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"ESCOAMENTO DO SANGUE FUNICULAR COMO MÉTODO AUXILIAR DO DESLOCAMENTO DA PLACENTA"

INTRODUÇÃO

O terceiro estágio do parto, dequitação ou delivramento, é o mais rápido (10 a 30 minutos), porém é o que apresenta maiores riscos para a parturiente. Nesse estágio, podem desencadear-se problemas relacionados com o mecanismo de coagulação e de contratibilidade uterina, responsáveis por graves hemorragias, muitas vezes irreversíveis. Não havendo dequitação dentro dos 30 minutos, pode-se aguardar até uma hora após o nascimento da criança; porém devemos lembrar que a tendência de hemorragia e choque cresce em relação direta com a duração deste período, devendo, portanto, esta atitude espectante ser adotada com cautela.

Há uma vasta literatura pertinente aos diferentes mecanismos de descolamento placentário (Duncan e Schultze) e à conduta pertinente ao terceiro estágio da parto. Mas é escassa quanto aos métodos utilizados para abreviar este estágio do parto.

VAN BLARCOM (1958)10 VAN BLARCON, et al. - Obstetrical Nursing. 4.ª ed., New York, MacMillan, 1958. considera o terceiro estágio do parto e a primeira hora após a dequitação como os períodos de maiores riscos para a mãe e que exige uma assistência cuidadosa, principalmente devido ao perigo da hemorragia, que pode instalar-se. BRYANT et. al (1966) são, também, da mesma opinião, e comentam que embora o terceiro estágio do parto tenha uma duração de 10 a 20 minutos e às vezes menos, é o mais perigoso para a mãe.

DENNY (1964)4 DENNY, F. - The dangerous third stage. Part 1 N.M., 117: 575-576, mar., 27, 1964. apresenta os resultados obtidos em 3.000 partos assistidos por obstetrizes, com aplicação intramuscular de 0,5 mg de ergometrina e 1.500 unidades "benzer" de Hyalase após o desprendimento do acrômio anterior do feto. Dessas parturientes, 19% do grupo experimental, tratadas com a ergometrina e a hyalase, tiveram o terceiro estágio além de 15 minutos. No grupo controle, em 34% das parturientes, a duração foi além de 15 minutos; 7,5% neste grupo apresentaram hemorragias pós-parto, enquanto que no grupo experimental a incidência foi de 4,35%. Portanto, segundo o autor, quando um ocitócico é usado no fim do segundo estágio do parto, a dequitação é mais rápida. Por outro lado, BRIQUET (1970)3 BRIQUET, R. - Obstetrícia Normal. 2.ª ed. São Paulo, SP, ed., 1970. tem restrições quanto ao uso de ocitócicos no momento do desprendimento da espádua fetal, porque predispõe a retenção da placenta. Este autor indica o uso de ocitócicos (ergonovina ou metil-ergonovina, por via intramuscular, imediatamente após a expulsão da placenta.

SILVA (1965)9 SILVA. P.H. - The delivery of the placenta by controlled cord traction. Cylon Med. J., 10: 79, 87, Jun. Sep., 1965. descreve a técnica da dequitação pela tração controlada do cordão umbilical, visando abreviar o terceiro período do parto.

PSCHYREMBEL (1967)8 PSCHUREMBELL, W. - Obstetrícia prática. 2.ª ed., Rio de Janeiro, Labor, 1967. expõe a técnica da secção tardia do cordão umbilical, idealizada por Saling; nesta técnica, após o parto, pinça-se as duas artérias umbilicais, deixando-se livre a veia, com a finalidade de evitar que o sangue do recém-nascido retorne à placenta e de permitir que ele continue a receber sangue materno, até que a placenta se descole da parede uterina.

WALSH (1968)11 WALSH, S. - Maternal effects of earty and late clamping of the umbilical cord. Lancet. 1: 996-7, 11 may, 1968., em pesquisa realizada no Departamento de Pediatria no Koralinska Hospital, na Suécia, fez em 58 parturientes laqueadura precoce do cordão umbilical, (logo após o nascimento completo e antes de haverem cessado as pulsações do cordão umbilical) e, em 59, laqueadura tardia (após cessarem as pulsações do cordão umbilical), visando dois objetivos:

- investigar a duração do terceiro estágio de parto, usando o método de laqueadura precoce e tardia do cordão;

- investigar a quantidade de sangramento no puerpério imediato, usando cada um dos métodos citados.

