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Reescrita feminista da decisão do STF sobre terceirização irrestrita: reflexões didático-pedagógicas sobre a aplicação da metodologia na Universidade Federal de Pernambuco

Feminist rewriting of the Brazilian Federal Supreme Court (STF) decision on unrestricted outsourcing: didactic-pedagogical reflections on the application of the methodology at the Federal University of Pernambuco

Resumo

A experiência de reescrita feminista na UFPE foi colocada em prática em 2022, com um grupo de estudantes e docentes. A escolha pelo RE 958.252 ocorreu por tratar-se de decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal (STF) no campo trabalhista, alterando jurisprudência de décadas; também por não ser um tema que aborda especificamente o trabalho feminino, para testar a hipótese de que as lentes feministas podem alterar julgamentos em casos que não envolvem especificamente uma problemática relativa às mulheres. Por um semestre ocorreram reuniões para o estudo das técnicas de abordagens feministas para decisões, a análise dos votos e a escolha dos métodos aplicados. Redigimos um voto complementar, que interpelou argumentos de Ministros que ignoraram o gênero no trabalho terceirizado, focando em profissões valorizadas e invisibilizando categorias predominantemente femininas, racializadas e precarizadas, como a limpeza. A experiência pedagógica da reescrita feminista se mostrou muito potente tanto para identificar o quanto o Direito, pretensamente neutro, torna invisível assimetrias de gênero, quanto para estimular o uso de lentes de gênero para a produção de uma justiça de fato equânime.

Palavras-chave:
Reescrita feminista; Terceirização; Trabalho feminino; Reflexões didático-pedagógicas

Abstract

The experience of feminist rewriting at UFPE took place in 2022, with a group of students and professors. RE 958.252 was chosen because it is a paradigmatic decision by the Federal Supreme Court (STF) in the labor field, changing decades of court decisions; and because it is not a topic that specifically addresses women's work, in order to test the hypothesis that feminist lenses can alter judgments in cases that do not specifically involve a problem related to women. Meetings were held for a semester to study the techniques of feminist approaches to decisions, analyze the votes and choose the methods applied. We drafted a supplementary vote, which challenged the arguments of Supreme Court Justices who ignored gender in outsourced work, focusing on valued professions and making predominantly female, racialized and precarious categories, such as cleaning, invisible. The pedagogical experience of feminist rewriting proved to be very powerful both in identifying the extent to which law, which is supposed to be neutral, renders gender asymmetries invisible, and in encouraging the use of gender lenses for the production of truly equitable justice.

Keywords:
Feminist rewriting; Outsourcing; Women's work; Didactic-pedagogical reflections

Introdução

A escolha vocacional de seguir a carreira docente universitária é carregada de belezas e obstáculos. Se por um lado, ensino, pesquisa e extensão formam uma tríade que instrumentaliza compromissos políticos assumidos com a sociedade para ampliação de oportunidades e redução de desigualdades; por outro, lidamos com tempos de desvalorização da carreira, de perseguição de grupos progressistas, de desafios diante da inteligência artificial e da pós-verdade.

Nesse cenário, as Faculdades de Direito, em sua maioria, insistem em seguir as velhas cartilhas bacharelescas, nas quais a dogmática prevalece e as aulas expositivas ainda são predominantes, mesmo diante de estudantes que se divertem em seus celulares e estão pouco interessados na leitura de manuais. Propor metodologias ativas nos cursos jurídicos, que alocam muitos alunos em poucas turmas e apertam disciplinas em grades horárias extenuantes é complexo e gera incômodo, mesmo entre discentes, que em poucos semestres estão acomodados com a passividade do ensino bancário e cansados com o acúmulo dos estudos com o estágio.

Ainda assim, há espaços de resistência e combate ao sucateamento e tecnicização universitária, em especial as redes feministas, que integram professoras comprometidas com o pensamento crítico e as epistemologias dissidentes na formação jurídica. Experiências docentes compartilhadas permitem reflexões sobre a prática, que muitas vezes, por mais que a sala de aula seja feita de trocas, pode ser uma experiência solitária.

Fruto de uma dessas redes feministas de professoras e pesquisadoras, o projeto "Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas", coordenado pela professora Fabiana Severi, foi uma experiência inspiradora. Reuniu grupos de acadêmicas em todo o Brasil, estimulando a aplicação de métodos de reescrita de decisões judiciais, incorporando dimensões teóricas e práticas do feminismo ao processo pedagógico para assimilação e reflexão crítica de uma disciplina jurídica.

Como integrantes do projeto, optamos por realizá-lo na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, em 2022, com um grupo de graduandas e graduadas que já possuíam afinidade com nossa agenda de pesquisa. A escolha foi por reescrever uma decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal (STF) no campo trabalhista, que alterou a jurisprudência de décadas relativa à legalidade da terceirização em qualquer tipo de relação laboral.

Toda a construção da reescrita, desde o estudo normativo relativo à temática, as escolhas das técnicas empregadas e resultados serão apresentados neste artigo. Nosso objetivo é de apresentar reflexões didático-pedagógicas sobre a aplicação dessa metodologia para sedimentação de conhecimento e construção de perspectivas críticas sobre a interpretação do Direito à luz da Constituição de 1988 e da teoria feminista. Para isso, dividimos o texto em cinco partes: esta introdução; um item dedicado ao processo de elaboração e aplicação da metodologia de reescrita de decisão com perspectiva feminista; a descrição dos resultados da reescrita da decisão do STF selecionada, incluindo um comparativo dos temas trabalhistas mais relevantes abordados no texto final; reflexões didático-pedagógicas sobre a experiência, com o balanço do período de construção coletiva entre estudantes e coordenadoras; e uma conclusão, ao final.

