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(Re)Construção do corpo de mulheres transgêneras: busca cotidiana de (in)satisfação e cuidado?

RESUMO

Objetivo:

Analisar a estrutura e os conteúdos das representações sociais de mulheres transgêneras sobre o corpo e práticas de modificação corporal adotadas.

Métodos:

Pesquisa realizada com 92 mulheres mediante a técnica Snowball. Os dados foram coletados com auxílio da técnica de evocação livre de palavras e processadas pelo software Evoc, que organizou os elementos centrais e periféricos.

Resultados:

A representação do corpo real abarca dois aspectos estruturantes: um relativo à necessidade de adequar/modificar a conformação corporal consoante o gênero autorreferido, por causa da insatisfação com o próprio corpo; o segundo revela a felicidade/satisfação considerando os resultados obtidos por meio das práticas de modificações/adequações corporais adotadas na transição.

Considerações finais:

O corpo se constitui como um objeto complexo e foi representado por elementos que reforçam a compreensão das modificações corporais como necessidades, com vistas à satisfação, realização pessoal e cuidados com o próprio corpo.

Descritores:
Pessoas Transgênero; Associação Livre; Corpo Humano; Enfermagem; Populações Vulneráveis.

ABSTRACT

Objective:

To analyze the structure and contents of transgender women’s social representations of their bodies and body modification practices.

Methods:

Research conducted with 92 women using the Snowball technique. The data were collected using the free evocation of words technique and processed by the Evoc software, which organized the central and peripheral elements.

Results:

The representation of the real body includes two structuring aspects: one related to the need to adapt/modify the body conformation according to the self-reported gender, because of the dissatisfaction with the body itself; the second reveals the happiness/satisfaction considering the results obtained through the body modification/adaptation practices adopted in the transition.

Final considerations:

The body is constituted as a complex object and was represented by elements that reinforce the understanding of body modifications as needs, with a view to satisfaction, personal fulfillment, and care of one’s own body.

Descriptors:
Transgender Persons; Free Association; Human Body; Nursing; Vulnerable Populations.

RESUMEN

Objetivo:

Analizar estructura y contenidos de las representaciones sociales de mujeres transgénero sobre el cuerpo y prácticas de modificación corporal adoptadas.

Métodos:

Investigación realizada con 92 mujeres mediante la técnica Snowball. Los datos fueron recolectados con auxilio de la técnica de evocación libre de palabras y procesadas por el software Evoc, que organizó los elementos centrales y periféricos.

Resultados:

La representación del cuerpo real engloba dos aspectos estructurantes: un relativo a la necesidad de adecuar/modificar la conformación corporal consonante el género autoinformado, por causa de la insatisfacción con el propio cuerpo; el segundo revela la felicidad/satisfacción considerando los resultados obtenidos por medio de las prácticas de modificaciones/adecuaciones corporales adoptadas en la transición.

Consideraciones finales:

El cuerpo se constituye como un objeto complejo y fue representado por elementos que refuerzan la comprensión de las modificaciones corporales como necesidades, con fin a la satisfacción, realización personal y cuidados con el propio cuerpo.

Descriptores:
Personas Transgénero; Asociación Libre; Cuerpo Humano; Enfermería; Poblaciones Vulnerables.

INTRODUÇÃO

As práticas de modificação corporal são recursos desenvolvidos pela biomedicina, às quais as pessoas transgêneras podem recorrer para “adequar” e/ou “conformar” o corpo. O objetivo é alcançar a materialidade corporal e a satisfação pessoal ligadas ao que concebem como o corpo ideal, com possibilidades de ressignificar os aspectos (inter)subjetivos envolvidos nesse processo.

As pessoas transgêneras são compreendidas como aquelas que psicossocialmente não se identificam com o pertencimento de gênero exclusivo que lhes fora imposto ao nascimento(11 Winter S, Diamond M, Green J, Karasic D, Reed T, Whittle S, et al. Transgender people: health at the margins of society. Lancet. 2016;388(10042):390-400. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00683-8
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-22 Malta M, Jesus JG, LeGrand S, Seixas M, Benevides B, Silva MD, et al. ‘Our life is pointless …’: exploring discrimination, violence and mental health challenges among sexual and gender minorities from Brazil. Glob Public Health. 2020;15(10):1463-78. https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1767676
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), que leva em consideração a conformação anatômica genital, apoiando-se na convenção social estabelecida pela cis-heteronorma(11 Winter S, Diamond M, Green J, Karasic D, Reed T, Whittle S, et al. Transgender people: health at the margins of society. Lancet. 2016;388(10042):390-400. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00683-8
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,33 Porcino CA, Coelho MTAD, Oliveira JF. Representações sociais de universitários sobre a pessoa travesti. Saude Soc. 2018;27(2):481-94. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018169303
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). Dessa maneira, o processo de (auto)reconhecimento com base no gênero autodeterminado pode ocorrer tanto na infância quanto na idade adulta(44 Cortes HM. The feminine transgender phenomenon and the process of bodily changes. J Nurs Health. 2018;8(2):e188211. https://doi.org/10.15210/jonah.v8i2.14345
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), haja vista que esta é uma experiência vivenciada de modo singular por cada pessoa ao longo da vida. Destaca-se que a autodeterminação de gênero é um direito que nem sempre é reconhecido plenamente(55 Cruz TM. Assessing access to care for transgender and gender nonconforming people: a consideration of diversity in combating discrimination. Soc Sci Med. 2014;110:65-73. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2014.03.032
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), embora os Princípios de Yogyakarta(66 International Commission of Jurists (ICJ). The Yogyakarta Principles Plus 10: additional principles and state obligation on the application of international human rights law in relation to sexual orientation, gender expression and sex characteristics to complement the Yogyakarta Principles[Internet]. 2017[cited 2021 May 21]. Available from: https://www.refworld.org/docid/5c5d4e2e4.html
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) preconizem que toda pessoa tem o direito de ser reconhecida legalmente, consoante o gênero com que se identifica e a que sente pertencer, sem a obrigatoriedade de submissão a técnicas para modificar o corpo e/ou a intervenções cirúrgicas que não deseja.

