Acessibilidade / Reportar erro

Crianças com Síndrome de Zika Congênita: a complexidade do cuidado de enfermagem durante a hospitalização

RESUMO

Objetivos:

classificar o grau de dependência de cuidados de enfermagem requeridos por crianças com Síndrome de Zika Congênita durante a internação hospitalar e analisar a complexidade destes.

Métodos:

estudo descritivo, observacional e quantitativo, realizado em uma enfermaria pediátrica de um hospital público do Rio de Janeiro. Os dados foram coletados a partir dos registros de internação entre junho de 2017 e abril de 2018.

Resultados:

54% da população estudada apresentou grau de dependência equivalente a cuidados semi-intensivos. Em 37,5% dos dias de internação, os pacientes necessitaram de ventilação mecânica não invasiva ou invasiva; 31,5% tinham respiração espontânea com necessidade de desobstrução de vias aéreas por aspiração e/ou necessidade de oxigenoterapia.

Conclusão:

a Síndrome de Zika Congênita representa um desafio aos profissionais de saúde devido à sua singularidade. Neste estudo, é expressa por demandas de cuidados complexos e contínuos na hospitalização e no preparo para alta, requerendo cuidados de enfermagem semi-intensivos.

Descritores:
Infecção por Zika Vírus; Enfermagem Pediátrica; Cuidados de Enfermagem; Criança; Hospitalização

ABSTRACT

Objectives:

to classify the degree of dependence on nursing care required by children with Congenital Zika Syndrome during hospitalization and to analyze their complexity.

Methods:

this is a descriptive, observational and quantitative study carried out in a pediatric ward of a public hospital in Rio de Janeiro. Data were collected from hospitalization records between June 2017 and April 2018.

Results:

54% of the population studied showed a degree of dependence equivalent to semi-intensive care. On 37.5% of hospitalization days, patients required non-invasive or invasive mechanical ventilation; 31.5% had spontaneous breathing requiring airway clearance by aspiration and/or oxygen therapy.

Conclusion:

Congenital Zika Syndrome represents a challenge for health professionals due to its uniqueness. In this study, it is expressed by demands for complex and continuous care in hospitalization and in preparation for discharge, requiring semi-intensive nursing care.

Descriptors:
Zika Virus Infection; Pediatric Nursing; Nursing Care; Child; Hospitalization

RESUMEN

Objetivos:

clasificar el grado de dependencia de los cuidados de enfermería que requieren los niños con Síndrome de Zika Congénito durante la hospitalización y analizar su complejidad.

Métodos:

estudio descriptivo, observacional y cuantitativo, realizado en una sala de pediatría de un hospital público de Rio de Janeiro. Los datos se obtuvieron de los registros de hospitalización entre junio de 2017 y abril de 2018.

Resultados:

el 54% de la población estudiada presenta un grado de dependencia equivalente a cuidados semi-intensivos. En el 37,5% de los días de hospitalización, los pacientes requirieron ventilación mecánica invasiva o no invasiva; el 31,5% presentaba respiración espontánea con necesidad de despejar las vías respiratorias por aspiración y/o necesidad de oxigenoterapia.

Conclusión:

el Síndrome de Zika Congénito representa un desafío para los profesionales de la salud debido a su singularidad. En este estudio, se expresa por demandas de cuidados complejos y continuos en la hospitalización y en la preparación para el alta, que requieren cuidados de enfermería semi-intensivos.

Descriptores:
Infección por el Virus Zika; Enfermería Pediátrica; Atención de Enfermería; Niño; Hospitalización

INTRODUÇÃO

A infecção pelo Zika vírus é tema emergente no Brasil. O primeiro caso foi descrito em 2015. Desde então, números crescentes têm sido publicados; a partir da epidemia de Zika no Brasil, os serviços de saúde vêm trabalhando com um novo perfil de crianças expostas e com diagnóstico de Síndrome de Zika Congênita (SZC).

Entre os anos de 2000 a 2014, o Brasil registrou 2.464 recém nascidos com microcefalia, uma média de 164 casos por ano. Em 2015, foram 1.608 casos, um aumento muito superior aos dados anteriores(11 Garcia LP. Epidemia do vírus zika e microcefalia no Brasil: emergência, evolução e enfrentamento. Brasília: Ipea; 2018. 54 p.).

A SZC é um conjunto de anomalias que provocam na criança graves problemas neurológicos e de desenvolvimento, sendo associada à ocorrência de microcefalia(22 Minamisava R, Sauge AKM, Castral TC, Souza SMB, Souza RRG, Sousa MC. Zika virus epidemic: the newest international emergency. Rev Eletr Enf. 2016;18:1-3. https://doi.org/10.5216/ree.v18.39890
https://doi.org/10.5216/ree.v18.39890...

3 Salge AK, Castral T, Sousa M, Souza RR, Minamisava R, Souza SM. Zika virus infection during pregnancy and microcephaly in newborns: an integrative literature review. Rev Eletr Enf. 2018;e1137. https://doi.org/10.5216/ree.v18.39888
https://doi.org/10.5216/ree.v18.39888...
-44 Adachi K, Romero T, Nielsen-Saines K, Pone S, Aibe M, Aguiar EB, et al. Early Clinical Infancy Outcomes for Microcephaly and/or SGA Zika-exposed Infants. Clin Infect Dis. 2019;ciz704. https://doi.org/10.1093/cid/ciz704
https://doi.org/10.1093/cid/ciz704...
).

As anormalidades neurológicas que mais acometem essas crianças são a hipertonia global grave, irritabilidade, hiperexcitabilidade, além de deglutição, audição e acuidade visual comprometidas(55 Eickmann SH, Carvalho MDCG, Ramos RCF, Rocha MAW, Linden VVD, Silva PFS. Síndrome da infecção congênita pelo vírus Zika. Cad Saúde Pública. 2016;32(7):1-3. https://doi.org/10.1590/0102-311X00047716
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004771...
).