1. O Processo de aplicação da metodologia de reescrita feminista de decisões

Aderimos ao projeto de reescrita feminista de decisões judiciais por meio do convite de sua coordenadora nacional, Fabiana Severi, para que implantássemos um braço dessa experiência nas instituições de ensino superior nas quais lecionávamos. Na época, Regina era professora vinculada à área de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito do Recife, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e ali estava em processo de elaboração de um projeto de pesquisa e extensão com um grupo de estudantes com interesse em estudos críticos do Direito do Trabalho a partir da perspectiva de gênero.

A reunião dessas estudantes teve origem na disciplina “Direito do Trabalho e Estudos de Gênero”, ofertada como eletiva para discentes a partir do sexto semestre da graduação. Ao longo de 2021 e 2022, cinco turmas cursaram a cadeira na UFPE, dentre as quais algumas das pessoas matriculadas manifestaram interesse em continuar discutindo temáticas feministas ligadas ao Direito do Trabalho para além da sala de aula. Parte dessa demanda foi suprida com a elaboração de trabalhos de conclusão de curso, mas algumas estudantes, cativadas pela pesquisa acadêmica, quiseram seguir com projetos relacionados ao tema.

Foi essa interlocução que levou à criação, em 2022, do CAPIBARIBA - Coletivo de Pesquisa em Direitos Sociais, Trabalho e Subalternidades, reunindo as então graduandas Isadora de Lima Caldas e Maria Rebeca Rego Campos, e as recém-graduadas Camila Lima e Iara Beatriz de Lima Medeiros. No mesmo ano, decidimos iniciar as atividades do coletivo com a reescrita de decisão judicial voltada à temática trabalhista. Nesse contexto, foi feito à Bruna, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o convite para integrar o projeto na UFPE, tendo em vista o histórico de parcerias entre nós e a perspectiva de somatória de experiências em pesquisa e execução de novas metodologias pedagógicas.

Com a equipe formada, a primeira reunião com as seis integrantes foi realizada com o intuito de apresentação e organização da dinâmica e cronograma para a reescrita. Apesar da distância espacial entre Recife e São Paulo, as ferramentas de comunicação virtual viabilizaram aquele e os demais encontros do grupo, sem perda na qualidade da interação, uma vez que Regina já conhecia as estudantes pessoalmente e o contato presencial acontecia com regularidade em espaços acadêmicos diversos da UFPE.

Definimos coletivamente que as primeiras reuniões seriam dedicadas ao estudo de textos que já compunham o projeto brasileiro de reescrita de decisões judiciais em perspectiva feminista, a fim de formarmos uma base de conhecimento comum sobre a metodologia e a proposta, para melhor embasarmos a execução do projeto. Assim foi feito e, nessas sessões iniciais, dedicamo-nos à leitura dos textos de Fabiana Severi (2016SEVERI, Fabiana. O gênero da justiça e a problemática da efetivação dos direitos humanos das mulheres. Direito e Práxis, v. 7, n. 13, p. 81-115, 2016.; SEVERI; SILVA, 2022SEVERI, Fabiana; SILVA, Julia Marçal. Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas. Boletim Lua Nova, online, 2022. Disponível em: https://boletimluanova.org/reescrevendo-decisoes-judiciais-em-perspectivas-feministas/
https://boletimluanova.org/reescrevendo-...
) sobre o tema, bem como das principais referências de métodos feministas aplicados a julgamentos, Katherine Bartlett (1990BARTLETT, Katherine T. Feminist Legal Methods. Harvard Law Review, Cambridge, v. 103, n. 4, p. 829-888, fev. 1990.) e Rosemary Hunter (2008HUNTER, Rosemary. Can feminist judges make a difference? International Journal of the Legal Profession, v. 15, n. 1-2, p. 7-36, 2008.).

Nas rodadas de leituras e debates coletivos dos textos, os principais temas levantados pelo grupo envolveram a distinção entre as noções imparcialidade judicial e neutralidade do Direito. A crítica feminista revela a falácia das posições epistemologicamente “neutras”, apontando para a relevância de se expor o lugar de fala de magistrados e magistradas , assim como evidencia a necessária adoção de perspectivas como a de gênero para efetivação da justiça perante grupos socialmente marginalizados (SEVERI, 2023SEVERI, Fabiana. A reescrita de decisões judiciais em perspectivas feministas no Brasil como política de tradução translocal. In: SEVERI, Fabiana (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto: IEA/FDRP-USP, 2023. p. 69-96.). Também pautamos as técnicas já elaboradas de abordagem feminista para leis e decisões judiciais, e inserimos como referenciais complementares ao nosso projeto teóricas feministas com foco de pesquisa no trabalho das mulheres no Brasil, especialmente Nadya Araújo Guimarães e Helena Hirata (2020GUIMARÃES, Nadya Araújo; HIRATA, Helena. O Gênero do Cuidado: desigualdades, significações e identidades. São Paulo: Atêlie Editorial, 2020.).

Vale dizer que todo o grupo tivera anteriormente contato com a teoria feminista do Direito, principalmente devido à disciplina supramencionada, na qual eram abordadas autoras como Carole Pateman (1993PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.) - com sua crítica à ideia de contrato social que fundamenta o direito contemporâneo -, Frances Olsen (1999) - que denu ncia os dualismos sexistas reproduzidos pelo pensamento jurídico- e Romina Lerussi (2020LERUSSI, Romina. Contornos para una epistemología feminista del derecho del trabajo. In: VIEIRA, Regina Stela Corrêa; TRAMONTINA, Robison (org.). Desafios presentes e futuros do direito do trabalho: buscas entre intersecções por um novo alvorecer. Joaçaba: Editora Unoesc, 2020. p. 11-26.) - com a perspectiva feminista do Direito do Trabalho.

