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Da alienação à clínica da enfermagem: cuidado aos pacientes psiquiátricos com comorbidade

RESUMO

Objetivo:

Conhecer como os enfermeiros de saúde mental cuidam de pacientes psiquiátricos com comorbidades clínicas.

Método:

Estudo qualitativo embasado no referencial do materialismo histórico e dialético. Foram realizadas entrevistas com enfermeiros utilizando roteiro semiestruturado; amostra determinada em bola de neve. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo, contemplando: organização e leitura exaustiva do material, exploração, agrupamento dos dados em unidades temáticas, tratamento dos resultados e interpretação.

Resultados:

A atuação dos enfermeiros é marcada pela dialética entre saber e não-saber, movimento que revelou duas categorias: clínica da enfermagem psiquiátrica; e alienação e subordinação do enfermeiro no processo de cuidar.

Considerações finais:

O desenvolvimento da clínica da enfermagem, pautada na relação terapêutica, favorece o cuidado integral ao paciente, enquanto a alienação/subordinação afasta o enfermeiro do cuidado e gera prejuízos na assistência.

Descritores:
Saúde Mental; Enfermagem Psiquiátrica; Cuidados de Enfermagem; Comorbidade; Prática Profissional

ABSTRACT

Objective:

to understand how nurses of mental health care for psychiatric patients with clinical comorbidities.

Method:

qualitative study based on the referential of historical and dialectical materialism. Interviews with nurses were conducted using semi-structured script. Sample determined in snowball. The interviews were recorded and transcribed in full. The data were analyzed through content analysis, including: organization and exhaustive reading of the material, exploration, grouping data into thematic units, processing of results, and interpretation.

Results:

the role of nurses is marked by the dialectic between knowing and not knowing, a movement that revealed two categories: clinic of psychiatric nursing, and alienation and subordination of nurse in the care process.

Final considerations:

the development of the nursing clinic, based on the therapeutic relationship, favors integral care towards the patient, whereas alienation/subordination distances the nurse from care and impairs care.

Descriptors:
Mental Health; Psychiatric Nursing; Nursing Care; Comorbidity; Professional Practice

RESUMEN

Objetivo:

conocer cómo los enfermeros de salud mental cuidan a pacientes psiquiátricos con comorbilidades clínicas.

Método:

estudio cualitativo basado en el referencial del materialismo histórico y dialéctico. Se realizaron entrevistas a enfermeros mediante guión semiestructurado. Muestreo determinado de bola de nieve. Las entrevistas fueron grabadas e íntegramente transcriptas. Los datos fueron analizados por medio del análisis de contenido, contemplando: organización y lectura exhaustiva del material, exploración, agrupamiento de los datos en unidades temáticas, tratamiento de los resultados e interpretación.

Resultados:

la actuación de los enfermeros está marcada por la dialéctica entre saber y no saber, movimiento que reveló dos categorías: clínica de la enfermería psiquiátrica y alienación y subordinación del enfermero en el proceso de cuidar.

Consideraciones finales:

el desarrollo de la clínica de la enfermería pautada en la relación terapéutica favorece el cuidado integral al paciente, mientras la alienación/subordinación aleja al enfermero del cuidado y perjudica la asistencia.

Descriptores:
Salud Mental; Enfermería Psiquiátrica; Atención de Enfermería; Comorbilidad; Práctica Profisional

INTRODUÇÃO

Desde seu advento até a atualidade, a enfermagem passou por diversas mudanças. Esse dinamismo é compreendido por tratar-se de uma profissão cuja presença se faz necessária em diversos contextos nos quais os seres humanos precisam ser assistidos, cuidados(11 Pinho LB, Rodrigues J, Kantorski LP, Olschowsky A, Schneider JF. The challenges of mental health practice from the perspective of the psychosocial model: the view of health care professionals. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];14(1):25-32. Available from: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v14/n1/pdf/v14n1a03.pdf
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). No campo da saúde mental, não foi diferente: os profissionais da enfermagem foram e continuam sendo convidados a pensar sobre sua prática e a transformar seu saber e seu fazer com o intuito de auxiliar na reabilitação dos pacientes(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
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3 Almeida Filho AJ, Moraes AEC, Peres MAA. The performance of the nurse in the psicossocial attention centers: historical implication in the psychiatric nursing. Rev Rene[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];10(2):158-65. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/4794
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4 Barbosa CRR, Couto FC, Gomes RW, Emmerick V, Xavier ZDM. Atuação do enfermeiro frente aos modelos substitutivos no tratamento aos portadores de transtornos mentais. Rev Littera Doc Disc[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];1(2):1-17. Available from: http://www.litteraemrevista.org/ojs/index.php/Littera/article/view/57
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-55 Aguiar DT, Silveira LC, Palácio PDB, Duarte MKB. Mental health nursing. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];25(2):107-20. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/5549/4464
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).

A Reforma Psiquiátrica foi um movimento que evidenciou a necessidade de repensar o cuidado prestado aos pacientes. No período pré-reforma, prevalecia o modelo biomédico, cujo foco era a doença e não o homem em sua integralidade e que restringia o enfermeiro a uma posição de subordinação e alienação ao fazer médico(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
http://www.revistas.usp.br/smad/article/...
).

Com a Reforma Psiquiátrica, foi proposto o modelo psicossocial, que visava a desinstitucionalização por meio da substituição dos manicômios por equipamentos inseridos na comunidade, permitindo assistir o paciente em sofrimento psíquico em seu meio social(55 Aguiar DT, Silveira LC, Palácio PDB, Duarte MKB. Mental health nursing. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];25(2):107-20. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/5549/4464
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...
-66 Campos RO, Baccari IP. Intersubjectivity in Mental Health care: narratives of nursing technicians at a Psychosocial Care Center. Rev Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];16(4):2051-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n4/v16n4a04.pdf
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). Nesse modelo, atuam as equipes multiprofissionais, nas quais o enfermeiro é o profissional que pode assumir uma nova forma de fazer a clínica, cujo foco seja o sujeito em sua existência-sofrimento, tornando-se agente terapêutico que deve se retirar do lugar de profissional que já tem respostas prontas para os problemas do paciente e se colocar como quem trabalha junto a ele(44 Barbosa CRR, Couto FC, Gomes RW, Emmerick V, Xavier ZDM. Atuação do enfermeiro frente aos modelos substitutivos no tratamento aos portadores de transtornos mentais. Rev Littera Doc Disc[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];1(2):1-17. Available from: http://www.litteraemrevista.org/ojs/index.php/Littera/article/view/57
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-55 Aguiar DT, Silveira LC, Palácio PDB, Duarte MKB. Mental health nursing. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];25(2):107-20. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/5549/4464
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,77 Almeida ANS, Feitosa RMM, Boesmans EF, Silveira LC. Clinical care nursing in mental health: reflections on a practice nurse. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2014[cited 2018 Jan 07];6(1):213-31. Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/2819/pdf_1105
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuid...
).