Não há tratamento específico para essa síndrome. A assistência deve ser direcionada para o desenvolvimento global da criança, de acordo com as especificidades das suas limitações apresentadas, por meio de ações de estimulação precoce do desenvolvimento neuropsicomotor desde o nascimento até os três anos de vida(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia [Internet]. 2016[cited 2017 Jul 11]. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/pdf/2016/janeiro/13/Diretrizes-de-Estimulacao-Precoce.pdf
http://portalarquivos.saude.gov.br/pdf/2...
).

Podem ser frequentes as necessidades de hospitalização por agravamento de necessidades de saúde. Nessas circunstâncias, a equipe de enfermagem tem o papel de assistir, orientar e realizar ações diretas para a recuperação da saúde deste grupo populacional. Entretanto, as demandas muito específicas de saúde ainda fazem parte de um novo escopo de atuação que é complexo e desafiador no cotidiano assistencial.

A complexidade do paciente não inclui somente o processo fisiopatológico do sujeito envolvido, mas os cuidados de enfermagem e fatores sociofamiliares e ambientais, claramente destacados ou, eventualmente, obscuros, que podem interferir na prática assistencial(77 Queluci GC, Figueiredo NMA. Sobre as situações de enfermagem e seus graus de complexidade menor, média e maior - na prática assistencial hospitalar. Esc Anna Nery. 2010;14(1):171-6. https://doi.org/10.1590/S1414-81452010000100025
https://doi.org/10.1590/S1414-8145201000...
).

Para o reconhecimento de demandas de assistência de enfermagem, utiliza-se o “Sistema de Classificação do Paciente (SCP)” de modo a determinar o grau de dependência de um paciente aos cuidados de enfermagem, o tempo gasto na assistência direta e indireta, e, consequentemente, a quantidade e a qualidade de pessoal para atender às necessidades do paciente(88 Perroca MG, Gaidzinski RR. Sistema de classificação de pacientes: construção e validação de um instrumento. Rev Esc Enferm USP. 1998;32(2):153-68. https://doi.org/10.1590/S0080-62341998000200009
https://doi.org/10.1590/S0080-6234199800...
).

Logo, o SCP é uma ferramenta útil na fundamentação de tomada de decisão relacionadas à organização e ao planejamento das ações de enfermagem nas organizações de saúde.

No atual contexto mundial, com o avanço tecnológico dos meios de comunicação e de informação, tem-se exigido dos serviços de saúde um padrão maior de eficiência e qualidade para atender às demandas de clientelas específicas. Assim, fazem-se necessários um reconhecimento e uma avaliação das questões como demanda, oferta e qualidade de serviço prestado(99 Dini AR, Fugulin FMT, Veríssimo MDLOR, Guirardello EB. Pediatric Patient Classification System: construction and validation of care categories. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):574-9. https://doi.org/10.1590/S0080-62342011000300004
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201100...
).

OBJETIVOS

Classificar o grau de dependência de cuidados de enfermagem requeridos por crianças com SZC durante a internação hospitalar e analisar a complexidade destes.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo foi pautado na Resolução 466 de 2012 de Diretrizes e Normas Regulamentadoras da Pesquisa com Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição.

Desenho, local do estudo e período

Estudo descritivo, observacional, retrospectivo, de natureza quantitativa que seguiu as diretrizes do STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE)(1010 Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saúde Pública. 2010;44(3):559-65. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000300021
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201000...
).

O estudo foi realizado em uma enfermaria de doenças infecciosas pediátricas (DIPe) de um hospital de referência para acompanhamento de SZC no Rio de Janeiro. A assistência ambulatorial às crianças com SZC na instituição em questão é realizada uma vez na semana. Os bebês são encaminhados através do setor de maternidade da instituição quando foram expostos ao vírus da Zika durante a gestação, ou ainda através do ambulatório de pediatria quando se há alguma suspeita da doença na criança. O acompanhamento ambulatorial desses pacientes envolve uma equipe multidisciplinar e diversos exames complementares. Em situações de necessidade de internação para algum tipo de tratamento clínico, os pacientes são encaminhados à enfermaria de DIPe. Este é um setor de internação que é composto por quatro apartamentos para isolamento e outros sete leitos dispostos em duas enfermarias - uma para crianças e outra para adolescentes.

Os dados das crianças internadas com diagnóstico de SZC foram coletados no período de junho de 2017 a abril de 2018 a partir dos registros no livro de classificação do paciente pediátrico, utilizado pelas equipes de enfermagem da instituição.

Amostra e critérios de inclusão/exclusão

A população da pesquisa foi constituída por todas as crianças com SZC internadas na enfermaria de DIPe no período do estudo, sendo esse o critério de inclusão. O total de internações nesse setor no período do estudo foi 333. Dessas, 41 corresponderam a internações de crianças com SZC, sendo a amostra final do estudo.

Protocolo do estudo

O livro de classificação do paciente pediátrico utilizado para a coleta de dados é composto pelo “Instrumento de Classificação de Pacientes Pediátricos (ICPP)”(1111 Dini AR, Guirardello EB. Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):144-9. https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000200007
https://doi.org/10.1590/S0103-2100201300...
). O ICPP é um instrumento que possui três grandes áreas de domínio: família, paciente e procedimentos terapêuticos.

Cada grande área é composta por 11 indicadores que mensuram o grau de dependência de cuidados de enfermagem de cada paciente internado e que constituíram as variáveis do estudo, quais sejam: “participação do acompanhante; rede de apoio e suporte familiar; atividade; oxigenação; mobilidade e deambulação; alimentação e hidratação; eliminações; higiene e cuidado corporal; intervalo de aferição de controles; terapêutica medicamentosa; integridade cutâneo-mucosa”. Cada indicador possui quatro situações de dependência de cuidado(1212 Dini AR, Guirardello EB. Pediatric patient classification system: improvement of an instrument. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(5):787-93. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000500003
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201400...
).

