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EXPERIÊNCIA DE ENFERMAGEM COM O DIALISADOR KILL

1 - Introdução:

Nossa experiência no serviço de Hemodiálise do Instituto de Cardiologia do Estado data de l.º/9/1973, quando o serviço foi criado; este fato veio atender as necessidades de pacientes registrados no I.C.E., com insuficiência renal crônica e que necessitavam de diá-lise. Até aquela data eles eram atendidos em outros hospitais que mantinham convênio com nosso ambulatório.

Nosso serviço usa o dialisador Kill, fabricado já com modificações, na Oficina Experimental e de Pesquisa do Instituto de Cardiologia. A escolha para o uso deste aparelho se deve ao fato de ser de fácil manuseio, causar menos complicações para os pacientes e ser de baixo custo de manutenção, fator muito importante em nosso país, atualmente em fase de desenvolvimento econômico. Outros hospitais adotam outros tipos de hemodialisadores, como o Kolff (Coil ou Travenol). Deste existem cerca de 20 modificações. A unidade dialisa-dora do Kolff é constituído por celofane tubular, em geral 10 metros de comprimento, envolvido em torno de um eixo e protegido por telas de nylon ou fibra de vidro. As modificações: Travenol, Coil (Mola ou carretei). A disposição dessa unidade dialisadora fornece resistência à passagem do sangue, de tal forma que o miocárdio não tem energia suficiente para circular o sangue, por isso se acopla ao vaso arterial uma bomba motor.

O tipo fibra oca capilar, desenvolvido em 1968 por Dow Cordis, é de baixa resistência, não tem necessidade de bomba. Um de seus problemas é a hipercoagulabilidade, isto porque possui inúmeros capilares; o material usado é acetato de celulose. E finalmente o Kill, que é de fluxo paralelo, tem resistência pequena à passagem do sangue, não necessita de bomba a circulação é feita pela própria força do miocárdio.

2 - Objetivos:

  • 2.1 - Apresentar nossa experiência com o dialisador Kiil.

  • 2.2 - Apresentar a assistência de enfermagem dada aos pacientes em hemodiálise.

3 - Conteúdo:

Hemodiálise é um método de tratamento que consiste em depurar o sangue através de uma membrana semipermeável, ou seja da passagem de substâncias existentes no sangue (uréia, creatinina, ácido úrico, sódio, potássio, etc), em nível superior ao normal para o liquido de diálise. A hemodiálise reproduz os fenômenos de difusão e osmose. As substâncias em solução, que podem passar por uma membrana semipermeável, vão difundir-se do lado em que estão em maior concentração para o lado em que se encontram em menor concentração até que o equilíbrio seja obtido. As substâncias de moléculas muito grandes ficam retidas nos poros desta membrana, como por exemplo: bactérias, vírus, além de glóbulos vermelhas, brancos e proteínas, cuja perda seria altamente prejudicial ao paciente.

3.1 - Princípios: O sangue arterial circula continuamente através do dialisador onde é purificado e a seguir é devolvido ao organismo por uma veia. Em geral, usam-se as artérias radiais e veias cefálicas para o tratamento. O acesso aos vasos sangüíneos pode ser feito através de pontes artério-venosas (shunt) ou fístulas. A ponte em um curto circuito de tubos de teflon e silicone, que é implantada nos pacientes sob anestesia local, de preferência em um dcs braços. Ultimamente tem sido feita a fístula interna de uma artéria e veia, isto é, através de uma anastomose término-lateral e os pacientes se ligam ao rim artificial através de uma função no setor venoso da fístula.

A solução dialisadora tem concentração eletrolítica semelhante à do plasma: sódio - 135 mEq/1

  • potássio - 2 a 4 mEq/1

  • magnésio - 1,5 mEq/1

  • cálcio - 2,5 mEq/1

3.2 - Preparo: O líquido dialisador é composto por 200 litros de água, onde são dissolvidos:

  • glicose - 1000 gr.

