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Processo de trabalho da enfermeira em diferentes países: uma revisão integrative

RESUMO

Objetivo:

Analisar características do processo de trabalho da enfermeira em diferentes países.

Método:

Utilizamos o método da revisão integrativa e selecionamos 84 publicações (artigos, teses e dissertações) em bases de dados e banco de teses nacionais e internacionais. As evidências foram analisadas na perspectiva do materialismo dialético.

Resultados:

A negação do trabalho gerencial esconde a singularidade do trabalho da enfermeira, pela não compreensão da natureza indissociável gerencial-assistencial, visto que isso confere a expertise para coordenar o processo de trabalho em enfermagem e direcionar os processos de trabalho em saúde. A divisão técnica e social está presente no processo de trabalho em todos os países estudados, ainda que sob formas distintas. O lugar da enfermeira no processo de trabalho assistencial é subordinado ao médico.

Conclusão:

As características são semelhantes. A negação da própria natureza dual do trabalho pela enfermeira, via alienação, culmina no não reconhecimento do próprio trabalho.

Descritores:
Enfermeiras; Enfermagem; Trabalho; Capitalismo; Papel do Enfermeiro

ABSTRACT

Objective:

To analyze the characteristics of nurses' work process in different countries.

Method:

We have used the integrative review method and selected 84 publications (articles, theses and dissertations) in national and foreign thesis banks and databases. We analyzed the evidence based on dialectical materialism.

Results:

The rejection of managerial tasks hides the singularity of nurses' work, due to the failure to understand the inseparable nature of managerial and healthcare tasks, given that it is what provides the expertise to coordinate the nursing work process and guide the healthcare work processes. The social and technical division is present in the work process in all countries studied, albeit in different ways. The nurse's position in the healthcare work process is subordinated to that of the physician.

Conclusion:

The characteristics are similar. The rejection of the dual nature of the work by nurses themselves due to alienation results in the non-recognition of their own work.

Descriptors:
Nurses; Nursing; Work; Capitalism; Role of the Nurse

RESUMEN

Objetivo:

Analizar características del proceso de trabajo de la enfermera en diferentes países.

Método:

Utilizamos el método de la revisión integradora y seleccionamos 84 publicaciones (artículos, tesis y disertaciones) en bases de datos y banco de tesis nacionales e internacionales. Las evidencias fueron analizadas en la perspectiva del materialismo dialéctico.

Resultados:

La negación del trabajo gerencial esconde la singularidad del trabajo de la enfermera, por la no comprensión de la naturaleza indisociable gerencial-asistencial, visto que eso confiere la experiencia para coordinar el proceso de trabajo en enfermería y direccionar los procesos de trabajo en salud. La división técnica y social está presente en el proceso de trabajo en todos los países estudiados, aunque bajo formas distintas. El lugar de la enfermera en el proceso de trabajo asistencial está subordinado al médico.

Conclusión:

Las características son semejantes. La negación de la propia naturaleza dual del trabajo por la enfermera, vía alienación, culmina en el no reconocimiento del propio trabajo.

Descriptores:
Enfermeras; Enfermería; Trabajo; Capitalismo; Papel del Enfermero

INTRODUÇÃO

O processo de trabalho é um processo intencional e consciente no qual o trabalhador, com sua ação, impulsiona, regula e controla o seu intercâmbio com a natureza para produzir um resultado antecipadamente planejado. Ele é constituído de três elementos: a atividade adequada a um fim (trabalho); a matéria a que se aplica o trabalho (objeto do trabalho); meios e instrumentos que facilitam o trabalho(11 Marx K. O capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo, SP: Boitempo; 2013.).

Como o trabalho em saúde é coletivo, os profissionais que atuam nesse campo exercem certo grau de autonomia técnica e, simultaneamente, devem cooperar para executar a prestação de serviços de saúde por meio de atividades especializadas, demarcadas pela divisão técnica e social do trabalho. Afirma-se, portanto, que o trabalho em saúde é organizado a partir de uma crescente divisão técnica, executado por diferentes trabalhadores e articulado por meio de hierarquia.

Desde que foi institucionalizado no século XIX, como campo de trabalho na esfera pública, o campo da enfermagem foi dividido entre distintas trabalhadoras: nurse e lady nurse, representando a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual.

O campo da enfermagem integra o campo de trabalho em saúde cuja especificidade em relação a outros campos de produção é ser compreendido como aquele no qual se processa o cuidado profissional aos seres humanos(22 Melo CMM, Santos TA, Leal JAL. Processo de trabalho assistencial-gerencial da enfermeira. In: PROENF Programa de Atualização em Enfermagem: Gestão: Ciclo 4. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2015. p. 45-75.). Embora o cuidado em saúde não se caracterize em uma especificidade do trabalho em enfermagem, este se distingue por suas singularidades em relação ao trabalho dos demais profissionais da saúde.

Neste artigo, usamos como conceito de processo de trabalho da enfermeira o modo indissociável como ela executa atividades assistenciais-gerenciais mediadas por relações de poder articulando saberes filosóficos, políticos e técnicos. Nesse processo, a enfermeira responde à normatividade da organização de saúde, às necessidades anatomofisiológicas e extrabiológicas dos usuários, às demandas de coordenação do processo de trabalho em enfermagem e às demandas de direção do processo de trabalho em saúde, em um determinado tempo histórico e em uma determinada sociedade(22 Melo CMM, Santos TA, Leal JAL. Processo de trabalho assistencial-gerencial da enfermeira. In: PROENF Programa de Atualização em Enfermagem: Gestão: Ciclo 4. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2015. p. 45-75.).

