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HIV/AIDS e os determinantes sociais da saúde: estudo de série temporal

RESUMO

Objetivo:

Analisar a tendência temporal, a distribuição espacial e a relação dos casos de vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida com os determinantes sociais da saúde.

Métodos:

Estudo ecológico, analítico, realizado com base nos casos de vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida notificados em um estado da Região Centro-Oeste brasileira, no período 2009-2018. Utilizou-se a análise descritiva, regressão polinomial e geoespacialização.

Resultados:

Em dez anos, foram registradas 9.157 notificações, com aumento progressivo anual. A tendência total apresentou-se crescente em ambos os sexos (p<0,001, r2=0,94). O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal esteve relacionado ao maior número de casos (município de notificação, p=0,01; e município de residência, p=0,02), e a maior concentração ocorreu nas cidades-sede das macrorregionais de saúde.

Conclusão:

Determinantes sociais apresentam relação com a tendência temporal e distribuição espacial dos casos e podem direcionar estratégias de prevenção e cuidado.

Descritores:
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; HIV; Determinantes Sociais da Saúde; Enfermagem; Doença Crônica

ABSTRACT

Objective:

To analyze the time trend, spatial distribution, and the cases of human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome cases with social determinants of health.

Methods:

Ecological and analytical study, carried out based on the cases of human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome notified in a state in the Brazilian Midwest, from 2009 to 2018. The study used descriptive analysis, polynomial regression, and geospatial analysis.

Results:

In 10 years, there were 9,157 notifications, growing each year. There was a growing trend for both sexes (p<0.001, r2=0.94). The City Human Development Index was related to the higher number of cases (city of notification, p=0.01; and city where the person lives, p=0.02). The highest concentration was in cities that house health macro-regions.

Conclusion:

Social determinants have a relationship with the time trend and the spatial distribution of cases and can direct strategies for prevention and care.

Descriptors:
Acquired Immunodeficiency Syndrome; HIV; Social Determinants of Health; Nursing; Chronic Disease

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la tendencia temporal, distribución espacial y relación de los casos de virus de la inmunodeficiencia humana/síndrome de la inmunodeficiencia adquirida con los determinantes sociales de la salud.

Métodos:

Estudio ecológico, analítico, realizado basado en los casos de virus de la inmunodeficiencia humana/síndrome de la inmunodeficiencia adquirida notificados en un estado de la Región Centro-Oeste brasileña, en el período 2009-2018. Utilizado el análisis descriptivo, regresión polinomial y geoespacialización.

Resultados:

En diez años, fueron registradas 9.157 notificaciones, con aumento progresivo anual. La tendencia total presentada creciente en ambos los sexos (p<0,001, r2=0,94). El Índice de Desarrollo Humano Municipal estuvo relacionado al mayor número de casos (municipio de notificación, p=0,01; y municipio de residencia, p=0,02), y la mayor concentración ocurrió en las ciudades-sede de las macrorregionales de salud.

Conclusión:

Determinantes sociales presentan relación con la tendencia temporal y distribución espacial de los casos y pueden dirigir estrategias de prevención y cuidado.

Descriptores:
Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; VIH; Determinantes Sociales de la Salud; Enfermería; Enfermedad Crónica

INTRODUÇÃO

Embora no decorrer dos anos a mortalidade pela aids tenha apresentado discreta redução, em algumas regiões brasileiras ainda é considerada uma doença negligenciada(11 Guimarães MDC, Carneiro M, Abreu DMX, França EB. Mortalidade por HIV/Aids no Brasil, 2000-2015: motivos para preocupação? Rev Bras Epidemiol. 2017;20(1):182-90. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050015
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). Isso porque os determinantes sociais de saúde (DSS), representados por diversos fatores como o contexto de vida, o comportamento individual, questões ambientais, econômicas e sociais, podem influenciar a suscetibilidade de agravos à saúde(22 Silva CM, Jorge AS, Dalbosco K, Peder LD, Horvath JD, Teixeira JJV, et al. Perfil epidemiológico dos pacientes com HIV em um centro de referência no sul do Brasil: características de dez anos. Rev Epidemiol Control Infecção. 2017;7(4):227-233. https://doi.org/10.17058/reci.v7i4.9150
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).

