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Constitucionalismo Iliberal

Illiberal constitutionalism

Resumo

Este artigo discute a viabilidade teórica do conceito de constitucionalismo iliberal. Indo além da pergunta sobre se ele seria um oxímoro, demonstra-se que, ao assumir uma abordagem duplamente normativa e empírica, não é só possível, mas necessário, classificar regimes políticos que se situam entre a democracia e o puro autoritarismo como regimes de constitucionalismo iliberal. Por meio de verificações bibliográfica, comparada e de políticas iliberais concretas, destaca-se que o ponto central do constitucionalismo iliberal é a subversão de instituições jurídicas liberais contra elas mesmas e em prol de fins políticos específicos.

Palavras-chave:
Constitucionalismo iliberal; Erosão da democracia; Bolsonarismo

Abstract

This article debates the theoretical feasibility of the concept of iliberal constitutionalism. Going beyond the question of if it is only an oxymoron, it is demonstrated that, when claiming an approach that is both normative and empirical, it is not only possible, but necessary, to classify political regimes that are situated between democracy and puro authoritarianism as regimes of iliberal constitutionalism. Through bibliographic, comparative and illiberal concrete politics investigations, the article emphasizes that the main feature of iliberal constitutionalism is the subversion of liberal legal institutions against themselves and on behalf of specific political aims.

Keywords:
Illiberal constitutionalism; Democratic erosion; Bolsonarism

Introdução

É possível definir conceitualmente um constitucionalismo iliberal? Qual o significado do iliberalismo? De que maneira iliberalismo e constitucionalismo se entrelaçam? Há iliberalismo, e mais, constitucionalismo iliberal como movimento político no Direito Constitucional Comparado? Faz sentido sustentar iliberalismo e constitucionalismo iliberal no Brasil? Todas essas perguntas inquietantes desafiam tradicionais perspectivas teoréticas do Direito Constitucional atreladas à noção de que o constitucionalismo está inerentemente ligado à uma tradição liberal e, principalmente, a uma concepção liberal de democracia (HABERMAS, 1996HABERMAS, Jürgen. Between Facts and Norms: Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy. Cambridge, MA: The MIT Press, 1996.; DWORKIN, 2002DWORKIN, Ronald. “Constitucionalismo e democracia”. Revista Direito GV, v. 3, n. 1999, 2002, p. 285-297.). Em outras palavras, ainda se sustenta que o constitucionalismo só é um regime político que assim pode ser qualificado se ele demonstrar que atende às exigências de um liberalismo político e a demandas por efetivação de procedimentos democráticos.

Este artigo tem como objetivo central o de expandir as lentes de análise teórica do constitucionalismo para nele incluir formas de governança iliberais, ou seja, para definir que é possível que um regime político possa ser qualificado como o de um constitucionalismo iliberal. Isso não significa que se está renunciando ao sentido normativo de um constitucionalismo de bases liberais ou mesmo de um constitucionalismo social que pressuponha elementos liberais. Pelo contrário, ao assumir uma perspectiva que seja, ao mesmo tempo, atenta às distorções pragmáticas e políticas do constitucionalismo liberal, procurando subvertê-lo, mas ao também não abandonar a leitura normativa que postula a necessidade de correções daquelas práticas, é possível melhor diagnosticar certas situações políticas com vistas a normatizá-las. O que se supõe é que pontos de vista normativos estão em tensão com pontos de vista empíricos e que, por isso, não são auto-excludentes.

Como objetivos específicos, procuraremos responder, em parte, às questões que abrem esse artigo, além de suscitar outros questionamentos. É necessário, assim aclarar, em termos conceituais, de que tipo de iliberalismo se está falando. Além disso, deve-se definir as bases do que pode ser chamado de um constitucionalismo iliberal. É preciso, também, saber em que medida a aceitação de regimes políticos que seriam iliberais não normalizaria uma prática política problemática normativamente. Adicionalmente, a verificação da consolidação política do iliberalismo é um passo importante para as conclusões desse trabalho. Metodologicamente, a abordagem deste artigo é crítico teorética, preocupada, mais uma vez, com uma perspectiva tanto normativa quanto empírica. Daí que serão também trabalhadas práticas iliberais que colaboram para a consolidação do conceito de constitucional iliberal, tanto em uma perspectiva comparada quando e uma perspectiva doméstica, enfatizando-se esse último olhar. O destaque será dado para recentes medidas que, buscando soar constitucionais, acabaram por tentar impor políticas de claro cunho iliberal no Brasil.

1. Iliberalismo contra o que?

O primeiro passo na definição do que seja o iliberalismo se dá justamente no estabelecimento dos contornos da sua antítese, o liberalismo político. O liberalismo parte do pressuposto de que qualquer restrição à liberdade por autoridades políticas e pelo Direito deve ser justificada. Em diversas facetas, o liberalismo é, de fato, um reconhecimento da necessária proteção da liberdade: seja de forma negativa, ante o afastamento da coerção; seja de forma positiva, ao se agir de acordo com uma vontade livre; seja de forma republicana, para controle da possibilidade de interferência na liberdade (COURTLAND, GAUS e SCHMIDTZ, 2022COURTLAND, Shane. GAUS, Gerald. SCHMIDTZ, David. "Liberalism". In: ZALTA, Edward (org.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2022. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/spr2022/entries/liberalism/. Acesso em 20 set. 2022.
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). Em um sentido defendido por Rawls (1996RAWLS, John. Political Liberalism. New York: Columbia University Press, 1996.), o liberalismo político oferece uma estrutura política neutra para as diversas doutrinas de valor que se opõem em uma sociedade marcada pelo pluralismo. Isso implica resguardar normas constitucionais que protegem direitos fundamentais e procedimentos democráticos.

É partir daqui que se pode refletir sobre a vinculação entre liberalismo e constitucionalismo. Uma visão que se tornou popular nos recentes escritos a respeito das falhas da democracia no final da década de 2010 e início de 2020 é a de que alguns pressupostos mais abstratos estão presentes na própria definição de uma democracia liberal: esta seria atendida cumprindo as autoridades o respeito aos requisitos de manutenção da competição política, de preservação dos direitos de liberdade de associação e expressão e de garantia do Estado de Direito (rule of law) (GINSBURG e HUQ, 2018GINSBURG, Tom. HUQ, Aziz. VERSTEEG, Mila. “The Coming Demise of Liberal Constitutionalism?” The University of Chicago Law Review, v. 85, n. 2, 2018, p. 239-255.). Sob autoria similar, também se pressupõe que o constitucionalismo implica uma constituição escrita, direitos individuais, procedimentos qualificados de emenda constitucional, eleições democráticas periódicas e prevalência do Estado de Direito (GINSBURG, HUQ e VESTEEG, 2018, p. 239).

É possível, pois, notar uma correlação entre constitucionalismo e liberalismo político. Michel Rosenfeld (2003ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Trad. Menelick de Carvalho Neto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003., p. 36) sustentou, logo quando Fukuyama (1993) sugerira que a democracia liberal seria a única opção disponível em termos de regimes políticos, que uma formulação adequada do constitucionalismo implica aceitar as premissas do governo limitado, do Estado de Direito e da proteção dos direitos fundamentais, predicados nada estranhos ao liberalismo político. É bastante conhecida a defesa feita por Jürgen Habermas (1994) de uma complementariedade entre autonomia pública e autonomia privada que tem por consequência também uma implicação mútua entre constitucionalismo e democracia. Esse feixe de conceitos político-constitucionais que resultou do processo aberto pelo período revolucionário pós-1787 e 1789 torna premente a questão de se saber se o constitucionalismo, por si só, poderia ser iliberal.