Desse modo, consideramos que o processo de trabalho da enfermeira é diferente do processo de trabalho dos demais trabalhadores da saúde devido à singularidade do lugar que a enfermeira ocupa no trabalho em saúde, ao ser a única trabalhadora que coordena, ao mesmo tempo, o processo de trabalho em enfermagem e direciona o processo de trabalho em saúde, além de executar atividades assistenciais. Neste artigo, definimos como objetivo analisar as características do processo de trabalho da enfermeira em diferentes países.

MÉTODO

Para reunir e sistematizar resultados de pesquisas sobre o processo de trabalho da enfermeira, utilizamos o método da revisão integrativa. Nesse contexto, a revisão integrativa inclui a análise de pesquisas relevantes que possibilita a síntese de múltiplos estudos publicados e também viabiliza conclusões gerais a respeito de uma área particular de estudo(33 Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2008[cited 2013 Oct 10];17(4):758-764. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018
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).

Inicialmente, delimitamos duas questões de pesquisa. A primeira: Quais são as características que identificam o processo de trabalho da enfermeira, independentemente do contexto, do espaço de trabalho, do tempo e do país? E a segunda: Quais são as características comuns no processo de trabalho da enfermeira no Brasil e em outros países?

A partir dessas questões, definimos critérios para a escolha dos países de origem dos materiais a serem revisados: países situados em diferentes continentes; com proporção distinta entre enfermeira por habitante; e em posições distintas no ranking internacional da produção científica geral e em enfermagem, segundo os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e do portal SCImagoJournal& Country Rank. Assim, os países selecionados foram: Austrália, África do Sul, Brasil, Canadá, Chile, China, Estados Unidos, Japão, México, Portugal, Reino Unido (Inglaterra, Irlanda do Norte, Escóciae País de Gales) e Tailândia.

Em seguida, realizamos a busca da literatura nas bases de dados selecionadas utilizando as combinações de termos nurseandworkprocess e nursingandworkprocess bem como estabelecemos os critérios para inclusão e exclusão de estudos. Assim, foram incluídas publicações na íntegra a partir de pesquisas desenvolvidas nos países selecionados, disponíveis nas bases de dados: PUBMED (National Center for BiotechnologyFormation), SCIELO (ScientificElectronic Library Online), BIREME (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), MEDLINE (ComprehensiveMedline), LILACS (Literatura Latinoamericana y del Caribe de InformaciónenCiencias de laSalud), WEB OF SCIENCE, SCOPUS. Também foram incluídas publicações encontradas nos Bancos de Teses no Brasil e exterior (Portal da CAPES, ETHESES, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - BDTD, DART-Europe E-Theses, EThos, Theses Canada, Open Access ThesesandDissertations- OATD, Thèsesfr, Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal - RCAAP, Portal de TesisEletronicas Chilenas, Red de RepositoriosLatinoamericanose National ETD - Portal South AfricanofThesesandDissertations).

Após o levantamento das publicações científicas nas bases de dados e bancos de teses, reunimos um quantitativo de 3.309 textos. Destes, foram retiradas 317 publicações que apareciam repetidas em uma ou mais bases, restando 2.992 documentos submetidos aos critérios de exclusão de forma que apenas estudos sobre o processo de trabalho e que tivessem como sujeitos enfermeiras fossem selecionados.

Assim, foram examinados os títulos dos trabalhos para identificar aqueles próximos ao tema ou os que, pela não compreensibilidade, foram mantidos para a próxima fase da seleção, e outros que não abordavam o tema do trabalho da enfermeira. Foram eliminadas 936 publicações.

A seleção continuou com a leitura criteriosa dos 2.056 resumos dos artigos, teses e dissertações. Dentre eles, existiam trabalhos com foco temático distinto do objeto definido, como artigos sobre saúde do trabalhador, artigos sobre processo de enfermagem ou sistematização da assistência de enfermagem e história do campo da enfermagem. Outros poucos estudos referiam-se a técnica(o)s e auxiliares de enfermagem. Por isso, 1.681 textos foram excluídos nessa fase, restando 375 publicações para a última etapa da separação do material empírico.

Finalmente, procedemos à leitura dessas 375 publicações na íntegra, e a exclusão nessa etapa teve motivação semelhante aos critérios de exclusão usados a partir da leitura dos resumos. Assim, foram incluídos no corpus do estudo 84 trabalhos, dentre eles 30 artigos e 54 teses e dissertações que representaram o material empírico analisado.

A partir dessa fase, extraímos as informações dos estudos selecionados sobre as características do processo de trabalho da enfermeira e, em seguida, procedemos à análise das evidências nos diferentes países com base no materialismo dialético.

No primeiro momento, o uso do método de revisão integrativa nos conduziu na busca das publicações científicas do campo de enfermagem que representassem o constructo material sobre o processo de trabalho da enfermeira, pelo que foi dito e não dito sobre tal processo em diferentes países. Na perspectiva do materialismo histórico, buscamos não apenas descobrir e considerar a parcialidade da produção do conhecimento na área de enfermagem, mas, sobretudo, ultrapassar os limites finitos dessas evidências para refletir sobre a percepção do todo, além de refletir sobre o que as autoras e os autores, em suas realidades contraditórias, revelaram ou mascararam, o que fizeram conhecer ou mistificaram.

RESULTADOS

Neste artigo, organizamos três das principais evidências encontradas, e, relacionadas a estas, apresentamos a caracterização de parte do material empírico (27 publicações).

Quadro 1
Caracterização de parte da amostra segundo título, ano, país, delineamento, número de pacientes, intervenções e desfechos, 2016

Evidência 1 -A natureza do trabalho da enfermeira é indissociavelmente assistencial-gerencial

Para fundamentar tal evidência, encontramos que, em todos os países analisados, a enfermeira executa atividades gerenciais além das atividades assistenciais. No entanto, o componente gerencial do trabalho da enfermeira é negado pelas autoras na maioria dos países, negando-se, portanto, a natureza indissociavelmente assistencial-gerencial desse trabalho.