Assim, ainda que uma e/ou outra técnica de modificação corporal seja adotada por pessoas transgêneras, levando-se em conta o desejo, a realização pessoal e os recursos disponíveis, ao profissional de saúde compete reconhecer a autonomia, o protagonismo e a legitimação da pessoa diante desse processo. Por conseguinte, é primordial tecer reflexões sobre o equívoco que ainda é cometido quando se considera a pessoa transgênera necessariamente como sinônima de pessoa cirurgiada ou redesignada(77 Áran M, Murta D, Lionço T. [Transsexuality and public health in Brazil]. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2009 [cited 2021 May 21];14(4):1141-9. Available from: https://www.scielo.br/j/csc/a/SBvq6LKYBTWNR8TLNsFdKkj/?lang=pt&format=pdf Portuguese.
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). A esse respeito, não se pode perder de vista a acepção do corpo e da (bio)medicina como uma realidade e estratégia biopolítica, visto que o controle da sociedade sobre os indivíduos dar-se-á não apenas pela consciência e ideologia, mas também por meio do(s) corpo(s), com o(s) corpo(s) e sobre o(s) corpo(s)(88 Foucault M. Microfísica do poder. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 2021. 432 p.). Embora estes sejam marcados por meio de inscrições sociais e simbólicas, que são materializadas pela própria pessoa(99 Louro G. Currículo, género y sexualidad. Lo “normal”, lo “diferente” y lo “excéntrico”. DES. 2019; 3(1):e065. https://doi.org/10.24215/25457284e065
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) , é no corpo e por meio dele que os processos de autoafirmação e/ou transgressão às normas regulatórias impostas pelo c(s)istema se expressam(22 Malta M, Jesus JG, LeGrand S, Seixas M, Benevides B, Silva MD, et al. ‘Our life is pointless …’: exploring discrimination, violence and mental health challenges among sexual and gender minorities from Brazil. Glob Public Health. 2020;15(10):1463-78. https://doi.org/10.1080/17441692.2020.1767676
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), possibilitando a existência de corpos dissidentes.

Nesse aspecto, é relevante destacar que, no Brasil, ainda são incipientes as pesquisas desenvolvidas com a participação de mulheres transgêneras e travestis, empreendidas por pesquisadoras transgêneras(44 Cortes HM. The feminine transgender phenomenon and the process of bodily changes. J Nurs Health. 2018;8(2):e188211. https://doi.org/10.15210/jonah.v8i2.14345
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,1010 Andrade LN. [Subjection and disruption of a body that remains and resists: possibility of a transvestite in the school environment]. Reciis Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2019;13(2):330-9. https://doi.org/10.29397/reciis.v13i2.1822 Portuguese.
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11 Krüger A, Sperandei S, Bermudez XPCD, Merchán-Hamann E. Characteristics of hormone use by travestis and transgender women of the Brazilian Federal District. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(suppl 1):e190004. https://doi.org/10.1590/1980-549720190004.supl.1
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-1212 Jesus JG, Belden CM, Huynhb HV, Malta M, LeGrandb S, Kaza VGK, et al. Mental health and challenges of transgender women: a qualitative study in Brazil and India. Int J Transgend Health. 2020;21(3):1-13. https://doi.org/10.1080/26895269.2020.1761923
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), visto que o maior número de produções em que esse segmento populacional foi objeto de estudo adveio de pesquisas realizadas por pessoas cisgêneras(1313 Bento B. Sexuality and trans experiences: from the hospital to the bedroom. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(10):2655-64. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001000015
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14 Caravaca-Morera JA, Padilha MI. Social representations of sex and gender among trans people. Rev Bras Enferm. 2017;70(6):1235-43. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0581
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-1515 Teixeira FB, Paulino DB, Raimondi GA, Crovato CAS, Prado MAM. Between the secret and the possibilities of health care: (re)thinking the silences on travesti narratives about HIV/AIDS. Sex Salud Soc. 2018;29:373-88. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2018.29.17.a
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). Entretanto, tal fato não se constitui um prejuízo, pois é reconhecida a importância desses estudos sobre as dissidências de gênero e transgeneridades que contribuíram com a construção do conhecimento dentro desse campo de saber. No entanto, um estudo protagonizado por uma mulher transgênera com outras mulheres cisgêneras pode tornar essa contribuição ainda mais expressiva dada as singularidades, subjetividades e construção das (trans)epistemes por meio de trocas e interações que envolvem e atravessam o(s) corpo(s) nesse processo, como é o caso desta pesquisa.

Assim, o corpo se constitui objeto privilegiado para estudos com o aporte da Teoria das Representações Sociais (TRS)(1616 Jodelet D. Le corps représenté et ses transformations. In: Jodelet D. (ed.). Représentations sociales et mondes de vie. Paris: Éditions des archives contemporaines; 2015. p. 177-190.-1717 Bôas LMSV, Camargo BV, Rosa AS. [The social thinking of college students about beauty and aesthetics surgery]. Arq Bras Psicol [Internet]. 2017 [cited 2021 Jan 24];69(2):187-206. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v69n2/13.pdf Portuguese.
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) por facultar a interação/troca entre indivíduos e grupos à medida que objetivam e ancoram as noções e imagens direcionadas às práticas materiais e simbólicas em face do objeto correspondente(1717 Bôas LMSV, Camargo BV, Rosa AS. [The social thinking of college students about beauty and aesthetics surgery]. Arq Bras Psicol [Internet]. 2017 [cited 2021 Jan 24];69(2):187-206. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v69n2/13.pdf Portuguese.
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). Nesse sentido, oportunizam o acesso ao conhecimento, à medida que orientam e fundamentam as práticas de cuidado. Diante disso, compreender os conhecimentos compartilhados presentes no pensamento social de mulheres transgêneras e o modo como estes influenciam atitudes e comportamentos, principalmente no que se refere ao próprio corpo e às práticas de modificação corporal, possibilita refletir sobre o cuidado em saúde dispensado a esse segmento populacional. Para tanto, em relação às demandas decorrentes da transição de gênero e às necessidades de saúde, é imprescindível considerar o conhecimento que construíram sobre e a partir de si, como forma de autocuidado e promoção da saúde(1818 Andrade CAA, Loureiro AR, Lima Neto ER, Vasconcelos EMR, Araújo EC. Selfcare requirements of transsexual women using sex hormones, according to the Orem Selfcare Theory. Cogitare Enferm. 2018;23(3). https://doi.org/10.5380/ce.v23i3.55748
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).