Este instrumento define os seguintes graus de cuidado do paciente pediátrico: Mínimo (PCM) - para aqueles de idade igual ou superior a 12 anos, com desenvolvimento compatível, clinicamente estável e capaz de desenvolver seu autocuidado; Intermediário (PCI) - para aqueles de idade igual ou superior 7 anos, com desenvolvimento compatível, clinicamente estável mas que requer ajuda de outros para seu autocuidado e/ou outras questões relacionadas à doença e internação hospitalar; Alta dependência (PCAD) - para aqueles clinicamente estáveis mas dependentes físico, emocional e social de outros; Semi-Intensivo (PCSI) - para aqueles clinicamente instáveis, sem risco iminente de morte, mas que dependem de cuidado permanente e especializado; Intensivo (PCIT) - para aqueles clinicamente instáveis, com risco iminente de morte e que dependem de cuidado permanente e especializado(99 Dini AR, Fugulin FMT, Veríssimo MDLOR, Guirardello EB. Pediatric Patient Classification System: construction and validation of care categories. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):574-9. https://doi.org/10.1590/S0080-62342011000300004
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201100...
,1212 Dini AR, Guirardello EB. Pediatric patient classification system: improvement of an instrument. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(5):787-93. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000500003
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201400...
).

O ICPP faz parte do processo de trabalho diário do enfermeiro da unidade hospitalar do estudo. Assim, essa coleta de dados é realizada diariamente para todos os pacientes internados, auxiliando na definição do grau de dependência de cuidados de enfermagem das crianças internadas na unidade para a sistematização da assistência.

Além das variáveis que compõem o ICPP, elaborou-se um questionário com variáveis sociodemográficas e clínicas dos pacientes que compuseram a amostra do estudo.

Análise dos resultados e estatística

Para a análise dos dados quantitativos desta pesquisa, tabularam-se os dados em planilhas do Microsoft Excell ®, utilizando análise estatística descritiva univariada. As variáveis categóricas foram apresentadas a partir de seus valores absolutos (N) e relativos (%).

RESULTADOS

Os dados corresponderam aos registros referentes a 41 internações de 17 crianças. Ou seja, cada criança no estudo foi reinternada mais de uma vez. Obteve-se um total de 797 dias de internação, os quais foram avaliados diariamente quanto ao grau de dependência dos cuidados de enfermagem requeridos.

As características sociodemográficas e clínicas estão demonstradas na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica dos pacientes pediátricos com Síndrome de Zika Congênita (N= 41 internações), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2018

A idade média desses pacientes foi de 15 meses, sendo a mínima de 8 meses e a máxima de 2 anos e 5 meses. Os mesmos nasceram entre os anos de 2015 e 2016, a partir da epidemia de Zika no Brasil.

A média de internações foi de 19,4 dias, com um tempo mínimo de dois e um tempo máximo de 205 dias.

A categoria de demanda de cuidados de enfermagem predominante foi a de cuidados semi-intensivos (430 dias - 54%), conforme Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição do grau de dependência de cuidados de enfermagem a pacientes pediátricos com Síndrome de Zika Congênita durante a hospitalização (N= 797 dias), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2018

As Tabelas 3, 4 e 5 vão ilustrar a distribuição da classificação dos pacientes pediátricos com SZC durante as internações a partir de cada domínio e seus indicadores.

Tabela 3
Distribuição da classificação do domínio "família" dos pacientes pediátricos com Síndrome de Zika Congênita durante as internações (N= 797 dias), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2018
Tabela 4
Distribuição da classificação do domínio "paciente" dos pacientes pediátricos com Síndrome de Zika Congênita durante as internações (N= 797 dias), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2018

Estratificando a classificação demonstrada na Tabela 2, o primeiro domínio é definido como “família” e é composto pela avaliação de dois indicadores “participação do acompanhante” e “rede de apoio e suporte familiar”(1111 Dini AR, Guirardello EB. Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):144-9. https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000200007
https://doi.org/10.1590/S0103-2100201300...
) (Tabela 3).

O segundo domínio é definido como “paciente” e é composto pela avaliação dos indicadores “atividade”, “oxigenação”, “mobilidade e deambulação”, “alimentação e hidratação”, “eliminações” e “higiene ou cuidado corporal”(1111 Dini AR, Guirardello EB. Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):144-9. https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000200007
https://doi.org/10.1590/S0103-2100201300...
) (Tabela 4).

O último domínio, definido como “procedimentos terapêuticos”, é composto pela avaliação dos indicadores “intervalo de aferição de controles”, “terapêutica medicamentosa” e “integridade cutâneo-mucosa”(1111 Dini AR, Guirardello EB. Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):144-9. https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000200007
https://doi.org/10.1590/S0103-2100201300...
) (Tabela 5).

Tabela 5
Distribuição da classificação do domínio "procedimentos terapêuticos" dos pacientes pediátricos com Síndrome de Zika Congênita durante as internações (N= 797 dias), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2018

DISCUSSÃO

O perfil de crianças com SZV predominante neste estudo, na maior parte dos dias de internação onde foram aplicados o instrumento de classificação, foi de cuidados semi-intensivos (430; 54%), seguido de alta dependência (295; 37%) e de cuidados intensivos (72; 9%).

A criança de cuidados semi-intensivos é aquela clinicamente instáveis embora recuperável e que, apesar de não estar em iminência de morte, depende de cuidado permanente e especializado da equipe de saúde(1313 Fugulin FMT, Gaidzinski RR, Kurcgant P. Sistema de Classificação de pacientes: identificação do perfil assistencial dos pacientes das unidades de internação do HU-USP. Rev Latino-Am Enfermagem. 2005;13(1):72-8. https://doi.org/10.1590/S0104-11692005000100012
https://doi.org/10.1590/S0104-1169200500...
).