Existe uma valorização das ações assistenciais do processo de trabalho das enfermeiras, fato o qual é evidenciado pelos autores e autoras quando consideram que isso gera um afastamento das enfermeiras da execução da assistência ao paciente, o que seria o componente mais importante do trabalho(44 Herdman E. The deskilling of registered nurses: the social transformation of nursing work in a New South Wales hospital, 1970-1990[Tese]. [Internet]. Austrália: University of Wollongong; 1992 [cited 2014 Jan 20]. Available from: http://ro.uow.edu.au/theses/1729
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5 Presotto GV. O processo de trabalho do enfermeiro no contexto hospitalar[Tese]. [Internet]. Universidade Federal do Triângulo Mineiro; 2011 [cited 2014 Jan 12]. Available from: http://www.uftm.edu.br/upload/ensino/enfermsaude/atencao_a_saude_Giovanna_Valim_Presotto.pdf
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6 Staniland KM. Clinical governance and nursing: a sociological analysis[Tese]. [Internet] University of Salford; 2007 [cited 2014 Mar 04]. Available from: http://usir.salford.ac.uk/2062/1/Thesis_2008_Final_May_2009.pdf
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7 Hausman M. Análise do processo de trabalho gerencial do enfermeiro em um hospital privado no município de São Paulo: possibilidades para o gerenciamento do cuidado[Tese]. [Internet]. Universidade de São Paulo; 2006 [cited 2014 Mar 01]. Available from: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7131/tde-03102006-102248/pt-br.php
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-88 Kiewicz LM. Constituting Modern Matron: exploring role, identity and action in an English NHS trust[Tese].[Internet]. Inglaterra: University of York; 2011 [cited 2014 Jun 15]. Available from: http://etheses.whiterose.ac.uk/id/eprint/1907
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).

No Brasil e no Reino Unido a negação das atividades gerenciais da enfermeira recebe uma conotação pejorativa, com a designação dessas atividades como burocráticas, pois empregam o termo burocrático com o mesmo sentido utilizado pelo senso comum e não pelo sentido aplicado no campo teórico da administração(55 Presotto GV. O processo de trabalho do enfermeiro no contexto hospitalar[Tese]. [Internet]. Universidade Federal do Triângulo Mineiro; 2011 [cited 2014 Jan 12]. Available from: http://www.uftm.edu.br/upload/ensino/enfermsaude/atencao_a_saude_Giovanna_Valim_Presotto.pdf
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-66 Staniland KM. Clinical governance and nursing: a sociological analysis[Tese]. [Internet] University of Salford; 2007 [cited 2014 Mar 04]. Available from: http://usir.salford.ac.uk/2062/1/Thesis_2008_Final_May_2009.pdf
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,88 Kiewicz LM. Constituting Modern Matron: exploring role, identity and action in an English NHS trust[Tese].[Internet]. Inglaterra: University of York; 2011 [cited 2014 Jun 15]. Available from: http://etheses.whiterose.ac.uk/id/eprint/1907
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).

Pela natureza do seu trabalho, a enfermeira executa privativamente a coordenação do processo de trabalho em enfermagem e o direcionamento do processo de trabalho em saúde em todos os países estudados(88 Kiewicz LM. Constituting Modern Matron: exploring role, identity and action in an English NHS trust[Tese].[Internet]. Inglaterra: University of York; 2011 [cited 2014 Jun 15]. Available from: http://etheses.whiterose.ac.uk/id/eprint/1907
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9 Kawata LS. Os desempenhos da enfermeira na Saúde da Família - a construção da competência no processo de trabalho[Tese].[Internet]. Universidade de São Paulo; 2011 [cited 2014 Mar 29]. Available from: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-30112011-083404/pt-br.php
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-1010 Duva IH. Factors impacting staff nurse care coordination[Tese]. [Internet]. Emory University; 2010[cited 2014 Feb 18]. Available from: http://pid.emory.edu/ark:/25593/8kdsv
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,2121 Hausmann M, Peduzzi M. Articulação entre as dimensões gerencial e assistencial do processo de trabalho do enfermeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2009[cited 2014 Mar 06];18(2):258-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v18n2/08.pdf
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-2222 Peduzzi M, Anselmi ML. O processo de trabalho de enfermagem: a cisão entre planejamento e execução do cuidado. Rev Bras Enferm [Internet]. 2002[cited 2013 Dec 09];55(4):392-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v55n4/v55n4a06.pdf
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).

Evidência 2 -A divisão técnica e social está presente no processo de trabalho da enfermeira em todos os países estudados, ainda que sob formas distintas

Em todos os países incluídos neste estudo, existem diferentes categorias de trabalhadoras no campo da enfermagem(1212 Banda MMZ. Compreensão típico ideal da prática profissional do enfermeiro em hospitais públicos[Tese]. [Internet]. Universidade de São Paulo; 2004 [cited 2013 Dec 04]. Available from: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22132/tde-13102004-150910/pt-br.php
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-1313 Heath HBM. The work of registered nurses and care assistants with older people in nursing homes: can the outcomes be distinguished?[Tese]. [Internet]. Brunel University; 2006 [cited 2014 Jan 08]. Available from: http://europepmc.org/theses/eth/488676
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,2525 Bujdoso YLV, Trapé CA, Pereira EG, Soares CB. A academia e a divisão social do trabalho na enfermagem no setor público: aprofundamento ou superação. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2007[cited 2014 Jan 26];12(5):1363-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n5/28.pdf
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-2626 Fortuna CM, Matumoto S, Pereira MJB, Mishima SM, Kawata LS, Camargo-Borges C. O enfermeiro e as práticas de cuidados coletivos na estratégia saúde da família. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2011[cited 2014 Jan 26];19(3):581-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n3/pt_18.pdf
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). São algumas dessas categorias: no Brasil, enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem; no Chile, enfermeiras e auxiliares de enfermagem; no Canadá, enfermeiras diplomadas e associadas / Registered Nurse (RN) e Care Assistant (CA); e, nos Estados Unidos e África do Sul, Certified Nurse Assistant (CNA), Licensed Practical Nurse (LPN) e Registered Nurse (RN).