Cabe destacar que este é um aspecto que subsidiará tanto o reconhecimento ao direito à autodeterminação de gênero por profissionais de saúde quanto a identificação de possíveis fatores que interferem no planejamento e dispensa de um cuidado integral e equânime. Nesse sentido, a observância dessas ações contribui para a redução de danos e minimização de riscos à saúde, decorrentes da desassistência e das barreiras enfrentadas no acesso aos serviços de saúde por mulheres transgêneras.

OBJETIVO

Analisar a estrutura e os conteúdos das representações sociais de mulheres transgêneras sobre o corpo e práticas de modificação corporal adotadas.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto foi cadastrado na Plataforma Brasil, apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia e pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, respeitando-se os preceitos éticos(1919 Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012. Aprova normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [cited 2020 Dec 01]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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). Como forma de preservar o anonimato, foi utilizada a seguinte codificação (P-1, P-2… P-92), considerando a ordem numérica das respostas à técnica de evocação livre de palavras, acrescida da idade da pessoa e da informação da idade em que fez uso de hormônios pela primeira vez.

Referencial teórico-metodológico

Esta pesquisa é fundamentada na TRS, proposta por Serge Moscovici(2020 Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015. 408 p.), com foco na abordagem estrutural desenvolvida por Jean-Claude Abric(2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.), também conhecida como Teoria do Núcleo Central (TNC). De acordo com essa abordagem, uma representação possui dois componentes: conteúdo e estrutura. Dispõe ainda de quatro funções primordiais: a função de saber, que permite a compreensão e explicação da realidade; a identitária, que confere proteção à especificidade grupal; a de orientação, que guia os comportamentos e as práticas sociais; e a justificadora, que propicia justificar a tomada de posição (2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.).

As representações sociais são concebidas como formas de saber prático que implicam uma relação intrínseca entre um sujeito e um objeto, simbolizado por meio da representação e interpretado pelo próprio sujeito na medida em que se refere ao próprio objeto(1616 Jodelet D. Le corps représenté et ses transformations. In: Jodelet D. (ed.). Représentations sociales et mondes de vie. Paris: Éditions des archives contemporaines; 2015. p. 177-190.). Elas também se constituem uma modalidade particular de conhecimento, cuja especificidade reside no âmbito dos processos sociais em que são produzidas(2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.). Outrossim, possuem como função o reconhecimento e a elaboração de comportamentos entre sujeitos, por intermédio das interações que estes estabelecem com o contexto, conforme se reconhecem e se identificam como parte de um grupo social(2020 Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015. 408 p.). Nesse sentido, a pesquisa em representações sociais permite a apreensão da história em seu processo de construção(1616 Jodelet D. Le corps représenté et ses transformations. In: Jodelet D. (ed.). Représentations sociales et mondes de vie. Paris: Éditions des archives contemporaines; 2015. p. 177-190.) e demanda uma articulação simultânea pautada em três níveis de análise: a cultura, a interação e a posição individual(2222 Vala J. Racisms: social representations, racial prejudice and normative pressures. PSR [Internet]. 2013 [cited 2021 Apr 21];22:6.1-6.29. Available from: https://psr.iscte-iul.pt/index.php/PSR/article/view/321/280
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).

Tipo de estudo

Este é um estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa, que se interessou pelo senso comum e visão de mundo que indivíduos e grupos utilizam para compreender a dinâmica das experiências anteriores, com base nas interações sociais, primando pela identificação das práticas sociais e seus determinantes(2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.). Com vistas a assegurar a qualidade e o rigor da pesquisa, seguiram se as diretrizes da lista de verificação Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ)(2323 Souza VRS, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
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).

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido na cidade de Salvador, estado da Bahia (BA), visto que, nessa capital, estão alocados dois serviços que atendem a população transgênera no estado, sendo um deles habilitado pelo Ministério da Saúde do Brasil. Tais aspectos permitiram acessar um maior número de mulheres transgêneras. A amostragem foi realizada por meio da estratégia de recrutamento consecutivo Snowball(2424 Biernacki P, Waldorf D. Snowball sampling: problems and techniques of chain referral sampling. Sociol Methods Res. 1981;10(2):141-63. https://doi.org/10.1177/004912418101000205
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) para alcance das participantes. A adoção dessa técnica ocorreu em razão da ausência de informações sobre quantas pessoas transgêneras existem, ou quantas possuem demandas de cuidados em saúde. Para tanto, foram realizados convites por meio de contatos telefônicos, com as cinco primeiras sementes, após a indicação de uma representante do Movimento Social Organizado de Pessoas Trans de Salvador, Bahia, Brasil. Desse modo, a cada participante foi solicitada a indicação de uma outra mulher transgênera e assim sucessivamente, até o encerramento da produção dos dados. A coleta de dados não aconteceu em um local determinado, mas foi combinado previamente com cada pessoa o dia, o horário e o local.

Fonte de dados

Os dados foram produzidos pela participação de 92 mulheres transgêneras. Foram considerados como critérios de inclusão: mulheres transgêneras com base na autodeclaração e autodeterminação de gênero; com idade igual ou superior a 18 anos. Foram excluídas aquelas residentes fora de Salvador, no período da coleta de dados e que não pudessem interagir com a pesquisadora devido à situação pandêmica da COVID-19 e/ou estivesse em recuperação domiciliar em decorrência da realização de algum procedimento cirúrgico.