Cabe destacar que o aumento na expectativa de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHIV) elucida a necessidade de estratégias intersetoriais de enfrentamento dessa condição crônica. A desigualdade no acesso à educação, por exemplo, constitui fator preponderante na busca por informações de saúde e prevenção, na adesão ao uso do preservativo(33 Fontes MB, Crivelaro RC, Scartezini AM, Lima DD, Garcia ADA, Fujioka RT. Determinant factors of knowledge, attitudes and practices regarding STD/AIDS and viral hepatitis among youths aged 18 to 29 years in Brazil. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(4):1343-52. https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.12852015
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) e ao tratamento medicamentoso, em decorrência da dificuldade de compreender a terapêutica e da necessidade de acompanhamento(44 Pires PN, Marega A, Creagh JM. Adesão à terapia antirretroviral em pacientes infetados pelo VIH nos cuidados de saúde primários em Nampula, Mozambique. Rev Port Med Geral Fam. 2017;33:30-40. https://doi.org/10.32385/rpmgf.v33i1.12021
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). Nesse sentido, os marcadores da desigualdade, por vezes, são sistematizados, mas também passíveis de intervenção(55 Whitehead M. The concepts and principles of equity and health[Internet]. Geneva: WHO. 2000 [cited 2021 Apr 4]. Available from: https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0010/74737/E89383.pdf
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).

Concomitantemente, a desigualdade no acesso aos serviços de saúde também pode interferir na forma como os indivíduos acessam as tecnologias assistenciais, o que reflete na predisposição a fatores que determinam a saúde e a doença(66 Barreto ML. Health inequalities: Health inequalities: a global perspective. Ciênc Saúde Colet 2017;22(7):2097-108. https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
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). Em torno dessa problemática, o modelo de Dahlgren e Whitehead constitui um mecanismo elucidado e elaborado com base em níveis distintos, porém indissociáveis dos fatores que determinam a saúde de cada indivíduo. Esse modelo exemplifica os aspectos sociais envolvendo as condições socioeconômicas, culturais e ambientais, que são os macrodeterminantes; as condições de vida e de trabalho, como determinantes intermediários; e as redes sociais, comunitárias e o estilo de vida, como determinantes proximais(77 Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health[Internet]. Stockholm: Institute for Future Studies; 1991 [cited 2021 Apr 13]. Available from: https://core.ac.uk/download/pdf/6472456.pdf
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).

Atinente a isso, a identificação dos DSSs e sua inclusão no planejamento da assistência favorecem a operacionalização dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe salientar que a desigualdade e os DSSs desfavoráveis culminam com aproximadamente duas a cinco vezes mais chances de o indivíduo apresentar comportamentos de risco(88 Jesus M, Williams DR. The Care and Prevention in the United States Demonstration Project: a call for more focus on the social determinants of HIV/AIDS. Public Health Rep. 2018;133(Suppl 2):28-33. https://doi.org/10.1177%2F0033354918801353
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), embora todos os grupos sociais estejam suscetíveis à doença(99 Hoyos-Hernández PA, Mazo JPS, Pineda LTO, Gallego ALV, Ceballos MG, Muñoz TO. Social representations associated with hiv/aids in colombian university students. Saude Soc. 2019;28(2):227-38. https://doi.org/10.1590/S0104-12902019180586
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).

Surge, desse modo, a necessidade de abordar e analisar a influência dos DSSs nas condições crônicas como a aids, por exemplo, especialmente pelo fato de a desigualdade global sinalizar a urgência em abranger os determinantes modificáveis e passíveis de intervenção por meio de políticas públicas intersetoriais(1010 Miranda WD, Paes-Sousa R, Silveira F. Epidemiologia, população e determinantes sociais e ambientes da saúde. Textos para discussão nº40[Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. 2020 [cited 2021 Apr 15] 32p. Available from: https://saudeamanha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/12/SaudeAmanha_TD47_WanessaMiranda_etal.pdf
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). Ademais, a identificação e exploração destes também podem direcionar reflexões e mudanças operacionais no processo de trabalho das equipes nos diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde(1111 Paiva SS, Pedrosa N Lima, Galvão MTG. Análise espacial da AIDS e os determinantes sociais de saúde. Rev Bras Epidemiol. 2019;22. https://doi.org/10.1590/1980-549720190032
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).

Diante do exposto, tem-se como questão de pesquisa: os DSSs apresentam relação com a tendência temporal e distribuição espacial dos casos de HIV/AIDS no estado do Mato Grosso do Sul?

OBJETIVOS

Analisar a tendência temporal, a distribuição espacial e a relação dos casos de HIV/AIDS com os determinantes sociais da saúde no estado de Mato Grosso do Sul.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa com seres humanos e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Desse modo, foram respeitados os preceitos éticos de pesquisa com seres humanos, fundamentados nas Resoluções 466/2012 e 580/2018 do Conselho Nacional de Saúde.