Nesta pesquisa, pretendeu-se olhar de modo mais aprofundado para o cuidado aos pacientes psiquiátricos com comorbidades clínicas em virtude de questões suscitadas a partir da experiência com pacientes e profissionais de saúde mental, na qual foi possível constatar que os pacientes tinham seu sofrimento extrapolado e manifestado também em seu corpo por meio das barbas a fazer, unhas a cortar, pés com fissuras e condições precárias de higiene.

Vale ressaltar que o cuidado não se limita às questões biológicas ou às questões psíquicas, mas ocorre simultaneamente, por considerar que o corpo de um indivíduo não é separado de sua mente e que sua estruturação psíquica depende dessas duas dimensões(55 Aguiar DT, Silveira LC, Palácio PDB, Duarte MKB. Mental health nursing. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];25(2):107-20. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/5549/4464
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).

Tal dependência pode ser identificada em estudo mostrando que os indivíduos com sofrimento psíquico têm duas a três vezes mais risco de morte e redução da expectativa de vida de 20 anos quando comparados com a população geral(88 Happel B, Scott D, Platania-Phung C, Nankivell J. Should we or shoudn’t we? mental health nurses’ views on physical health care of mental health consumers. Int J Mental Health Nurs[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];21(3):202-10. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1447-0349.2011.00799.x
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). Dessa forma, a atuação do enfermeiro no modelo psicossocial exige maior percepção das necessidades do paciente, de modo que a clínica se desenvolva com ações voltadas para o sofrimento psíquico do sujeito sem, contudo, abandonar as questões biológicas(55 Aguiar DT, Silveira LC, Palácio PDB, Duarte MKB. Mental health nursing. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];25(2):107-20. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/5549/4464
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). Também é de competência dos profissionais de saúde mental atuar nas ações de redução da morbimortalidade decorrente de problemas relacionados a distúrbios metabólicos, cardiovasculares, endócrinos, infecções sexualmente transmissíveis, entre outros comuns no contexto da saúde pública, de modo a discutir e problematizar tais comorbidades clínicas com a equipe e com o sujeito(11 Pinho LB, Rodrigues J, Kantorski LP, Olschowsky A, Schneider JF. The challenges of mental health practice from the perspective of the psychosocial model: the view of health care professionals. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];14(1):25-32. Available from: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v14/n1/pdf/v14n1a03.pdf
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,99 Barbosa IG, Ferreira RA, Huguet FLR, Salgado JV, Teixeira AL. Comorbidades clínicas e psiquiátricas em pacientes com transtorno bipolar tipo I. J Bras Psiquiatr[Internet] 2011[cited 2018 Feb 07];60(4):271-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v60n4/a07v60n4.pdf
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).

Dessa maneira, toma-se como objeto deste estudo o cuidado de enfermagem desenvolvido aos pacientes psiquiátricos com comorbidades clínicas.

OBJETIVO

Conhecer como os enfermeiros de saúde mental cuidam de pacientes psiquiátricos com comorbidades clínicas.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto foi submetido e aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. A coleta de dados realizou-se mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos sujeitos, respeitando os princípios éticos descritos na Resolução 466/2012, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos.

Tipo de estudo e referencial teórico-metodológico

Trata-se de um estudo qualitativo embasado na abordagem do materialismo histórico e dialético, a qual busca compreender os fenômenos por meio dos seus significados e considera que as representações sociais podem condicionar a construção do real, considerado em si como contraditório(1010 Matheus MCC, Fustinoni S. Pesquisa qualitativa em enfermagem. São Paulo: Livraria Médica Paulista; 2006.). Assim, essa abordagem permitiu considerar a atuação do enfermeiro em seu contexto histórico, dinâmico e em transformação(1010 Matheus MCC, Fustinoni S. Pesquisa qualitativa em enfermagem. São Paulo: Livraria Médica Paulista; 2006.).

Cenário do estudo e fonte de dados

O estudo foi desenvolvido no CAPS III do município de Campinas. Foi possível entrevistar nove enfermeiros que atuam em cinco dos seis CAPS do município.

A amostragem foi realizada em bola de neve(1111 Wood GL, Haber J. Pesquisa em enfermagem. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2001.). Após realizar o convite, via contato telefônico, os três enfermeiros que aceitaram primeiro foram as sementes e indicaram os seguintes. O fim das entrevistas deu-se quando a inquietação do pesquisador foi respondida(1212 Martínez-Salgado C. Sampling in qualitative research. Basic principles and some controversies. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];17(3):613-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v17n3/v17n3a06.pdf
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). Os participantes foram identificados com a sigla ENF seguida do número arábico.

Determinou-se como critérios de inclusão: enfermeiros com no mínimo um ano de trabalho no serviço e que atenderam pacientes psiquiátricos com comorbidades clínicas.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados por meio de entrevistas utilizando roteiro semiestruturado com as seguintes questões norteadoras: Você já atendeu algum paciente psiquiátrico com comorbidades clínicas? Conte-me como fez o atendimento. As entrevistas foram gravadas em áudio digital e transcritas na íntegra.

Análise dos dados

Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo, contemplando as seguintes etapas: organização e leitura exaustiva do material, exploração, agrupamento dos dados em unidades temáticas, tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação(1313 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.).

RESULTADOS

Os dados foram organizados de modo a dar suporte às duas categorias, organizadas a partir da dialética que representou o movimento de contradição entre saber e não-saber.

Categoria 1 – Clínica da enfermagem psiquiátrica

Essa categoria é composta por discursos que remetem à presença da clínica da enfermagem psiquiátrica no processo de cuidar do paciente psiquiátrico com comorbidades clínicas e que demarcam o saber.

Os achados dessa categoria mostraram o processo de cuidar com foco no sujeito, articulando a nosologia psiquiátrica a condutas terapêuticas que visam estimular a autonomia dos pacientes. Assim, tais condutas favorecem a responsabilização dos sujeitos por sua saúde, o que pode indicar menos relevância ao olhar biomédico na dimensão do cuidado.