Coleta e organização dos dados

A produção dos dados empíricos foi realizada individualmente pela própria pesquisadora de forma presencial com cada participante e ocorreu nos meses de dezembro de 2019 a junho de 2020. Para isso, foi aplicada a técnica de evocações livres de palavras, sendo solicitado às participantes que falassem as cinco primeiras palavras e/ou expressões curtas que lhes viessem imediatamente à mente ao escutar o termo indutor “O corpo real para mim é…”. Em seguida, foi pedido que indicassem o termo mais importante e justificassem a sua escolha(2525 Estevam ID, Formiga NS, Coutinho MPL. [Adolescence, violence and life project: a study of social representations with adolescents]. Psicodebate. 2020;6(2):1-17. https://doi.org/10.22289/2446-922X.V6N2A1 Portuguese.
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). Depois, com a finalidade de conhecer o perfil do grupo social, foi aplicado o questionário com perguntas abertas e fechadas sobre os aspectos sociodemográficos, condições de saúde, práticas de modificação corporal adotadas, uso de hormônios e grau de satisfação em relação às práticas adotadas. Cabe destacar que esse instrumento foi aplicado após a técnica de evocação livre de palavras, para evitar possíveis influências sobre os dados produzidos.

Análise dos dados

Para a análise dos dados sociodemográficos e das práticas adotadas na conformação do corpo, foi utilizada a estatística descritiva, com auxílio do editor de planilhas Microsoft Excel. As evocações foram processadas pelo software “Ensemble de programmes permettant l’analyse des évocations” (EVOC), versão 2005(2626 Vergès P. Ensemble de programmes permettant l’analyse des évocations: manuel d’utilisateur. Aix en Provence: Université Aix en Provence; 2003.), que organiza o conteúdo do campo representacional e sua estrutura mediante a construção do quadro de quatro casas(2727 Wolter RP, Wachelke J, Naiff DGM. [The basic cognitive schemes: theorical perspectives and empirical research]. Temas Psicol [Internet]. 2016 [cited 2021 Feb 21];24(3):1139-52. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v24n3/v24n3a18.pdf Portuguese.
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).

No quadrante superior esquerdo, estão alocados os elementos que compõem o provável núcleo central por apresentarem as maiores frequências e por terem sido mais prontamente evocados. O quadrante superior direito, denominado primeira periferia, comporta elementos com frequência até superior à do núcleo central, porém evocados mais tardiamente. O quadrante inferior esquerdo, zona de contraste, é considerado o segundo mais importante da estrutura representacional, pois, além de conferir qualidade aos elementos centrais, também pode indicar a formação de um subgrupo. O quadrante inferior direito, também conhecido como segunda periferia, agrupa os termos e expressões não tão importantes para o grupo acerca do objeto representacional, mas que se refletem na vida cotidiana(2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.,2727 Wolter RP, Wachelke J, Naiff DGM. [The basic cognitive schemes: theorical perspectives and empirical research]. Temas Psicol [Internet]. 2016 [cited 2021 Feb 21];24(3):1139-52. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v24n3/v24n3a18.pdf Portuguese.
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).

As justificativas atribuídas aos termos classificados como mais importantes foram utilizadas de modo a contextualizar e revelar a semântica das evocações e a relação entre os elementos presentes no quadro de quatro casas. A análise de similitude foi empregada com vistas a alcançar a estrutura geral da representação. O cálculo foi realizado considerando o número de coocorrências entre duas evocações, dividido pelo número de participantes, que resulta no índice de similitude, o qual pode ser observado na árvore máxima de similitude. Por meio dessa técnica, não é possível confirmar a centralidade desses elementos, mas apontar aqueles que são considerados centrais para o grupo(2828 Wolter R. The Structural Approach to Social Representations: bridges between theory and methods. Psico-USF. 2018;23(4):621-31. https://doi.org/10.1590/1413-82712018230403
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29 Silva DO, Oliveira JF, Porcino C, Gomes AMT, Suto CSS, Carvalho ESS. Homelles people's social representations about self. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180956. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0956
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-3030 Rouquette ML, Rateau P. Introduction à l'étude des represéntations sociales. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble; 1998. 160 p.), tendo em vista os aspectos sociais, históricos, ideológicos e as normas que orientam o grupo social(2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.).

RESULTADOS

Entre as 92 participantes, 63% possuíam religião; 79% tinham entre 18 e 39 anos; 58% eram natural de Salvador; 86%, da raça/cor parda/preta; 97%, solteiras; 84% se autodeclararam heterossexuais; 46% com ensino médio incompleto; 38% trabalhavam informalmente (10% exerciam o trabalho formal; 9% foram demitidas do trabalho formal em decorrência da pandemia da COVID 19; 21% viviam exclusivamente do trabalho sexual; 14% exerciam trabalho formal/informal e complementavam a renda com o trabalho sexual); 62% possuíam renda de até dois salários mínimos, 27% entre dois e quatro e 11% acima de quatro salários mínimos; 87% acessavam exclusivamente os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS); 9% tinham acesso à rede suplementar e ao SUS; 4% acessavam exclusivamente a rede suplementar; 22% acessavam a hormonioterapia no Processo Transexualizador (PrTr) no SUS; e 69% relataram ter sofrido algum tipo de discriminação no SUS.

No tocante às práticas adotadas na transição com vistas à conformação corporal, 99% já realizaram algum procedimento clínico e/ou cirúrgico para conformar o corpo; 71% consideraram as práticas de modificação corporal como um aspecto muito importante; e 53% se mostraram satisfeitas em relação aos resultados alcançados.

O corpus textual construído com base nas evocações oriundas do termo indutor “O corpo real para mim é…” totalizou 460 palavras, entre as quais 23 eram diferentes. Com esse valor, foi estabelecida a frequência mínima de 11 e calculada a frequência média de 34, cuja ordem média de evocação (OME) foi de 2,9. Por meio desses parâmetros, foi elaborado o quadro de quatro casas (Figura 1), que revela os elementos centrais (quadrante superior esquerdo) e periféricos (os demais quadrantes).

Figura 1
Quadro de quatro casas para o termo indutor “O corpo real para mim é…”: elementos centrais e periféricos das representações sociais de mulheres transgêneras (N = 92), Salvador, Bahia, Brasil, 2021

No quadrante superior esquerdo, “é preciso adequar”, “insatisfeita” e “tristeza” indicam os possíveis elementos centrais da representação, que remetem às dimensões conceitual, imagética, afetiva e atitudinal/avaliativa.