Desenho, amostra e critérios de inclusão e exclusão

Estudo epidemiológico, de abordagem quantitativa, por meio de um delineamento ecológico, descritivo e analítico, que utilizou dados do sistema de notificação de HIV/AIDS do Estado de Mato Grosso do Sul (MS), no período de 2009 a 2018. Esse recorte temporal foi estabelecido de modo a contemplar cinco anos antes e cinco anos depois da obrigatoriedade da notificação dos casos de diagnóstico de HIV em 2014. Por sua vez, a opção pelo estado de Mato Grosso do Sul se deve à ausência de estudos com dados específicos da Região Centro-Oeste do país e também porque esse estado foi responsável por 19,54% de todos os casos novos notificados no país no ano de 2017(1212 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Vigilância Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiologico HIV Aids 2017. HIV Aids Bol Epidemiológico. 2018; 72 p.).

Para tanto, procedeu-se ao levantamento dos dados em dezembro de 2019, mediante uma planilha concedida pela Secretaria de Saúde do Estado de MS com as informações registradas nas fichas de notificação de HIV/AIDS, exceto o nome. Foram selecionadas aquelas que possuíam o registro do local de notificação dentro do estado. O estudo seguiu a referência STROBE da rede EQUATOR para análise de estudos observacionais em epidemiologia.

Definiram-se, como critério de exclusão, as notificações repetidas que foram consideradas apenas uma vez, verificadas por meio do cruzamento da data de nascimento, sexo, raça e código de identificação existente em cada notificação. Vale dizer que, para a realização do estudo, foi solicitado à Secretaria de Estado de Saúde o acesso ao banco de dados completo (banco não disponibilizado para acesso público), o qual contém informações individualizadas e nominais.

As variáveis analisadas foram: idade, sexo, escolaridade, raça/cor, mecanismo de infecção, ano de notificação e evolução do caso. Posteriormente, fez-se o cálculo do coeficiente de incidência bruta, com a divisão do número de casos notificados de HIV/AIDS no ano pela população total do estado. Para a idade, foram adotadas as faixas etárias de 10-14, 15-19, 20-34, 35-49, 50-64 e 65 ou mais anos, visto que os indivíduos abaixo de 19 anos apresentaram tendência crescente(1212 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Vigilância Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiologico HIV Aids 2017. HIV Aids Bol Epidemiológico. 2018; 72 p.). As demais idades foram agrupadas a cada 15 anos a fim de viabilizar as análises, por ser esta a distribuição do banco de dados.

Protocolo do estudo, análise dos resultados e estatística

Após registro dos dados no Excel®, estes foram exportados para o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS®), versão 23. Para a análise de tendência temporal, utilizou-se o modelo de regressão polinomial, considerando o “coeficiente de incidência” como variável dependente (Y) e “ano” como variável independente (X), agrupados por sexo e faixa etária. Ao seguir os princípios da regressão polinomial, para sua correta execução e interpretação realizou se a suavização do coeficiente de incidência, por meio de média móvel centrada em três taxas de incidência sucessivas. A variável “ano” foi centralizada, e definiu-se o ano 2013,5 como ponto médio. Para verificar a função que expressava melhor relação entre as variáveis, utilizaram-se diagramas de dispersão, o que conduziu a seleção da ordem do polinômio selecionada para representar o modelo.

A escolha do polinômio se deu por meio do ajuste de modelos de regressão linear simples e quadrático. Considerou-se como melhor modelo aquele que apresentou maior significância estatística, maior medida de precisão (coeficiente de determinação [R2]) e resíduos sem vícios. Quando dois modelos eram semelhantes para a mesma variável, do ponto de vista estatístico, optou se pelo mais simples para atender ao princípio de parcimônia. Todas as análises realizadas consideraram um nível de significância de p igual a 0,05.

Utilizou-se também de variáveis que medem a desigualdade social, retiradas do censo de 2010, quais sejam: Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), saneamento e índice de GINI (medida de desigualdade na distribuição de renda, sendo 0 a completa igualdade e 1 a completa desigualdade de renda)(1313 Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010: resultados [Internet]. 2016 [cited 2019 Aug 22]. Available from: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
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). Com base nessas informações, procedeu-se à análise da normalidade nos resíduos da regressão, mediante o teste de Kolmogorov-Smirnov; e, posteriormente, com transformação na forma log10 para os cálculos do coeficiente de correlação de Pearson.