Passado o primeiro ciclo de encontros formativos, realizamos uma reunião especificamente voltada a decidir qual decisão judicial seria objeto da reescrita propriamente dita. Nós, coordenadoras, tínhamos selecionado previamente decisões de tribunais superiores que envolviam o Direito do Trabalho, pensando já em nos dedicar a um julgado de relevância nacional. Isso porque, no contexto da reforma trabalhista de 2017 e outros ataques aos direitos sociais do mesmo período, o movimento sindical e outros grupos da sociedade civil buscaram o Judiciário para consultas sobre a constitucionalidade de diversos pontos alterados na CLT, assim como para solucionar contradições deixadas pelas novas normas.

O grupo escolheu o Recurso Extraordinário (RE) 958.252 , julgado em 2018, por tratar-se de decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria trabalhista. Paradigmática porque alterou de forma substantiva jurisprudência consolidada da Justiça do Trabalho, pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) com a edição da Súmula 2561 1 "Súmula nº 256 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços" (BRASIL, 1993). , em 1993, revisada pela Súmula 3312 2 "Súmula nº 331 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. (...)" (BRASIL, 2000). , em 2000 (BIAVASCHI; DROPPA, 2011BIAVASCHI, Magda Barros; DROPPA, Alisson. A história da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho: a alteração na forma de compreender a terceirização. Mediações, Londrina, v. 16, n. 1, p. 124-141, 2011.). Se no entendimento sumulado do TST a terceirização era lícita apenas quando envolvesse serviços de vigilância, conservação e limpeza, ou serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, o STF julgou inconstitucional tal interpretação, estendendo a licitude dos contratos com empresas de interposição de mão de obra também nas atividades-fim.

Além de se tratar de um tema de extrema relevância e que mudou significativamente o entendimento jurídico sobre terceirização no Brasil, pesou na escolha o fato de não ser um tema que aborda especificamente o trabalho feminino, o que nos permitiria testar a hipótese de que as lentes feministas podem alterar julgamentos em casos que não envolvem especificamente uma problemática relativa às mulheres. Em termos estatísticos, o DIEESE (2017) em esforço de análise de dados sobre o trabalho terceirizado estimou que, entre 2007 e 2014, um quarto dos vínculos de emprego nacionais eram nessa modalidade, sendo a maioria de alta rotatividade e com menores salários se comparados com os vínculos diretos, o que revela a expressividade desse grupo de trabalhadores no mercado laboral, mesmo antes da permissão para a sua contratação irrestrita.

Vale dizer, porém, que apesar de a terceirização ser uma questão que afeta homens, mulheres e pessoas não binárias, há peculiaridades de gênero que merecem registro. Por exemplo, o fato de os homens empregados em atividades tipicamente terceirizadas estarem concentrados em estratos intermediários de remuneração, enquanto as mulheres concentram-se nos estratos com os menores rendimentos (DIEESE, 2017). Isso demonstra uma concentração de mulheres em atividades terceirizadas mais precarizadas, como limpeza e o telemarketing (IBGE, 2021), grupo que não é homogêneo, mas marcadamente de mulheres negras com responsabilidades familiares (DUTRA; COELHO, 2020DUTRA, Renata Queiroz; COELHO, Ilana Barros. “Eles pensam que a gente é invisível”: gênero, trabalho terceirizado e educação jurídica popular. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 4, p. 2359-2385, out. 2020.).

Dessa forma, a perspectiva de gênero abria um leque de questões sobre a decisão escolhida para ser reescrita, ainda que o tema da terceirização, em um primeiro momento, não envolvesse uma demanda estrita por reconhecimento (FRASER, 2013FRASER, Nancy. Fortunes of feminism: from State-Managed Capitalism to Neoliberal Crisis. New York: Verso Books, 2013.). Como teriam sido os votos se questões de gênero fossem consideradas ao se olhar para o fenômeno da contratação interposta de mão de obra? O que deveria ser levado em conta se o gênero e outros marcadores sociais fossem colocados em perspectiva? O resultado teria sido diferente?

Com tais questionamentos em mente, fizemos individualmente leituras do acórdão na íntegra, o que embasou encontros posteriores para analisarmos coletivamente os votos, focando, em especial, nas convergências e divergências entre eles e nos argumentos apresentados pelos membros do STF que participaram do julgamento: Ministro Luiz Fux, o relator; Ministro Roberto Barroso; Ministro Alexandre de Moraes; Ministro Edson Fachin; Ministra Rosa Weber; Ministro Dias Toffoli; Ministro Ricardo Lewandowski; Ministro Gilmar Mendes; Ministro Marco Aurélio; Ministro Celso de Mello; e Ministra Carmen Lúcia.

O passo seguinte foi a decisão sobre as estratégias para a reescrita em si. Verificamos que nenhum dos Ministros ou Ministras havia considerado a perspectiva de gênero em suas análises sobre a terceirização irrestrita, redigindo votos com enfoque nos entendimentos sobre a legalidade ou não do instituto. No mérito da decisão, o plenário do STF se dividiu entre aqueles que acompanharam o relator e formaram maioria, entendendo lícita a terceirização de qualquer atividade; e aqueles que votaram pela ilegalidade dessa forma de contratação de trabalho.

A diferença entre os argumentos, referências teóricas e pressupostos epistêmicos dos votos é significativa, evidenciando alinhamentos ideológicos e leituras constitucionais diametralmente opostas quando colocadas em pauta garantias laborais. Nesse sentido, o voto do relator e dos Ministros que o acompanharam teve como fundamento principal a preservação da livre iniciativa, em detrimento da proteção social do trabalho (BIAVASCHI; DROPPA; ALVES, 2021BIAVASCHI, Magda Barros; DROPPA, Alisson; ALVES, Ana Cristina. A terceirização no contexto da reforma trabalhista e as decisões judiciais: limites, contradições e possibilidades. In: DUTRA, Renata; MACHADO, Sidnei (org.). O Supremo e a Reforma Trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021. p. 67-99.). Em contrapartida, os três votos divergentes, dos Ministros Edson Fachin e Marco Aurélio e da Ministra Rosa Weber, analisam que o vínculo empregatício é uma garantia jurídica de responsabilização dos empregadores por eventuais descumprimentos do contrato de trabalho e que a terceirização fragiliza esses vínculos, deixando as pessoas mais vulneráveis a abusos.