2. Definindo o illiberalismo

Pode-se perceber a gestação do iliberalismo a partir de críticas ao liberalismo vindas de diversos espectros políticos. Ruzha Smilova (in SAJÓ, UITZ e HOLMES, 2022, p. 429) aponta que, a partir da esquerda, vários autores partiram de uma crítica geral ao neoliberalismo. Assim, até mesmo o sentido de uma política agonística, como em Chantal Mouffe (1999MOUFFE, Chantal. “Deliberative Democracy or Agonistic Pluralism?” Social Research, vol. 66, no. 3, 1999, pp. 745-58.), poderia correr o risco de comprometer instituições em uma valorização não refletida do populismo. A partir do conservadorismo, o que estaria em jogo ante o liberalismo é sua capacidade de levar a uma antropologia individualista e atomística. O compromisso da própria possibilidade de uma identidade coletiva teria consequências nefastas para ordens jurídicas “naturais”. Ao se valorizar a diversidade e a tolerância, em verdade, o liberalismo criaria mais espaço para a intromissão estatal. A referência principal, aqui, seria Alexander Dugin (2012) e sua tese de um “liberalismo totalitário”, em que haveria a combinação de um bolchevismo nacional com valores religiosos e tradições pré-modernas.

Assim, a ideia de um indivíduo autônomo está na base da destruição da família e dos laços sociais. A partir de concepções como essa, seria possível perceber, para Smilova (in SAJÓ, UITZ e HOLMES, 2022, p. 191), que o illiberalismo combina antigas ideias para aplicá-las segundo valores e concepções de novos tempos. Não é uma perspectiva política que tenha uma única vertente. Ainda assim, seria possível desenhar um núcleo ideacional que é assumido por cada líder ou partido segundo as oportunidades políticas que lhes são mais vantajosas. Três elementos são centrais:

  • a) Soberania popular irrestrita: a vontade popular não pode ser controlada por direitos fundamentais e pelo Estado de Direito;

  • b) Há um bem comum etnonacionalista que é anti-individualista e antipluralista. Aqui devemos marcar que, se há um anti-individualismo, no sentido do indivíduo como base da sociedade, há um amplo discurso de defesa total e irrestrita da liberdade e, principalmente, uma liberdade sem responsabilidade;

  • c) Prevalece um anti-globalismo iliberal.

A esses elementos centrais, Smilova (in SAJÓ, UITZ e HOLMES, 2022, p. 194) adiciona elementos acidentais que vêm sendo, em geral, percebidos pela literatura. Como apontado, as vertentes do iliberalismo exploram as mais vantajosas oportunidades políticas, o que, por si só, é um elemento autônomo. Além disso, prevalece um sentimento de vitimização coletiva que é central para tanto o discurso de retorno a um passado mais glorioso quanto para se defender uma crítica a pautas identitárias. Some-se a isto a característica da necessidade de referência constante a um líder forte, em geral masculinizado e até fisicamente mais destacado. Verifique-se também o surgimento de um neofeudalismo pelo qual o líder ou partido é sustentado e sustenta determinados estamentos políticos centrais para a o fortalecimento de seu poder político e social.

No desenho institucional, percebe-se um fortalecimento do Poder Executivo; há tendências a uma oposição ao constitucionalismo e às instituições; e prevalece uma proteção partidária que reduz a competição eleitoral. Finalmente, há apoio a políticas criminais de lei e ordem e uma guerra a o que se chama de pauta do politicamente correto. Pode-se perceber, do parágrafo anterior, algumas das linhas centrais do iliberalismo. Os elementos do presente parágrafo, contudo, começam a aproximar o iliberalismo da própria subversão do constitucionalismo.

3. Constitucionalismo iliberal: um oxímoro ou um conceito autônomo?

Landau (in SAJÓ, UITZ e HOLMES, 2022LANDAU, David. “The Myth of the Illiberal Democratic Constitution”. In: SAJÓ, András. UITZ, Renáta. HOLMES, Stephen (orgs.). Routledge Handbook of Illiberalism. Abingdon: Routledge, 2022, p. 425-441., p. 425) registra que, apesar da consolidação recente de políticas iliberais, não há a adoção explícita, em constituições, de um desenho completo de constitucionalismo iliberal. Tais constituições adotam instituições próprias do constitucionalismo liberal e, em seguida, é que populistas subvertem ou abusam de seus resultados. A afirmação é, em parte, aceitável, mas não na totalidade: a invocação, no preâmbulo da Constituição Húngara de 2012, do cristianismo como base para criar uma narrativa de uma identidade constitucional parcial em relação à religião tem claro perfil iliberal; o mesmo texto constitucional reduz a cidadãos de segunda classe aqueles que não compartilham da etnia religiosa cristã, como judeus e povos romani (ROSENFELD in HIRSCHL e ROZNAI, 2022ROSENFELD, Michel. “Deconstructing Constitutional Identity in Light of the Turn to Populism”. In: HIRSCHL, Ran. ROZNAI, Yaniv (orgs.). Deciphering the Genome of Constitutionalism: Essays on Constitutional Identity in Honor of Gary Jacobsohn. No prelo, 2022., p. 7).

O abuso de instituições constitucionais liberais pode ser um caminho preferido por líderes iliberais. Afinal, é muito mais inteligente propagandear-se como liberal e democrata, enquanto esses predicados são subvertidos de modo sub-reptício. Mas não são tão evidentes os casos de constituições declaradamente iliberais: ou seriam constituições liberais que podem ser abusadas ou seriam constituições declaradamente autoritárias (GINSBURG e MUSTAFA, 2008GINSBURG, Tom. MOUSTAFA, Tamir. Rule by Law: The Politics of Courts in Authoritarian Regimes. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.). A performance de regimes iliberais e populistas dependeria, então, da criação de desenhos constitucionais que fortalecessem a regra da maioria em prejuízo de institutos constitucionais como direitos fundamentais e cortes; mas isso não ocorre tão frequentemente. Landau (in SAJÓ, UITZ e HOLMES, 2022LANDAU, David. “The Myth of the Illiberal Democratic Constitution”. In: SAJÓ, András. UITZ, Renáta. HOLMES, Stephen (orgs.). Routledge Handbook of Illiberalism. Abingdon: Routledge, 2022, p. 425-441., p. 429) enfatiza que a interação entre regras formais e informais, o manejo de instituições como comissões eleitorais, ombudsman e agências de mídia e a supressão de limites de reeleição são mais comuns para propósitos iliberais. Com isso, uma democracia iliberal seria um regime instável e sempre tendente a se tornar autoritário.

Aqui residiria a possibilidade de afastar o constitucionalismo iliberal como categoria autônoma. Como situações de colapso democrático têm diminuído, a existência de transições mais lentas de democracias para regimes autoritários seria a prova de uma linha contínua que não permite a autonomia do constitucionalismo iliberal. Destruir sistemas de fiscalização de decisões majoritárias seria o caminho iliberal. Ocorre que essa conclusão pode ser enganosa. Ela perde de vista a possibilidade de detectar realmente de qual transição se está falando ou, pelo menos, em qual estágio se situa um regime político em que a democracia sucumbe, ainda que lentamente. Não se pode desconsiderar o fato de que há apoio eleitoral a regimes iliberais, o que demanda uma verificação analítica especial.