O autor conclui que as parturientes com laqueadura precoce do cordão umbilical apresentaram um sangramento significativamente aumentado em relação àquelas com laqueadura tardia, mas não houve diferença na duração do terceiro estágio entre os dois grupos.

BARKLA (1969)1 BARKLA, C. - New concepts in the management of labour. Midwives Chronic, 82: 82-84, 1969. comenta que a conduta no terceiro estágio do parto tem sido contínua e calorosamente debatida desde tempos imemoráveis. No passado, quando a parturiente não apresentava hemorragia, a conduta era a de se esperar, pacientemente, a dequitação; quando havia hemorragia, indicava-se a extração manual da placenta, técnica que alcançou má reputação, pelos resultados letais, devido a sua realização tardia. Atualmente, segundo a autora, é indicada a remoção da placenta precocemente e, se necessário, sob anestesia geral. Recomenda-se, também, o uso de drogas ocitócicas, como por exemplo a ergotamine, para aumentar as contrações do útero, neste período.

BERRIMAN (1970)2 BERRIMAW. D. - Free bleed of the cord. Midwives Chron, 83: 70-1, mar., 1970. afirma que o pinçamento do cordão umbilical ocasiona o aumento da pressão sangüínea nas partes placentárias do funículo, quando estas começam a destacar-se da parede uterina. Essa pressão causa o rompimento das vilosidades, e, conseqüentemente, o aumento da transfusão do sangue fetal para a corrente sangüínea materna. Esse fato pode ocasionar maior sensibilidade materna no caso da mãe Rh - e o feto Rh +.

BRIQUET (1970)3 BRIQUET, R. - Obstetrícia Normal. 2.ª ed. São Paulo, SP, ed., 1970. recomenda que o profissional, que assiste a parturiente. acompanhe o mecanismo de descolamento da placenta, evitando manipulações extemporâneas, responsáveis por irregularidades no descolamento da placenta e das membranas ovulares. Descreve os sinais de descolamento placentário (sinal do útero, sinais do cordão e sinal da placenta), aconselhando a espera de meia hora para proceder à extração manual da placenta, se houver necessidade.

FITZPATRICK, et al (1971)5 FITZPATRICK, E. et al. - Maternity Nursing 2.ª ed. Philadelphia, Lippincott, 1971. explicam que os médicos, responsáveis pela assistência da parturiente, podem prescrevei ocitocina, ergonovina ou os seus derivados, objetivando o aumento das contrações uterinas e a diminuição da perda sangüínea, após a dequitação. Esses ocitócicos não são necessários em todos os casos, mas o seu uso, segundo os autores, é considerado ideal para diminuir a perda sangüínea e aumentar a segurança materna. INGALLS et al (1971)6 INGALLS, J. et al. - Maternal and child health nursing. 2.ª ed. Saint Louis, Mosby, 1971. afirmam que, em muitos casos, os ocitócicos são usados após o nascimento do feto ou após a dequitação, como profilaxia da hemorragia pós-parto.

MYLES (1971)7 MYLES, M.F. - A textbook for midwives. 17.ª ed. Edinburgh, Livinstone, 1971. comenta que a duração do período de dequitação, geralmente, varia entre 5 e 15 minutos, não devendo, dentro da normalidade, ultrapassar de uma hora. Segundo esta autora a administração de ocitócicos na parturiente, quando se dá o desprendimento do pólo cefálico ou do acrômio fetal, encurta o terceiro período do parto.

Diante da controvérsia de métodos para abreviar o terceiro período do parto, e ao mesmo tempo prevenir a síndrome hemorrágica, propusemo-nos a estudar o método do livre escoamento do sangue do cordão umbilical em comparação ao método tradicional, objetivando verificar qual deles leva a um descolamento mais rápido.

II- METODOLOGIA

POPULAÇÃO

Foram assistidas 100 parturientes, no terceiro e quarto período de parto normal, internadas no Pronto Socorro Obstétrico do Amparo Maternal. Para seleção da amostra, não levamos em consideração a paridade, a cor e a idade das parturientes. Foram excluídas aquelas que apresentavam patologias que pudessem interferir no processo fisiológico do descolamento placentário ou distocias do parto.