Eu aprendi ao longo do tempo que a gente foca o sujeito, né? Então, assim, a questão patológica é importante? É, mas pra ter uma conduta terapêutica, a gente vai focar mais no sujeito do que na doença, né. [...] O manejo acaba sendo outro [...] Acho que vai no caso a caso. (ENF-5)

Na convivência, também acho que é um espaço ideal, assim as demandas vão surgindo, e é uma coisa mais espontânea. [...] eu aproveitava esses momentos de que eles também são responsáveis por sua saúde clínica, que dá pra cuidar de outro jeito. A gente tentava desconstruir essa ideia de que só dá pra cuidar via medicação, via médico, que existem outros profissionais também que podem fazer orientações clínicas, né? (ENF-8)

As entrevistas revelaram que a clínica da enfermagem psiquiátrica se alicerça na relação entre enfermeiro-paciente e se dá a partir do encontro, da permanência e do vínculo. No processo de cuidar, a permanência possibilita a relação e favorece a identificação de alterações biológicas.

A gente fica mais atento pra aquelas pessoas que vêm mais aqui, aquelas que tão sempre aqui por causa do vínculo, por causa das atividades de grupo, e aí a gente consegue perceber quando tem alguma coisa diferente, quando não é que ela tá desorganizada por causa da parte psíquica, né. (ENF-3)

A pessoa vinha aqui com uma desorganização da glicemia e estava extremamente confuso [...] ‘opa, isso aí não é quando ele tá em crise, tem alguma coisa diferente’. Aí, via a glicemia e a glicemia tava lá no alto ou superbaixa né [...] Aquelas que vêm pouco a gente não consegue assistir de uma forma inteira, a parte psíquica e clínica. (ENF-3)

Eu acho que é mais fácil pro enfermeiro que é bom na saúde mental, que é bastante antenado, conseguir lidar também com questões clínicas [...] e depende do quanto eu me envolvo ou não com o paciente. (ENF-1)

Nos discursos, revelou-se que os enfermeiros reconhecem os prejuízos em lançar um olhar fragmentado sobre o cuidado ao sujeito, considerando somente a nosologia psiquiátrica. Nesse contexto, foi apontado que a fragmentação entre o corpo e a mente resulta em dificuldades para assistir o paciente e tem como consequência a fragmentação do cuidado nos distintos pontos de atenção que compõem a rede.

Então, esse foi um caso assim que a gente aqui não conseguiu identificar, né, que era dor de dente, mas a gente tava tratando essa desorganização dele como se fosse da patologia... esquizofrênico com retardo mental leve, enfim... a gente tava acreditando muito que fosse isso. Foi um caso também que ficou... que a gente não conseguiu olhar pra essa questão mais clínica dele, né. (ENF-5)

Existe uma morosidade em perceber as coisas e pra rede, pra atenção básica, eu acho que é mais difícil olhar pra um usuário da saúde mental como um paciente que precisa de um cuidado com o corpo, assim fica uma coisa muito desmembrada que a gente sabe que não dá pra ser, mas que é. (ENF-6)

Categoria 2 – Alienação e subordinação do enfermeiro no processo de cuidar do paciente psiquiátrico com comorbidades clínicas

Essa categoria é composta por falas que remetem a diversas formas de alienação e subordinação as quais permeiam o processo de trabalho dos enfermeiros e demarcam o não-saber.

Por meio das falas, evidencia-se que o processo de trabalho continua mantendo pilares no saber biomédico. Assim, o trabalho do enfermeiro no CAPS é permeado pela alienação ao saber do outro; o enfermeiro não ocupa o lugar de quem exerce sua autonomia e torna o seu fazer dependente do fazer médico, em um contexto no qual se cumpre a prescrição ou mostra, pelo desconhecimento do tratamento clínico, a fragmentação do cuidado e dificuldade de continuidade no tratamento.

Uma crise hipertensiva que não seja grave, que não tenha... que seja uma crise hipertensiva sintomática, a gente consegue cuidar, a gente pode administrar a medicação se tiver um médico aqui. Se tiver um médico aqui, ele normalmente dá esse suporte, mas a gente não tem médico 24 horas. (ENF-4)

Sempre tem paciente com diabetes descompensada, e a gente faz, se é possível, se tem médico aqui, por exemplo, e dá pra gente medicar, a gente faz e... se não, a gente encaminha. (ENF-2)

Os usuários vêm pra leito e geralmente vêm sem esse tipo de cuidado, não traz a medicação clínica, a família não consegue acessar é... ter acesso às medicações, então a gente tem uma dificuldade nesse sentido. O que eu vou ter que fazer? Vou ter que ligar no centro de saúde onde ele faz tratamento pra ver a prescrição, que nem a receita ele não tem. (ENF-9)

Foi possível identificar que também existe a dificuldade do enfermeiro em permanecer no seu lugar para desenvolver o cuidado; como consequência, ele realiza várias tarefas.

A referência pediu pra enfermeira resolver porque... mas é isso, só pede pra resolver quando tá no limite, e o que deveria mesmo ser passado para a enfermeira e a enfermeira tá atenta, conseguir, a gente não consegue... porque a gente tá cuidando de outras coisas que às vezes não é nem só da enfermagem, entendeu? (ENF-1)

A gente acaba assumindo muita coisa que não é nossa e vai juntando tudo e no dia a dia, os pacientes graves... e a gente não consegue fazer o que era pra ser feito. (ENF-7)

As entrevistas mostraram que a alienação e subordinação do enfermeiro ultrapassam o ambiente de trabalho no CAPS e abrangem também serviços de saúde que compõem a rede.

Ele chega aqui com o curativo todo sujo, tendo mosca em cima... ele só vai no centro de saúde de segunda-feira, ele não foi sexta, como é que eu deixo? Eu não posso abraçar porque eu não tenho estrutura pra abraçar os curativos aqui. (ENF-2)

O que mais me deixa assim é o centro de saúde, tipo assim, a gente acaba fazendo papel de centro de saúde, e o centro de saúde adora porque vai só empurrando pra gente. (ENF-7)

DISCUSSÃO

O movimento dialético mostrado a partir dos achados deste estudo, distribuídos nas categorias, demandou a fundamentação teórica dos conceitos de clínica, alienação e subordinação.