  • cl. de cálcio - 60 gr.

  • cl. de sódio - 1120 gr.

  • bic. de sódio - 420 gr.

  • acetato de sódio - 2T2 gr.

  • cl. de magnésio - 30,5 gr.

  • cl. de potássio - 50 gr. A

  • solução é aquecida a 38.ºC.

A quantidade de potássio varia de acordro com a necesidade do paciente. Quando ele está em hiperpotassemia, diminui-se ou retira-se o potássio do banho. A solução pode ser preparada até três horas antes do início da hemodiálise. Se for preparada antes, a solução poderá se alterar pela fermentação da glicose.

3.3 - Material:

  • 3.3.1 - Aparelho Kiil;

    • - mesa suporte de aço com prensores;

    • - 3 placas de acrílico, sulcadas longitudinalmente;

    • - 4 membranas de celofane, descartáveis;

    • - separador de "nylon", que isola uma placa da outra;

    • - pinças fortes (2);

    • - pera de borracha (1).

  • 3.3.2 - Tanque para solução dialisadora com capacidade de 400 litros.

  • 3.3.3 - Caixa de instrumental estéril:

    • - 4 pinças mosquito curva;

    • - 1 pinça para antissepsia;

    • - 2 pinças backaus;

    • - 2 intermediários retos.

  • 3.3.4 - Material estéril:

    • - bandeja com tubos (2 de l,20m. e 1 de 90 cm.);

    • - catabolha e acessórios (pedaços de tubo látex n.º 202; pedaços de sonda nelaton nºs. 18 ou 20);

    • - cuba rim (2);

    • - cúpula redonda (1);

    • - campo médio, avental, luvas, gaze;

    • agulhas, seringas de 2 ou 5 mil ml.

4 - Assistência de enfermagem:

Os cuidados de enfermagem ao paciente em hemodiálise são prestados nas três fases: antes, durante e após a hemodiálise.

4.1 - Assistência de enfermagem antes:

4.1.1 - Preparo psicológico: entrevista com o paciente e familiares, orientado-os quanto:

  • - ao objetivo do tratamento;

  • - à cronicidade da doença e do tratamento;

  • - ao ambiente hospitalar;

  • - aos cuidados com a ponte;

  • - à dieta e controle hídrico;

  • - à vida futura na sociedade como indivíduo normal, adaptando suas atividades com o programa de tratamento;

4.1.2 - Preparo físico:

- do paciente:

- pesar antes e depois da hemodiálise porque em condições normais ele não deve aumentar de peso. Não deve aumentar de peso também nos intervalos de uma sessão para outra. Quando tal fato acontecer, o aumento não deve ser superior a 1 kg.

- limpar a região com antisséptico;

- verificar o funcionamento do shunt ou ponte.

4.1.3 - Com o aparelho:

- desinfetar :a desinfecção do rim é feita com ácido acético glacial a 3%, que preenche o rim durante três horas;

- lavar: a lavagem das câmaras é feita com soro fisiológico, aproximadamente três litros;

- montar: a montagem é feita, colocando as membranas de celofane sobre as placas de acrílico. Para melhor adesão e facilidade de montagem na placa, as membranas são molhadas em água pura.

4.2 - Assistência de enfermagem durante a hemodiálise:

4.2.1 - com o paciente:

  • - controlar a pressão arterial, freqüência cardíaca e temperatura;

  • - observar sinais de reação pirogênica;

  • - observar presença de epistaxes;

  • - proporcionar conforto físico e emocional;

  • - manter o braço do "shunt" em posição funcional;

  • - fazer sedação e restrição sempre que necessário;

  • - não aplicar injeção intra-muscular para evitar formação de hematoma, por causa da heparinização;

  • - se o hematócrito estiver inferior a 18%, dar concentrado globular;

  • - administrar os medicamentos conforme ordens médicas;