Com intuito de identificar possíveis localidades que concentravam maior número de notificações, realizou-se a espacialização dos casos com uso do programa Quantum Geographic Information System (QGIS), versão 2.18. Calculou-se o coeficiente de incidência de cada município para 100 mil habitantes de acordo com as estimativas para o ano de 2020, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Adotou-se a categorização por quartis da incidência. O mapa foi gerado por meio da interpolação métrica com aplicação do código do município de notificação. O shapefile utilizado é disponibilizado pelo IBGE. Por fim, os resultados foram discutidos à luz do modelo de Dahlgren e Whitehead(77 Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health[Internet]. Stockholm: Institute for Future Studies; 1991 [cited 2021 Apr 13]. Available from: https://core.ac.uk/download/pdf/6472456.pdf
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).

RESULTADOS

Ao longo dos dez anos analisados, foram registradas 9.158 notificações de HIV/AIDS, das quais uma foi excluída por duplicidade. O coeficiente de incidência foi de aproximadamente 374 a cada 100 mil/habitantes, e a capital do estado concentrou o maior número de casos (n = 4.569, 49,9%).

Em relação ao perfil da população em estudo, observou-se predomínio do sexo masculino (n = 5.842, 63,8%), com faixa etária de 20 a 49 anos (n = 7.262, 79,3%), da cor branca (n = 3.882, 42,4%) e parda (n = 3.800, 41,5%) e com, no máximo, oito anos de estudo (n = 4.011, 43,8%). O mecanismo de infecção por via sexual foi o mais frequente (n = 8.049, 87,9%). No que concerne à evolução dos casos, foram registrados 1.137 (12,4%) óbitos por aids e 125 (1,4%) por outras causas.

Observa-se, na Tabela 1, que apenas a faixa etária entre 10 e 14 anos do sexo masculino apresentou tendência temporal estável dos casos notificados e coeficiente médio inferior ao sexo feminino. Ademais, a faixa etária de 20 a 34 anos no sexo masculino apresentou o maior coeficiente médio do período (β0) com incremento anual na incidência (β1) de 0,97 e coeficiente de determinação (r22 Silva CM, Jorge AS, Dalbosco K, Peder LD, Horvath JD, Teixeira JJV, et al. Perfil epidemiológico dos pacientes com HIV em um centro de referência no sul do Brasil: características de dez anos. Rev Epidemiol Control Infecção. 2017;7(4):227-233. https://doi.org/10.17058/reci.v7i4.9150
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) de 0,94. O termo quadrático não foi significante, portanto, excluído do modelo.

Tabela 1
Análise de tendência das taxas de notificação por vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida do estado de Mato Grosso do Sul, segundo sexo e faixa etária, Brasil, 2009-2018 (N = 9.157)

Na Tabela 2, é possível identificar a correlação positiva (r = 0,30, p = 0,01) entre o coeficiente de incidência de HIV/AIDS e o IDHM, ao considerar o município de notificação, assim como o de residência (r = 0,34, p < 0,02).

Tabela 2
Correlação entre o coeficiente de incidência de vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida e o índice de GINI (medida de desigualdade na distribuição de renda, sendo 0 a completa igualdade e 1 a completa desigualdade de renda)(1313 Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010: resultados [Internet]. 2016 [cited 2019 Aug 22]. Available from: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
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), Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, Taxa de saneamento por município de notificação e de residência, Mato Grosso do Sul, Brasil, 2009-2018 (n = 79)

A análise da relação entre município de notificação versus o de residência mostrou que 2.131 (23,3%) indivíduos realizaram a notificação em locais diferentes daqueles onde residem. Algo similar ocorre com o tratamento, uma vez que 2.723 (29,7%) indivíduos o realizam em localidade diferente de sua residência. Em ambos os casos, houve aumento progressivo a partir do ano de 2014.

Quanto à geoespacialização (Figura 1), observa-se maior ocorrência de casos nas cidades sede das macrorregiões, a saber: Corumbá, Campo Grande, Dourados e Três Lagoas.

Figura 1
Coeficiente de incidência de vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida por 100 mil/habitantes segundo município de residência, Mato Grosso do Sul, Brasil, 2009-2018

DISCUSSÃO

A tendência temporal crescente de HIV/AIDS justifica a produção de esforços para o desenvolvimento de ações de prevenção que levem em consideração a influência de múltiplos fatores, tais como o comportamento individual, a incidência na população, aspectos biológicos, características regionais e econômicas, além dos determinantes sociais de saúde(1414 Gibson C, Grande K, Schumann C, Gasiorowicz M. Census Tract Poverty and Racial Disparities in HIV Rates in Milwaukee County, Wisconsin, 2009-2014. AIDS Behav. 2018;22(9):2994-3002. https://doi.org/10.1007/s10461-018-2064-y
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).