No contexto da saúde mental, não é incomum relacionar o conceito de clínica da enfermagem à abordagem de patologias, remetendo à prática médica em que o olhar clínico era voltado para a queixa apresentada pelo paciente(1414 Carvalho SR. Clinical Medicine, Public Health and subjectivity: conversations with David Armstrong. Interface[Internet]. 2016[cited 2018 Jan 07];20(57):497-508. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v20n57/en_1807-5762-icse-20-57-0497.pdf
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-1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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). Com o surgimento da anatomia patológica, valorizando a visão biológica da doença e do corpo, houve uma transformação no modelo explicativo para diagnóstico e cura das doenças; e, assim, durante o século XIX, construiu-se a clínica das reações patológicas(1414 Carvalho SR. Clinical Medicine, Public Health and subjectivity: conversations with David Armstrong. Interface[Internet]. 2016[cited 2018 Jan 07];20(57):497-508. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v20n57/en_1807-5762-icse-20-57-0497.pdf
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-1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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). No século XX, o olhar médico passou a considerar o entorno e os espaços exteriores ao corpo do paciente, incluindo as perspectivas psicológica e social(1414 Carvalho SR. Clinical Medicine, Public Health and subjectivity: conversations with David Armstrong. Interface[Internet]. 2016[cited 2018 Jan 07];20(57):497-508. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v20n57/en_1807-5762-icse-20-57-0497.pdf
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).

Na atualidade, podemos identificar que a clínica é permeada pelo uso de tecnologia, pela determinação de diagnósticos e pelo tratamento medicamentoso, uma vez que se busca nos fármacos a medicalização dos problemas na tentativa de pôr fim ao sofrimento humano(1414 Carvalho SR. Clinical Medicine, Public Health and subjectivity: conversations with David Armstrong. Interface[Internet]. 2016[cited 2018 Jan 07];20(57):497-508. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v20n57/en_1807-5762-icse-20-57-0497.pdf
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). Na enfermagem, tal discussão vem sendo historicamente construída pela composição da clínica na medicina, o que favorece a ação do saber médico por meio da organização dos espaços e dos corpos(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
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,55 Aguiar DT, Silveira LC, Palácio PDB, Duarte MKB. Mental health nursing. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];25(2):107-20. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/5549/4464
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...
,1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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).

A partir da implementação de novos equipamentos, pós-Reforma Psiquiátrica, houve a possibilidade da construção de uma clínica ampliada estruturada a partir do sujeito em sofrimento e que, por meio do acolhimento e do cuidado, pode contribuir para a articulação do sujeito em seu território e não fora dele, potencializando transformações no sujeito e na sociedade(1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
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).

Nessa perspectiva, pensa-se na possibilidade de reconstrução da clínica de enfermagem centrada no cuidado, migrando de um modelo intervencionista que objetiva a cura para um modelo que tenha como premissa o cuidar(1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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). Essa reconstrução exige a apropriação do saber específico da enfermagem, sem deixar de levar em conta o saber do sujeito que busca por intervenções(1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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-1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
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).

Logo, é importante considerar que o desenvolvimento da clínica não pode se dar de modo linear, pois ele é permeado por construções e desconstruções do campo do cuidado e marcado pela complexidade em considerar que os problemas de saúde mental originam-se de determinantes multicausais, o que permite trabalhar de diferentes modos em busca de alcançar o melhor sentido para a existência da pessoa(1717 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(1):220-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_0034-7167-reben-70-01-0220.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_...
). Para isso, faz-se necessária a reorganização do processo de trabalho em saúde mental no intuito de compreender as necessidades psicossociais e políticas do sujeito, superando o paradigma tutelar(1717 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(1):220-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_0034-7167-reben-70-01-0220.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_...
-1818 Oliveira AB, Alessi NP. [Mental health nursing work: contradictions and current potentialities]. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2003[cited 2018 Jan 07];11(3):333-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16543.pdf Portuguese
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).

Se, por um lado, a clínica da enfermagem pauta-se no saber e aponta para uma possibilidade de cuidar, por outro, nos resultados desse estudo, identificou-se que o não-saber pode demarcar o movimento de alienação e subordinação da enfermagem em uma realidade de enfrentamento.

A alienação pode ser definida como uma relação contraditória que ocorre quando o homem estabelece com os produtos de seu trabalho e em suas relações sociais um estado de estranhamento no qual deixa de sentir-se afirmado e reconhecido em seu trabalho, criando uma dimensão de valoração negativa produtora de sofrimento e descontentamento(1919 Gomes RM, Schraiber LB. Humanization-alienation dialectic as a tool for the critical comprehension of health practices dehumanization: some conceptual elements. Interface[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];15(37):339-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v15n37/a02v15n37.pdf
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). Esse estranhamento surge quando o agente do trabalho é alienado dos meios de produção e da propriedade, a sua atividade é alienada ao outro e ele perde o controle do seu processo de trabalho. Assim, no contexto da alienação, as marcas humanas do sujeito no mundo e sua subjetividade deixam de pertencer ao homem, culminando no não reconhecimento de si e levando-o a encarar o trabalho como um meio de garantir a sobrevivência(1818 Oliveira AB, Alessi NP. [Mental health nursing work: contradictions and current potentialities]. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2003[cited 2018 Jan 07];11(3):333-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16543.pdf Portuguese
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-1919 Gomes RM, Schraiber LB. Humanization-alienation dialectic as a tool for the critical comprehension of health practices dehumanization: some conceptual elements. Interface[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];15(37):339-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v15n37/a02v15n37.pdf
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).

Esse recorte da alienação, próprio do sistema capitalista, emerge a partir da divisão social e técnica do trabalho e reproduz, no interior do trabalho, relações ideológicas e políticas das classes sociais que reforçam a desigualdade social e a diferença entre o proprietário do lucro e o proprietário da força de trabalho, demarcando uma relação de dominação(2020 Fraga MNO. A prática de enfermagem psiquiátrica subordinação e resistência. São Paulo: Cortez Editora; 1993.).

A partir dessa configuração, o trabalho em saúde tem se transformado ao longo da história em uma fonte de subordinação, caracterizada como uma limitação sobre o controle dos sujeitos acerca de seu próprio trabalho e resultante da fragmentação e hierarquização do processo de trabalho(2020 Fraga MNO. A prática de enfermagem psiquiátrica subordinação e resistência. São Paulo: Cortez Editora; 1993.-2121 Gonçalves BHF, Jacondino MB, Martins CL, Fernandes HN, Amestoy SC, Thofehrn MB. The working of nursing employees and its repercussions in the users’ care. J Nurs Health[Internet]. 2015[cited 2018 Jan 07];5(1):14-26. Available from: http://enfermagem.bvs.br/lildbi/docsonline/get.php?id=537
http://enfermagem.bvs.br/lildbi/docsonli...
). Esse cenário abre espaço para reafirmar, entre as profissões da saúde, um sentido de valorização do trabalho intelectual pela desvalorização do trabalho manual(1818 Oliveira AB, Alessi NP. [Mental health nursing work: contradictions and current potentialities]. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2003[cited 2018 Jan 07];11(3):333-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16543.pdf Portuguese
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19 Gomes RM, Schraiber LB. Humanization-alienation dialectic as a tool for the critical comprehension of health practices dehumanization: some conceptual elements. Interface[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];15(37):339-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v15n37/a02v15n37.pdf
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-2020 Fraga MNO. A prática de enfermagem psiquiátrica subordinação e resistência. São Paulo: Cortez Editora; 1993.).