Assim, é necessário explorar mais especificamente como o manejo de instituições do constitucionalismo favorece o iliberalismo, permitindo, enfim, a autonomização do constitucionalismo iliberal. Já é bastante conhecido o diagnóstico de Kim Lane Scheppele (2018, p. 548) sobre um legalismo autocrático em que mandatos eleitorais e reformas legais e constitucionais são combinados em favor de uma agenda iliberal. Com esses movimentos, é possível diminuir a responsabilidade do executivo, limitar a competição eleitoral e implodir instituições de accountability. É nesse manejo das próprias instituições que reside o constitucionalismo iliberal.

Drinóczi e Bien-Kacala (2021DRINÓCZI, Tímea. BIEŃ-KACAŁA, Agnieska. Illiberal Constitutionalism in Poland and Hungary: The Deterioration of Democracy, Misuse of Human Rights and Abuse of the Rule of Law. Abingdon and New York: Routledge, 2021., p. 18) chamam a atenção para o fato de que a gradualidade da deterioração deve ser considerada como geradora de camadas que permitem a tipologia do constitucionalismo iliberal. Afastando os casos da Hungria e da Polônia de casos como os da Rússia e da Turquia, as autoras defendem que os primeiros sistemas constitucionais ainda podem ser considerados democracias, mesmo que em uma perspectiva falha ou fraca. Formas diversas de constitucionalismo assumiriam uma versão mais tênue em que caberiam manifestações em que podem prevalecer modalidades de identidade constitucional e desenho constitucional em que o iliberalismo floresce e se consolida. Como o constitucionalismo iliberal é parte de um processo, um líder populista, por exemplo, pode ou não ter o autoritarismo como seu fim último. Ou seja, o importante aqui é detectar como há um processo em marcha que pode ser classificado como o de um constitucionalismo iliberal.

Como referência central para a definição do constitucionalismo iliberal, Drinóczi e Bien-Kacala (2021DRINÓCZI, Tímea. BIEŃ-KACAŁA, Agnieska. Illiberal Constitutionalism in Poland and Hungary: The Deterioration of Democracy, Misuse of Human Rights and Abuse of the Rule of Law. Abingdon and New York: Routledge, 2021., p. 38) partem dos pressupostos de que há uma concepção iliberal de democracia em voga; ocorre, também, um abuso no discurso sobre direitos humanos; e, por fim, o próprio Estado de Direito é praticado em um sentido iliberal.

Conceitualmente, pode-se definir que o constitucionalismo iliberal é uma classificação de um regime político em que as principais instituições do constitucionalismo (Estado de Direito, direitos fundamentais e separação de poderes) são abusadas em prol da manutenção do poder político em favor de um líder ou partido político que pressupõe que a democracia, essencialmente, é uma questão de regra da maioria. O iliberalismo que alimenta cada tipo de constitucionalismo iliberal é dependente de contexto. Práticas políticas iliberais serão manejadas oportunisticamente, segundo as necessidades de momento e local. É central que, mesmo que haja inconstitucionalidades e ilegalidades, o quadro geral seja o de manutenção de um regime constitucional, ainda que apodrecido ou deteriorado em favor de um líder ou de um partido político.

4. Constitucionalismo iliberal, não constitucionalismo populista

A partir do recorrente debate teórico e político, é necessário também separar o constitucionalismo iliberal de noções correlatas como populismo e constitucionalismo populista. Pense-se, por exemplo, na noção de populismo apresentada por Jan-Werner Müller (2016MÜLLER, Jan-Werner. What Is Populism? Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2016.). O conceito de populismo de Müller (2016, p. 32) pressupõe um imaginário moral da política que é, ao mesmo tempo, puro e ficcionalmente unificado, em que o povo é oposto às elites que, de seu turno, são corruptas ou detentoras de uma moralidade inferior. Apenas os populistas representariam o povo; outros atores políticos não. Não há oposição política legítima e quem dela participa não toma parte no próprio povo. Mais do que isso: nas elites identifica-se uma impossibilidade de participação na própria ideia de povo. Deve estar presente algum tipo de critério de distinção entre os moralmente puros e os impuros. O critério pode ser de raça, pertencimento político, produtividade, corruptibilidade, entre outros.

A rejeição ao pluralismo não é, contudo, um “privilégio” do populismo, podendo-se encontrar outras formas de manifestação política - por exemplo, de intolerância religiosa - que não têm um apelo populista. Condições equânimes para pleitos eleitorais concorrenciais não serão algo primordial para populistas. E ao chegar ao poder, eles irão incorporar uma noção enviesada da representação política por meio da qual simbolicamente atuarão em nome do povo real (MÜLLER, 2016MÜLLER, Jan-Werner. What Is Populism? Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2016., p. 54).

Mounk (2018MOUNK, Yasha. The People Vs. Democracy: Why Our Freedom is in Danger and How to Save It. Cambridge, MA; London, England: Harvard University Press, 2018., p. 269) relembra que o trabalho da oposição em um contexto de populismo é muito mais difícil, envolvendo a necessidade de tomar as ruas, provocar a efetiva oposição representativa, promover longas assembleias, buscar financiamento e outras exigências que trabalhem a favor de manter as regras do sistema político existente. E aqui eleições desempenham, de fato, um papel tanto preventivo como reativo fundamental. Reeleições ou mesmo terceiros mandatos foram fundamentais para consolidar o projeto populista de atores políticos como Putin ou Erdogan; e foram grandes testes para Donald Trump, Narendra Modi e Jaroslaw Kaczynski em seus respectivos sistemas políticos. E, nesse caso, é preciso que movimentos de oposição compreendam a necessidade de um envolvimento político mais amplo, em nome da defesa da democracia e com chances reais de vitória para que possam derrotar uma proposta populista.

Apesar das peculiaridades de cada regime político, alguns desafios têm sido comuns e deram espaço para a recente onda populista que pode ser observada ao redor do mundo. Decréscimos nos padrões de vida de pessoas comuns, aceleração do desafio multiétnico das democracias atuais e o crescimento das mídias sociais com ascensão de outsiders são desafios comuns. Lidar com tais questões envolve redefinição de como nos enxergamos como nações, mais segurança em termos econômicos no futuro e freios às mentiras e ódio nas redes sociais (MOUNK, 2018MOUNK, Yasha. The People Vs. Democracy: Why Our Freedom is in Danger and How to Save It. Cambridge, MA; London, England: Harvard University Press, 2018., p. 279). Essas questões indicam que tratar o populismo unitariamente pode ser um erro: deve-se entender que tanto a regra majoritária quanto procedimentos de democracia deliberativa ainda podem ser resgatados de modo qualificado e que é o abuso desses mecanismos somado ao constante ataque às instituições que pode ser ainda mais problemático.