Destacamos que, como o ICPP era aplicado no cenário do estudo diariamente, essas crianças transitavam ao longo da internação de uma categoria para outra de acordo com a evolução da sua enfermidade; geralmente, reduziam a sua demanda de cuidado de enfermagem conforme se aproximava o momento da alta hospitalar. Apesar de estar descrito na Resolução 543/2017 do COFEN(1414 Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Resolução no 543, de 18 de abril de 2017. Atualiza e estabelece parâmetros para o Dimensionamento do Quadro de Profissionais de Enfermagem nos serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem. Diário Oficial da União, 08 May 2017; Seção 1.) que nas unidades de internação pediátricas toda criança com idade inferior a seis anos já deve ser classificada, minimamente, como cuidado intermediário, não houveram, em nenhum momento dos dias de internação, crianças com SZC com demanda de cuidados intermediários, nem mesmo no momento da alta hospitalar.

Destaca-se que, embora o local de coleta não tenha considerado leitos de terapia intensiva, em 9% dos dias observados houve pacientes classificados como cuidados intensivos.

Logo, podemos observar que as crianças com SZC hospitalizadas, neste estudo, demandaram maior atenção, disponibilidade e cuidado especializado da equipe de enfermagem. As necessidades de saúde específicas desse grupo populacional incluem ainda as demandas das famílias, que necessitam de apoio e treinamento/sensibilização para aprender a lidar com as condições de seus filhos no domicílio.

Nesse sentido, a criança com SZC, que integra um grupo de condições crônicas complexas, irá exigir uma readaptação dessa família a novas realidades e a compreensão e habilidades para lidar com as limitações impostas pela doença. Assim, acaba por exigir da família maior participação no processo de internação hospitalar para um melhor preparo para a alta.

O ICPP utilizado é composto por 11 indicadores que são divididos em três grandes áreas de domínio: família, paciente e procedimentos terapêuticos(1212 Dini AR, Guirardello EB. Pediatric patient classification system: improvement of an instrument. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(5):787-93. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000500003
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201400...
).

No domínio família, o indicador “participação do acompanhante”, descreve a performance do responsável para cuidar da criança e atender suas necessidades(1111 Dini AR, Guirardello EB. Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):144-9. https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000200007
https://doi.org/10.1590/S0103-2100201300...
). Nesse estudo, na maior parte dos dias os acompanhantes dos pacientes internados (620 - 77,8%) foram classificados como reconhecedores e capazes de satisfazer as necessidades físicas e emocionais da criança com SZC.

Estudos realizados com cuidadores de crianças com condições crônicas complexas apontaram para a singularidade do cuidado dessas crianças, como alimentação diferenciada ou por dispositivos como sonda e gastrostomia, posicionamento adequado, traqueostomia, entre outros(1515 Reis KMN, Alves GV, Barbosa TA, Lomba GO, Braga PP. A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com necessidades especiais de saúde. Cienc Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 07];23(1):45-55. Available from: https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n1/0717-9553-cienf-23-01-00045.pdf.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n...
-1616 Goes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):154-61. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
). Destacou-se que os cuidadores precisam incorporar aos seus cuidados diários com a criança atividades e procedimentos que são, em sua maioria, de enfermagem(1515 Reis KMN, Alves GV, Barbosa TA, Lomba GO, Braga PP. A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com necessidades especiais de saúde. Cienc Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 07];23(1):45-55. Available from: https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n1/0717-9553-cienf-23-01-00045.pdf.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n...
).

Assim, apesar de os resultados do estudo evidenciarem que, na maior parte dos dias, os acompanhantes eram capazes de atender às necessidades físicas e emocionais dos seus filhos, os enfermeiros, como grandes articuladores do cuidado prestado a essas crianças, precisam estar atentos para uma avaliação diária de como esses cuidados estão sendo realizados pela família de modo a não perder oportunidade para capacitá-los cada vez mais para a realização de uma assistência adequada minimizando riscos à segurança do paciente(1515 Reis KMN, Alves GV, Barbosa TA, Lomba GO, Braga PP. A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com necessidades especiais de saúde. Cienc Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 07];23(1):45-55. Available from: https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n1/0717-9553-cienf-23-01-00045.pdf.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n...
-1616 Goes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):154-61. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
) tanto no ambiente hospitalar quanto domiciliar.

Ainda no domínio família, o indicador “rede de apoio e suporte familiar” trata da capacidade do responsável em participar do planejamento e implementação dos cuidados necessários durante a internação hospitalar(1212 Dini AR, Guirardello EB. Pediatric patient classification system: improvement of an instrument. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(5):787-93. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000500003
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201400...
). Os resultados evidenciaram que, na maior parte dos dias, os acompanhantes dos pacientes internados (656 - 82,3%) foram classificados como envolvidos no planejamento e implementação da assistência ao longo de toda internação hospitalar.

A importância da presença da família durante a hospitalização de crianças é inquestionável. A presença dos pais ou acompanhante é vista como fonte de proteção, informação e segurança com papel de grande relevância na recuperação da criança(1717 Chagas MCS, Gomes GC, Pereira FW, Diel PKV, Farias DHR. Significado atribuído pela família ao cuidado da criança hospitalizada. Av Enferm. 2017;35(1):7-18. https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n1.42466
https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n1...
).