No Brasil, o surgimento da enfermagem psiquiátrica foi marcado pela diferença de classes e divisão social do trabalho(2020 Fraga MNO. A prática de enfermagem psiquiátrica subordinação e resistência. São Paulo: Cortez Editora; 1993.). Ainda, foi atribuído a ela um caráter de missão e vocação, o que colocou em segundo plano seu ensino formal qualificado; e, por consequência, negou-se a essa prática sua condição de trabalho. Nesse contexto, a ideia de que a prática da enfermagem poderia ser realizada gratuitamente ou a custos muito baixos foi fortalecida e pôde gerar relações de submissão vistas a partir da compra e venda da força de trabalho e do recrutamento de mulheres para exercerem atividades que não exigiam qualificação(1818 Oliveira AB, Alessi NP. [Mental health nursing work: contradictions and current potentialities]. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2003[cited 2018 Jan 07];11(3):333-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16543.pdf Portuguese
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,2020 Fraga MNO. A prática de enfermagem psiquiátrica subordinação e resistência. São Paulo: Cortez Editora; 1993.).

A alienação, compreendida ainda como um conceito dinâmico que requer mudança, não produz apenas a consciência alienada, mas também a consciência de ser alienado(2222 Mészáros I. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo; 2006.). Tal consciência impede a aceitação em permanecer inerte à alienação, fazendo surgir a necessidade de superá-la(1919 Gomes RM, Schraiber LB. Humanization-alienation dialectic as a tool for the critical comprehension of health practices dehumanization: some conceptual elements. Interface[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];15(37):339-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v15n37/a02v15n37.pdf
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-2020 Fraga MNO. A prática de enfermagem psiquiátrica subordinação e resistência. São Paulo: Cortez Editora; 1993.). Assim, com o desenvolvimento da clínica da enfermagem ao longo da história, identifica-se um movimento de resistência frente às práticas de enfermagem subordinadas e tidas como coadjuvantes ao fazer médico(1818 Oliveira AB, Alessi NP. [Mental health nursing work: contradictions and current potentialities]. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2003[cited 2018 Jan 07];11(3):333-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16543.pdf Portuguese
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,2020 Fraga MNO. A prática de enfermagem psiquiátrica subordinação e resistência. São Paulo: Cortez Editora; 1993.).

Junto à possibilidade de desenvolvimento da clínica da enfermagem, verificou-se o movimento dialético marcado pelo saber biomédico que coloca em cena a categoria da alienação e subordinação do enfermeiro diante de sua prática. As entrevistas mostraram que, para alguns enfermeiros, é difícil pensar em possibilidades de cuidar que sejam independentes do saber médico. Isso se revela nos discursos em que a ausência do médico, a falta da prescrição médica e dos medicamentos impedem a realização do cuidado, sendo necessário o encaminhamento para outros serviços.

O modelo biomédico desvincula o homem de seu aparato social e cultural na medida em que se preocupa exclusivamente com a queixa a partir de parâmetros orgânicos que se encontram perturbados(2323 Carvalho SR, Rodrigues CO, Costa FD, Andrade HS. Medicalization: (ir)relevant criticism? Physis[Internet]. 2015[cited 2018 Jan 07];25(4):1251-69. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n4/0103-7331-physis-25-04-01251.pdf
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). É importante ressaltar que essa relação de poder tem determinado o lugar da enfermagem ao longo da história a partir da divisão social e técnica do trabalho. Essa divisão culmina na fragmentação do trabalho dentro da própria equipe de enfermagem, na qual o trabalho intelectual é atribuído aos enfermeiros e as tarefas manuais são destinadas aos técnicos e auxiliares de enfermagem(1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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). Essa divisão também se reflete em uma esfera da equipe multiprofissional que determina à enfermagem a posição de executora, enquanto as outras profissões são detentoras do saber intelectual(1818 Oliveira AB, Alessi NP. [Mental health nursing work: contradictions and current potentialities]. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2003[cited 2018 Jan 07];11(3):333-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v11n3/16543.pdf Portuguese
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,2121 Gonçalves BHF, Jacondino MB, Martins CL, Fernandes HN, Amestoy SC, Thofehrn MB. The working of nursing employees and its repercussions in the users’ care. J Nurs Health[Internet]. 2015[cited 2018 Jan 07];5(1):14-26. Available from: http://enfermagem.bvs.br/lildbi/docsonline/get.php?id=537
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). Mesmo fazendo resistência a esse lugar com a construção de suas próprias bases científicas desde os anos 1950(1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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), as entrevistas mostraram que a enfermagem continua alienada e subordinada ao saber biomédico uma vez que continua atuando de modo a subsidiar a prática médica.

A consequência dessa prática baseada no saber biomédico exemplifica-se no processo de cuidar voltado para a administração de medicamentos, para o cuidado físico e vigilância do comportamento dos pacientes(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
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). Nessa realidade, o processo de trabalho continua organizado de modo a garantir a eficácia e a ser complementar ao ato médico(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
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).

A busca da subjetividade favorece a construção do lugar do paciente como cidadão, o que é marco fundamental das políticas de saúde mental na atualidade(2424 Cavalcanti PCS, Oliveira RMP, Caccavo PV, Porto IS. O cuidado de enfermagem nos Centros de Atenção Psicossocial. Ciênc Cuidado Saúde[Internet]. 2014[cited 2018 Jan 07];13(1):111-9. Available from: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/viewFile/19458/pdf_120
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-2525 Amarante AL, Lepre AS, Gomes JLD, Pereira AV, Dutra VFD. Nursing mental health care strategies in Brazilian family health program. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];20(1):85-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v20n1/10.pdf
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). Desse modo, o fato de utilizar uma abordagem que coloca a doença em evidência caracteriza-se como um retrocesso para a enfermagem na saúde mental, mesmo quando se trata de identificar comorbidades que possam ser associadas à doença psiquiátrica índice.