Certifique-se, aqui, que muitos dos movimentos hoje encarados como populistas ou como de direita radical não se denominariam com tais epítetos. Alguns desses movimentos questionam até mesmo a pertinência política, ainda hoje, da distinção entre direita e esquerda. Esse é um ponto importante para que o populismo não seja jogado apenas no colo de um dos espectros políticos, normalmente aquele que é objeto de oposição. De qualquer maneira, é preciso reconhecer a prevalência do sucesso político da direita radical populista nas décadas de 2010 e 2020. Esse movimento é condensado por Cas Mudde (2017MUDDE, Cass (org.). The Populist Radical Right: A Reader. London and New York: Routledge, 2017., p. 27) em características de nativismo, autoritarismo e populismo. O nativismo implica nacionalismo e xenofobia, marcando claramente os membros do grupo dominante contra aqueles que devem ser excluídos da dinâmica política. O autoritarismo supõe uma ordem estrita da sociedade em que a insubordinação deve ser punida severamente. O populismo, por fim, secciona claramente dois grupos opostos na sociedade, o povo puro e a elite corrupta, sendo apenas o primeiro a expressão da vontade geral.

É preciso também problematizar uma noção importante para a construção do constitucionalismo iliberal, a ideia de constitucionalismo populista. Paul Blokker (in DE LA TORRE, 2018BLOKKER, Paul. "Populist Constitutionalism". In: DE LA TORRE, Carlos (org.). Routledge Handbook of Global Constitutionalism. London: Routledge, 2018, p. 113-126., p. 113) sustenta que o povo ganha primazia nessa nova forma de constitucionalismo. Ela tem como elementos centrais o domínio da vontade popular em prejuízo das instituições, do majoritarianismo em prejuízo da democracia representativa, a prevalência de um ressentimento jurídico ante as instituições do constitucionalismo liberal e uma instrumentalização das mesmas instituições. Ressentimento jurídico e instrumentalização são características fundamentais para o próprio constitucionalismo iliberal, especialmente no que concerne à centralidade das próprias instituições jurídicas. O iliberalismo, como visto, preza o majoritarianismo. Dessa forma, a consolidação do iliberalismo e do constitucionalismo iliberal parecem mais em voga do que em um conceito de constitucionalismo populista.1 1 Para uma fundamentada crítica ao abuso dos conceitos de populismo e constitucionalismo populista, cf. Câmara (2021).

5. Constitucionalismo iliberal comparado

Dificilmente se pode compreender adequadamente o constitucionalismo iliberal tão somente domesticamente. O tipo de prática política que se consolidou nas décadas de 2010 e 2020 é, essencialmente, transnacional, ainda que ele se queira anti-globalista. Seja por inovações tecnológicas ou mesmo pela proximidade das relações diplomáticas, autoritários e proto-autoritários aprendem uns com os outros. Assim, tanto pelas razões de aprendizado recíproco como por aquelas sobre quais caminhos não seguir, o comparativismo constitucional ganhou ainda mais importância no início do século XXI (HIRSCHL, 2014HIRSCHL, Ran. Comparative Matters: The Renaissance of Comparative Constitutional Law. Oxford: Oxford University Press, 2014.). Tomemos como paradigmáticas, aqui, as violações à independência judicial na Hungria.

A inserção da Hungria (assim como da Polônia) na União Europeia trouxe efeitos danosos não apenas de ordem doméstica, mas que atingem também as instituições dessa comunidade supranacional e geram problemas de contágio em relação à região (KOVÁCS e SCHEPPELE, 2018KOVÁCS, Krista. SCHEPPELE, Kim Lane. “The fragility of an independent judiciary: Lessons from Hungary and Poland-and the European Union”. Communist and Post-Communist Studies, v. 51, n. 3, 2018, p. 189-200., p. 2). A principal questão se relaciona à independência judicial, apesar de outras medidas iliberais serem constantemente promovidas. O Tratado da União Europeia prevê, em seu art. 7º, um mecanismo de sanção dependente de uma maioria super qualificada: consenso de todos os Estados-membros,2 2 “Artigo 7.º 1. Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados-Membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2º por parte de um Estado-Membro. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado-Membro em questão e pode dirigir-lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo. O Conselho verificará regularmente se continuam válidos os motivos que conduziram a essa constatação. 2. O Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, sob proposta de um terço dos Estados-Membros ou da Comissão Europeia, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos valores referidos no artigo 2º, após ter convidado esse Estado-Membro a apresentar as suas observações sobre a questão. 3. Se tiver sido verificada a existência da violação a que se refere o nº 2, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado-Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado-Membro no Conselho. Ao fazê-lo, o Conselho terá em conta as eventuais consequências dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas. O Estado-Membro em questão continuará, de qualquer modo, vinculado às obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados. 4. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode posteriormente decidir alterar ou revogar as medidas tomadas ao abrigo do n. 3, se se alterar a situação que motivou a imposição dessas medidas. 5. As regras de votação aplicáveis, para efeitos do presente artigo, ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho são estabelecidas no artigo 354 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.” exceto aquele acusado de praticar uma violação às normas básicas da entidade supranacional. Outra saída seria um procedimento provocado pela Comissão Europeia junto à Corte Europeia de Justiça.

O sucesso eleitoral do FIDESZ (União Cívica Húngara, Magyar Polgári Szövetség), em 2010, levou a substituição constitucional em que uma nova “Lei Fundamental” se deslocava da anterior base de princípios universais da Constituição de 1989 para um paradigma de nacionalismo e valores históricos e religiosos na Constituição de 2012. Maiorias de dois terços no Parlamento húngaro passaram a deter o poder de emenda constitucional necessário para diminuir a importância da competição no processo político. As inúmeras mudanças nas ordens constitucional e legal fizeram com que desaparecesse a independência judicial tanto do Poder Judiciário como um todo quanto da Corte Constitucional. O Presidente da Corte Constitucional passou a ser eleito por dois terços do Parlamento húngaro e seus juízes nomeados por um comitê dominado pela maioria parlamentar, seguida também de uma aprovação de dois terços do total do Legislativo.

Em 2011, o número de juízes da Corte Constitucional subiu de 11 para 15, fazendo com que o FIDESZ dominasse o órgão jurisdicional. Antes disso, a Constituição de 1989 seria também emendada para evitar que houvesse controle de constitucionalidade sobre certas matérias financeiras, em uma reação a uma declaração de inconstitucionalidade sobre uma lei que instituía um imposto regressivo de 98% que atingia, especialmente, membros do governo anterior (KOVÁCS e SCHEPPELE, 2018KOVÁCS, Krista. SCHEPPELE, Kim Lane. “The fragility of an independent judiciary: Lessons from Hungary and Poland-and the European Union”. Communist and Post-Communist Studies, v. 51, n. 3, 2018, p. 189-200., p. 3). A Quarta Emenda à Constituição de 2010 anulou toda a jurisprudência da Corte Constitucional de 1989 a 2011; e mais, proibiu qualquer controle de constitucionalidade de emendas constitucionais em relação a princípios básicos da Lei Fundamental.

A antiga actio popularis, que permitia que qualquer indivíduo pudesse levar uma questão de inconstitucionalidade à Corte Constitucional, foi extinta. Permaneceu uma primeira fórmula de controle concentrado abstrato em que a representação pode ser feita pelo governo, por um quarto dos parlamentares, pelo Presidente da Kúria (a Suprema Corte) e pelo ombudsman de direitos fundamentais. A segunda fórmula mantida é a da remessa per saltum. A terceira fórmula, e a que mais tem sido utilizada, é a de uma “reclamação constitucional” (constitutional complaint) de perfil concreto aviada contra decisões de cortes, em um sentido muito mais de uniformização de jurisprudência do que de efetivo controle de constitucionalidade de atos governamentais.