Insatisfeita é um termo que reflete constantemente aquilo que sinto ao me olhar no espelho e por querer mudar isso, mas não poder de forma imediata. Estou insatisfeita, pois o meu corpo atual não reflete a correspondência entre dois aspectos da minha pessoa, o físico e o espiritual, ou seja, é como se fosse algo com defeito. (P-1, 25 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 20 anos)

O termo “é preciso adequar” é o mais importante visto porque o mesmo reflete a correção de aspectos negativos existentes em um sentido geral e que diz de forma generalizada todo esse processo de adequação que busco. (P-14, 22 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 19 anos)

Como não nascemos com o corpo sonhado, a adequação acaba sendo a saída, porque, quando se tem dinheiro, a gente pode pagar para ter o corpo que queremos […] infelizmente, não é o meu caso […] essa é uma situação que me deixa muito triste. (P-9, 33 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 20 anos)

No quadrante superior direito, está o termo “saudável”, que se refere às dimensões conceitual e avaliativa.

Porque o corpo que não está saudável, a pessoa pode não conseguir modificar as partes que deseja. Apesar de meu corpo ser harmônico, eu desejo colocar uma prótese de 300 ml para dar um pouco de volume. (P-12, 38 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 22 anos)

Os elementos “bonito”, “felicidade” e “satisfeita” presentes no quadrante inferior esquerdo parecem reforçar as dimensões imagética, (psico)afetiva e avaliativa da representação em seu provável núcleo central.

Estou satisfeita e acho meu corpo bonito porque é o corpo que sempre sonhei. Fiz o rosto, o peito, a bunda, o quadril e adequação genital. (P-69, 59 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 19 anos)

Felicidade é a palavra que define como eu realmente me sinto depois das mudanças que eu realizei no meu corpo. (P-79, 51 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 19 anos)

No quadrante inferior direito, destacam-se os termos “cuidar de mim”, “bem-estar comigo mesma”, que expressam as dimensões atitudinal e (psico)afetiva referentes a tomadas de posição e à autonomia sobre a própria vida. Já “peito pequeno”, “respeito comigo mesma”, “uma prisão”, “estranho”, “harmonização facial” e “colocar o peito” apontam para as dimensões imagética, avaliativa, atitudinal e (psico)afetiva.

Porque, se a gente não tiver cuidado com o nosso corpo, a saúde pode ficar comprometida e ficará impossível de realizar nossos sonhos e vontades. (P-54, 27 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 26 anos)

Essa situação [peito pequeno] me incomoda bastante porque o hormônio que eu tomo ainda não fez o efeito que eu tanto quero. Ter um peito adequado ao nosso corpo e à imagem psicológica que a gente tem de si mesma faz com que a gente seja mais feliz. (P 11, 29 anos, usou hormônio pela primeira vez aos 19 anos)

A Figura 2 mostra a representação gráfica da árvore máxima de similitude, na qual é possível observar as coocorrências calculadas por meio da análise frequencial, decorrentes da conexão entre os termos. Para o termo indutor “O corpo real para mim é…”, entre as 92 participantes, 90 evocaram simultaneamente duas ou mais palavras dentre aquelas que compuseram o quadro de quatro casas.

Figura 2
Árvore máxima da análise de similitude das representações sociais de mulheres transgêneras (N = 92), para o termo indutor “O corpo real para mim é…”, Salvador, Bahia, Brasil, 2021

Nas práticas de modificação corporal adotadas pelas participantes, foram utilizados os seguintes recursos: o uso de hormônios, a realização de procedimentos cirúrgicos e a aplicação do Silicone Líquido Industrial (SLI). Segue a descrição de cada um:

  • Uso de hormônios (hormonização) por conta própria, aqui denominado de “transição não assistida” e/ou “desassistida”, com base no conhecimento socializado por e entre pares foi referido por 94%; para 63%, hormonizar é um aspecto muito importante, enquanto 47% mostraram-se satisfeitas com os efeitos produzidos pelo uso de hormônios no corpo; a formulação combinou estrogênio e progesterona, utilizada por meio das vias intramuscular, oral, adesivo e gel transdérmico com destaque para “Perlutan®”, “Climene®”, “Natifa®”, “Cicloprimogyna®”, “Evra®” e “Sandrena®”. O uso da apresentação injetável, para 54% das participantes, foi feita por uma pessoa amiga e/ou conhecida, 17% por autoaplicação, 15% por empregada(o) de farmácia e 14% por profissional de saúde. A faixa etária para uso de hormônio pela primeira vez foi de 8 anos aos 36 anos de idade. O uso de bloqueadores na apresentação oral foi referido por 9%, com destaque para: “Acetato de Ciproterona®” (3), “Androcur®” (3) e “Espironolactona®” (5);

  • Procedimentos cirúrgicos realizados pelas participantes: depilação facial a laser (31), implante de prótese mamária bilateral (26), rinoplastia (5), cirurgia de redesignação sexual (CRS) (3), feminização facial (2), lipoescultura (2), mastoplastia de aumento (2), frontoplastia (1), queiloplastia redutora (1) e mentoplastia (1); o grau de satisfação com as práticas adotadas variou entre “satisfeita”, “muito satisfeita” e “completamente satisfeita”;

  • SLI: foi utilizado por 40%; dentre estas, 30% tiveram complicações decorrentes do uso; a menor idade em que ocorreu a primeira aplicação foi aos 19 anos e a maior, aos 40 anos; a predileção por parte do corpo foi: nádegas, peito, quadris, rosto e lábios; o volume de SLI utilizado variou de 20 ml a 10 litros; dentre as que fizeram uso dessa técnica, 22% mostraram se insatisfeitas, 62% satisfeitas, 5% muito satisfeitas e 11% completamente satisfeitas; 30% tiveram complicações decorrentes do uso, sendo um caso logo após a aplicação e os demais entre 5 e 10 anos após a primeira aplicação; 91% buscaram atendimento médico no SUS, mas somente 18% tiveram a situação resolvida.