Como possibilidade de enfrentamento dessa realidade que produz alienação, identificou-se nos resultados do presente estudo, a existência de enfermeiros que pensam o processo de cuidar tendo como foco o sujeito e realizam a abordagem no caso a caso. A literatura aponta a importância em levar em consideração a história de cada sujeito e reconhecê-lo como um ser que tem um modo peculiar de reagir ao processo saúde-doença e de estruturar sua vida, não reduzindo-o a um ser doente necessitado de tratamento(1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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-1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
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). Nesse contexto, o cuidado de enfermagem volta seu olhar aos aspectos singulares da vida do sujeito, o que implica não lidar apenas com as demandas biológicas e fisiológicas(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
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). Assim, o processo de trabalho do enfermeiro organiza-se de modo a favorecer o desenvolvimento de uma clínica voltada ao sujeito e que localiza a doença como parte da experiência de sua existência(1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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).

Uma ferramenta da clínica que pode priorizar o foco no sujeito, articulando a nosologia psiquiátrica ao cuidado integral, pode ser a escuta, caracterizada como um dispositivo que contribui para minimizar a angústia a partir da produção de sentidos ao possibilitar que o outro seja escutado. Além disso, a escuta tem sua importância como possibilidade de criar espaço para ocorrer a circulação da palavra e o desenvolvimento da capacidade de pensar em novos caminhos para o cuidado(2626 Lima DWC, Vieira AN, Silveira LC. Therapeutic listening in clinical mental health care nursing. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Jan 07];24(1):154-60. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-0707-tce-24-01-00154.pdf
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). Tal ferramenta promove o reconhecimento da singularidade e pode contribuir com uma proposta de cuidado que vai além da perspectiva biomédica e de medicalização(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
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).

Nesse sentido, acredita-se que a clínica da enfermagem pode ser desenvolvida a partir de práticas favorecedoras da associação do saber científico do enfermeiro ao saber do sujeito, com o intuito de pensar intervenções que contribuam para a autonomia do paciente e permitam a sua participação na construção de práticas de promoção da saúde(1515 Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. Work process and clinic in nursing: considering new possibilities. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];17(4):521-6. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a12.pdf
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-1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
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).

Na enfermagem, as doenças que caracterizam a comorbidade — como exemplo, o diabetes e a hipertensão arterial sistêmica — podem ser interrogadas pelo enfermeiro como temas viabilizadores da possibilidade de criação de um espaço para a circulação da palavra, o que pode favorecer a construção de formas singulares de o sujeito lidar com sua doença. Assim, o reconhecimento do sujeito em sua totalidade abre espaço para a realização do cuidado partindo da integralidade, aspecto essencial a ser adotado no processo de cuidar do paciente psiquiátrico com comorbidades clínicas, por permitir atuar na prevenção de complicações e agravos(2727 Lopes PF, Garcia APRF, Toledo VP. Nursing process in the everyday life of nurses in Psycho-Social Attention Centers. Rev Rene[Internet]. 2014[cited 2018 Jan 07];15(5):780-8. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/download/3241/2496
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-2828 Vidal FDL, Araújo VS, Azevedo EB, Gaudêncio EO, Dias MD, Ferreira Filha MO. Practice of care/caring for patients with mental disorders: perception of nurses. Rev Ciênc Saúde[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];5(2):99-106. Available from: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faenfi/article/view/11281/8198
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).

É interessante observar que, mesmo em casos nos quais é necessária a intervenção médica (p.ex., na crise hipertensiva com presença de sintomas), aos enfermeiros não ocorre nenhuma possibilidade outra de intervenção a construir-se para além da medicação; principalmente se considerar que o modelo de atenção na saúde mental reconhece o sujeito em sua relação com o território e rede social, o que pode indicar que, além do cuidado no momento da crise, em um segundo momento, será importante dar continuidade a assistência de forma integral(11 Pinho LB, Rodrigues J, Kantorski LP, Olschowsky A, Schneider JF. The challenges of mental health practice from the perspective of the psychosocial model: the view of health care professionals. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];14(1):25-32. Available from: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v14/n1/pdf/v14n1a03.pdf
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,1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
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).

Considerando a possibilidade de construir a clínica com foco na integralidade, identificou-se, pela fala dos entrevistados, que seu alicerce é a relação enfermeiro–paciente.

No final da década de 1970, a relação enfermeiro–paciente começou a ganhar espaço como elemento essencial da enfermagem psiquiátrica(33 Almeida Filho AJ, Moraes AEC, Peres MAA. The performance of the nurse in the psicossocial attention centers: historical implication in the psychiatric nursing. Rev Rene[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];10(2):158-65. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/4794
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). É por meio dela, também conhecida como relação terapêutica, que a interação enfermeiro–paciente é sustentada com o objetivo de ajudar o indivíduo a encontrar possíveis soluções(33 Almeida Filho AJ, Moraes AEC, Peres MAA. The performance of the nurse in the psicossocial attention centers: historical implication in the psychiatric nursing. Rev Rene[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];10(2):158-65. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/4794
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).

A relação terapêutica, desenvolvida entre enfermeiro e paciente, necessita de investimento de ambos a fim de promover a recuperação da saúde. Nesse contexto, é importante que o enfermeiro sustente o lugar de agente terapêutico, utilizando a relação como pilar para o cuidado e como meio para buscar conhecer as experiências de vida do indivíduo e para estimulá-lo a responsabilizar-se pela sua produção sintomática e, por consequência, pela escolha das decisões terapêuticas(1717 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(1):220-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_0034-7167-reben-70-01-0220.pdf
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).

As falas dos entrevistados mostraram que o encontro, a permanência e o vínculo são quesitos que possibilitam o desenvolvimento da relação terapêutica, especialmente com os pacientes que passam mais tempo no serviço. O relacionamento entre profissional e paciente não ocorre de imediato e não é uma simples tarefa. A relação é construída de forma gradual e com a convivência(2929 Oliveira RM, Furegato ARF. Assistance relation with psychiatric patient: beyond the medical paradigm. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];8(2):87-93. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/77396/81252
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). Esse contexto requer que o profissional reconheça o direito do paciente de ser tratado com respeito e dignidade, colocando-se disponível para o encontro e para o estabelecimento do vínculo, o qual faz parte do plano de cuidados e favorece a adesão do paciente ao serviço(2929 Oliveira RM, Furegato ARF. Assistance relation with psychiatric patient: beyond the medical paradigm. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];8(2):87-93. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/77396/81252
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).