Quanto ao Poder Judiciário em geral, o Ato CLXII/2011 reduziu a idade de aposentadoria de 70 para 62 anos, atingindo de 10 a 15% de toda a magistratura de modo imediato. Contra uma reação da antiga Corte Constitucional declarando inconstitucional a medida, o Parlamento fez aprovar uma emenda constitucional para superar a decisão. Um Escritório Judicial Nacional foi criado para substituir a autonomia organizativa do Poder Judiciário húngaro. Apenas um Presidente comanda aquele escritório: nomeações, promoções, remoções de juízes dependem dele com a aprovação do Presidente da República. Um Conselho Nacional Judicial atua apenas de forma ornamental. Novas qualificações para a Presidência da Suprema Corte foram estabelecidas, levando à exclusão de um incumbente no curso de seu mandato. Se não foi possível a criação de toda uma nova jurisdição administrativa, o partido do FIDESZ foi exitoso em possibilitar a existência de câmaras com essa competência (Ato I/2017 do Parlamento). Mudanças profundas só viriam com a Sétima Emenda à Lei Fundamental que, de fato, permitiu a criação de um sistema judiciário administrativo específico submetido à Suprema Corte Administrativa. Isto só foi possível com a maioria que o FIDESZ conquistou nas eleições de 2018.

Em março de 2019, a Comissão de Veneza publicou a Opinião 943/2018 sobre a leis que efetivaram a criação do sistema administrativo judicial húngaro. A Comissão de Veneza manteve a linha de entendimento que adotara sobre as reformas em curso no ano de 2011, destacando os retrocessos que se aplicariam tanto à jurisdição ordinária quanto à jurisdição administrativa. Ela questionou a ampla atribuição de poderes ao Ministro da Justiça para a seleção e carreira dos juízes, duvidando que ela permita efetivo controle sobre os atos estatais. Em algumas áreas, seus poderes seriam maiores que aqueles atribuídos ao Presidente do Escritório Judicial Nacional. Várias emendas, portanto, foram sugeridas pela Comissão de Veneza ao governo húngaro.

Como destacam Kovács e Scheppele (2018KOVÁCS, Krista. SCHEPPELE, Kim Lane. “The fragility of an independent judiciary: Lessons from Hungary and Poland-and the European Union”. Communist and Post-Communist Studies, v. 51, n. 3, 2018, p. 189-200., p. 6), as instituições da União Europeia foram pouco eficazes em conseguir controlar as violações à independência judicial na Hungria. Se a Comissão Europeia conseguiu na Corte Europeia de Justiça uma decisão positiva contra as antecipações de aposentadoria (Commission v. Hungary, Case C-286/12) e a Corte Europeia de Justiça censurou a término do mandato do Presidente da Suprema Corte (Baka v. Hungary, ECtHR Judgement 27 May 2014), tais decisões importaram apenas em reparações. Por outro lado, o Parlamento Europeu aprovou o importante Sargentini Report, que relatou diversas violações ao Estado de Direito na Hungria, determinando o acionamento do art. 7º do Tratado da União Europeia, sem que o Conselho Europeu tenha avançado desde setembro de 2018 (RANKIN, 2019). A vitória nas eleições de 2022 provaram a força duradoura do FIDESZ em termos políticos e como uma sociedade pode se acostumar e aceitar o constitucionalismo iliberal. A mudança de posição das autoridades europeias para demandar uma aplicação do art. 7º do Tratado da União Europeia parecem vir tarde demais: ainda que reconhecendo, agora, a Hungria como uma autocracia competitiva, não se pode negar o sucesso da defesa duradoura do constitucionalismo iliberal naquele país (EUROPEAN PARLIAMENT, 2022).

6. Constitucionalismo iliberal no Brasil

Não se pode negar a longeva disputa, no histórico do constitucionalismo brasileiro, por tentar fazer prevalecer uma concepção liberal e, também, democrática, não obstante as sucessivas rupturas. Não se pode, também, descartar o quanto se tentou fazer emplacar uma tradição iliberal e como isto contaminou as práticas políticas e a formação dos juristas brasileiros - e ainda contamina. Esse não é um histórico breve e simples de ser feito. É necessário, contudo, pontuar alguns destaques.

A noção de poder moderador da Constituição de 1824 abriu um debate seminal no constitucionalismo brasileiro que permitiria, recorrentemente, uma recuperação autoritária dessa noção que seria fundamental para o exercício ilegal e inconstitucional de funções políticas por tribunais e militares (MEYER, 2021MEYER, Emilio Peluso Neder. Constitutional Erosion in Brazil. Oxford: Hart Publishing, 2021., p. 154). É interessante perceber como a concepção centralizadora defendida por Souza (1864SOUZA, Braz Florentino de. Do Poder Moderador: Ensaio de Direito Constitucional. Recife: Typographia Universal, 1864.) teria maior impacto nas práticas políticas e como ela seria ressuscitada após seu enterro nominal pela Constituição de 1891. O militarismo que se seguiria na política na sequência do fim do império é um sinal importante de como acepções mais democráticas e liberais lutariam contra propostas de claro perfil autoritário. O liberalismo de autores como Rui Barbosa (2016BARBOSA, Rui. Obras Completas. São Paulo: Hunter Books, 2016.) e Pedro Lessa (1915) competiria com o autoritarismo e a crítica às instituições liberais de pensadores como Alberto Torres (1938TORRES, Alberto. O Problema Nacional Brasileiro: Introducção a um Programma de Organização Nacional. Rio de Janeiro: Ed. Nacional, 1938.), Oliveira Viana (1947) e Francisco Campos (2001CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional: sua estrutura, seu conteúdo ideológico. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2001.).

Note-se que um dos expoentes desse movimento autoritário, Almir de Andrade, expressamente classificou o Brasil dos anos de 1930 como uma democracia substancialmente anti-liberal (ROSENFIELD, 2021ROSENFIELD, Luís. Revolução Conservadora: Genealogia do Constitucionalismo Autoritário Brasileiro (1930-1945). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2021., p. 283). É claro que é dificílimo aceitar um reducionismo que circunscreveria o processo histórico a um arco em que conceitos políticos como os de poder moderador, militarização da política, judicialização da política e disposições autoritárias condenariam o constitucionalismo brasileiro ao iliberalismo. Esse é um equívoco que pode justamente desconsiderar o papel do engajamento democrático e das lutas populares em tentar se contrapor ao domínio elitista do regime democrático brasileiro (CATTONI DE OLIVEIRA, 2010CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. “Democracia sem espera e processo de constitucionalização: uma crítica aos discursos oficiais sobre a chamada "transição política brasileira"”. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, v. 3, 2010, p. 200-229.). Entretanto, não se pode ignorar o êxito, em termos de resultados políticos, de um tipo de constitucionalismo iliberal. Nos momentos democráticos, ele esteve presente; nas ditaduras de 1937-1945 e 1964-1985, ele forneceu os elementos fundamentadores de legitimação (forçada, é certo, nunca efetivamente democrática) para a atuação do poder político.