As diferentes categorias dentro deste campo de trabalho possuem distintos graus de formação e tempo de formação bem como distintas atribuições nos serviços de saúde. Em todos os países, existem trabalhadoras no campo da enfermagem com formação abaixo do grau superior. São profissionais que, em vez dos cursos universitários, possuem cursos médios ou cursos prévios, os quais possibilitam que as trabalhadoras deem continuidade à formação de enfermeira nas instituições de nível superior. No entanto, no trabalho, elas executam atividades auxiliares ao trabalho da enfermeira e são hierarquicamente subordinadas a esta.

Em alguns países, existem enfermeiras que realizam procedimentos especializados, pois se aperfeiçoam em determinadas áreas assumindo parte do trabalho do médico ou procedimentos técnicos antes privativos de médicos. Como exemplo, destacamos: "... os imperativos políticos e profissionais resultaram na transferência de tarefas dos médicos aos enfermeiros resultando no alargamento e expansão dos papéis da enfermeira ou a criação de novos papéis"(1414 Crocker C. The development of a nursing technology: making visible the nursing contribution to development of critical care[Tese]. [Internet]. UK: University of Nottingham; 2006 [cited 2014 Mar 04]. Available from: http://eprints.nottingham.ac.uk/11903/
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). As enfermeiras que exercem atividades técnicas especializadas são submetidas regularmente a sistemas de avaliação, de modo a assegurar sua habilidade técnica na área.

Outro tipo de divisão social e técnica do trabalho foi registrado na África do Sul(1515 Hull EA. Status morality and the politics of transformation: an ethnographic account of nurses in Kwa Zulu-Natal. [Tese]. [Internet]. London School of Economics and Political Science; 2009[cited 2014 Feb 09]. Available from: http://etheses.lse.ac.uk/320/
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), com diferenciação entre as trabalhadoras da enfermagem por conta da raça. O campo da enfermagem na África do Sul pós-apartheid enfrenta crescente disparidade de salários e de condições de trabalho assim como duas imagens contrastantes entre as enfermeiras. Enfermeiras negras não têm o mesmo valor que enfermeiras brancas dentro da profissão, não ocupam os mesmos espaços e não desempenham tarefas iguais às enfermeiras brancas, consideradas da "elite africana". O texto selecionado neste país afirma que o desenvolvimento da profissão se configurou com um grupo "respeitável" de enfermeiras da elite africana e com outro grupo "degradado" de enfermeiras negras.

Evidência 3 - O lugar da enfermeira subordinado ao médico no processo de trabalho assistencial

Encontramos, na produção da maioria dos países estudados, que o lugar da enfermeira no processo de trabalho é próximo ao paciente, prestando assistência juntamente com a equipe de saúde, quando os autores se utilizam de expressões como: "na linha de frente" e "na beira do leito"(66 Staniland KM. Clinical governance and nursing: a sociological analysis[Tese]. [Internet] University of Salford; 2007 [cited 2014 Mar 04]. Available from: http://usir.salford.ac.uk/2062/1/Thesis_2008_Final_May_2009.pdf
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,1616 Ogilvie C. The identity work of leadership in a professionalized context: the case of nursing. Inglaterra[Tese]. [Internet]. University of Warwick; 2012 [cited 2013 Dec 15]. Available from: http://wrap.warwick.ac.uk/id/eprint/53812
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-1717 Kennedy CM. The nature and use of knowledge by district nurses in decision making relating to first assessment visits[Tese]. [Internet]. Queen Margaret University; 2000 [cited 2014 Mar 24]. Available from: http://etheses.qmu.ac.uk/id/eprint/169
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,2828 Vaghetti H, Reis D, Kerber NC, Azambuja E, Fernandes G. Percepções dos enfermeiros acerca das ações administrativas em seu processo de trabalho. Rev Bras Enferm[Internet]. 2004 [cited 2014 Aug 01];57(3):316-20. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n3/a12v57n3.pdf
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29 Yamamoto DM, Oliveira BRG, Vieira CS, Collet N. O processo de trabalho dos enfermeiros em unidades de alojamento conjunto pediátrico de instituições hospitalares públicas de ensino do Paraná. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2009[cited 2014 Aug 01];18(2):224-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v18n2/04.pdf
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-3030 O'Grady TP, Clarck JS, Wiggins MS. The case for clinical nurse leaders: guiding nursing practice into 21st century. Nurse Leader[Internet]. 2010[cited 2013 Dec 15];8(1):37-41. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.mnl.2009.11.002
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).