Identificou-se a existência de enfermeiros que reconhecem os prejuízos em cuidar a partir da fragmentação entre corpo e mente, levando em conta apenas a nosologia psiquiátrica. Como comentado anteriormente, o risco aumentado de morte em virtude de problemas biológicos em pacientes com transtornos mentais pode enfatizar a importância de o enfermeiro do CAPS reconhecer as comorbidades clínicas e promover ações que evitem o agravamento de seu estado geral.

O fazer da enfermagem está intrinsecamente relacionado ao corpo. Na perspectiva da clínica da enfermagem, o corpo pode ser entendido como articulado entre real, imaginário e simbólico e expressar tal tessitura por meio do sintoma(1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
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). Desse modo, exclui-se a possibilidade de desempenhar um cuidado de enfermagem voltado exclusivamente ao corpo e às suas funções e pensa-se em uma abordagem que abre espaço para o sujeito, por meio do discurso, expressar a função que é atribuída ao órgão(1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
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). Desse modo, entende-se que a comorbidade biológica, manifestada pelo sintoma, pode ser uma forma inusitada de lidar com o sofrimento causado pelo desarranjo da relação entre corpo e pulsão(1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/003...
,3030 Solano-Suaréz E. Iniciação à resposta besta para resolver uma diabetes. Rev Psicol Plural. 2009; (30):95-100.).

Tal desarranjo pode ser expresso a partir de uma repetição, seja a persistência de hiperglicemia por conta de hábitos alimentares inadequados, seja a realização de cortes e formas de mutilação do corpo que manifestam a resistência em dar significação ao sintoma e, assim, causam sofrimento(1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/003...
,3030 Solano-Suaréz E. Iniciação à resposta besta para resolver uma diabetes. Rev Psicol Plural. 2009; (30):95-100.). Nesse contexto, torna-se essencial reconhecer a comorbidade clínica como um aspecto da singularidade do paciente e que pode ser abordada por meio da escuta, permitindo a circulação da fala e até mesmo dos atos repetidos pelo indivíduo como meio de colocá-lo em questionamento sobre seus conflitos, os quais, ao permanecerem velados, continuarão expressando o sofrimento por meio do corpo(1616 Kurimoto TCS, Penna CMM, Nitkin DIRK. Knowledge and practice in mental health nursing care. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(5):973-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/0034-7167-reben-70-05-0973.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n5/003...
,3030 Solano-Suaréz E. Iniciação à resposta besta para resolver uma diabetes. Rev Psicol Plural. 2009; (30):95-100.).

Os momentos em que os cuidados físicos são realizados devem ser compreendidos como parte integrante do atendimento ao paciente, abrindo espaço para que ele seja sujeito do cuidado; e não como um momento à parte, técnico e automático(3131 Waidman MAP, Brischiliari A, Rocha SC, Kohiyama VY. Concepts of care as elaborated by nurses working in psychiatric institutions. Rev Rene[Internet]. 2009[cited 2018 Jan 07];10(2):67-77. Available from: http://www.revistarene.ufc.br/10.2/html/10_2_7.html
http://www.revistarene.ufc.br/10.2/html/...
). Ao realizar técnicas como curativos, cuidados de higiene, verificação dos sinais vitais, o enfermeiro de saúde mental deve se desprender de realizá-las de modo puramente técnico e automático e torná-las atos terapêuticos nos quais seja possível ocorrer a interação enfermeiro–paciente e a escuta terapêutica(22 Silva TC, Kirschbaum DIR. Knowledge construction in psychiatric nursing: a historical-critical approach. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2010[cited 2018 Jan 07];6(1):409-38. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38725
http://www.revistas.usp.br/smad/article/...
,3232 Paiva Filho F, Silveira LC. Psychosis and drug addiction: the construction of case in the clinical nursing. SMAD Rev Eletron Saúde Mental Álcool Drog [Internet]. 2014[cited 2018 Jan 07];10(1):29-34. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/smad/v10n1/06.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/smad/v10n1...
).

Construída dessa maneira, a clínica da enfermagem contribuirá para que as intervenções sejam pensadas a partir das particularidades do indivíduo e busquem atender às suas necessidades de modo integral, encerrando com um cuidado que parte da fragmentação entre corpo e mente e que sempre recorre a intervenções previamente estabelecidas. Desse modo, idealiza-se que o cuidado ao paciente psiquiátrico com comorbidade biológica desenvolva-se por meio da relação entre enfermeiro e paciente e, assim, favoreça a abordagem do sintoma de modo singular.

O reconhecimento do sujeito em sua integralidade e singularidade abre espaço para o desenvolvimento da clínica de enfermagem que, pautada na relação, pode contribuir com a autonomia do indivíduo em busca de melhores condições de saúde. Ficou evidenciado nos achados que, no cuidado ao paciente psiquiátrico com comorbidade, a relação terapêutica favorece a identificação de alterações biológicas e comportamentais decorrentes das patologias.

Assim, pode-se verificar que a interação, a escuta e a disponibilidade do enfermeiro contribuem para o reconhecimento e abordagem de necessidades que possam ser assistidas pela equipe de saúde(2929 Oliveira RM, Furegato ARF. Assistance relation with psychiatric patient: beyond the medical paradigm. Rev Eletron Saúde Ment Álcool Drog [Internet]. 2012[cited 2018 Jan 07];8(2):87-93. Available from: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/77396/81252
http://www.revistas.usp.br/smad/article/...
). Considera-se que o desenvolvimento da clínica não se limita a descartar o saber biomédico, e sim o agrega a outros saberes e práticas que, juntos, qualifiquem a assistência aos pacientes(1717 Garcia APRF, Freitas MIP, Lamas JLT, Toledo VP. Nursing process in mental health: an integrative literature review. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Jan 07];70(1):220-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_0034-7167-reben-70-01-0220.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_...
).

No CAPS, o enfermeiro faz parte da equipe multidisciplinar e tem a atribuição de desempenhar um papel ativo e de inovação da prática de enfermagem em saúde mental(3333 Soares RD, Villela JC, Borba LO, Brusamarello T, Maftum MA. The nursing team role in the psychosocial attention center. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];15(1):110-5. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v15n1/16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v15n1/16.pd...
). Em contrapartida à possibilidade de desenvolvimento da clínica da enfermagem, os achados deste estudo revelaram também a existência da dificuldade por parte do enfermeiro em determinar qual o seu lugar. Desse modo, a equipe encaminha diversas demandas a esse profissional. Ao aceitar tudo que lhe é trazido, o enfermeiro acaba afastando-se do lugar de agente terapêutico e torna-se uma figura subordinada e alienada pela equipe multiprofissional e rompe com o desenvolvimento da clínica.