Em nossa leitura coletiva, enxergamos diversas lacunas e falhas argumentativas nos votos vencedores, que ignoraram os princípios e fundamentos do Direito do Trabalho para solidificar uma atuação do STF cada vez mais liberalizante e incisiva em desfavor dos direitos fundamentais sociais (SOUTO MAIOR et. al., 2017SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, Valdete Souto; MELO FILHO, Hugo Cavalcanti; GARCIA, Igor Cardoso. O que é isso companheir@s? Blog Jorge Luiz Souto Maior, 3 jan. 2017. Disponível em https://www.jorgesoutomaior.com/blog/o-que-e-isso-companheirs . Acesso em 10 ago. 2023.
https://www.jorgesoutomaior.com/blog/o-q...
). Com esse entendimento, parte dos Ministros resume o trabalho à figura da locação de serviços e ignora a realidade cotidiana de quem depende do trabalho para sobreviver, em um esforço de reduzir a proteção estatal e de fazer imperar a lógica do livre mercado nessas relações (DUTRA; LOPES, 2021DUTRA, Renata Queiroz; LOPES, João Gabriel Pimentel. O STF e a terceirização: o julgamento da ADI 5685 e da ADI 5695 quanto à constitucionalidade da terceirização irrestrita (Lei 13.429/2017 e Lei 13.467/2017). In: DUTRA, Renata; MACHADO, Sidnei (org.). O Supremo e a Reforma Trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021. p. 100-126.).

Em face disso, nosso grupo evidentemente discordava dos votos vencedores, alinhando-se aos votos vencidos. Restava saber se, para o processo de incorporação da perspectiva feminista à decisão, seria mais interessante nos debruçarmos sobre um voto vencido ou escrevermos um voto complementar. A priori, pensamos em trabalhar com o voto da Ministra Rosa Weber, pela linha argumentativa e pelo modo como conseguiu responder a argumentos de colegas, lançando mão da teoria constitucional, mas também de dados e casos concretos3 3 Dentre as informações elencadas pela Ministra, estão os dados do estudo do DIEESE, já citado neste artigo, registrando que que terceirizados recebem remuneração 23,4% menor que os contratados diretos, com jornadas 3 horas mais longas; no caso dos bancários terceirizados, ela frisa que a média salarial chega a ser 66% menor. Ademais, ela aborda o maior índice de acidentes de trabalho e adoecimento entre esse grupo, citando o caso da Petrobrás, que entre 1995 e 2013 teve 320 acidentes fatais com trabalhadores, sendo 84% deles terceirizados. , bem como de citações de autores e autoras que são referência para pesquisas no tema, como José Dari Krein, Magda Biavaschi, Marcio Tulio Viana, Gabriela Neves Delgado e Graça Druck.

No entanto, em razão da extensão do voto (58 páginas) e de concordarmos com os argumentos nele apresentados, ainda que não abordassem questões de gênero, decidimos que partiríamos da construção da Ministra para redigir um 12º voto, dedicado a articular o debate jurídico sobre a terceirização à perspectiva feminista.

Os métodos jurídico-feministas escolhidos para a redação desse novo voto foram: “pergunta pela mulher”, técnica sugerida por Bartlett (1990BARTLETT, Katherine T. Feminist Legal Methods. Harvard Law Review, Cambridge, v. 103, n. 4, p. 829-888, fev. 1990.) para questionar quais grupos foram "esquecidos" quando usada uma perspectiva pretensamente "neutra" e "universal"; a “valorização do cuidado”, com o intuito de dar visibilidade ao trabalho doméstico e responsabilidades familiares que são desvalorizados pelo Direito do Trabalho, apesar de essenciais à vida das pessoas e ao funcionamento da sociedade (VIEIRA, 2018VIEIRA, Regina Stela Corrêa. O cuidado como trabalho: uma interpelação do direito do trabalho a partir da perspetiva de gênero. 2018. Tese (doutorado). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2018.); e a revisão do sistema de referências e citações, com inclusão de mulheres, buscando dar voz preferencialmente a autoras que trabalham com a temática.

Junto dessas técnicas usamos a teoria jurídico-trabalhista crítica, referência para o Direito do Trabalho a partir das construções de Everaldo Gaspar de Andrade (2022ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes de. Teoria geral do direito do trabalho: explicações científicas do método dialético-discursivo e da crítica filosófica da modernidade. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2022.), que possibilitou incorporar construções históricas do campo relativas à terceirização muito pouco presentes nos votos analisados. Por fim, mas não menos importante, escolhemos usar uma linguagem acessível e direta para a escrita do voto, fugindo das armadilhas de um texto jurídico hermético, considerando que o acesso à Justiça passa pela fácil compreensão de tudo que é produzido pelo Judiciário.

O voto redigido pelo CAPIBARIBA foi publicado integralmente como capítulo do livro "Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira", organizado por Fabiana Severi (VIEIRA et. al., 2023VIEIRA, Regina Stela Corrêa Vieira; ANGOTTI, Bruna; LIMA, Camila; MEDEIROS, Iara Beatriz de Lima; CALDAS, Isadora de Lima; CAMPOS, Maria Rebeca Rego. Reescrita feminista de decisão trabalhista: o julgamento da terceirização irrestrita pelo Supremo Tribunal Federal. In: SEVERI, Fabiana (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto: IEA/FDRP-USP, 2023. p. 314-343.). No próximo tópico, apresentaremos a síntese dos principais resultados da reescrita, de modo a permitir um panorama dos fundamentos que a equipe elegeu como relevantes no processo de reflexão sobre a decisão a partir de um olhar sensível ao gênero.