É importante que o enfermeiro tenha a sensibilidade de favorecer a adaptação dos cuidadores no processo de hospitalização, de reconhecer a necessidade de reforçar os laços de comunicação e orientações com os familiares como um meio de preparo para os cuidados com a criança(1818 Ferreira LB, Oliveira JSA, Gonçalves RG, Elias TMN, Medeiros SM, Mororó DDS. Nursing care for the families of hospitalized children and adolescents. Rev Enferm UFPE. 2019;13(1):23-31. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i01a237672p23-31-2019
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i01...
-1919 North N, Leonard A, Bonaconsa C, Duma T, Coetzee M. Distinctive nursing practices in working with mothers to care for hospitalised children at a district hospital in KwaZulu-Natal, South Africa: a descriptive observational study. BMC Nurs. 2020;19(28):1-12. https://doi.org/10.1186/s12912-020-00421-1
https://doi.org/10.1186/s12912-020-00421...
).

Esse envolvimento dos familiares de crianças durante a internação é especialmente importante no caso de doenças crônicas, que, devido à própria patologia, os pais/acompanhantes acabam por se tornar responsáveis pelo cuidado contínuo e prolongado no domicílio(2020 Machado NA, Nóbrega VM, Silva MEA, França DBL, Reichert APS, Collet N. Doença crônica infantojuvenil: vínculo profissional-família para a promoção do apoio social. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0290. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0290
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2...

21 Rodrigues PF, Amador DD, Silva KL, Reichert APS, Collet N. Interaction between the nursing staff and family from the family`s perspective. Esc Anna Nery. 2013;17(4):781-7. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20130024
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201300...
-2222 Azevedo AVS, Lançoni Jr AC, Crepaldi MA. Nursing team, family and hospitalized child interaction: an integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(11):3653-66. https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.26362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
).

O enfermeiro, em sua prática de educador com familiares, no preparo para a alta hospitalar de crianças crônicas, tem adotado o modelo de transmissão de conhecimentos através da demonstração da técnica e replicação, observando a capacidade de absorver e replicar os cuidados por parte da família. Porém, é imprescindível que esses ensinamentos levem em consideração as condições de vida nas quais as famílias estão inseridas, pois vai interferir diretamente na aplicabilidade desse cuidado no domicílio(1616 Goes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):154-61. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

A questão da educação e preparo dos familiares talvez seja um dos nichos mais importantes de atuação da equipe de enfermagem na internação de crianças crônicas complexas, uma vez que essas famílias retornam para casa com crianças demandando uma alta dependência de assistência e tecnologia, necessitando de treinamentos para realizar o cuidado domiciliar, além de uma rede de apoio. Cabe lembrar, ainda, que, muitas vezes, essas crianças saem de uma internação hospitalar dependentes de uma nova tecnologia para a sobrevivência.

No domínio “paciente”, o indicador “atividades” avalia a capacidade de interação e realização de atividades próprias para a idade. Nesse quesito, 100% dos pacientes demonstraram desinteresse a estímulos, dificuldade de linguagem, deficiência visual ou déficit no desenvolvimento.

Um estudo brasileiro realizado com crianças com microcefalia por ZIKV em centros de reabilitação nos estados brasileiros do Rio Grande do Norte e Paraíba constatou, através de um perfil funcional, uma completa incapacidade na maioria das categorias de funções do corpo, particularmente em categorias relacionadas à mobilidade e atividades(2323 Ferreira HNC, Schiariti V, Regalado ICR, Sousa KG, Pereira AS, Fechine CPNS, Longo e. functioning and disability profile of children with microcephaly associated with Congenital Zika Virus Infection. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(6):E1107. https://doi.org/10.3390/ijerph15061107
https://doi.org/10.3390/ijerph15061107...
). As crianças com SZC, além da microcefalia, podem apresentar outras más formações, como alterações cerebrais, auditivas, visuais, neurológicas, problemas de deglutição e artrogryposis(2424 Pone MVS, Pone SM, Zin AA, Mendes PHB, Aibe MS, Aguiar EB, et al. Zika virus infection in children: epidemiology and clinical manifestations. Childs Nerv Syst. 2018;34(1):63-71. https://doi.org/10.1007/s00381-017-3635-3
https://doi.org/10.1007/s00381-017-3635-...

25 Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB, et al. Characterizing the pattern of anomalies in Congenital Zika Syndrome for Pediatric Clinicians. JAMA Pediatr. 2017;1;171(3):288-95. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2016.3982
https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2...
-2626 Karwowski MP, Nelson JM, Staples JE, Fischer M, Fleming-Dutra KE, Villanueva J, et al. Zika Virus Disease: a CDC update for pediatric health care providers. Pediatrics. 2016;137(5):e20160621. https://doi.org/10.1542/peds.2016-0621
https://doi.org/10.1542/peds.2016-0621...
). Tudo isso vai gerar um déficit no desenvolvimento motor e cognitivo dessas crianças, em comparação com outras da mesma idade não acometidas pelo ZIKV, causando, consequentemente, grande dependência da criança a um cuidador(2727 França TLB, Medeiros WR, Souza NL, Longo E, Pereira AS, França TBOF, et al. Growth and development of children with microcephaly associated with Congenital Zika Virus Syndrome in Brazil. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(9):1990. https://doi.org/10.3390/ijerph15091990
https://doi.org/10.3390/ijerph15091990...
).

O indicador “oxigenação” avalia a possibilidade de a criança conservar a ventilação/oxigenação adequada. Verificou-se que em 37,5% (299) dos dias de internação estudados os pacientes necessitaram de ventilação mecânica não invasiva ou invasiva; 31,5% (251) respiravam espontaneamente embora fosse necessário aspiração de secreções das vias aéreas e/ou suplementação de oxigênio.

Esse resultado constata que, neste estudo, houve a necessidade de tecnologia de suporte respiratório em 69% (550) dos dias de internação. Assim, fica clara a necessidade de um cuidado especializado de enfermagem, caracterizado como semi-intensivo. Por vezes, o uso dessa tecnologia de suporte respiratório, conforme a evolução clínica da criança, pode levar à dependência de equipamentos para manter o suporte ventilatório, o que dificulta sua alta hospitalar, visto que além da necessidade de capacitação do cuidador para lidar com uma nova tecnologia de suporte de vida, necessitaria da disponibilidade do equipamento e de uma equipe multiprofissional que acompanhe essa criança e família no domicílio.