E essa tradição não foi extirpada completamente com a Constituição claramente democrática de 1988. O constitucionalismo de perfil emancipatório e social por ela desenhado ainda teve de conviver com uma sociedade marcadamente desigual em que é mais aberto o caminho para o domínio elitista que, também, não é completamente excluído nas décadas que se seguiram a 1988. De fato, o processo mais democrático e longevo brasileiro ainda precisaria lidar com as manifestações iliberais episódicas até 2014, mais constantes de 2014 a 2018 e flagrantemente iliberais de 2018 a 2022. Com objetivos de delimitação de objeto, este artigo não se prenderá às causas que levaram à eleição de um presidente declaradamente iliberal em 2018. Interessa, sobretudo, caracterizar e exemplificar como se tentou, no período recente, levar adiante uma concepção específica de constitucionalismo iliberal no Brasil.

7. Constitucionalismo iliberal e bolsonarismo

O bolsonarismo é um movimento heterogêneo desprovido de um esquema organizado de ideias (BUSTAMANTE e MENDES, 2021BUSTAMANTE, Thomas. MENDES, Conrado. “Freedom Without Responsibility: The Promise of Bolsonaro’s COVID-19 Denial”. Jus Cogens, 3, 2021, p. 181-207., p. 183). Alguns pontos, contudo, permitem agregar diferentes concepções e visões de mundo sob o mesmo guarda-chuva do bolsonarismo (KALIL, 2020KALIL, Isabela. “Crise Política, Esquerdas e Bolsonarismo”, Revista ADUSP, 2020, p. 16-18.). Esses pontos são de maior abstração e se encaixariam em algumas perspectivas de mundo abertas ao iliberalismo. Assim, não há uma definição de bem a ser perseguida, porém é necessária obediência cega a um líder e prevalece uma concepção atomística de liberdade sem responsabilidade (BUSTAMANTE e MENDES, 2021, p. 198). Além disso, e seguindo a percepção de Smilova (in SAJÓ, UITZ e HOLMES, 2022, p. 191), oportunismo e fins pragmáticos definem a atuação política do bolsonarismo (MEYER e DRINÓCZI, 2022MEYER, Emilio Peluso Neder. DRINÓCZI, Tímea. “Are we doomed to live under authoritarianism? The cases of Hungary and Brazil”. UFMG: manuscrito, 2022., p. 15).

Não é necessário, nesse momento, fazer um amplo diagnóstico do governo do Presidente Jair Bolsonaro. Interessa mais demarcar quais práticas de conteúdo marcadamente iliberal subverteram instituições jurídicas em favor de perspectivas favoráveis ao governo ou claramente atreladas às bandeiras do bolsonarismo. Ou seja, o constitucionalismo iliberal será marcado pela forma como o iliberalismo se utiliza do Direito no Brasil, seja subvertendo-o, seja se opondo claramente a ele.

7.1. Direitos da maioria, nunca de minorias

A exacerbação da proteção irrestrita da maioria, em tese aquela que atuou na eleição do Presidente Bolsonaro em 2018, foi diversas vezes colocada em prática entre 2018 e 2022. Em relação ao discurso presidencial, não foram poucas as vezes em que o presidente ressaltou que as minorias devem se curvar à maioria (ANDRADE, 2022; CARTA CAPITAL, 2021). Ele chegou a dizer que um direito fundamental como à cultura (art. 215 da Constituição de 1988) deveria estar de acordo com a maioria da população (MAZUI, 2019). A declaração fora feita em defesa da nomeação de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Palmares: ele sempre fora um crítico do movimento negro, defendendo publicamente pautas polêmicas como a extinção do Dia da Consciência Negra.

Sérgio Camargo se declarava “antivitimista” e “inimigo do politicamente correto”, algo que reflete não só o ataque iliberal a direitos fundamentais, como também uma narrativa geral do iliberalismo. A instituição Fundação Palmares chegou em 2021 com uma redução, após dez anos, de 75% de seu orçamento. Além disso, Camargo empreendeu uma tentativa de expurgo da biblioteca da Fundação Palmares que, juntamente com a busca pela retirada de nomes de personalidades de esquerda do órgão, foi objeto de impugnação judicial. Sob o governo Bolsonaro, a fundação tampouco promoveu o reconhecimento de novos quilombos (GORTÁZAR, 2021).

No campo dos direitos indígenas, houve estragos talvez irreparáveis. A tentativa de transferência da competência para demarcação de novas terras para o Ministério da Agricultura foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (STF, 2019). Entretanto, a subversão dos propósitos protetivos de direitos indígenas previstos na Constituição de 1988 (art. 231) se deu com a captura dos órgãos competentes para a demarcação. De fato, nenhuma demarcação foi feita sob o governo Bolsonaro: pelo contrário, e por exemplo, a ausência de demarcação de terras no Estado do Acre é percebida como causa para a cooptação de indígenas da etnia jaminawa por facções criminosas. A própria FUNAI, Fundação Nacional do Índio, protela e recorre de decisões judiciais que determinam o prosseguimento de processos de demarcação. Enquanto no governo de Fernando Henrique Cardoso houve uma média de 72 demarcações por mandato de quatro anos, nenhuma se deu sob Bolsonaro (SASSINE e ALMEIDA, 2022). Durante a pandemia de COVID-19, foi necessário que o próprio STF interviesse para determinar medidas protetivas da população indígena contra as políticas negacionistas do governo federal (QUEIROZ, CASTRO e CARVALHO in MEYER, VALE, OLIVEIRA e BASTOS, 2022QUEIROZ, Laura. CASTRO, Bruno. CARVALHO, Nathalia. “Genocídio? Bolsonaro e os povos indígenas na pandemia de Covid-19”. In: MEYER, Emilio Peluso Neder. VALE, Glaura Cardoso. OLIVEIRA, Mariana Rezende. BASTOS, Sophia Pires (orgs.). Democratizando: um inventário sobre pandemia e democracia no Brasil. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2022, p. 346-353., p. 346).

Políticas progressistas de direitos humanos de governos anteriores foram flagrantemente revertidas. Ao invés de um puro desmantelamento, o que ocorreu foi a criação de um Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que buscou distorcer qualquer narrativa mais inclusiva. Direitos reprodutivos foram cerceados com posições vacilantes do referido ministério sobre a matéria (PODER 360, 2020). No campo dos direitos de anistiados políticos (art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ADCT), o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos nomeou novos membros para a Comissão de Anistia que desmontaram todas as políticas inclusivas e protetivas de vítimas da ditadura de 1964-1985. Acusações feitas da Câmara dos Deputados imputam uma ruína dos processos transicionais sob Bolsonaro, procedimento que se estendeu também à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2022).

No que tange à proteção do Estado de Direito, várias distorções foram promovidas pela captura das principais instituições responsáveis pela proteção da legalidade. Marca clara da crítica ao governo foi sua capacidade efetiva de minar a atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR) com a nomeação de um procurador pouco propenso a fiscalizar o Presidente. No âmbito do controle de constitucionalidade, Almeida e Ferraro (2021) demonstraram que, entre 2019 e 2021, das 287 ações de controle de constitucionalidade ajuizadas contra o governo no STF, apenas 1,74% foram ajuizadas pela PGR. Nesse universo, 75,1% das ações envolviam atos como medidas provisórias ou decretos, ou seja, atos em que a participação do Congresso Nacional não ocorria ou se dava em momento posterior. Some-se a isso os inúmeros pedidos de investigação postergados que reduziram em demasia a possibilidade de fiscalização e responsabilização de um Presidente declaradamente contrário a políticas instituídas pela Constituição de 1988.