DISCUSSÃO

Com este estudo, foi possível acessar as construções simbólicas e imaginárias sobre o corpo real entre mulheres transgêneras. Os significados analisados revelaram a complexidade que atravessa a dimensão corporal quanto à transição de gênero para esse grupo. Dessa maneira, as representações sociais construídas pelas participantes, provenientes de suas necessidades, experiências e vivências, são materializadas nas condutas mediante os discursos, ideias e imagens sob a égide de duas fontes: a primeira está relacionada ao conjunto de saberes que emergem das tradições e das experiências partilhadas por meio da interação no próprio grupo; e a segunda faz referência às construções e/ou imagens mentais, ao conhecimento e saber que alicerçam a vida cotidiana(2020 Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015. 408 p.).

Os elementos alocados no núcleo central, “insatisfeita”, “tristeza” e “é preciso adequar”, no campo representacional em análise, remetem tanto ao caráter funcional quanto ao normativo. Esses elementos, em razão de suas hierarquias - mais importantes para o grupo - possuem considerável valor simbólico em relação ao objeto representado, pois concretizam as representações sociais na vida social e no campo das ações práticas. Com base na TNC, o caráter normativo está relacionado ao sistema de valores do grupo investigado, ao passo que o caráter funcional privilegia a construção da representação na composição do núcleo central, ao agrupar os elementos mais importantes para a realização e justificativa na tomada de posição(2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.).

A “insatisfação” em relação ao próprio corpo, com base na autoimagem e necessidade de adoção de alguma prática de modificação corporal, está presente nas representações do corpo real, dada a ideia de incompletude que se ancora no sentimento de “tristeza”. Tais aspectos foram observados entre as mulheres mais jovens, de meia-idade, com menor escolaridade, que trabalhavam informalmente e que possuíam renda de até dois salários mínimos. Destaca-se que a constituição do corpo, no qual se inscreve a subjetividade, dar-se-á mediante as constantes mudanças por meio das representações individuais e sociais, por ser ele um objeto privado e social(3131 Justo AM, Camargo BV. [Body and social cognitions]. Liberabit [Internet]. 2013;9(1):21-32. [cited 2021 Apr 30]. Available from: http://www.scielo.org.pe/pdf/liber/v19n1/a03v19n1.pdf Portuguese.
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).

O termo “tristeza” comporta as dimensões conceitual, (psico)afetiva e avaliativa associadas ao elemento “insatisfeita” e remete ao descontentamento relacionado à conformação do corpo, em razão da ausência de materialidade corporal, visto que se trata de um processo de autoidentificação. Já a expressão “é preciso adequar” faz menção à dimensão imagética, mas também alude à (psico)afetiva e a atitudinal, dado o caráter avaliativo ligado à tomada de posição, no que se refere a adoção de alguma prática para modificar a conformação corporal, estruturando as representações sociais sobre o corpo real. No entanto, as práticas de modificações corporais e sua relação com o adoecimento e a promoção da saúde, com foco nas técnicas de autocuidado(1818 Andrade CAA, Loureiro AR, Lima Neto ER, Vasconcelos EMR, Araújo EC. Selfcare requirements of transsexual women using sex hormones, according to the Orem Selfcare Theory. Cogitare Enferm. 2018;23(3). https://doi.org/10.5380/ce.v23i3.55748
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), são construídas por meio de experiências individuais e processos de sociabilidades entre pares.

Os elementos periféricos encontram-se distribuídos nos três demais quadrantes e possibilitam perceber diversos sentidos atribuídos pelas participantes à representação social do corpo real. No quadrante superior direito, o termo “saudável”, no tocante à frequência, ocupa a terceira posição em todo o quadro, objetivando a importância e manutenção da saúde de modo consensual no campo representacional. Evidencia-se que, para o grupo investigado, a importância de ter saúde e/ou de um corpo saudável é uma condição essencial para que as possíveis modificações clínicas e/ou cirúrgicas desejadas sejam materializadas.

A maior parte das participantes relatou ter sofrido discriminação no acesso aos serviços de saúde, o que pode se configurar em barreiras para a manutenção da saúde e a uma transição assistida. Com isso, o acesso à saúde como direito humano básico em muito se distancia da realidade(33 Porcino CA, Coelho MTAD, Oliveira JF. Representações sociais de universitários sobre a pessoa travesti. Saude Soc. 2018;27(2):481-94. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018169303
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,3232 Oliveira EM, Oliveira JF, Suto CSS, Porcino C, Brandão SPA, Oliveira DS, et al. “Experiences marked by prejudice(s)?”: nurses’ representations on ‘transvestite’ people. Rev Bras Enferm. 2020;73(suppl 6):e20190749. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0749
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33 Monteiro S, Brigeiro M. Experiences of transgender women/transvestites with access to health services: progress, limits, and tensions. Cad Saúde Pública. 2019;35(4):e00111318. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111318
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-3434 Rocon P, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini M. Difficulties experienced by trans people in accessing the Unified Health System. Ciênc Saúde Colet. 2016;21:2517-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
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). Em que pese os serviços especializados para esse segmento serem percebidos como mais qualificados, nem sempre o acolhimento e o atendimento são isentos de preconceito e discriminação(3434 Rocon P, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini M. Difficulties experienced by trans people in accessing the Unified Health System. Ciênc Saúde Colet. 2016;21:2517-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
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35 Tagliamento G, Paiva V. Trans-specific health care: challenges in the context of new policies for transgender people. J Homosex. 2016;63:1556-72. https://doi.org/10.1080/00918369.2016.1223359
https://doi.org/10.1080/00918369.2016.12...
-3636 Pinto TP, Teixeira FB, Barros CRS, Martins RB, Saggese GRS, Barros DD, et al. Use of industrial liquid silicone to transform the body: prevalence and factors associated with its use among transvestites and transsexual women in São Paulo, Brazil. Cad. Saúde Pública. 2017;33(7):e00113316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00113316
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). Assim, a qualidade do cuidado dispensado pode ser comprometido e se constituir num desserviço, sobretudo pelos problemas estruturais no SUS e escassez de debates, na formação em saúde, sobre as demandas de saúde de pessoas transgêneras(33 Porcino CA, Coelho MTAD, Oliveira JF. Representações sociais de universitários sobre a pessoa travesti. Saude Soc. 2018;27(2):481-94. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018169303
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,3333 Monteiro S, Brigeiro M. Experiences of transgender women/transvestites with access to health services: progress, limits, and tensions. Cad Saúde Pública. 2019;35(4):e00111318. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111318
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,3636 Pinto TP, Teixeira FB, Barros CRS, Martins RB, Saggese GRS, Barros DD, et al. Use of industrial liquid silicone to transform the body: prevalence and factors associated with its use among transvestites and transsexual women in São Paulo, Brazil. Cad. Saúde Pública. 2017;33(7):e00113316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00113316
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-3737 Rigolon M, Carlos DM, Oliveira WA, Salimet NR. “Health does not discuss trans bodies”: oral history of transsexuals and transvestites. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20190228. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0228
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).