MÉTODO

As 100 parturientes foram divididas em dois grupos, experimental e controle:

- grupo experimental - 50 parturientes, nas quais, durante o terceiro período, foi permitido o livre escoamento do sangue contido na placenta;

- grupo controle - 50 parturientes, nas quais, durante o terceiro período, não foi permitido o livre escoamento do sangue contido na placenta.

Intercalamos os dias para assistir as parturientes dos grupos experimental e controle, que, nestes dias, eram escolhidas ao acaso.

Nas parturientes dos dois grupos, após o término do segundo período do parto, colocávamos o recém-nascido sobre uma mesa, em plano mais baixo que a mãe para facilitar a transfusão do sangue placentário.

Ao sentir, pelo tacto, que as pulsações do cordão umbilical haviam cessado, esse era pinçado com duas pinças de Kocher, distantes 1 cm uma da outra, e seccionado entre elas.

Nas parturientes do grupo experimental, após a secção do cordão umbilical, retirávamos a pinça de Kocher da extremidade placentária, permitindo o livre escoamento do sangue contido na placenta.

Para nos certificarmos do descolamento placentário, observamos os seguintes sinais, nas parturientes dos dois grupos:

- perda de pequena quantidade de sangue pela vulva;

- subida do útero, acima da cicatriz umbilical, desviando-se para a direita;

- transmissão de movimentos de percussão do fundo do útero, ao se tracionar ligeiramente o cordão umbilical (sinal de pescador ou de Fabre);

- reconhecimento da placenta, no assoalho perineal, pelo toque vaginal.

Ao nos certificarmos do descolamento placentário e da sua localização no assoalho permeai, rodávamos a placenta enrolando as membranas com a finalidade de fortalecê-las e de evitar a sua ruptura; essa é a manobra de Jacobs, empregada para auxiliar a expulsão da placenta e das membranas.

Foi administrado 0,125 g de methergin por via oral, às parturientes primíparas, e 0,250 g às multíparas, dos dois grupos.

Tanto no grupo experimental quanto no controle, avaliamos a duração do período de dequitação, observando rigorosamente o tempo decorrido entre o nascimento do feto e a expulsão da placenta.

No quarto período observamos e anotamos o estado geral da puérpera, o pulso, a temperatura, a pressão arterial, a involução e consistência uterina e a perda sangüínea (Anexo 1).

III - RESULTADOS E DISCUSSÃO

As parturientes por nós assistidas eram todas brasileiras, cujas idades variaram de 17 a 42 anos. No grupo experimental 66% das parturientes tinha entre 17 e 27 anos e, no grupo controle, nesta mesma faixa de idade tivemos 58%. Na faixa etária de 28 a 42 anos, distribuíram-se 34% das parturientes do grupo experimental e 42% do grupo controle. Este fato não interferiu na nossa pesquisa pois nos preocupamos em acompanhar as parturientes com evolver normal do parto.

No grupo experimental assistimos 8 primíparas (16%), 15 secundíparas (30%), 7 tercíparas (14%?) e 20 multíparas (40%o). No grupo controle, assistimos 6 primíparas (12%), 15 secundíparas (30%), 9 tercíparas (18%) e 20 multíparas (40%). No estudo destes dados empregamos um modelo de análise de variância com dois fatores de classificação com interação. Este tipo de análise nos levou a testar duas hipóteses:

H1: não existe interação entre grupos e subgrupos;

H2: igualdade das médias dos dois grupos (T1 e T2).

Como a variável original é dada em minutos e, preliminarmente, rejeitamos a homogeneidade de variâncias (pressuposição fundamental para a aplicação dessa técnica) fizemos uma transformação logarítmica. Essa transformação, além de corrigir a assimetria nos dois grupos, nos conduziu à igualdade de variâncias.

A hipótese H1 foi aceita, de forma que não existe efeito conjunto entre paridade e os tratamentos. Assim os resultados relevantes devem-se somente a possíveis diferenças entre T1 e T2.

A hipótese H2 foi rejeitada, pois a diferença entre as médias T1 e T2 foi significativa.

Assim sendo fica clara a superioridade do método operatório no grupo experimental (T1).

No referente a cor, o grupo experimental era integrado por 26 parturientes brancas (52%), 8 negras (16%) e 16 pardas (32%); o grupo controle, por 24 parturientes brancas (48%), 9 negras (18%?), 16 pardas (32%?) e 1 amarela (2%).

De acordo com o critério adotado para avaliar o tempo decorrido entre o nascimento e a expulsão da placenta, obtivemos os dados que podem ser observados no quadro I.