Conforme o modelo de Dahlgren e Whitehead, os determinantes proximais, caraterísticas individuais não controladas (sexo, idade e fatores hereditários), quando reconhecidos precocemente podem direcionar ações estratégicas de rastreio precoce e até mesmo de prevenção(77 Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health[Internet]. Stockholm: Institute for Future Studies; 1991 [cited 2021 Apr 13]. Available from: https://core.ac.uk/download/pdf/6472456.pdf
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,1515 Atrash HK. Health disparities: challenges, opportunities, and what you can do about it. J Hum Growth Dev. 2018;28(3):223-31. https://doi.org/10.7322/jhgd.152156
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).

Além disso, os hábitos de vida e comportamentos de risco em saúde comprometem o bem estar e podem conectar-se aos DSSs. Nessa perspectiva, torna-se necessário considerar os microdeterminantes e macrodeterminantes para subsidiar as transformações necessárias nas condutas individuais e, consequentemente, favorecer a população(77 Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health[Internet]. Stockholm: Institute for Future Studies; 1991 [cited 2021 Apr 13]. Available from: https://core.ac.uk/download/pdf/6472456.pdf
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).

No tocante à faixa-etária, a prevalência de maiores coeficientes médios da infecção em adultos jovens, identificada no presente estudo, corrobora a realidade encontrada em outras regiões brasileiras(1616 Dantas CC, Dantas FC, Monteiro BAC, Leite LJ. Perfil epidemiológico dos pacientes com HIV atendidos em um centro de saúde da região litorânea do estado de Rio de Janeiro, Brasil, 2010- 2011. ACM Arq Catarin Med [Internet]. 2017 [cited 2020 Jun 2];46(2):22-33. Available from: http://www.acm.org.br/acm/seer/index.php/arquivos/article/view/250/137
http://www.acm.org.br/acm/seer/index.php...
-1717 Guerrero AFH, Santos LE, Oliveira RG, Sales PDS, Guerrero JCH. Perfil sociodemográfico e epidemiológico preliminar de pessoas vivendo com HIV/AIDS no município de Coari, Amazonas, Brasil, no período de 2005 a 2016. Rev Saúde Pública (Paraná). 2019;2(1):103-12. https://doi.org/10.32811/25954482-2019v2n1p103
https://doi.org/10.32811/25954482-2019v2...
). Ademais, a tendência temporal crescente dessa condição crônica para ambos os sexos destaca a necessidade de, para além de ações de prevenção, operacionalizar as ações estratégicas de políticas públicas de acesso ao tratamento medicamentoso e não medicamentoso, a fim de que o aumento da sobrevida seja acompanhado de qualidade(1818 Bekele T, Globerman J, Watson J, Hwang SW, Hambly K, Koornstra J, et al. Elevated mortality and associated social determinants of health in a community-based sample of people living with hiv in ontariocanada: Findings from the positive spaces, healthy places (pshp) study. AIDS Behav. 2018;22(7):2214-23. https://doi.org/10.1007/s10461-018-2040-6
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).

Os maiores coeficientes médios identificados na população com idade entre 20 e 49 anos, para ambos os sexos, podem ser influenciados pelo fato de esse grupo etário receber maior concentração das ações estratégicas de políticas públicas, tais como a busca ativa do estado sorológico e oferta aos tratamentos disponíveis(1919 Cunha CC. Configurações e reconfigurações do movimento de jovens vivendo com HIV/AIDS no Brasil: Identidades e prevenções em jogo. Sex, Salud Soc (Rio J.). 2018;(29):294-312. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2018.29.14.a
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). Tal fator pode ser explicado pelo nível de coesão da comunidade e das redes sociais dos indivíduos, exemplificadas no modelo de Dahlgren e Whitehead como agentes importantes para influenciar um grupo na sociedade(55 Whitehead M. The concepts and principles of equity and health[Internet]. Geneva: WHO. 2000 [cited 2021 Apr 4]. Available from: https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0010/74737/E89383.pdf
https://www.euro.who.int/__data/assets/p...
). No entanto, deve-se considerar também que essa parcela populacional é a que possui vida sexual mais ativa, além de ser considerada com maior propensão a comportamentos de risco(1919 Cunha CC. Configurações e reconfigurações do movimento de jovens vivendo com HIV/AIDS no Brasil: Identidades e prevenções em jogo. Sex, Salud Soc (Rio J.). 2018;(29):294-312. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2018.29.14.a
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).