O indicador que tratou sobre “mobilidade e deambulação” julga a capacidade da criança de se mobilizar e andar com segurança. Na maioria dos dias de internação estudados (520 - 65,2%), os pacientes foram classificados como restrito ao leito e totalmente dependente para mudança de decúbito; em 34,8% (341), foram classificados como aqueles que ficam em repouso no leito e se mobilizam com auxílio.

Esses resultados nos indicam que apesar de essas crianças serem, em sua maioria, lactentes, tendo a menor delas 8 meses, elas não conseguem se mobilizar sem auxílio de um adulto, por possuírem um alto déficit no desenvolvimento motor, o que aumenta seu grau de dependência. No ambiente hospitalar, essa questão nos remete ao planejamento de cuidados de enfermagem indispensável à prevenção de úlceras de pressão e à necessidade de estimulação precoce por parte da equipe multidisciplinar.

O indicador “alimentação e hidratação” se baseia na maneira pelo qual a criança se hidrata e se alimenta - via oral, enteral ou parenteral. Na maior parte dos dias de internação estudados (736 - 92,3%), os pacientes foram classificados com alimentação através de ingestão oral não cooperativa ou com risco iminente de broncoaspiração, ou através de sondas ou amamentação inadequada.

É característico dos recém-nascidos (RN) apresentarem o que chamamos de reflexos primitivos, que são respostas motoras involuntárias apresentadas quando expostos a um determinado estímulo. A sucção reflexa é um dos reflexos primitivos, que se apresenta quando os lábios do RN são encostados por algum objeto, desencadeando o movimento de sucção. Esses reflexos permanecem presentes até cerca de seis meses de vida, e o seu desaparecimento é de curso natural, uma vez que esses reflexos deixam de ser involuntários e passam a ser voluntários(2828 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Atenção à Saúde do Recém-Nascido Guia para os Profissionais de Saúde [Internet]. 2014[cited 2018 Dec 27]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_v1.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

As crianças com SZC, que participaram deste estudo, já haviam passado dessa fase de reflexo de deglutição involuntário; devido ao grande desenvolvimento psicomotor (DNPM) que os acomete, eles começam a apresentar problemas de deglutição que vão impactar diariamente o seu modo de alimentação e hidratação.

O indicador “eliminações” leva em consideração a maneira da criança excretar urina e fezes. Por se tratarem de lactentes e pré-escolares (com idade máxima de 2 anos e 5 meses), em 97,1% (771) dos dias observados, os pacientes faziam uso de fraldas como qualquer criança da mesma idade.

O último indicador do domínio “paciente” envolve a temática “higiene ou cuidado corporal”, que leva em consideração a capacidade da criança em realizar essas atividades de forma independente ou com algum grau de ajuda. Do total de crianças com SZC deste estudo, em 77,9% (621), foi necessária a realização de banho no leito.

O banho no leito é uma demanda de cuidado muito presente na área pediátrica, e, por questões de segurança do paciente, algumas vezes é imprescindível que dois profissionais de enfermagem atuem no procedimento, o que aumenta ainda mais o grau de dependência dos cuidados de enfermagem. Um estudo evidencia que quando o ato é realizado apenas por um profissional de enfermagem, é mais desgastante, havendo potenciais riscos para os profissionais e pacientes, riscos esses como quedas e deslocamento de dispositivos para os pacientes e danos/lesões osteomusculares para os profissionais(2929 Moller G, Magalhães AMM. Bed baths: nursing staff workload and patient safety. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):1044-52. https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003110014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...
).

No domínio “procedimentos terapêuticos”, o item “intervalo de aferição de controles” avalia o espaço de tempo necessário para avaliação dos sinais vitais e outros. Neste estudo, em 70,4% (561) dos dias de internação das crianças com SZC, foi necessário um intervalo de controle menor que 2 horas ou monitorização contínua. Esse resultado aponta para a instabilidade das funções vitais dessas crianças e a necessidade de vigilância contínua da equipe de saúde.

Na subcategoria “terapêutica medicamentosa”, avalia-se a necessidade de a criança receber medicações. Pode-se observar que, em 90,3% (720) dos dias observados, os pacientes necessitaram de medicamentos parenterais, enterais e inalatórios, ou medicamentos tópicos, oculares ou orais em crianças não cooperativas.

Um estudo sobre a utilização de medicamentos endovenosos em um serviço hospitalar infantil, cuja maior parte dos pacientes atendidos eram portadores de doenças crônico-degenerativas e de alta complexidade, evidenciou que a via parenteral endovenosa foi a mais utilizada, revelando, com isso, a necessidade de mais tempo da equipe de enfermagem na atividade de administração de medicamentos(3030 Souza MCP, Goulart MA, Rosado V, Reis AMM. Estudo de utilização de medicamentos parenterais em uma unidade de internação pediátrica de um hospital universitário. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):675-82. https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400014
https://doi.org/10.1590/S1516-9332200800...
).

No item “integridade cutâneo-mucosa”, observa-se as condições da pele e mucosas. Nesse item, constatou-se, através da observação diária, um maior índice de pacientes com necessidade de cuidados de média complexidade, como curativos de feridas e drenos, presença de ostomias ou cateteres centrais (585 - 73,4%).

O alto índice de cuidados de média complexidade supracitado pode ser atribuído às características de pacientes com dependência tecnológica, com uso de dispositivos como TQT e GTT.

Todas essas características de demandas de cuidado apresentadas pela criança com SZC a inclui no grupo de crianças com condição crônica complexa (CCC). As CCC incluem doenças multissistêmicas, congênitas e adquiridas, apresentando-se com limitações funcionais, dependência tecnológica e demandas de cuidados especializados(3131 Moura EC, Moreira MCN, Menezes LA, Ferreira IA, Gomes R. Complex chronic conditions in children and adolescents: hospitalizations in Brazil, 2013. Cienc Saude Colet. 2017;22(8):2727-34. https://doi.org/10.1590/1413-1232017228.01992016
https://doi.org/10.1590/1413-1232017228....
).