2. Resultados da reescrita da decisão sobre a terceirização irrestrita

No item anterior, apresentamos o processo de construção do projeto de reescrita feminista de decisão judicial no CAPIBARIBA, o que incluiu a escolha do julgamento do RE 958.252 pelo STF sobre terceirização irrestrita como nosso objeto de aplicação da metodologia, bem como a opção por escrever um voto complementar que fosse centrado na abordagem do tema a partir da perspectiva de gênero. Elaboramos esse 12º voto como se fosse assinado por uma Ministra fictícia, divergindo da tese fixada no Acórdão segundo a qual seria “lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Tomamos como paradigma da reescrita os votos do Ministro-relator, Luiz Fux, e do Ministro Roberto Barroso, com os quais estabelecemos diálogo para rebater seus argumentos, embasadas na dogmática e na teoria crítica do Direito do Trabalho. Vale elucidar que o Ministro Barroso foi relator de outra decisão paradigmática do STF sobre terceirização, do mesmo ano de 2018, a ADPF n. 324, em que defendeu a licitude da terceirização de toda e qualquer atividade, definindo ser subsidiária a responsabilidade da empresa contratante pelo descumprimento das normas trabalhistas pela empresa interposta. Seu voto no RE 958.252 reproduziu os argumentos dessa ADPF, por isso tratamos também dele em nosso voto complementar.

Como principal referencial, utilizamos o voto divergente da Ministra Rosa Weber, que reuniu os mais robustos argumentos contra a tese da terceirização irrestrita, pormenorizando sua fundamentação. A contraposição entre votos vencedores e vencidos permitiu esmiuçar as linhas argumentativas conflitantes do julgamento, a partir do que analisamos os substratos teóricos e jurídicos presentes em cada uma das posições defendidas.

Segundo nossa equipe, a escolha desses votos foi estratégica, porque eles ilustram, "as tensões que perpassam o tema da terceirização" e "sinalizam entre si posturas diametralmente opostas também em relação ao próprio Direito do Trabalho, especialmente quanto à possibilidade de flexibilização de suas balizas protetivas" (VIEIRA et. al., 2023VIEIRA, Regina Stela Corrêa Vieira; ANGOTTI, Bruna; LIMA, Camila; MEDEIROS, Iara Beatriz de Lima; CALDAS, Isadora de Lima; CAMPOS, Maria Rebeca Rego. Reescrita feminista de decisão trabalhista: o julgamento da terceirização irrestrita pelo Supremo Tribunal Federal. In: SEVERI, Fabiana (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto: IEA/FDRP-USP, 2023. p. 314-343., p. 325-326). Com isso, nosso exercício de reescrita buscou chamar atenção para o lugar das mulheres no contexto da terceirização, que quando ignorado abre espaço para interpretações equivocadas sobre vivências de exploração e opressão no mercado de trabalho que variam não só com o gênero, mas também com a raça e outros marcadores sociais.

Para melhor visualização do produto da reescrita, elaboramos o quadro abaixo, que apresenta trechos que nos pareceram representativos do voto complementar elaborado pelo grupo e a técnica de reescrita feminista de decisões utilizada na sua formulação, a fim de ressaltar a fundamentação jurídica, os referenciais teóricos e os aportes críticos empregados.

QUADRO:
EMPREGO DAS TÉCNICAS DE REESCRITA FEMINISTA DE DECISÕES NO VOTO ELABORADO PELAS INTEGRANTES DO CAPIBARIBA

A conclusão do grupo sobre esse exercício foi de que a reescrita feminista revelou "a ausência de pontos de vista plurais, a desconexão entre a realidade da Corte e da classe que vive do trabalho e a ausência de sensibilidade quanto à precarização" (VIEIRA et. al., 2023VIEIRA, Regina Stela Corrêa Vieira; ANGOTTI, Bruna; LIMA, Camila; MEDEIROS, Iara Beatriz de Lima; CALDAS, Isadora de Lima; CAMPOS, Maria Rebeca Rego. Reescrita feminista de decisão trabalhista: o julgamento da terceirização irrestrita pelo Supremo Tribunal Federal. In: SEVERI, Fabiana (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto: IEA/FDRP-USP, 2023. p. 314-343., p. 326). Por conseguinte, constatamos que a "prevalência de interpretações judiciais que privilegiam interesses econômicos geram desequilíbrio entre os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III, Constituição da República), deixando de lado o princípio protetor e ferindo as bases do Direito do Trabalho" (VIEIRA et. al., 2023, p. 326).

Considerando os resultados aqui apresentados, incluindo os trechos do voto complementar produzido pela equipe em face da decisão analisada, temos um material muito rico em termos não só de produção acadêmica, mas de fixação de conteúdo disciplinar do Direito do Trabalho e construção de perspectivas críticas e abordagens inovadoras de um tema atual e de grande relevância na construção interpretativa do alcance da proteção jurídico-trabalhista. A esse respeito, o próximo item será dedicado às reflexões e balanço dessa experiência em termos didáticos e pedagógicos.

3. Reflexões didático-pedagógicas sobre a experiência

Reflexões acerca de práticas pedagógicas capazes de transformar o ensino jurídico compõem nossos diálogos enquanto professoras que há anos buscam por metodologias capazes de trazer novos ares para os cursos jurídicos, integrando as atividades de ensino, pesquisa e extensão e tornando-as mais criativas e participativas. Em paralelo, permeia nossa atuação o compromisso com o feminismo, que apesar de muito verbalizado nos espaços acadêmicos, é pouco praticado entre docentes e discentes.

Inspiradas em bell hooks (2013hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2013.), uma de nossas maiores preocupações é fazer dos espaços acadêmicos lugares de entusiasmo, nunca de tédio. Para isso, é patente a necessidade de elaboração de práticas pedagógicas que alterem a atmosfera que comumente encontramos em sala de aula, de passividade e homogeneização. Logo, em nosso horizonte está o combate à educação bancária nas universidades, com o objetivo de garantir a dialogicidade, incentivando que as e os estudantes sejam participantes ativos de seu processo de aprendizagem, tal como ensinou Paulo Freire (2013FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.).