Em nove países dentre os estudados, como África do Sul, Brasil, Canadá, Chile, Estados Unidos, México, Portugal, Reino Unido e Tailândia, identificamos que a enfermeira ainda ocupa um lugar de subordinação em relação ao trabalho médico(66 Staniland KM. Clinical governance and nursing: a sociological analysis[Tese]. [Internet] University of Salford; 2007 [cited 2014 Mar 04]. Available from: http://usir.salford.ac.uk/2062/1/Thesis_2008_Final_May_2009.pdf
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,1212 Banda MMZ. Compreensão típico ideal da prática profissional do enfermeiro em hospitais públicos[Tese]. [Internet]. Universidade de São Paulo; 2004 [cited 2013 Dec 04]. Available from: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22132/tde-13102004-150910/pt-br.php
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,1414 Crocker C. The development of a nursing technology: making visible the nursing contribution to development of critical care[Tese]. [Internet]. UK: University of Nottingham; 2006 [cited 2014 Mar 04]. Available from: http://eprints.nottingham.ac.uk/11903/
http://eprints.nottingham.ac.uk/11903/...
-1515 Hull EA. Status morality and the politics of transformation: an ethnographic account of nurses in Kwa Zulu-Natal. [Tese]. [Internet]. London School of Economics and Political Science; 2009[cited 2014 Feb 09]. Available from: http://etheses.lse.ac.uk/320/
http://etheses.lse.ac.uk/320/...
,1818 Bormann LB. The relationship between staff nurse perception of nurse manager leadership behavior and staff nurse job satisfaction in a hospital applying for magnet recognition status[Tese]. [Internet]. University of Louisville; 2011 [cited 2014 Feb 24]. Available from: http://dx.doi.org/10.18297/etd/129
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19 Uhrynuk BG. Caring on: how nurses find meaning in their work[Internet]. Canadá: Royal Roads University; 2000 [cited 2013 Dec 09]. Available from: http://www.collectionscanada.ca/obj/s4/f2/dsk1/tape4/PQDD_0019/MQ49236.pdf
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-2020 Jongudomkarn D. Nursing perspectives on women, health and work in the socio-cultural context of poor communities in Northeast Thailand[Tese]. [Internet]. UK: Robert Gordon University; 2001 [cited 2014 Mar 06]. Available from: http://hdl.handle.net/10059/603
http://hdl.handle.net/10059/603...
,2424 Milos, P, Lorrain, AI, Simonetti M. Caracterización de servicios de enfermería. Propuesta para asegurar una atención de calidad en tiempos de escasez de enfermeras. Cienc Enferm[Internet]. 2009[cited 2014 Jan 26];15(1):17-24. Available from: http://dx.doi.org/10.4067/S0717-95532009000100003
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). Destacamos, dentre os textos, a seguinte expressão: "as enfermeiras são os olhos e os ouvidos dos médicos"(1414 Crocker C. The development of a nursing technology: making visible the nursing contribution to development of critical care[Tese]. [Internet]. UK: University of Nottingham; 2006 [cited 2014 Mar 04]. Available from: http://eprints.nottingham.ac.uk/11903/
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).

DISCUSSÃO

Após as leituras das publicações científicas no campo da enfermagem, considerando diversos contextos, espaços de trabalho e países, evidencia-se que, pela natureza do trabalho da enfermeira ser indissociavelmente gerencial-assistencial, a finalidade do processo de trabalho dela sempre responde a essa natureza. Ao executar o seu trabalho nos serviços de saúde — que é de coordenar o processo de trabalho das outras trabalhadoras da enfermagem, direcionar o processo de trabalho dos outros trabalhadores da saúde para assegurar a prestação dos serviços de saúde, organizar o ambiente e também executar procedimentos técnicos assistenciais —, a enfermeira continuamente leva em consideração ao mesmo tempo as necessidades da organização de saúde e as necessidades dos usuários dos serviços de saúde.

A natureza do seu trabalho confere à enfermeira a capacidade de articulação do processo de trabalho em enfermagem e do processo de trabalho em saúde. Por isso, dizemos que a enfermeira é um gerente intermediário, pela posição que ocupa na organização. O lugar ocupado pela enfermeira localiza-se entre a organização empregadora e as demais categorias de trabalhadores da saúde.

Também identificamos nas publicações que a enfermeira é considerada uma profissional primordial na execução de políticas de saúde e nos processos de mudanças no macro e micronível do sistema de saúde. Um dos exemplos extraído dos textos foi o da atuação da enfermeira na gestão em diferentes níveis do sistema de saúde do Reino Unido(88 Kiewicz LM. Constituting Modern Matron: exploring role, identity and action in an English NHS trust[Tese].[Internet]. Inglaterra: University of York; 2011 [cited 2014 Jun 15]. Available from: http://etheses.whiterose.ac.uk/id/eprint/1907
http://etheses.whiterose.ac.uk/id/eprint...
), quando as medidas adotadas na organização dos processos de trabalho com base no modelo do gerencialismo tinham como finalidade maior o controle de custos.

Outro exemplo, no Brasil, foi a participação da enfermeira nos processos de acreditação dos hospitais. Os autores ressaltam que é o envolvimento das enfermeiras que produz sucesso nesse processo e gera bons resultados para as empresas(1111 Oliveira AG. Singularidades do trabalho gerencial em um hospital acreditado[Tese]. [Internet]. Universidade Federal de Minas Gerais; 2012 [cited 2014 Mar 06]. Available from: http://hdl.handle.net/1843/GCPA-8UMGTG
http://hdl.handle.net/1843/GCPA-8UMGTG...
). Em ambos os exemplos, destacamos que a participação da enfermeira na produção dos ditos bons resultados da organização de saúde deve-se ao lugar de articuladora que esta assume para atender às demandas das organizações de saúde.

Como explicou Marx, a força de trabalho depois de vendida ao capitalista não pertence mais ao trabalhador, nem mesmo o produto de seu trabalho. Assim, a enfermeira trabalha sob o controle do empregador, e o seu trabalho também tende a servir aos interesses deste.

Por conseguinte, a enfermeira guarda, a partir do lugar ocupado no processo de trabalho em saúde, essa relação antagônica de ser trabalhadora assalariada explorada pelo seu empregador/capitalista e outra de "pseudoantagonismo" ao controlar a força de trabalho das outras trabalhadoras da enfermagem e outros trabalhadores da saúde, que são também trabalhadores assalariados e explorados como ela. No entanto, nessa última relação, a enfermeira representa o empregador sem que faça parte dessa classe, isto é, sem que seja detentora dos meios de produção. No seu trabalho, ela organiza e coordena a força de trabalho dos trabalhadores da saúde para garantir: a produção em saúde, o uso adequado de recursos financeiros e assegurar que toda a potencialidade dos trabalhadores seja aproveitada a serviço da manutenção do acúmulo de capital ou da execução de políticas de interesse do mercado e das elites, mas preservando o fetiche de que está protegendo apenas a boa assistência aos usuários que demandam por atenção à saúde.