Este estudo demonstrou que as crianças com SZC internadas apresentaram demandas de cuidado de desenvolvimento (reabilitação, psicomotora e social), dependência medicamentosa e tecnológica e grande dependência para tarefas comuns do dia a dia. A maior parte dessa demanda parece ser irreversível e deve fazer parte da vida dessas crianças após a alta hospitalar.

Os resultados evidenciam uma complexidade de cuidados de crianças que, mesmo clinicamente estáveis, demandam cuidados semi-intensivos e horas de cuidado de enfermagem especializada e acima do padrão típico de enfermarias convencionais.

Limitações do estudo

Como limitações, reconhecemos que o ICPP não elucida especificamente o tipo de déficit do desenvolvimento, de dependência tecnológica e medicamentosa apresentado por cada criança estudada. Por ser um estudo realizado em um único centro, talvez mereça uma análise mais ampliada de outras realidades para fins de generalização.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou política pública

Determinar a complexidade de cuidados subsidia o planejamento das atividades e dos custos da assistência e dimensionamento adequado dos profissionais de enfermagem, contribuindo para as respostas às demandas da população-alvo com qualidade, segurança e resultados efetivos e eficientes.

Logo, o referido estudo poderá ser de grande relevância para melhorias na prática assistencial, capacitação de profissionais, além de contribuir para novos estudos e pesquisas na área abordada.

CONCLUSÃO

Os resultados apontaram que crianças com diagnóstico de SZC apresentam grau de dependência assistencial de enfermagem, em sua maioria, correspondente a paciente de cuidados semi-intensivos.

Grande parte dessas internações evoluiu para a dependência da criança a um dispositivo tecnológico para a manutenção da vida, como traqueostomia, gastrostomia e derivação ventricular peritoneal. A utilização desses dispositivos aumenta a demanda de cuidados de enfermagem à criança internada não só pelo manuseio e manutenção deles como também pela necessidade de implementação de ações educativas voltadas aos familiares para o cuidado diário e o preparo para a alta hospitalar.

O processo de hospitalização dessas crianças e famílias requer ações de educação em saúde e preparo para a alta. As famílias precisam se adaptar ao novo cotidiano, incorporar saberes e habilidades específicas a fim de melhorar a qualidade de vida de seus filhos no contexto sociofamiliar. Esse aprendizado progressivo deve almejar a maior segurança de famílias e maior independência nos cuidados cotidianos.

Por fim, a SZC representa um desafio aos profissionais de saúde não só por ser uma clientela emergente para a enfermagem pediátrica, mas pela sua demanda de cuidados complexos e contínuos durante as internações hospitalares e em domicílio.