Seria dispensável arrolar nesse espaço o sucessivo número de casos em que o Presidente Bolsonaro atacou instituições em flagrante violação ao Estado de Direito, permitindo a configuração de um modus operandi tanto iliberal quanto populista. Ataques ao STF em favor de sua extinção ou prisão de seus Ministros (MEYER e BUSTAMANTE, 2020), ataques ao Tribunal Superior Eleitoral, ao sistema eletrônico de votação, enfim, uma lista longa que serviria diretamente para responsabilização, seja por crimes comuns, seja por crimes de responsabilidade.

Se, por um lado, a captura da PGR foi um processo mais simples e de acordo com premissas do constitucionalismo iliberal, um outro aspecto importante e contextualmente relevante deve ser mencionado. O presidencialismo de coalizão e a pulverização de partidos políticos parecia surgir como um obstáculo a um presidente que, pelo menos discursivamente, se dizia longe da velha política e das práticas do chamado centrão. Entretanto, a aproximação do governo Bolsonaro dessa franja do Congresso Nacional evitou eventuais processos de impeachment e determinou a prevalência de uma política de alinhamento muito mais perversa do que as distorções do presidencialismo de coalizão poderiam suscitar (BENVINDO, 2022). A definição de toda uma agenda de orçamento secreto em que não há transparência no manejo de emendas parlamentares é mais uma subversão abusiva que terá efeitos nefastos para além do governo Bolsonaro.

A captura, contudo, não se reduz a altos órgãos de Estado; ela percorre a Administração Pública como um todo. Lotta et al. (in CARDOSO JR. ET AL, 2022LOTTA, Gabriela et. al. Burocracia na mira do governo: os mecanismos de opressão operados para moldar a burocracia. In: CARDOSO JR., José Celso et al. (orgs). Assédio institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado. Brasília: Associação dos Funcionários do Ipea: EDUEPB, 2022, p. 457-483., p. 457) demonstram, ao entrevistar servidores de 12 órgãos administrativos diferentes, que as práticas opressivas podem ser tanto formais quanto informais, além de individuais e coletivas. Há um traço marcante aqui de constitucionalismo iliberal, já que algumas práticas opressivas derivam de modos interpretativos da lei. As práticas opressivas sob o governo Bolsonaro incluem: intimidação de servidores que se posicionam em redes sociais; vigilância excessiva do trabalho por autoridades superiores; proibições de contribuições técnicas por parte dos servidores; imposição de tarefas em prazos impossíveis de serem cumpridos; abertura de processos administrativos com base em denúncias vagas; categorização indevida dos servidores (petistas, feministas etc.); humilhação coletiva de certos grupos de servidores; ocultação de informações e processos, entre outras práticas.

Adicione-se, com duvidoso caráter de legalidade, a imposição de uma agenda de militarização da Administração Pública. Não se trata, como se fosse pouco, de uma militarização ampla da política apenas; mas também, da nomeação de um número altíssimo de militares para funções antes desempenhadas apenas por civis, seja com desvio de finalidade, seja como meio de fortalecimento do pretorianismo, ou seja, da incapacidade de controle civil dos militares. Por exemplo, Aguiar (in CARDOSO JR. ET AL, 2022AGUIAR, Monique Florêncio de. ““Querem destruir”: entre “cortes” e “ingerências”, o esvaziamento das instituições de fomento do MCTI (CNPQ e FINEP)”. In: CARDOSO JR., José Celso et al. (orgs). Assédio institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado. Brasília: Associação dos Funcionários do Ipea: EDUEPB, 2022, p. 628-671., p. 644) aponta que a militarização do FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) e do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) produziu como resultados nesses órgãos a verticalização da organização do serviço público, uma cultura do medo em relação a denúncias e uma orientação ideológica na atuação dos servidores.

7.2. Liberdade sem responsabilidade

A tônica de nacionalismo dos diversos iliberalismos precisa ser devidamente equacionada no contexto brasileiro em vista da forma como o bolsonarismo delineia a liberdade em um contexto populista. Assim, há que se falar em e, inclusive, defender arduamente a liberdade. Adicionalmente, essa defesa da liberdade ocorre em favor apenas dos partidários do bolsonarismo, nunca em prol de todos os membros da sociedade.

A rede de direitos fundamentais à segurança pública é distorcida pelo elemento acidental comum a várias vertentes do iliberalismo de buscar aplicar a ferro e fogo uma política de lei e ordem. Uma sucessão confusa de decretos buscou permitir um amplo acesso a armas no país, o que, de fato, ocorreu, sempre a partir do discurso irresponsável de que mais segurança apenas viria com ampla posse de arma. Em decisão liminar referenda pelo Plenário, o Ministro Edson Fachin, do STF, restringiu a permissibilidade do acesso às armas baseando-se na necessidade de proteção do núcleo essencial do direito à vida, especialmente em um contexto de violência política. Destacou-se que o direito à segurança pública não pode ser exercido aleatoriamente, devendo ser pautado pela atuação de instituições permanentes. Critérios como diligência devida e proporcionalidade seriam fundamentais para pautar o acesso a armas. Assim, não seria o caso de se conceber como liberdade o direito de portar armas, mas, pelo contrário, como um incremento nocivo do risco à integridade do direito à vida (STF, 2022).

O debate sobre acesso a armas no Brasil indica vários pontos de conexão com o constitucionalismo iliberal. Nota-se um completo ressentimento jurídico com uma determinação que fora, inclusive, referendada por maioria da população ao restringir o acesso às armas com o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). As formas pelas quais, por meio de sucessivos decretos, o governo Bolsonaro procurou ampliar irrestritamente a posse de armas indicam a tentativa, por vezes, de subversão do direito e, em outros casos, de total oposição ao direito vigente. Caso se associe tal política de segurança pública carente de qualquer embasamento científico com a própria concepção de política do bolsonarismo, o resultado obtido é declaradamente letal.

7.3. Anti-globalismo

Por mais da metade do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo ocupou o Ministério das Relações Exteriores. Araújo é um verdadeiro emblema do anti-globalismo, indicado de forma entusiasta pelo interlocutor (com ressalvas) de Dugin no Brasil, Olavo de Carvalho (TEITELBAUM, 2021TEITELBAUM, Benjamin. Guerra pela eternidade: o retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista. Trad. Cynthia Costa. Campinas: Unicamp, 2021.). Em palestra constante do site governamental da FUNAG (Fundação Alexandre de Gusmão) no momento de fechamento desse texto, o ex-ministro defendera que “(...) o globalismo, [é] o momento em que o comunismo, o fisiologismo, o gramscismo, como quer que se chame, ocupa o coração que tinha sido deixado vazio da sociedade liberal.” Essa assunção declaradamente aberta do globalismo não seria seguida por seu sucessor, Carlos França, que, contudo, pouco fez para retornar às anteriores políticas independentes burocraticamente do Itamaraty.

As características da gestão de Araújo no Ministério das Relações Exteriores não poderiam, na visão de alguns analistas, serem piores: abandono do multilateralismo; desmonte da tradicional máquina burocrática da instituição; supressão das tradições diplomáticas pragmáticas consolidadas anos a fio; diminuição do número de parceiros estratégicos; entre outras práticas. Além disso, disseminou-se, principalmente a partir da COVID-19, um preconceito generalizado contra um parceiro chave, a China (MORI e IDOETA, 2021).