Dentre as experimentações por nós empreendidas nesse sentido, em 2020 produzimos uma série de podcasts chamada "Cuidar, verbo coletivo", na qual abordamos o trabalho de cuidado por diversos ângulos, com objetivo de ampliar ferramentas e formas de registro de problemáticas da atualidade para uso em sala de aula. Citamos esse exemplo como um esforço de buscar ferramentas alternativas que garantissem um ensino jurídico crítico, mesmo diante das dificuldades trazidas pela modalidade virtual de aulas imposta pela pandemia da Covid-19. Naquele momento, foi uma maneira que encontramos de transmitir conteúdo "sem perder a capacidade de estimular a reflexão e auxiliar na expansão do conhecimento discente" (ANGOTTI; VIEIRA, 2020ANGOTTI, Bruna; VIEIRA, Regina Stela Corrêa. O uso do podcast como ferramenta para o ensino jurídico: o caso da série "Cuidar, verbo coletivo". In: ABRUSIO, Juliana (org.). Covid-19: impactos jurídicos na tecnologia. São Paulo: Editora D'Plácido, 2020, p. 57-69., p. 58).

Assim, a proposta de pensar a reescrita feminista de decisões judiciais como prática pedagógica nos inspirou a dar sequência na busca por metodologias alternativas de compartilhamento e construção de conhecimento acadêmico. Reunir um grupo de estudantes questionadoras, interessadas na tarefa de se debruçar sobre decisões judiciais e analisá-las à luz da perspectiva de gênero foi um ótimo começo. Enxergamos, a priori, a potência didática deste exercício, porque havíamos tido, no mesmo ano de 2022, uma experiência interessante em um curso ministrado na Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, no qual trabalhamos com um grupo de magistradas os julgamentos com perspectiva de gênero. O curso, por um lado, e a reescrita, por outro, permitiram-nos captar diferentes perspectivas e “trocas de lentes”, tendo sido inspirador notar as percepções sobre a prática profissional de mulheres que julgam e de mulheres que sofrem os efeitos das decisões, direta ou indiretamente.

A escrita do 12º voto, proferido por uma Ministra fictícia, foi um desafio interessante na medida em que exigiu não só um exercício de alteridade, mas também performático. Colocar-se no lugar, ainda que hipotético, de outra mulher, que seria a síntese das experiências das integrantes do grupo, era complexo e envolvia pensarmos conjuntamente como essa Ministra, preocupada com questões de gênero, raça e classe, deveria se posicionar. A esse respeito, vale registrar que nosso grupo era formado por uma paulista, uma mineira e três pernambucanas; uma auto-identificada como negra e cinco como brancas; duas professoras, as demais com experiências de estágio em escritórios de advocacia ou no Poder Judiciário. Assim, durante a construção do voto, as integrantes levantaram questões próprias sobre o trabalho terceirizado, para que fossem contempladas na reescrita.

Exemplificamos contando que foi apresentada, desde o começo , a necessidade de abordarmos a divisão sexual do trabalho e o modo como ela marca as categorias nas quais se concentram as trabalhadoras terceirizadas, especialmente asseio e limpeza; na sequência, uma das integrantes sugeriu a inclusão dos debates sobre cuidado e responsabilidades familiares, que geram empecilhos para a entrada e manutenção de mulheres no trabalho formal; outra integrante reforçou como as terceirizadas são em maioria mulheres negras, percebendo que isso demarca seu espaço no mercado de trabalho em profissões desvalorizadas e precarizadas; outra, chamou atenção para o debate relativo à diferenciação entre trabalhos manuais e trabalhos intelectuais, que ela percebeu serem marcantes na desvalorização de certas categorias laborais, muitas das quais terceirizadas que concentram mulheres, apesar de a Constituição vedar essa discriminação.

Ademais, pensando sobre essa experimentação de "colocar-se no lugar" de uma Ministra do STF, ainda que fictícia, como nenhuma de nós atua como julgadora e, portanto, não tem o hábito de escrever decisões, foi interessante performar uma profissão, pensando na estruturação do texto, no formato e teor da escrita. Nesse ponto, foi notável a percepção de que a Faculdade de Direito e as experiências em carreiras jurídicas formatam a escrita de estudantes e professoras, de modo que a escolha metodológica de usar uma linguagem acessível e direta para a escrita do voto exigiu de nós um grande esforço para fugir das armadilhas da linguagem jurídica rebuscada e apegada a jargões da área.

Para além das metodologias feministas de reescrita de decisões judiciais, vale mencionar que o Protocolo para Julgamento em Perspectiva de Gênero do CNJ (2021) serviu de referencial complementar para nosso projeto, contribuindo para o mapeamento dos elementos que uma decisão na esfera trabalhista deveria abordar. Conforme o texto do Protocolo:

O direito do trabalho é o ramo do direito gestado da assimetria entre o capital e a força de trabalho decorrente, justamente, do desnível existente entre estes dois lados da esfera produtiva. Contudo, a regulamentação desta relação assimétrica pelo direito é feita a partir de uma perspectiva hegemônica daqueles que ocupam os espaços de poder, inclusive na elaboração e aplicação da norma, qual seja, a perspectiva do homem branco, heterossexual, de determinada classe social (CNJ, 2021, p. 102-103).

Inspiramo-nos também na proposta da historiadora Joan Scott (1988SCOTT, Joan. Gender on the Politics of History. New York: Columbia University Press, 1988 (p.28-50).) acerca do uso do termo gênero como categoria analítica útil. A autora, no já clássico “Gênero como uma categoria útil para a análise histórica”, destrincha o uso do termo na literatura historiográfica, concluindo que, apesar de suas limitações, trata-se de conceito que possibilita compreender criticamente os sentidos sociais atribuídos ao masculino e ao feminino. Gênero atribui significado à construção social da diferença sexual, permitindo, inclusive, o questionamento da fixidez das categorias “homem” e “mulher”.