QUADRO I
Tempo decorrido entre o nascimento e a expulsão da placenta, nos grupos experimental e controle.

A média de duração do terceiro período do parto foi de 4 minutos e 2 segundos para o grupo experimental e de S minutos para o grupo controle.

A duração do terceiro período do parto é estimada, pelos autores clássicos, entre 5 a 15 minutos, podendo, normalmente, prolongar-se até 30 minutos a 1 hora. Porém, a sua duração média poderá ser diminuída com o uso da técnica do livre escoamento do sangue funicular. Comparando os resultados obtidos, notamos que a duração do terceiro período do parto foi menor no grupo experimental. Atribuímos essa diferença ao livre escoamento do sangue funicular, pois, como já tivemos a oportunidade de assinalar, nas parturientes do grupo controle conservamos a extremidade do cordão umbilical pinçada.

DENNY (1964)4 DENNY, F. - The dangerous third stage. Part 1 N.M., 117: 575-576, mar., 27, 1964. comenta uma duração média do terceiro período do parto, inferior a 15 minutos, em primíparas e multíparas que foram tratadas com aplicações intramusculares de 0,5 mg de ergometrina e 1.500 unidades "benzer" de Hyalase, após o desprendimento do acrômio anterior. Embora não sendo comparável ao nosso estudo, parece-nos interessante a sua citação, pois o autor preocupa-se com a duração do terceira período do parto. Contudo, o uso de ocitócico, antes do término da dequitação, não está livre de complicações; esse problema é focalizado por BRIQUET (1970)3 BRIQUET, R. - Obstetrícia Normal. 2.ª ed. São Paulo, SP, ed., 1970., que alerta sobre a predisposição à retenção placentária, nas parturientes submetidas a esse tratamento.

A maioria dos autores indicam ocitócicos após o término do terceiro período do parto, objetivando a diminuição da perda sangüínea e maior segurança materna. Em nossas parturientes, dos 2 grupos, administramos medicação ocitócica (methergin), após a dequitação, pretendendo alcançar esse mesmo fim.

No nosso estudo, as parturientes dos dois grupos foram assistidas por nós durante o quarto período do parto. Estas parturientes apresentaram, neste período, um evolver fisiológico, livre de síndromes hemorrágicas ou alterações do seu estado geral.

Pelos resultados encontrados neste estudo concluímos que:

1. o método do livre escoamento do sangue funicular, aplicado nas parturientes do grupo experimental, foi, possivelmente, o responsável pela diminuição do tempo de duração do terceiro estágio do parto, em relação ao grupo controle;

2. não houve interferência do método do livre escoamento do sangue funicular no evolver do quarto período; tanto nas parturientes do grupo experimental como nas do grupo controle, a evolução deste período foi fisiológica.

  • SCHUBERT, M.Z.B. e FREDDI, W.E.S. - "Escoamento do sangue funicular como método auxiliar do deslocamento da placenta". Rev. Bras. Enf.; DF, 29:24-29, 1976.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 2
    BERRIMAW. D. - Free bleed of the cord. Midwives Chron, 83: 70-1, mar., 1970.
  • 3
    BRIQUET, R. - Obstetrícia Normal 2.ª ed. São Paulo, SP, ed., 1970.
  • 4
    DENNY, F. - The dangerous third stage. Part 1 N.M., 117: 575-576, mar., 27, 1964.
  • 5
    FITZPATRICK, E. et al. - Maternity Nursing 2.ª ed. Philadelphia, Lippincott, 1971.
  • 6
    INGALLS, J. et al. - Maternal and child health nursing 2.ª ed. Saint Louis, Mosby, 1971.
  • 7
    MYLES, M.F. - A textbook for midwives 17.ª ed. Edinburgh, Livinstone, 1971.
  • 8
    PSCHUREMBELL, W. - Obstetrícia prática 2.ª ed., Rio de Janeiro, Labor, 1967.
  • 9
    SILVA. P.H. - The delivery of the placenta by controlled cord traction. Cylon Med. J., 10: 79, 87, Jun. Sep., 1965.
  • 10
    VAN BLARCON, et al. - Obstetrical Nursing 4.ª ed., New York, MacMillan, 1958.
  • 11
    WALSH, S. - Maternal effects of earty and late clamping of the umbilical cord. Lancet 1: 996-7, 11 may, 1968.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1976
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