7.4. Outros elementos acidentais

Na conjugação dos elementos acidentais do iliberalismo com o manejo por subversão do constitucionalismo, é possível também perceber claras práticas de índole iliberal. Oportunismo político foi, talvez, uma das principais práticas do bolsonarismo, como já destacado. A ameaça de um processo de impeachment logo após as manifestações insurrecionais do 7 de setembro de 2021 premiu o governo federal para se aliar ao centrão e promover uma verdadeira agressão ao princípio da transparência com a aplicação de elevados recursos por meio do orçamento secreto. As emendas do relator-geral ao projeto de lei orçamentária (PLOA) (com identificador de resultado primário, RP 9) definiram novas programações orçamentárias sem relação com erros de projeções ou omissões, violando-se o disposto no art. 166, § 3º, inc. III, da Constituição de 1988. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU, 2022, p. 344), as emendas do relator não têm fundamento constitucional. Elas invocam outro elemento acidental do iliberalismo, qual seja, o de um neofeudalismo pelo qual o Executivo tolera o benefício dirigido a determinados estamentos políticos que o apoiam.

Apesar de o Presidente Bolsonaro ter vetado dispositivos da LDO 2021 referentes às emendas parlamentares RP 9, o Congresso Nacional derrubou os vetos. Essa derrubada foi conduzida justamente com o apoio essencial de parlamentares integrantes do centrão que, inclusive, contribui com representantes no próprio Poder Executivo.

A ideia de uma vitimização coletiva por meio um retorno a um passado mais glorioso é repetida fartamente com a reivindicação de que o que se viveu na ditadura de 1964-1985 não foi um período de exceção. Mencione-se, por exemplo, o modo como as Forças Armadas releram o 31 de março de 1964, mais uma vez, não como um golpe, mas uma revolução. Nos anos de 2019 e 2020, a data foi celebrada, inclusive, na ordem do dia estabelecida no site eletrônico do Ministério da Defesa, sendo chancelada pelo próprio STF, de modo inconstitucional, em mais de uma ocasião (GUIMARÃES, 2022GUIMARÃES, Júlia. Revisionismos e negacionismos históricos em decisões do Supremo Tribunal Federal: a comemoração institucional do golpe civil-militar brasileiro de 1964 como inconstitucionalidade. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG, 2022.). Por outro lado, não faltaram críticas a defesa de direitos da comunidade LGBT com a alcunha pejorativa de “pautas identitárias”.

Por fim, mencione-se que, ao lado da busca por um amplo acesso às armas como instrumento de enfrentamento do crime sem qualquer base científica, o discurso de lei e ordem foi amplamente explorado por meio da consolidação do que poderia ser descrito como um movimento lavajatista. Com efeito, a abertura e processamento da Operação Lava Jato, a partir de 2014, permitiu a inauguração de um discurso de lei e ordem muito pouco preocupado em manter as garantias do Estado de Direito. Discursiva e institucionalmente, o movimento fortaleceu o conservadorismo da comunidade jurídica no Brasil (SÁ E SILVA, 2020SÁ E SILVA, Fábio de. “From Car Wash to Bolsonaro: Law and Lawyers in Brazil's Illiberal Turn (2014-2018)”. Journal of Law and Society, v. 47, 2020 p. 90-110.), impulsionou um ódio à classe política e fomentou a proposta iliberal do bolsonarismo. Ainda que se possa segmentar, posteriormente, bolsonarismo e lavajatismo, há um pressuposto comum de lei e ordem e de necessidade de superação de standards gerais de devido processo legal com a finalidade de combater a corrupção.

8. Conclusões

O advento e fortalecimento do bolsonarismo no Brasil não é algo fortuito. Ele possui causas históricas tanto remotas quanto recentes. As sucessivas crises do pós-2013 normalizaram a opção política de parte considerável da população brasileira, em 2018, por um Presidente da República confessadamente autoritário, populista e iliberal. O “fato Bolsonaro”, contudo, não foi também isolado internacionalmente: a crise da democracia constitucional liberal foi comum a Estados distantes geográfica e contextualmente. Essa onda pode ser explicada a partir da difusão mais simples da informação e da desinformação pelas redes sociais. Mas ela é também fruto da incapacidade de instituições de traduzirem demandas e anseios populares.

Não se pode colocar de lado um fenômeno global como o do constitucionalismo iliberal. Por mais que ainda seja necessário conceber normativamente a correlação entre liberalismo e constitucionalismo, é possível encontrar manifestações políticas que, apoiadas por maiorias (sempre, é claro, de definição suspeita), levam adiante políticas contrárias ao liberalismo e seus consectários: direitos fundamentais, Estado de Direito e instituições independentes, para dizer o mínimo.

Este artigo procurou demonstrar a plausibilidade de uma caracterização, ainda que fortemente dependente de uma análise empírica, do que se pode chamar de um constitucionalismo iliberal. Cuida-se de um processo incremental, talvez entre uma democracia consolidada (algo de difícil delimitação) e um regime puramente autoritário, que subverte com sucesso as instituições da democracia constitucional liberal em prol de fins políticos de baixa competitividade eleitoral e de manutenção do poder em nomes de uma maioria que se enxerga, de modo excludente, como corporificação do povo.

Buscou-se demonstrar a centralidade de institutos jurídicos para um regime não seja apenas iliberal, mas pretenda se inserir no contexto de um constitucionalismo iliberal. Apenas o fortalecimento e a reforma dos institutos do constitucionalismo liberal podem fornecer alternativas a projetos que se pretendem longevos no jogo político. O bolsonarismo não é a performance mais eficaz do constitucionalismo iliberal, até porque não se prende nem a uma noção mais rasa de legalidade e constitucionalidade. Apesar de ser um movimento que ainda se manterá politicamente, é necessário perceber que outras variantes, como representantes de militares, membros de magistraturas e outros conservadores, podem ainda tentar levar adiante outras formas de constitucionalismo iliberal.

9. Referências bibliográficas

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  • TEITELBAUM, Benjamin. Guerra pela eternidade: o retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista. Trad. Cynthia Costa. Campinas: Unicamp, 2021.
  • 1
    Para uma fundamentada crítica ao abuso dos conceitos de populismo e constitucionalismo populista, cf. Câmara (2021).
  • 2
    “Artigo 7.º
    1. Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados-Membros, do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2º por parte de um Estado-Membro. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado-Membro em questão e pode dirigir-lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo. O Conselho verificará regularmente se continuam válidos os motivos que conduziram a essa constatação.
    2. O Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, sob proposta de um terço dos Estados-Membros ou da Comissão Europeia, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de uma violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos valores referidos no artigo 2º, após ter convidado esse Estado-Membro a apresentar as suas observações sobre a questão.
    3. Se tiver sido verificada a existência da violação a que se refere o nº 2, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado-Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado-Membro no Conselho. Ao fazê-lo, o Conselho terá em conta as eventuais consequências dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas. O Estado-Membro em questão continuará, de qualquer modo, vinculado às obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados.
    4. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode posteriormente decidir alterar ou revogar as medidas tomadas ao abrigo do n. 3, se se alterar a situação que motivou a imposição dessas medidas.
    5. As regras de votação aplicáveis, para efeitos do presente artigo, ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho são estabelecidas no artigo 354 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2022
  • Aceito
    16 Out 2022
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