Esses comportamentos podem ocorrer ainda na adolescência, por vezes em decorrência das atitudes relacionadas à necessidade em ser aceito em grupos sociais, o que leva o indivíduo a se expor ao risco de contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e a uma gravidez não planejada(2020 Maranhão TA, Gomes KRO, Oliveira DC, Moita Neto JM. Repercussão da iniciação sexual na vida sexual e reprodutiva de jovens de capital do Nordeste brasileiro. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(12):4083-94. https://doi.org/10.1590/1413-812320172212.16232015
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). Nesse sentido, cabe destacar que a faixa etária entre 10 e 14 anos foi a única cujo coeficiente médio foi maior para o sexo feminino do que para o masculino, além de apresentar um incremento anual próximo da população adulta, o que pode estar relacionado aos comportamentos de risco mais frequentes nessa faixa etária. Assim, torna-se necessário o investimento em ações de educação em saúde que busquem métodos de abordagens alternativas de acordo com o público-alvo (p.ex., jovens, adultos e idosos), compreendendo a realidade de cada grupo, o nível de formação e compreensão da temática(2121 Clarke RD, Fernandez SB, Hospital M, Morris SL, Howard M, Wagner EF, et al. Getting their feet in the door: communication cues to action for HIV testing and condom use behaviors among hispanic/latinx college students. J Prim Prev. 2021;42:331-341. https://doi.org/10.1007/s10935-020-00610-3
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).

Pode-se destacar que, em razão dos mediadores socioeconômicos, ambientais e culturais, outras variáveis são redefinidas e influenciadas. Os achados deste estudo demonstraram que parte das PVHIVs (43%) tem no máximo oito anos de estudo, o que pode influenciar seu acesso aos serviços de saúde, bem como a escassez de conhecimentos e a viabilidade das informações que se mostram pertinentes à saúde. Estudo realizado no Canadá apontou que indivíduos com maior nível educacional aderem melhor às ações de prevenção ao HIV/AIDS(2222 Patterson S, Carter A, Nicholson V, Webster K, Ding E, Kestler M, et al. Condom less sex among virally suppressed women with HIV with regular HIV-serodiscordant sexual partners in the era of treatment as prevention. J Acquir Immune Defic Syndr. 2017;76(4):372-81. https://doi.org/10.1097/QAI.0000000000001528
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). Sendo assim, o sistema de educação tem uma enorme capacidade para gerar mudanças, em especial no que concerne à adoção de alguns comportamentos. No entanto, comumente é subutilizado em relação às ações de promoção da saúde em geral e redução das iniquidades sociais(2323 Dahlgren G, Whitehead M. European strategies for tackling social inequities in health: levelling up Part 2 [Internet]. Copenhagen, WHO Regional Office for Europe (Studies on social and economic determinants of population health). 2007 [cited 2021 Apr 23];3:149p. Available from: https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0010/74737/E89383.pdf
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).

A tendência crescente e aceleração positiva dos casos no estado para a população com mais de 50 anos constitui um fator importante a ser considerado no planejamento das ações de enfrentamento. Isso porque essa população, em geral, não busca os serviços de saúde para se prevenir de ISTs; e também porque a abordagem nos diferentes pontos da rede ainda está voltada para outras doenças crônicas mais frequentes(2424 Sousa AFL, Queiroz AAFLN, Fronteira I, Lapão L, Mendes IAC, Brignol S. HIV Testing among middle-aged and older men who have sex with men (MSM): a blind spot? Am J Mens Health. 2019;13(4). https://doi.org/10.1177/1557988319863542
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).

É importante destacar que tal fato não se restringe a esse estado brasileiro, já que países da África Subsaariana, por exemplo, apresentam proporção de idosos vivendo com HIV/AIDS maior do que em indivíduos na faixa etária de 15 a 49 anos, com agravante de, por vezes, desconhecerem o seu diagnóstico e apresentarem baixa escolaridade(2525 Matlho K, Randell M, Lebelonyane R, Kefas J, Driscoll T, Negin J. HIV prevalence and related behaviours of older people in Botswana-secondary analysis of the Botswana AIDS Impact Survey (BAIS) IV. Afr J AIDS Res. 2019;18(1):18-26. https://doi.org/10.2989/16085906.2018.1552162
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). Nesse sentido, o desenvolvimento de ações e estratégias voltadas a esse público, como rastreio e busca ativa de ISTs, poderia colaborar com o diagnóstico e conhecimento do panorama atual da infecção nessa parcela populacional.