- providenciar dieta conforme prescrição; não há necessidade de jejum, a não ser que o paciente apresente náuseas ou vômito ou inapetência. A alimentação é fundamental no tratamento. A proteína recebida pelo paciente não deve ser superior a lgr. por kg. de peso nas 24 horas; a restrição salina deve ser de 0,5 a 1 gr.; os líquidos são administrados de acordo com a diurese;

- tornar o ambiente da sala tranqüilo, alegre, deixando os pacientes à vontade;

- isolar os pacientes mais graves para evitar a participação de outros e proporcionar ambiente seguro e tranqüilo;

4.2.2 - com o aparelho:

  • - estar atento para o perfeito funcionamento do aparelho;

  • - observar se não há coágulos no catabolhas;

  • - controlar a velocidade da solução dialisadora (400 ml por minuto);

  • - verificar se não há rutura de membrana;

  • - controlar o gotejamento de soro com heparina (8 a 10 gotas por minuto);

  • - estar atento para qualquer vazamento no rim;

4.2.3 - com o shunt:

  • - manter sempre limpo e seco;

  • - ter cuidado para não tracioná-lo;

  • - evitar obstrução da ponte por curativo muito compressivo;

  • - evitar contaminação (sempre usar luvas ao manuseá-lo);

  • - orientar o paciente para não molhar nem sujar o curativo para evitar possível infecção;

4.3.4 - Assistência de enfermagem após a hemodiálise:

  • - fazer limpeza da região com antisséptico;

  • - colocar pomada com antibiótico;

  • - proteger a ponte com curativo sem fazer compressão;

  • - traçar com o paciente plano de cuidado em casa;

  • - comunicar ao paciente o próximo retorno;

  • - orientar quanto à medicação que deve ser tomada em casa: horário e dosagem;

  • - encaminhar para o serviço social caso não tenha condições financeiras para comprar os medicamentos.

4.4 - Problemas que podem surgir durante a hemodiálise:

- Hipotensão, levando ao choque;

- Coagulação no circuito, por heparinização sangüínea insuficiente, levando a embolias;

- Ruturas de membrana;

- Hemorragias provocadas pela heparinização prolongada;

- Síndrome do desequilíbrio urêmico com queda rápida da uréia (osmoralidade) do sangue, não acompanha na mesma intensidade da queda da uréia e osmoralidade liquórica, levando a edema cerebral. O quadro clínico é variável .podendo ir desde simples tontura ou cefaléia até perda de consciência ou convulsão.

4.5 - Aspectos psicológicos e sociais:

O doente renal, tendo limitado suas atividades, não deve ser um marginalizado. A equipe de saúde deve empenhar-se em ajustá-lo na nova situação.

Os fenômenos de depressão são muito comuns nos pacientes na ?ase inicial do tratamento em virtude justamente da necessidade de adaptar-se aos esquemas das hemodiálises.

4.6 - Conclusão:

Entre o período de 19/01/73 a 20/03/74, atendemos 36 pacientes, fazendo um total de 1000 hemodiálises, incluindo casos agudos e crônicos.

4.6.1 - Dados estatísticas das necropsias feitas de 9 pacientes que faleceram:

9 casos apresentaram arteriosclerose generalizada e rins contraídos.

6 casos apresentaram glomerulonefrite crônica.

7 casos apresentaram comprometimento cardíaco com hipertrofia ventricular esquerda.

1 caso apresentou tuberculose miliar linfohematogênica que ficou desapercebida até a necropsia.

2 casos apresentaram gastro enterocolite, com hemorragia gastro intestinal.

1 caso de transplante com rejeição crônica e estrongiloidíase e broncopneumonia.

Apesar da mortalidade ser alta, achamos que o tratamento por hemodiálise prolonga a vida; se a situação econômica do paciente for de razoável a boa, ele poderá ter participação efetiva no meio social em que vive.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 1974
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