No quadrante inferior esquerdo, os termos “bonito”, “felicidade” e “satisfeita” refletem variações do próprio grupo - dos juízos, saberes, das hierarquias de valores, recursos financeiros disponíveis para acesso à rede de saúde suplementar, faixa etária e/ou por já terem realizado modificações corporais possíveis e consideradas importantes para si -, apontando indícios de transição em sua estrutura(2121 Abric JC. La recherche du noyau central et de la zone muette des représentations sociales. In: Méthodes d'étude des représentations sociales. Toulouse: Éditions ÉRÈS; 2005. p. 59-80.). Nesse caso, sentir-se bonita, feliz e satisfeita com o próprio corpo, considerando as modificações empreendidas, poderá contribuir não só para atitudes de autocuidado e elevação da estima, mas também para a redução de riscos e danos à saúde, tendo em vista as experiências que compartilham entre si.

Os termos “cuidar de mim”, “bem-estar comigo mesma”, “peito pequeno”, “respeito comigo mesma”, “uma prisão”, “estranho”, “harmonização facial” e “colocar o peito” presentes no quadrante inferior direito retratam uma forte representação não só do corpo, mas também de vida, que parece essencial para alcançar a materialidade corporal idealizada e desejada - em termos de feminilidade, consoante o gênero autorreferido. No tocante à satisfação, essa representação foi elaborada sobretudo por mulheres que estavam satisfeitas com as modificações corporais realizadas. Tais aspectos conotam o que julgam ser o melhor para si, pois reafirmam a importância da adoção dessas práticas tanto para a satisfação pessoal quanto para o reconhecimento social na vida cotidiana, papel essencial na adaptação, tendo em vista as evoluções do contexto em que essas representações emergem.

O elemento que mais estabeleceu conexões na árvore máxima de similitude (Figura 2) foi “é preciso adequar” e “insatisfeita” e “saudável”. Assim, considerando que o índice de conexidade estabelecido entre os termos se constitui como um critério para a indicação de centralidade, é possível inferir que esses termos formem o núcleo central da representação(3030 Rouquette ML, Rateau P. Introduction à l'étude des represéntations sociales. Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble; 1998. 160 p.).

A literatura(55 Cruz TM. Assessing access to care for transgender and gender nonconforming people: a consideration of diversity in combating discrimination. Soc Sci Med. 2014;110:65-73. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2014.03.032
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2014...
,1111 Krüger A, Sperandei S, Bermudez XPCD, Merchán-Hamann E. Characteristics of hormone use by travestis and transgender women of the Brazilian Federal District. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(suppl 1):e190004. https://doi.org/10.1590/1980-549720190004.supl.1
https://doi.org/10.1590/1980-54972019000...
-1212 Jesus JG, Belden CM, Huynhb HV, Malta M, LeGrandb S, Kaza VGK, et al. Mental health and challenges of transgender women: a qualitative study in Brazil and India. Int J Transgend Health. 2020;21(3):1-13. https://doi.org/10.1080/26895269.2020.1761923
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) aponta que a utilização de hormônios por conta própria - hormonização - é comum devido às barreiras enfrentadas no acesso aos serviços de saúde. Enquanto uma parte (22%) das participantes acessava o PrTr para a hormonioterapia, os procedimentos cirúrgicos realizados com vistas à materialização corporal foram custeados por conta própria, seja pela ausência de cobertura, seja por conta das barreiras no acesso a esses serviços no âmbito do SUS(55 Cruz TM. Assessing access to care for transgender and gender nonconforming people: a consideration of diversity in combating discrimination. Soc Sci Med. 2014;110:65-73. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2014.03.032
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2014...
,1515 Teixeira FB, Paulino DB, Raimondi GA, Crovato CAS, Prado MAM. Between the secret and the possibilities of health care: (re)thinking the silences on travesti narratives about HIV/AIDS. Sex Salud Soc. 2018;29:373-88. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2018.29.17.a
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,3333 Monteiro S, Brigeiro M. Experiences of transgender women/transvestites with access to health services: progress, limits, and tensions. Cad Saúde Pública. 2019;35(4):e00111318. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111318
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). Salienta se que a CRS, a feminização facial e a frontoplastia foram realizadas por profissionais tailandeses e italianos, uma vez que a implantação do PrTr data da última década e as participantes se submeteram a esses procedimentos há mais de 15 anos. No que tange à feminização facial e à frontoplastia, ambas ainda não são custeadas pelo SUS, o que leva as mulheres transgêneras que dispõem de recursos financeiros a se deslocarem dentro e fora do Brasil para a realização desses procedimentos.

A aplicação do SLI é a única técnica que não é realizada por profissional de saúde. Geralmente, esse procedimento é feito por uma mulher transgênera ou travesti, denominada “bombadeira”(3838 Benedetti M. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Editora: Garamond; 2005. 144 p.), que possui reconhecimento social dentro desse segmento populacional. Nesse sentido, achados semelhantes relacionados ao uso do SLI com o objetivo de conferir a materialidade corporal desejada, com maior rapidez, também foram apontados nos resultados de outro estudo(3636 Pinto TP, Teixeira FB, Barros CRS, Martins RB, Saggese GRS, Barros DD, et al. Use of industrial liquid silicone to transform the body: prevalence and factors associated with its use among transvestites and transsexual women in São Paulo, Brazil. Cad. Saúde Pública. 2017;33(7):e00113316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00113316
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). Na presente pesquisa, a idade mínima de uso foi de 19 anos e a máxima, 40 anos.

