expressões que tendam a mascarar violência letal por parte do Estado. Nesse sentido, falaremos em auto de resistência, execução sumária e genocídio.
  • 11
    Faz-se referência ao Decreto Presidencial 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, editado por Michel Temer. O documento formaliza (sem que estejam presentes todas as formalidades constitucionais para sua edição, como a injustificável ausência do plano de execução da medida) a intervenção federal na área da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, nomeando como interventor o General do Exército Walter Souza Braga Netto e fazendo questão de explicitar que “O cargo de Interventor é de natureza militar” (artigo 2 o).
  • 12
    Depoimento foi coletado no dia 20/03/2015, na Rocinha, pelos pesquisadores da CEV-Rio Lucas Pedretti e Marco Pestana. Xaolin é Antonio Mello, 62 anos, líder comunitário e presidente da Câmara Comunitária da Rocinha. Foi diretor do Sindicato dos Metroviários do Rio de Janeiro e Presidente da Associação de Moradores da Rocinha. Xavante é José Fernandes Pereira, liderança da União Pró-Melhoramentos dos moradores da Rocinha. Foi secretário de obras e vice-presidente da UPMMR.
  • 13
    Asfilófio de Oliveira Filho (Dom Filó) prestou depoimento à Comissão da Verdade do Rio em 02/06/2015.
  • 14
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 27 de julho de 1982, DGIE 312, 608-612.
  • 15
    Disponível no Arquivo Nacional, em AC-ACE-37868-71, p. 6.
  • 16
    Artigo 3o do Decreto-lei 314/1967
  • 17
    Apesar de serem conhecidos como Movimento Soul ou Movimento Black Rio, será mantida a referência aos movimentos através da expressão Black Soul, em razão de ser essa a forma a partir da qual estão referenciados dos documentos do Serviço de Informação, como forma de facilitar futuras consultas.
  • 18
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro – Reunião de Militantes”, 6 de setembro de 1982, DGIE 296, 171-174.
  • 19
    Informe 0204 / CISA-RJ, Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 109622/76 CNF I/4.
  • 20
    Não se sabe de onde retiraram a referida relação. IDI AMIN DADA foi ditador ugandense durante a década de 1970 (1971-1979), considerado um dos dirigentes mais sanguinários da história da África. De acordo com reportagem da Folha de São Paulo, por ocasião da morte do ditador, em 16 de agosto de 2003, ele teria sido responsável por assassinatos em massa, prisão de opositores, extermínio de tribos hostis e por ter instaurado pelotões de execução. Estima-se que entre 100 mil e 300 mil ugandenses tenham sido torturados e mortos durante o regime do ex-ditador, que costumava jogar os corpos no rio Nilo. Dezenas de milhares de refugiados fugiram do país.
  • 21
    Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 109622/76 CNF I/4, p. 30.
  • 22
    Disponível no acervo CEV-Rio.
  • 23
    Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 109622/76 CNF I/4, p. 32.
  • 24
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 18 de maio de 1977, DGIE 296, 632.
  • 25
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 18 de maio de 1977, DGIE 296, 623-629.
  • 26
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro do Rio de Janeiro”, 18 de maio de 1977, DGIE 296, 624.
  • 27
    Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 2671/82 CNF I/I.
  • 28
    Informação 0594/19/AC/78, de 25 de julho de 1978. Disponível em Arquivo Nacional, AMA ACE 2671/82 CNF I/I
  • 29
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro – Reunião de Militantes”, DGIE 296, 146.
  • 30
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Movimento Negro – Reunião de Militantes”, DGIE 296, 146.
  • 31
    Januário Garcia prestou depoimento à Comissão da Verdade do Rio em 22/05/2015.
  • 32
    Disponível em Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Assunto: “Black Power e Música Soul”, 07 de fevereiro de 1975, DOPS 232, 219.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018
  • Data do Fascículo
    Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2018
  • Aceito
    26 Abr 2018
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