A falta de reflexão e apropriação do papel do enfermeiro faz com que esse profissional se ocupe de tarefas que não competem exclusivamente à sua profissão, e isso ocorre com mais frequência em serviços extra-hospitalares, os quais apresentam ao enfermeiro uma nova postura; é justamente nesse momento que sua identidade profissional é distorcida(3333 Soares RD, Villela JC, Borba LO, Brusamarello T, Maftum MA. The nursing team role in the psychosocial attention center. Esc Anna Nery Rev Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];15(1):110-5. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v15n1/16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v15n1/16.pd...
). Quando sua posição não está bem definida para si, é improvável esperar que outros profissionais integrantes da equipe multidisciplinar reconheçam-na. Nesse contexto, a equipe destina ao enfermeiro as atividades burocráticas e a execução de um cuidado tradicional voltado para a garantia da higiene e administração de medicamentos(55 Aguiar DT, Silveira LC, Palácio PDB, Duarte MKB. Mental health nursing. Rev Baiana Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Jan 07];25(2):107-20. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/5549/4464
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...
).

Evidencia-se que os profissionais da equipe multidisciplinar conferem atribuições muito simplistas aos enfermeiros; por outro lado, não ficam evidentes ações de empoderamento do seu saber e do seu fazer, nem um novo posicionamento diante da equipe. Assim, não ocorre de modo efetivo a convivência entre os profissionais e o desenvolvimento coletivo de práticas terapêuticas(2727 Lopes PF, Garcia APRF, Toledo VP. Nursing process in the everyday life of nurses in Psycho-Social Attention Centers. Rev Rene[Internet]. 2014[cited 2018 Jan 07];15(5):780-8. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/download/3241/2496
http://www.periodicos.ufc.br/rene/articl...
).

De fato, o trabalho em equipe multidisciplinar não implica de forma alguma excluir a identidade profissional do enfermeiro; contudo, esse profissional precisa ser esclarecido com relação ao respaldo legal para desenvolver sua atividade e precisa conhecer as atribuições que são de sua competência na assistência psicossocial.

A assistência em saúde mental é realizada em articulação com a rede, promovendo ações de apoio matricial. A estratégia de apoio matricial consiste em um processo de construção compartilhada do plano de cuidados entre as equipes do CAPS e da Estratégia Saúde da Família e tem a finalidade de consolidar o cuidado em saúde mental e ampliar a integração dos profissionais(3434 Jorge MSB, Diniz AM, Lima LL, Penha JC. Matrix support, individual therapeutic project and prodution in mental health care. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Jan 07];24(1):112-20. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-0707-tce-24-01-00112.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-...
). Nesta pesquisa, os resultados mostraram que, por um lado, o enfermeiro responde às demandas apresentadas pelos centros de saúde e, por outro lado, não tem especificado qual é o seu trabalho, de modo que tal cenário contribui para uma atuação alienada, demarcada pelo distanciamento do seu próprio fazer.

A estratégia de apoio matricial enfrenta desafios relacionados à baixa integração entre os serviços; e ainda existe a ideia de que o indivíduo em sofrimento psíquico vivenciando a crise deva ser atendido no CAPS e depois retorne à atenção básica(3434 Jorge MSB, Diniz AM, Lima LL, Penha JC. Matrix support, individual therapeutic project and prodution in mental health care. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Jan 07];24(1):112-20. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-0707-tce-24-01-00112.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-...
). Tal fato revela tanto a dificuldade em realizar o cuidado de modo integral quanto a falta de articulação entre os serviços(3434 Jorge MSB, Diniz AM, Lima LL, Penha JC. Matrix support, individual therapeutic project and prodution in mental health care. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2015[cited 2018 Jan 07];24(1):112-20. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-0707-tce-24-01-00112.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/0104-...
). Com isso, os profissionais do CAPS acabam sentindo-se responsabilizados por um cuidado que deveria ser compartilhado com a rede e que, por não o ser, compromete a assistência à saúde.

Limitações do estudo

O estudo foi realizado em um município do interior paulista que tem destaque no movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira, contando com uma rede de atenção psicossocial estruturada. Talvez, municípios sem tal rede apresentem uma realidade distinta.

Contribuições para a área da enfermagem

O conhecimento do movimento dialético do enfermeiro se caracterizou como uma contribuição deste estudo para a enfermagem, na medida em que pode identificar o saber e o não-saber diante do cuidado aos pacientes psiquiátricos com comorbidades clínicas.

Destaca-se o desenvolvimento da clínica da enfermagem como uma possibilidade de romper com o contexto da alienação e favorecer a atuação do enfermeiro em ações de prevenção de agravos e promoção da saúde, construindo um cuidado que integra e dá autonomia ao paciente.

Este estudo abre possibilidades para outros que abordem a importância da clínica da enfermagem psiquiátrica, apontando-a como possibilidade para reafirmar o lugar do enfermeiro enquanto profissional que se abre ao encontro com o paciente e, a partir disso, pensa em novas formas de cuidar, considerando a integralidade e a subjetividade do indivíduo que busca pelo cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento sobre como os enfermeiros que trabalham nos CAPSs cuidam dos pacientes psiquiátricos com comorbidades clínicas foi apreendido pela clínica da enfermagem psiquiátrica e pela alienação e subordinação do enfermeiro no processo de cuidar do paciente psiquiátrico.

Percebeu-se que o enfermeiro está inserido em um contexto marcado por um movimento dialético que ora revela uma realidade de alienação, ora apresenta possibilidades de cuidar. Por um lado, há enfermeiros que restringem a sua atuação conforme se afastam do lugar de quem cuida e alienam-se ao saber e ao fazer do outro. Em contrapartida, há enfermeiros que, apropriando-se do saber da enfermagem, enxergam possibilidades de cuidar a partir da relação terapêutica e dos momentos em que ocorre o encontro com o paciente.

  • Errata

    No artigo "Da alienação à clínica da enfermagem: cuidado aos pacientes psiquiátricos com comorbidade", com número de DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0930, publicado no periódico Revista Brasileira de Enfermagem, v71(suppl 5):2229-2236, na página 2229:
    Onde se lia:
    Talita Rodrigues NicacioI, Vanessa Pelegrino ToledoI, Ana Paula Rigon Francischetti GarciaI
    Lê-se:
    Talita Rodrigues NicacioI, Vanessa Pellegrino ToledoI, Ana Paula Rigon Francischetti GarciaI

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2018
  • Aceito
    09 Mar 2018
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