Assim, usamos a expressão “lentes de gênero” visando a considerar o olhar atento às diferenças sociais produzidas sobre corpos sexuados. Ao fazer o exercício da reescrita, buscamos compreender como as diferenças sociais impressas em corpos concretos geram desigualdades que, se desconsideradas, são ainda mais reforçadas em decisões judiciais. Para além do gênero, não deixamos de considerar raça e classe como centrais na produção das desigualdades.

Em sala de aula buscamos sempre refletir sobre como o Direito pode gerar e reproduzir desigualdades quando deixa de considerar marcadores sociais que produzem diferença. A transposição dessa postura para a reescrita, personalizada em uma ministra atenta à realidade de mulheres negras e pobres, possibilitou o exercício de construir uma decisão sensível às assimetrias que o Direito pode gerar e reforçar.

Sendo assim, romper com o pensamento jurídico hegemônico e aplicar as lentes de gênero na análise da decisão em pauta significou estimular a escrita de outro Direito, não aquele tradicional, cego às especificidades enfrentadas por mulheres, especialmente negras e mais pobres. Consequentemente, temas como dupla ou tripla jornada, desvalorização salarial, empregos precarizados, reprodutivos e repetitivos, que costumam ser a tônica do trabalho terceirizado feminino, passam a protagonizar a reflexão jurídica.

Levando em consideração os métodos de reescritas feministas descritos nos tópicos anteriores, bem como o Protocolo do CNJ e estudos específicos sobre terceirização e trabalho feminino (ASSUNÇÃO, 2020ASSUNÇÃO, Diana. A precarização tem rosto de mulher. Ananindeua: Iskra, 2020.; VENCO, 2009VENCO, Selma. As engrenagens do telemarketing: vida e trabalho na contemporaneidade. Campinas: Arte Escrita, 2009.; KREIN; CASTRO, 2015KREIN, José Dari; CASTRO, Barbara. As formas flexíveis de contratação e a divisão sexual do trabalho. Análise n. 6. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung, 2015), ficou evidente a ausência das lentes de gênero no julgamento do RE 958.252. Foi interessante, pela ausência, levantar questionamentos: O que poderia ter sido considerado nos votos que não foi? Por que o Direito “neutro” escamoteia violências e acaba por reforçar vulnerabilidades? Como a divisão sexual do trabalho impacta na realidade analisada?

Nos votos, mesmo naqueles contrários à terceirização irrestrita, a segregação ocupacional por gênero na terceirização não é cogitada, de modo que são tratadas como iguais as experiências profissionais em setores altamente valorizados, que empregam majoritariamente homens, como as tecnologias da informação, e em setores extremamente precarizados, com grande ocupação de mulheres negras. Não há, em lugar algum nos votos, um lampejo de olhar para as peculiaridades que atingem as trabalhadoras .

Pensando no balanço avaliativo desse projeto de reescrita na UFPE, pedimos às integrantes do grupo que nos enviassem devolutivas sobre a atividade. Suas sensações convergem muito com as nossas, na medida em que perceberam os potenciais pedagógicos da metodologia sobre as quais, enquanto coordenadoras, vínhamos conversando.

Iara Beatriz de Lima Medeiros, por exemplo, foi enfática em ressaltar que o processo de reescrita permitiu ver aquilo que é invisibilizado pelo Direito pretensamente neutro. Segundo a pesquisadora:

Reescrever a decisão do STF que autorizou a terceirização irrestrita foi, sem dúvidas, um processo de reconhecimento de ausências e, por outro lado, de demarcações de espaços e posições. Trazer o olhar feminista à reescrita de uma decisão como essa foi fundamental para, enquanto pesquisadoras, denunciarmos a invisibilização que ataca silenciosamente, e nas entrelinhas dos discursos jurídicos, todas as existências fora do padrão normativo masculino. Posso afirmar que participar da construção de um novo voto - opção essa que foi escolhida justamente para contemplar as várias perspectivas negligenciadas pelo STF - possibilitou, ao mesmo tempo, desnudar o alheamento do Judiciário aos temas afetos às questões de gênero e do cuidado, dentre outros, e, ainda, reivindicar tais pautas como essenciais para a consecução de uma Justiça que não reproduza e legitime as desigualdades existentes nos campos sociais e econômicos. O projeto de reescrita é, em si, uma forma de resistência que, na contracorrente, nos convida a não deixar a roda viva do Judiciário tragar-nos em suas exclusões.

Com outras palavras, mas em uma linha semelhante, Isadora de Lima Caldas se posicionou no seguinte sentido:

Participar da experiência de reescrever decisões me possibilitou olhar para o processo decisório a partir de outras perspectivas, expandindo meu olhar para além de um lugar dogmático e descobrindo um processo que se revela a partir do efetivo enfrentamento dos casos concretos com as práticas jurídicas consolidadas. O processo de reescrita permite a liberdade de pôr em foco as limitações do Direito posto e do próprio ordenamento jurídico. Nesse sentido, especificamente no caso do julgamento do RE 958.252, somente a partir de um exercício disruptivo seria possível pôr às claras todas as problemáticas que ficaram de fora da ratio que fundamenta a decisão do Supremo, especialmente porque muitas delas só muito recentemente passaram a ser tratadas no ambiente jurídico - refiro-me, especialmente, às questões que envolvem o cuidado e sua relação com a divisão sexual do trabalho na e seus marcadores de prestígio/desprestígio dentro da sociedade.

