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O USO DA SOJA COMO SUPLEMENTO PROTÉICO NA ALIMENTAÇÃO DE FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA: UM EXPERIMENTO EDUCACIONAL EM DUAS COMUNIDADES NA CIDADE DE RIBEIRÃO PRETO - ESTADO DE S. PAULO* * Sumário de Tese de Mestrado.

Este estudo analisa um experimento com o uso direto da soja na alimentação caseira, em duas comunidades brasileiras de baixa renda, como meio de combate à má nutrição. As duas comunidades selecionadas para o estudo foram a Vila da Fraternidade e a Vila Anhanguera, localizadas nas cidades de Ribeirão Preto.

No início de setembro de 1976, realizou-se um levantamento inicial das condições sócio-econômicas e da alimentação das 24 horas anteriores, para mães e crianças abaixo de 7 (sete) anos de idade. Estes grupos foram escolhidos por constituírem os mais seriamente afetados pela má nutrição.

As mães foram convidadas a participar de um programa, consistindo da distribuição gratuita de soja durante um mês, juntamente com atividades educacionais. Numa das comunidades, a intervenção educacional limitou-se ao contato pessoal, na qual um dos membros da equipe explicou os benefícios nutricionais da soja à mãe, e como ela poderia prepará-la. A outra comunidade recebeu um nível maior de intervenção educacional, consistindo em sessões de discussão e tomada de decisões, como também, em demonstrações práticas de preparação da soja.

O segundo levantamento foi feito durante a distribuição gratuita do programa, a fim de avaliar o impacto imediato do experimento e das atividades educacionais. Dois levantamentos adicionais foram feitos a um e a quatro meses depois do final da distribuição gratuita, para verificar se:

  1. houve algum efeito "residual" do programa, em termos de aumento do uso da soja;

  2. a qualidade nutricional foi afetada pelo uso da soja;

  3. os canais regulares de distribuição, tais como os armazéns locais adequaram-se a tais programas.

Após a suspensão da distribuição gratuita da soja, houve um decréscimo estatisticamente significante no seu uso, sem haver diferenças nas taxas de declínio entre as duas vilas. O uso foi significantemente maior na comunidade com o maior nível de intervenção educacional. Entretanto, o nível de proteínas foi inferior entre as mães e crianças desta comunidade, do que para aquelas que receberam um menor nível de intervenção educacional. Os níveis calóricos e protéicos, para ambas mães e crianças, mostraram mudanças significantes entre os levantamentos, e entre as duas comunidades. Além disso, os "deficits" calóricos foram mais severos do que os protéicos em ambas as comunidades.

A ingestão calórica e protéica foi mantida ou aumentada durante o período da distribuição gratuita, mas declinou aproximadamente até o nível original dentro de um mês após o final da distribuição gratuita. Quatro meses depois, estavam abaixo dos níveis verificados antes do experimento. A natureza destas mudanças não foi antecipada no início desta pesquisa.

Supõe-se que isto ocorreu devido à diminuição do poder aquisitivo, em conseqüência da inflação de aproximadamente 20% durante o período dos levantamentos, enquanto que os salários de muitos trabalhadores foram ajustados pela inflação somente no dia 1º de maio dois meses depois da aplicação do último questionário.

Um esforço educacional e o baixo custo de um suplemento protéico (soja sem processamento) provaram ser suficientes para ultrapassar as barreiras sócio-culturais na aceitação de um novo alimento nas duas comunidades. O grupo que teve as sessões de discussão e tomada de decisões mostrou um uso significantemente maior da soja que o grupo que teve apenas a orientação individual. Os resultados deste experimento, entretanto, indicam que um suplemento protéico, dessa natureza, pode ter muito pouco efeito no nível nutricional geral das mães e crianças de famílias de baixa renda. Finalmente, os armazéns locais mostraram ser canais aceitáveis de distribuição da soja, durante ambos os períodos, o da distribuição gratuita e o da venda posterior ao preço de mercado.

As mais importantes variáveis na explicação dos baixos níveis de ingestão calórica e protéica pelos indivíduos da amostra, foram o tamanho da família e a idade, fatores associados, já que nas comunidades estudadas, as mulheres mais velhas apresentam a tendência de ter mais filhos. As famílias grandes em áreas urbanas não têm melhores oportunidades econômicas, pois, um número maior de filhos implicou em menores oportunidades para as mães trabalharem, ao tempo em que havia poucos empregos disponíveis para crianças menores. A renda familiar aumenta muito pouco com o trabalho da família, enquanto que a mesma quantidade de alimentos passa a ser dividida entre um número maior de pessoas. Outrossim, com o aumento do número de elementos da família, as mães e as crianças menores passam a ter baixa prioridade com respeito à distribuição dos alimentos disponíveis dentro da família.

O uso da soja não foi suficiente para compensar os efeitos negativos da baixa renda familiar e o elevado número de crianças nas famílias. Desde que uma porcentagem alta da renda familiar é gasta em alimentação, a diminuição no poder aquisitivo parece ter anulado durante o experimento o efeito do suplemento alimentar. Ademais, as deficiências calóricas foram muito mais severas do que as de proteínas apresentadas nos levantamentos das comunidades. Portanto, é possível que os suplementos protéicos combatam as deficiências nutricionais menos severas. Se isto for verdade, o melhoramento do estado nutricional geral, ainda depende do aumento da disponibilidade de uma grande variedade de alimentos, através do aumento da renda familiar. A soja, entretanto, pode contribuir positivamente, nesse aspecto, visto que é também rica em calorias.

Pesquisas futuras nesta área são necessárias para documentar o estado nutricional de famílias brasileiras de baixa renda e verificar se as deficiências calóricas são geralmente muito mais severas que as deficiências protéicas, como foi achado neste estudo.

Na realização destas pesquisas, deve-se considerar o uso de múltiplos questionários nos levantamentos para aprimorar a precisão do nível nutricional em cada fase do levantamento. Dados sobre a renda deveriam ser coletados durante cada fase dos levantamentos para verificar o efeito da inflação na renda e no nível nutricional, fatores que este estudo indica ser da maior importância.

As pesquisas futuras podem definir melhor as características da mã nutrição e indicar se suplementos protéicos têm um papel importante no melhoramento do estado nutricional. Os achados deste estudo não indicam que uma distribuição isolada de soja, possa eliminar os "deficits" calóricos e protéicos constatados entre os grupos de baixa renda, mas é possível que ajude a atenuá-los. Recomenda-se, portanto, a utilização dos resultados apresentados neste trabalho como uma orientação para as próximas pesquisas.

  • WRIGHT, M.G.M. - O uso da soja como suplemento protéico na alimentação de famílias de baixa renda. Rev. Bras. Enf.; DF, 32: 217-219, 1979.
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    Sumário de Tese de Mestrado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1979
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