O uso do SLI pode causar riscos e danos à saúde, como: processo inflamatório local, abscesso, siliconoma, deformidade, necrose tecidual, embolia pulmonar, migração para outras partes do corpo e, em sua forma mais grave, óbito(3636 Pinto TP, Teixeira FB, Barros CRS, Martins RB, Saggese GRS, Barros DD, et al. Use of industrial liquid silicone to transform the body: prevalence and factors associated with its use among transvestites and transsexual women in São Paulo, Brazil. Cad. Saúde Pública. 2017;33(7):e00113316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00113316
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,3939 Mello DF, Gonçalves KC, Fraga MF, Perin LF, Helene Jr. A. Local complications after industrial liquid silicone injection: case series. Rev Col Bras Cir. 2013;40(1):37-43. https://doi.org/10.1590/S0100-69912013000100007
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). Assim, vê-se a necessidade da realização de discussões sobre as dificuldades enfrentadas cotidianamente por mulheres transgêneras acerca do atendimento às suas demandas e necessidades de saúde; e sobre os desafios com que se defrontam profissionais de saúde ao acolherem e planejarem cuidados para esse segmento, tendo em vista que a discussão sobre corpos trans ainda é incipiente no âmbito da saúde(33 Porcino CA, Coelho MTAD, Oliveira JF. Representações sociais de universitários sobre a pessoa travesti. Saude Soc. 2018;27(2):481-94. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018169303
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,3737 Rigolon M, Carlos DM, Oliveira WA, Salimet NR. “Health does not discuss trans bodies”: oral history of transsexuals and transvestites. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20190228. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0228
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).

Com base nos resultados obtidos, observa-se quão emergente é para o grupo social a utilização desses recursos, tendo em vista que o corpo é o espaço no qual valores, crenças, atitudes e comportamentos são construídos e ressignificados. Nesse sentido, é fundamental considerar alguns aspectos, quais sejam: a motivação, o desejo, a acessibilidade, os recursos disponíveis e a satisfação pessoal. Outrossim, essa tomada de posição, em alguma medida, pode influenciar a construção do conhecimento que emerge e se reifica no meio social, pois é desenvolvida por intermédio das (inter)relações e interações sociais entre pares, que foi e/ou é incorporado aos saberes disponíveis nos discursos do grupo.

Ademais, novos conceitos, imagens, atitudes e/ou práticas podem ser atribuídos ao objeto representado, tendo em vista a dinâmica relacional do grupo social com esse objeto. Por esse ângulo, o corpo real se constitui como elemento essencial na transição porque é nele e por meio dele que as modificações sonhadas, idealizadas e desejadas dar-se-ão. É mediante essa materialidade corporal que os processos de construção, (re)invenção e cuidado de si são empreendidos. Em relação a eles, cada termo evocado teve sua notoriedade, dada a complexidade dos enfrentamentos cotidianos de pessoas transgêneras, considerando suas demandas e especificidades, ao buscarem os serviços de saúde(33 Porcino CA, Coelho MTAD, Oliveira JF. Representações sociais de universitários sobre a pessoa travesti. Saude Soc. 2018;27(2):481-94. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018169303
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-44 Cortes HM. The feminine transgender phenomenon and the process of bodily changes. J Nurs Health. 2018;8(2):e188211. https://doi.org/10.15210/jonah.v8i2.14345
https://doi.org/10.15210/jonah.v8i2.1434...
,3333 Monteiro S, Brigeiro M. Experiences of transgender women/transvestites with access to health services: progress, limits, and tensions. Cad Saúde Pública. 2019;35(4):e00111318. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111318
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).

Limitações do estudo

A limitação deste estudo decorre da participação de mulheres transgêneras de único município da Bahia, o que não permite avançar com os resultados para outros cenários. No entanto, mesmo com a pandemia de COVID-19, foi possível acessar um número expressivo de participantes de modo a qualificar os resultados da pesquisa. Mesmo com o impacto da pandemia de COVID-19 e de suas medidas de distanciamento social e demais recomendações sanitárias, a etapa de coleta de dados foi realizada de maneira presencial.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

A relevância deste estudo está na importância de apresentar as representações sociais de mulheres transgêneras sobre o corpo e práticas adotadas na conformação do corpo, compreendidas como um conhecimento situado e declarativo que leva em consideração o saber do senso comum. Nesse aspecto, a Enfermagem e as demais categorias profissionais da área da saúde possuem papel fundamental no que se refere ao respeito ao uso do nome social e autodeterminação de gênero, principalmente no âmbito do SUS, pois 69% das participantes relataram ter sofrido algum tipo de discriminação. A observância desses aspectos é essencial para que possamos reconhecê-las em sua totalidade e dispensar um acolhimento e atendimento de qualidade que contemple suas reais necessidades, respeitando a autonomia das pessoas trans de modo a reduzir danos e riscos à saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos resultados apresentados, nota-se que as representações sociais sobre o corpo real ganham expressão e visibilidade com as experiências empreendidas pelas participantes para alcançar a materialidade corporal pretendida e consequente reconhecimento social por outrem, considerando-se o gênero reivindicado. Nesse tocante, entendemos que o acesso a uma “transição assistida” por meio da oferta de serviços de qualidade, políticas públicas efetivas, profissionais comprometidos com o cuidado integral, escuta ampliada e sensível às (trans)especificidades desse segmento potencialize o cuidado emancipatório. Compreendemos que as dificuldades evidenciadas pelas entrevistadas refletem as barreiras enfrentadas por mulheres transgêneras no acesso aos serviços e atendimentos de suas necessidades de saúde. O incentivo aos gestores em pautar a discussão dessa temática no âmbito da formação técnica e superior em saúde é pertinente, visto que as vivências cotidianas possuem um papel preponderante nos processos que envolvem a saúde e a doença.

MATERIAL SUPLEMENTAR

https://doi.org/10.48331/scielodata.OH38RA

FOMENTO / AGRADECIMENTO

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pelo apoio financeiro através da concessão de bolsa de Doutorado e às mulheres transgêneras pela disponibilidade e participação no estudo.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa
EDITOR ASSOCIADO: Rafael Silva

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2021
  • Aceito
    03 Abr 2022
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