Ainda que as evidências apontem que a enfermeira assume a coordenação do processo de trabalho em enfermagem e direciona o processo de trabalho em saúde em todos os países estudados, apenas o Chile possui legislação atribuindo a essa profissional a exclusividade pela execução do que chamam "gestão do cuidado"(2323 Milos P, Bórquez B, Lorrain AI. La "Gestión del Cuidado" en la legislación chilena: interpretación y alcance. Cienc Enferm[Internet]. 2010 [cited 2014 Jan 26];16(1):17-29. Available from: http://dx.doi.org/10.4067/S0717-95532010000100003
from: http://dx.doi.org/10.4067/S0717-95...
-2424 Milos, P, Lorrain, AI, Simonetti M. Caracterización de servicios de enfermería. Propuesta para asegurar una atención de calidad en tiempos de escasez de enfermeras. Cienc Enferm[Internet]. 2009[cited 2014 Jan 26];15(1):17-24. Available from: http://dx.doi.org/10.4067/S0717-95532009000100003
http://dx.doi.org/10.4067/S0717-95532009...
), referindo-se à aplicação do critério profissional em planejamento, organização, motivação e controle da prestação de cuidados seguros, integrais, para garantir a continuidade dos cuidados e sustentar as políticas e diretrizes estratégicas da instituição.

A partir dessa evidência, analisamos que a negação do componente gerencial e a supervalorização do componente assistencial do trabalho fundamentam-se nas bases ideológicas da constituição da profissão da enfermeira, que se cristalizou historicamente no campo da enfermagem.

Com a desvalorização do componente gerencial do processo de trabalho da enfermeira, que é indissociavelmente assistencial-gerencial, essa profissional descaracteriza a natureza do próprio trabalho. Assim, a enfermeira não reconhece a natureza do seu próprio trabalho, não assume claramente o objeto do seu processo de trabalho, e quaisquer reivindicações desencadeadas nesse contexto não produzem resultados sobre o que ela faz, uma vez que a dimensão ideologizada no trabalho é a assistencial.

A negação da dimensão gerencial no trabalho da enfermeira é, sobretudo, conveniente aos seus empregadores, sejam eles do setor público, sejam do privado, visto que não há reivindicação pelo pagamento de um trabalho não pago e que é negado pelas próprias trabalhadoras.

A indissociabilidade das dimensões gerencial-assistencial no trabalho da enfermeira é o que confere singularidade a esse trabalho. No entanto, por razões ideológicas, as enfermeiras identificam como sua atribuição precípua as atividades assistenciais, afirmadas pelas mesmas com atos de cuidado.

Todavia, vale destacar que, em todos os países estudados, a enfermeira compartilha as atividades assistenciais com outras trabalhadoras do campo da enfermagem ou com outros trabalhadores do campo da saúde. Nesse sentido, as atividades assistenciais não são privativas ou singulares das enfermeiras, ao contrário das atividades gerenciais, de coordenação, de controle, de supervisão, de direcionamento dos fluxos do processo de trabalho em enfermagem e em saúde.

Nos textos analisados, observamos a predominância do pensamento fetichizado, apoiado por uma ideologia do cuidado centrado no paciente, de que as atividades administrativas impedem que a enfermeira execute plenamente a "prática de enfermagem", "o cuidado", pois as ações assistenciais são mais valorizadas no campo da enfermagem do que as ações gerenciais. Estas últimas são, em alguns casos, classificadas como desvio de função das enfermeiras.

Com a valorização das ações assistenciais e negação da dimensão gerencial do trabalho da enfermeira, os grupos dominantes terão em mãos uma massa de trabalhadoras assalariadas, cuja maioria é constituída por mulheres e que historicamente ocupou os espaços privados no trabalho. Inconscientemente, elas assumem, mesmo quando estão nos espaços públicos de produção de serviços, a invisibilidade da dupla dimensão do seu trabalho, assumindo apenas a dimensão do seu trabalho que auxilia o médico na execução da terapêutica, caracterizando-se como enfermeira-auxiliar-do-médico, como afirma Collière(3232 Collière MF. Promover a vida. Lisboa: Lisboa, Porto, Coimbra: Lidel; 1999.).

Ao se ocultar a dimensão gerencial do trabalho da enfermeira, que garante o funcionamento da unidade de saúde bem como a continuidade da assistência e que controla os custos para as organizações de saúde, cumpre-se o papel de diminuir o valor de sua força de trabalho.

A negação do trabalho gerencial da enfermeira pela ideologia do cuidado está enraizada na concepção dessa profissão, com a valorização das ações assistenciais e dos procedimentos técnicos, almejando proximidade com o saber científico. A negação do trabalho gerencial esconde a singularidade do trabalho da enfermeira, pela não compreensão da natureza indissociável da dupla dimensão do seu trabalho, visto que é essa natureza que confere a expertise para coordenar o processo de trabalho em enfermagem e direcionar os processos de trabalho em saúde, como gerente intermediária no processo de produção em saúde.

Encobrir que a dimensão gerencial compõe a natureza indissociável do trabalho da enfermeira oculta também que esse trabalho está a serviço dos empregadores e da manutenção do modelo hegemônico de atenção à saúde. Mesmo que alguns autores considerem que a enfermeira é responsável pelo gerenciamento, é necessário dar o devido valor a esse lugar no processo de trabalho em saúde ocupado exclusivamente pela enfermeira e que pode ser considerado, até este momento, a singularidade do seu trabalho.