No que concerne aos macrodeterminantes, as condições estruturais de pobreza como ausência de saneamento básico, acesso aos serviços de saúde, renda, educação, direitos civis e a oferta insuficiente de serviços essenciais(2626 Oliveira SV, Puchale CL, Gonçalves LC, Marin SR. Analysis of the fuzzy index of multidimensional poverty in urban populations: a case study in Santa Maria (RS). Rev CEPE. 2018;47:81-99. https://doi.org/10.17058/cepe.v0i0.11608
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) também são fatores que podem influenciar a adoção de comportamentos de risco, o que torna maior a propensão à infecção. Estudo realizado nos países da Europa identificou que o aumento do Produto Interno Bruto contribuiu para a redução da prevalência de HIV na população, visto que proporcionou investimentos efetivos em políticas públicas de prevenção e controle(2727 Reeves A, Steele S, Stuckler D, McKee M, Amato‐Gauci A, Semenza J. Gender violence, poverty and HIV infection risk among persons engaged in the sex industry: cross‐national analysis of the political economy of sex markets in 30 European and Central Asian countries. HIV med. 2017;18(10):748-55. https://doi.org/10.1111/hiv.12520
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).

Os achados do presente estudo mostram que o IDHM apresentou correlação positiva com o município de notificação (r = 0,303; p = 0,01) e de residência (r = 0,342; p = 0,02), e isso pode estar relacionado às características econômicas dessa região. Porém, outros indicadores sociais, como a taxa de saneamento, não mostraram correlação. Ainda, estudo ecológico realizado no Piauí apontou que as condições de saneamento básico têm papel significativo tanto na determinação da infecção pelo HIV quanto no adoecimento e mortalidade por aids(2828 Sousa Paiva S, Pedrosa NL, Galvão MTG. Spatial analysis of AIDS and the social determinants of health. Rev Bras Epidemiol. 2019;22. https://doi.org/10.1590/1980-549720190032
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). Vale também considerar que a conformação das redes assistenciais, em especial os serviços de referência do estado em questão, está concentrado nas macrorregiões de saúde(2929 Souza CDF, Medronho RA, Santos FGB, Magalhães MAFM, Luna CF. Spatial modeling of leprosy in the state of Bahia, Brazil, (2001-2015) and social determinants of health. Cien Saude Colet. 2020; 25(8): 2915-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232020258.21522018
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).

A desigualdade de renda, verificada pelo índice de GINI, não se configurou como fator de proteção ou de risco para incidência da infecção, tanto nos municípios notificantes como nos de residência (r = 0,011, p = 0,92; e r = 0,149, p = 0,19, respectivamente). Destarte, tal ocorrência também pode estar relacionada ao acesso a programas de distribuição de renda e busca ativa dos indivíduos pelos serviços de saúde(66 Barreto ML. Health inequalities: Health inequalities: a global perspective. Ciênc Saúde Colet 2017;22(7):2097-108. https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
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). Todavia, estudo ecológico realizado no Piauí elucidou que o percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza constitui um fator influente na incidência de aids. Esse fato levou os autores a considerarem a necessidade de explorar a relação entre a distribuição de renda e as diferenças nos níveis de saúde e adoecimento populacional(3030 Souza HP, Oliveira WTGH, Santos JPCS, Toledo JP, Ferreira IPS, Esashika SNGN, et al. Doencas infecciosas e parasitarias no Brasil de 2010 a 2017: aspectos para vigilancia em saude. Rev Panam Salud Pública. 2020;44. https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.10
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).

Ademais, cabe destacar que, embora o IDHM do estado de Mato Grosso do Sul seja considerado alto, a distribuição de renda é mediana(1313 Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2010: resultados [Internet]. 2016 [cited 2019 Aug 22]. Available from: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html
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), e as regiões apresentam heterogeneidade na distribuição dos casos, o que pode afetar a forma como o sistema de saúde atua sobre as demandas existentes. Isso porque os municípios-sede das macrorregiões de saúde apresentam maior infraestrutura de assistência, fato que pode determinar maior demanda em decorrência de sua procura por usuários provenientes de municípios do interior. Por vezes, os municípios-sede são reconhecidos como referência para todas as ações de cuidado relacionadas a doenças específicas(2929 Souza CDF, Medronho RA, Santos FGB, Magalhães MAFM, Luna CF. Spatial modeling of leprosy in the state of Bahia, Brazil, (2001-2015) and social determinants of health. Cien Saude Colet. 2020; 25(8): 2915-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232020258.21522018
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), inclusive o preenchimento da notificação. Não distante da realidade das cidades do interior, fatores como o estigma, necessidade de recomeçar a vida, busca por trabalho e tratamento forçam esses indivíduos a migrarem para os centros urbanos em busca de melhores condições(3131 Zambenedetti G, Azevedo R, Silva N. Descentralização da atenção em HIV-Aids para a atenção básica: tensões e potencialidades. Physis: Rev Saúde Coletiva. 2016;26(03). https://doi.org/10.1590/S0103-73312016000300005
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-3232 Melo EA, Maksud I, Agostini R. Cuidado, HIV/Aids e atenção primária no Brasil: desafio para a atenção no Sistema Único de Saúde? Rev Panam Salud Pública. 2018;42. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.151
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).