Maria Rebeca Rego Campo ressaltou o caráter pedagógico do processo de reescrita da decisão judicial e sua potência formativa. Em suas palavras:

Vejo a riqueza do exercício da reescrita através de sua natureza metacognitiva. Ao escrever um novo voto, a partir da análise crítica dos votos vencedores dos Ministros do STF no caso do julgamento do RE 958.252, nós entramos em contato com uma nova ferramenta de aprendizado. Assim, o exercício de reescrever uma decisão nos capacita de modo criativo para a análise e elaboração do discurso jurídico vigente, atrelando a dogmática com o efetivo enfrentamento de casos jurídicos práticos com consequências de grande repercussão no ordenamento jurídico. Além disso, nesse processo buscou-se trazer à baila e elucidar, de maneira juridicamente possível, as lacunas e fragilidades ocasionadas da decisão pela constitucionalidade da terceirização em atividades-fim, com um enfoque especial em combater a invisibilização das questões de gênero, atravessando a divisão sexual do trabalho, sobretudo na esfera de cuidado.

Camila Lima reforçou a importância do trabalho coletivo de reescrita, bem como do exercício de se colocar no lugar de quem julga, porém, agora, com a preocupação de usar as lentes de gênero. De acordo com ela,

A experiência da reescrita de sentença trabalhista foi preciosa para mim, pois, além de nos possibilitar analisar coletivamente um caso prático de grande relevância para área, revelou-se como uma interessante oportunidade de nos colocarmos no lugar do órgão julgador. Como neste caso discordávamos profundamente da posição vencedora no julgamento em questão, pudemos, a partir de novos vieses, construir outra decisão juridicamente possível, e mais convergente com os princípios do direito do trabalho. Para mim, a experiência de reescrita de sentença é importante, sobretudo, para exercitarmos estruturar as ideias que defendemos de maneira a se adequarem ao ordenamento jurídico vigente, encarando e superando, sempre que possível, os desafios jurídicos que se apresentam. Ademais, o exercício de reescrita de sentenças evidencia como as decisões jurídicas, de fato, não são imparciais. Pelo contrário, são campos de disputas de valores, que devem ser vivenciadas em consonância com o que dispõe a Constituição e as leis brasileiras. E foi justamente isso que fizemos, ao reescrever o voto no STF, no sentido da inconstitucionalidade da terceirização irrestrita no Brasil.

Tais devolutivas mostram que a potencialidade da reescrita, pensada enquanto prática didático-pedagógica, está, principalmente, em chamar a atenção para o quanto decisões judiciais tecnicamente legais e pretensamente neutras podem estar deixando de considerar realidades sociais e violações de direitos que a perspectiva feminista é capaz de revelar. Os princípios da equidade e da isonomia, por mais que evocados formalmente, são ignorados quando não pautadas as questões de gênero, o que macula a imparcialidade de quem julga, pois simplesmente reproduz hierarquias e relações de poder que deveria equilibrar.

Considerar a perspectiva de gênero permite a elaboração de decisões mais alinhadas aos mandamentos constitucionais, e isso ficou evidenciado não apenas no voto escrito pelo CAPIBARIBA, mas nas conversas realizadas entre o grupo. As diversas camadas que uma decisão judicial deve considerar para, de fato, fazer jus ao arcabouço normativo protetivo foram um dos principais ensinamentos desse exercício.

4. Conclusão

A redação deste artigo nos levou a refletir em retrospectiva sobre o processo didático-pedagógico de realização de um exercício de reescrita feminista. Enquanto professoras universitárias, buscamos a todo o tempo inovar nas metodologias de ensino, visando a transformar a prática docente em uma constante experimentação, de modo a engajar o corpo discente no processo de aprendizagem. Esta empreitada de reescrita certamente fez parte de uma experiência potente de pensar, criticar e transformar o Direito enquanto prática.

Nos meses que precederam a reescrita, discutimos textos de forma coletiva, reunimo-nos para escolher o julgamento com o qual trabalharíamos e pensamos sobre qual seria a melhor estratégia para um exercício realmente inovador. Foi neste contexto que construímos a ideia de escrever, com base em argumentos apresentados por uma Ministra do STF contrária à terceirização irrestrita, um voto proferido por uma Ministra fictícia, atenta às questões sociais, preocupada em promover equidade de gênero e raça.

Levamos ao extremo a ideia de alteridade, nos colocando não apenas no lugar “da outra”, mas indo mais longe e fantasiando a prática “da outra”. Como gostaríamos que esta Ministra decidisse? Em um exercício imaginativo, considerando o arcabouço legal que nos rege, bem como princípios fundamentais, proferimos um voto engajado, mas amplamente ancorado na lei, que desnuda a ficção da neutralidade jurídica.

O resultado, para além da potência do texto que se pretendeu voto, foi o salto didático-pedagógico proporcionado pela experiência. Iss o pode ser percebido nas falas das participantes do grupo, aqui transcritas. É inspirador perceber que, a partir desta experiência, quaisquer que sejam os rumos profissionais tomados por cada uma das graduandas e graduadas que participaram do processo de reescrita, as lentes de gênero vão sempre acompanhá-las em seus fazeres. Esperamos poder ampliar a experiência para que mais reescritas sejam feitas e mais discentes e docentes possam se engajar em projetos como este.

Referências

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  • 1
    "Súmula nº 256 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços" (BRASIL, 1993).
  • 2
    "Súmula nº 331 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. (...)" (BRASIL, 2000).
  • 3
    Dentre as informações elencadas pela Ministra, estão os dados do estudo do DIEESE, já citado neste artigo, registrando que que terceirizados recebem remuneração 23,4% menor que os contratados diretos, com jornadas 3 horas mais longas; no caso dos bancários terceirizados, ela frisa que a média salarial chega a ser 66% menor. Ademais, ela aborda o maior índice de acidentes de trabalho e adoecimento entre esse grupo, citando o caso da Petrobrás, que entre 1995 e 2013 teve 320 acidentes fatais com trabalhadores, sendo 84% deles terceirizados.
  • 4
    Lembramos que o texto na íntegra do voto complementar elaborado pelo grupo foi publicado em: VIEIRA et. al., 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2023
  • Aceito
    08 Out 2023
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