Com base na segunda evidência, analisamos que a divisão social e técnica do trabalho estão presentes no campo de trabalho da enfermeira em todos os países. Nenhum país excluiu ou substituiu essa forma de organização do processo de trabalho, o que demonstra como o parcelamento das tarefas é útil e inerente ao modo de produção capitalista por ser fonte de aumento da lucratividade nesse setor.

Para Marx, a divisão social do trabalho sempre existiu em todas as sociedades. Ela é inerente ao trabalho humano e ocorre em relação a tarefas econômicas, políticas e culturais. Desde as sociedades tradicionais, a divisão social do trabalho correspondia à divisão de papéis por gênero, sendo sucedida, mais tarde, pela divisão das atividades.

Braverman(3333 Braverman H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar; 1981.) chama atenção que a divisão social do trabalho divide a sociedade entre ocupações, cada qual apropriada a certo ramo de produção; a divisão pormenorizada do trabalho destrói ocupações consideradas nesse sentido e torna o trabalhador inapto a acompanhar qualquer processo completo de produção. No capitalismo, a divisão social do trabalho é forçada, de maneira caótica e anárquica, pelo mercado, enquanto a divisão do trabalho na oficina (unidade de produção) é imposta pelo planejamento e controle. Ainda no capitalismo, os produtos da divisão social do trabalho são trocados como mercadorias, ao passo que os resultados da operação do trabalhador parcelado são todos possuídos pelo mesmo capital. Enquanto a divisão social do trabalho subdivide a sociedade, a divisão parcelada do trabalho subdivide o homem.

Marx demonstra que a força de trabalho ao ser negociada como mercadoria promove a completa separação do trabalhador dos meios de produção, alienando o homem da essência do seu trabalho. Assim, a divisão social do trabalho e a divisão do trabalho promovem a alienação e destroem as relações entre os homens e mulheres, uma vez que estes não têm domínio do processo de produção e não se beneficiam do produto de seu trabalho.

A divisão técnica do trabalho introduz o parcelamento ou fracionamento de um mesmo processo de trabalho originário e, deste, outros trabalhos parcelares são derivados(2727 Peduzzi M. Mudanças tecnológicas e seu impacto no processo de trabalho em saúde. Trab Educ Saúde. 2002;1(1):75-91.). Desse modo, em tal divisão, encontramos trabalhos complementares e interdependentes entre os trabalhos parcelares e especializados.

Além disso, a divisão social no trabalho em enfermagem na África do Sul indica que esta serve, como afirma Braverman(3333 Braverman H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar; 1981.), para manter a reprodução de uma sociedade de classes ao interior do ofício ou profissão, além de revelar resquícios do sistema do apartheid no interior do campo de trabalho em enfermagem.

Melo(3434 Melo CMM. Divisão Social do Trabalho e Enfermagem. São Paulo: Cortez, 1986.), no primeiro livro sobre divisão social do trabalho no campo da enfermagem brasileira, argumentou que a divisão social do trabalho se tornava específica e mais aguda no modo de produção capitalista; que a organização dos serviços de saúde refletia esse modo de produção dominante; e que haveria uma tendência sempre crescente da divisão social e técnica do trabalho no setor saúde demandada pelo mercado de trabalho.

Confirmamos esses argumentos com as evidências de nosso estudo, as quais mostram que a divisão social é um processo sempre crescente que vem adquirindo mais formas, a depender dos contextos, espaços e tempo.

Dentro dessa mesma evidência sobre a divisão técnica e social, reunimos achados indicativos de que as enfermeiras assumem a execução de procedimentos técnicos especializados antes privativos ou tradicionalmente atribuídos aos médicos. Em tais atribuições, são, muitas vezes, denominadas enfermeiras de práticas avançadas(3535 Buchan J, Temido M, Fronteira I, Lapão L, Dussault G. Enfermeiros em funções avançadas: uma análise da aceitação em Portugal. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2016 Jan 20];21(spe):38-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21nspe/pt_06.pdf
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).

Os textos apontam que a atribuição de tais práticas avançadas pelas enfermeiras produz redução de despesas com os serviços de saúde, sendo esta uma justificativa destacada para a adoção de tal tendência entre os países. À medida que a enfermeira assume tarefas antes atribuídas aos médicos, como o valor do seu trabalho é menor do que o valor do trabalho do médico, a prestação de serviço de saúde fica mais barata, o que interessa não apenas aos empregadores, mas também a todos os governos, ante os custos crescentes com a manutenção dos sistemas de saúde.

A tendência de redução de despesas imposta pelo capitalismo moderno ao setor da saúde era mais marcante em países com capitalismo avançado, mas vem se expandindo para todos os países, com incentivo da Organização Mundial da Saúde. Utilizando o argumento de enfrentamento de crises econômicas, com repercussões no financiamento do setor público, emprego e prestação de serviços, justifica-se o uso da força de trabalho de profissionais não médicos para a execução de serviços destes últimos. Nesse sentido, a diminuição do financiamento da saúde tem produzido reformas nos sistemas de saúde, estimulando o uso de mão de obra das enfermeiras e outros profissionais não médicos em funções ditas mais avançadas(3535 Buchan J, Temido M, Fronteira I, Lapão L, Dussault G. Enfermeiros em funções avançadas: uma análise da aceitação em Portugal. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2016 Jan 20];21(spe):38-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21nspe/pt_06.pdf
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).

Os organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) difundem como bem-sucedidas as várias experiências internacionais da prática avançada para enfermeiras e demonstram que a transferência de tarefas pode ser feita sem efeitos negativos para a qualidade de serviços ou na segurança dos usuários(3636 Delamaire ML, Lafortune G. Nurses in Advanced Roles: A Description and Evaluation of Experiences in 12 Developed Countries, OECD Health Working Paper No. 54[Internet] OECD Publishing: 2010 [cited 2016 Jan 20]. Available from: http://dx.doi.org/10.1787/5kmbrcfms5g7-en
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).