Diante disso, ações com o intuito de fortalecer a Atenção Primária e descentralizar o cuidado começaram a ser implementadas no ano de 2012, com a introdução do teste rápido para HIV e sífilis nas Unidades Básicas de Saúde, seguida da efetiva aplicação no ano de 2014, quando ocorreu a inclusão do diagnóstico de HIV nas doenças de notificação compulsória(3131 Zambenedetti G, Azevedo R, Silva N. Descentralização da atenção em HIV-Aids para a atenção básica: tensões e potencialidades. Physis: Rev Saúde Coletiva. 2016;26(03). https://doi.org/10.1590/S0103-73312016000300005
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-3232 Melo EA, Maksud I, Agostini R. Cuidado, HIV/Aids e atenção primária no Brasil: desafio para a atenção no Sistema Único de Saúde? Rev Panam Salud Pública. 2018;42. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.151
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). Acredita-se que essas ações colaboraram com o aumento das notificações e o real conhecimento do atual cenário da infecção desde esse período, conforme observado no presente estudo.

Cabe destacar que o desenvolvimento de programas de prevenção das ISTs não é suficiente quando realizado apenas pelo setor saúde. Isso se dá porque a determinação da doença é influenciada por fatores sociais, econômicos, nível/grau de acesso à educação, condições básicas de vida e características regionais em relação à organização dos serviços(1414 Gibson C, Grande K, Schumann C, Gasiorowicz M. Census Tract Poverty and Racial Disparities in HIV Rates in Milwaukee County, Wisconsin, 2009-2014. AIDS Behav. 2018;22(9):2994-3002. https://doi.org/10.1007/s10461-018-2064-y
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), entre outros. Por esse motivo, são necessárias também políticas intersetoriais.

Limitações do estudo

Este estudo apresenta limitações decorrentes da ausência de informações de algumas cidades no que se refere ao IDHM, índice de GINI e taxa de saneamento, além de dificuldades relacionadas ao preenchimento das fichas de notificações. Apesar disso, reitera-se a importância dos resultados encontrados, uma vez que estudos com bancos de dados secundários possibilitam uma análise temporal expressiva e com número maior de ocorrências.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde e Política Pública

Tais resultados evidenciam a necessidade de reflexões e investimentos em relação à organização e distribuição dos serviços de saúde pelos gestores, além de planejamento de ações que considerem as desigualdades sociais e o acesso à saúde, que serão pertinentes para o avanço e aperfeiçoamento da assistência de enfermagem.

CONCLUSÃO

Os determinantes sociais apresentam relação com a tendência temporal e distribuição espacial dos casos e podem direcionar estratégias de prevenção e cuidado.

No estado de Mato Grosso do Sul, os determinantes sociais tiveram relação com a tendência temporal e distribuição espacial dos casos de HIV/AIDS notificados no período de 2009 a 2019. Os dados apontam que, exceto para o sexo masculino na faixa etária de 10-14 anos, a tendência temporal dos casos mostra-se crescente, com correlação positiva com o IDHM (variável que mede a desigualdade social) e maior concentração nas cidades-sede das macrorregiões.

Embora não tenha sido identificada relação com outros indicadores como a desigualdade de renda e taxa de saneamento, os resultados do estudo podem subsidiar reflexões e sensibilização sobre a importância de investimentos na organização e distribuição dos serviços de saúde do estado pelos gestores, além de planejamento de ações que considerem as diferenças sociais e o acesso à saúde.

O conhecimento do perfil de determinada doença na população e das mudanças ocorridas ao longo do tempo, bem como dos fatores associados a essas mudanças, deve subsidiar a implementação de ações e estratégias de enfrentamento da doença. Nesse sentido, acredita-se que os resultados deste estudo podem: sensibilizar gestores e profissionais sobre a importância dessas questões; nortear a implementação de ações de prevenção, como a realização de testes para a determinação do estado sorológico nos grupos específicos; e estimular novos estudos que abordem os determinantes sociais de saúde e doenças infectocontagiosas.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

AGRADECIMENTO

À Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2021
  • Aceito
    17 Jan 2022
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