REFERENCES

  • 1
    Garcia LP. Epidemia do vírus zika e microcefalia no Brasil: emergência, evolução e enfrentamento. Brasília: Ipea; 2018. 54 p.
  • 2
    Minamisava R, Sauge AKM, Castral TC, Souza SMB, Souza RRG, Sousa MC. Zika virus epidemic: the newest international emergency. Rev Eletr Enf. 2016;18:1-3. https://doi.org/10.5216/ree.v18.39890
    » https://doi.org/10.5216/ree.v18.39890
  • 3
    Salge AK, Castral T, Sousa M, Souza RR, Minamisava R, Souza SM. Zika virus infection during pregnancy and microcephaly in newborns: an integrative literature review. Rev Eletr Enf. 2018;e1137. https://doi.org/10.5216/ree.v18.39888
    » https://doi.org/10.5216/ree.v18.39888
  • 4
    Adachi K, Romero T, Nielsen-Saines K, Pone S, Aibe M, Aguiar EB, et al. Early Clinical Infancy Outcomes for Microcephaly and/or SGA Zika-exposed Infants. Clin Infect Dis. 2019;ciz704. https://doi.org/10.1093/cid/ciz704
    » https://doi.org/10.1093/cid/ciz704
  • 5
    Eickmann SH, Carvalho MDCG, Ramos RCF, Rocha MAW, Linden VVD, Silva PFS. Síndrome da infecção congênita pelo vírus Zika. Cad Saúde Pública. 2016;32(7):1-3. https://doi.org/10.1590/0102-311X00047716
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00047716
  • 6
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor decorrente de microcefalia [Internet]. 2016[cited 2017 Jul 11]. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/pdf/2016/janeiro/13/Diretrizes-de-Estimulacao-Precoce.pdf
    » http://portalarquivos.saude.gov.br/pdf/2016/janeiro/13/Diretrizes-de-Estimulacao-Precoce.pdf
  • 7
    Queluci GC, Figueiredo NMA. Sobre as situações de enfermagem e seus graus de complexidade menor, média e maior - na prática assistencial hospitalar. Esc Anna Nery. 2010;14(1):171-6. https://doi.org/10.1590/S1414-81452010000100025
    » https://doi.org/10.1590/S1414-81452010000100025
  • 8
    Perroca MG, Gaidzinski RR. Sistema de classificação de pacientes: construção e validação de um instrumento. Rev Esc Enferm USP. 1998;32(2):153-68. https://doi.org/10.1590/S0080-62341998000200009
    » https://doi.org/10.1590/S0080-62341998000200009
  • 9
    Dini AR, Fugulin FMT, Veríssimo MDLOR, Guirardello EB. Pediatric Patient Classification System: construction and validation of care categories. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):574-9. https://doi.org/10.1590/S0080-62342011000300004
    » https://doi.org/10.1590/S0080-62342011000300004
  • 10
    Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saúde Pública. 2010;44(3):559-65. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000300021
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000300021
  • 11
    Dini AR, Guirardello EB. Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):144-9. https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000200007
    » https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000200007
  • 12
    Dini AR, Guirardello EB. Pediatric patient classification system: improvement of an instrument. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(5):787-93. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000500003
    » https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000500003
  • 13
    Fugulin FMT, Gaidzinski RR, Kurcgant P. Sistema de Classificação de pacientes: identificação do perfil assistencial dos pacientes das unidades de internação do HU-USP. Rev Latino-Am Enfermagem. 2005;13(1):72-8. https://doi.org/10.1590/S0104-11692005000100012
    » https://doi.org/10.1590/S0104-11692005000100012
  • 14
    Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Resolução no 543, de 18 de abril de 2017. Atualiza e estabelece parâmetros para o Dimensionamento do Quadro de Profissionais de Enfermagem nos serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem. Diário Oficial da União, 08 May 2017; Seção 1.
  • 15
    Reis KMN, Alves GV, Barbosa TA, Lomba GO, Braga PP. A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com necessidades especiais de saúde. Cienc Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 07];23(1):45-55. Available from: https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n1/0717-9553-cienf-23-01-00045.pdf
    » https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v23n1/0717-9553-cienf-23-01-00045.pdf
  • 16
    Goes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):154-61. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
  • 17
    Chagas MCS, Gomes GC, Pereira FW, Diel PKV, Farias DHR. Significado atribuído pela família ao cuidado da criança hospitalizada. Av Enferm. 2017;35(1):7-18. https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n1.42466
    » https://doi.org/10.15446/av.enferm.v35n1.42466
  • 18
    Ferreira LB, Oliveira JSA, Gonçalves RG, Elias TMN, Medeiros SM, Mororó DDS. Nursing care for the families of hospitalized children and adolescents. Rev Enferm UFPE. 2019;13(1):23-31. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i01a237672p23-31-2019
    » https://doi.org/10.5205/1981-8963-v13i01a237672p23-31-2019
  • 19
    North N, Leonard A, Bonaconsa C, Duma T, Coetzee M. Distinctive nursing practices in working with mothers to care for hospitalised children at a district hospital in KwaZulu-Natal, South Africa: a descriptive observational study. BMC Nurs. 2020;19(28):1-12. https://doi.org/10.1186/s12912-020-00421-1
    » https://doi.org/10.1186/s12912-020-00421-1
  • 20
    Machado NA, Nóbrega VM, Silva MEA, França DBL, Reichert APS, Collet N. Doença crônica infantojuvenil: vínculo profissional-família para a promoção do apoio social. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0290. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0290
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0290
  • 21
    Rodrigues PF, Amador DD, Silva KL, Reichert APS, Collet N. Interaction between the nursing staff and family from the family`s perspective. Esc Anna Nery. 2013;17(4):781-7. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20130024
    » https://doi.org/10.5935/1414-8145.20130024
  • 22
    Azevedo AVS, Lançoni Jr AC, Crepaldi MA. Nursing team, family and hospitalized child interaction: an integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(11):3653-66. https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.26362015
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.26362015
  • 23
    Ferreira HNC, Schiariti V, Regalado ICR, Sousa KG, Pereira AS, Fechine CPNS, Longo e. functioning and disability profile of children with microcephaly associated with Congenital Zika Virus Infection. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(6):E1107. https://doi.org/10.3390/ijerph15061107
    » https://doi.org/10.3390/ijerph15061107
  • 24
    Pone MVS, Pone SM, Zin AA, Mendes PHB, Aibe MS, Aguiar EB, et al. Zika virus infection in children: epidemiology and clinical manifestations. Childs Nerv Syst. 2018;34(1):63-71. https://doi.org/10.1007/s00381-017-3635-3
    » https://doi.org/10.1007/s00381-017-3635-3
  • 25
    Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB, et al. Characterizing the pattern of anomalies in Congenital Zika Syndrome for Pediatric Clinicians. JAMA Pediatr. 2017;1;171(3):288-95. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2016.3982
    » https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2016.3982
  • 26
    Karwowski MP, Nelson JM, Staples JE, Fischer M, Fleming-Dutra KE, Villanueva J, et al. Zika Virus Disease: a CDC update for pediatric health care providers. Pediatrics. 2016;137(5):e20160621. https://doi.org/10.1542/peds.2016-0621
    » https://doi.org/10.1542/peds.2016-0621
  • 27
    França TLB, Medeiros WR, Souza NL, Longo E, Pereira AS, França TBOF, et al. Growth and development of children with microcephaly associated with Congenital Zika Virus Syndrome in Brazil. Int J Environ Res Public Health. 2018;15(9):1990. https://doi.org/10.3390/ijerph15091990
    » https://doi.org/10.3390/ijerph15091990
  • 28
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Atenção à Saúde do Recém-Nascido Guia para os Profissionais de Saúde [Internet]. 2014[cited 2018 Dec 27]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_v1.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_v1.pdf
  • 29
    Moller G, Magalhães AMM. Bed baths: nursing staff workload and patient safety. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):1044-52. https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003110014
    » https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003110014
  • 30
    Souza MCP, Goulart MA, Rosado V, Reis AMM. Estudo de utilização de medicamentos parenterais em uma unidade de internação pediátrica de um hospital universitário. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):675-82. https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400014
    » https://doi.org/10.1590/S1516-93322008000400014
  • 31
    Moura EC, Moreira MCN, Menezes LA, Ferreira IA, Gomes R. Complex chronic conditions in children and adolescents: hospitalizations in Brazil, 2013. Cienc Saude Colet. 2017;22(8):2727-34. https://doi.org/10.1590/1413-1232017228.01992016
    » https://doi.org/10.1590/1413-1232017228.01992016

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Mitzy Reichembach

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2020
  • Aceito
    26 Nov 2020
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br