Na verdade, essas "tendências" contribuem para diminuir os gastos com mão de obra no campo da saúde e têm como objetivo a manutenção da reprodução do modo de produção e acúmulo de capital para a indústria da saúde(3535 Buchan J, Temido M, Fronteira I, Lapão L, Dussault G. Enfermeiros em funções avançadas: uma análise da aceitação em Portugal. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2016 Jan 20];21(spe):38-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21nspe/pt_06.pdf
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,3737 Pires D, Gelbcke FL, Matos E. Organização do trabalho em enfermagem: implicações no fazer e viver dos trabalhadores de nível médio. Trab Educ Saúde. 2004;2(2):311-26.).

Soma-se a isso o fato de que a enfermeira, ao assumir atribuições antes do domínio dos médicos, não torna a profissão valorizada socialmente. Isso porque nem a apropriação de tecnologias nem a superespecialização têm garantido às enfermeiras maior reconhecimento social e mesmo maior valor para sua força de trabalho.

Necessário se faz considerar que os serviços de saúde são também espaços propícios para a valorização do capital. Assim, a divisão social e técnica do trabalho, a assunção de tarefas ou atividades do trabalho médico pela enfermeira, bem como outras formas de exploração do trabalho pelo capital, como a flexibilização e a intensificação do trabalho da enfermeira, corroboram a acumulação do capital nesse setor.

Principalmente nos países como EUA, Reino Unido e Canadá, identificamos tipologias oriundas da divisão técnica do trabalho ao interior da profissão da enfermeira: Nurse practitionersse refere às profissionais com nível de mestrado com autonomia para prescrever e atuar, sendo independentes do médico, em diversas áreas da saúde, enquanto Clinical nurse specialist é aquela que tem nível de mestrado em alguma área clínica e atua junto às instituições ou em consultórios próprios, seja na educação de pacientes e outros profissionais de sua área,sejagerenciando algum serviço — por exemplo, no tratamento de feridas.

Na Inglaterra, especificamente na atenção primária à saúde, as enfermeiras com diferentes funções são denominadas nurse practitioner, practice nurse, healthvisitore district nurse(3838 Toso BRGO, Filippon J, Giovanella L. Atuação do enfermeiro na Atenção Primária no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2016 Aug 11];69(1):182-191. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690124i
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). Nos Estados Unidos, a enfermeira tem quatro tipos de prática clínica: Clinical nurse specialist, Nurse anesthetist, Nurse midwife, Nurse practitioner.

Nos países com capitalismo avançado, a divisão técnica do trabalho é horizontalizada, mais delimitada e as atribuições são mais bem definidas. Nos países com deficiências na prestação da assistência à saúde, principalmente com carências de profissionais de saúde como médicos, a exemplo do Brasil e de Portugal, nota-se que enfermeiras são demandadas para ocupar lacunas geradas pela não presença do médico em determinados serviços.

Um exemplo está no Plano de Saúde de Portugal - 2011/2016, o qual enfatizou que "a baixa taxa enfermeiro/médico indica principalmente um problema de produtividade e custo-benefício" e conclui que "há espaço para a transferência e delegação de tarefas, principalmente de médicos para enfermeiros". Em relatório recente sobre a reforma do setor hospitalar nesse mesmo país, explicita-se que a atribuição de "novas funções para enfermeiros" evita o uso de médicos para tarefas que não requerem nível de especialização.

Allen(3939 Allen D. The nursing-medical boundary: a negotiated order? Sociology of Health and Illness[Internet]. 1997 [cited 2016 Feb 19];19(4):498-520 Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-9566.1997.tb00415.x/abstract
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
) afirma que as enfermeiras tendem a cruzar as barreiras profissionais apenas em ausência de pessoal médico. A autora identificou, em seu estudo, situações em que as enfermeiras fizeram o trabalho dos médicos, a fim de manter a continuidade do tratamento do paciente, como prescrever medicações, instalar infusões não prescritas para serem registradas pelos médicos a posteriori. Entretanto, na presença dos médicos, a ordem institucional foi mantida.

No mundo atual, com o capitalismo financeirizado, com as políticas sociais restritivas e, dentre elas, redução dos gastos públicos com a saúde, a relação de produção da saúde assume formas mais intensas de exploração da força de trabalho, também exigindo a flexibilização das trabalhadoras e dos trabalhadores assalariados. Essas determinações sociais e econômicas que, independentemente dos espaços de trabalho, se multiplicam em todos os países, influenciam o campo de trabalho em enfermagem no sentido de se manter e também adquirir novas formas para a divisão social e técnica do trabalho. Historicamente, o campo de trabalho em enfermagem é marcado por uma intensa divisão técnica e social entre as trabalhadoras que o compõem, com a enfermeira assumindo a dominação sobre outras categorias de nível médio. A tendência de a enfermeira assumir atribuições/tarefas antes assumidas por outros profissionais indica que é permanente, no modo de produção capitalista, a reconstituição e renovação das formas de divisão social e técnica no campo da saúde.

Sobre a terceira evidência apresentada, observamos: por conta da disseminação do pensamento ideológico o qual difunde a ação da enfermeira como prestadora da assistência é que, para os autores do material analisado, o lugar principal da enfermeira é ao lado dos pacientes e que ela compõe a linha de frente nos serviços de saúde quando prestam assistência.

Esse pensamento se relaciona com a construção histórica da profissão enfermeira, que foi constituída para desenvolver uma prática assistencial tributária da prática médica, como um agente de informação que assinala ao médico fatos sobre a natureza e evolução da doença e um agente de execução que vela para que as prescrições terapêuticas sejam seguidas guardando sempre a relação de chefia do médico para com ela. Essa relação subalterna assegurava que a enfermeira não realizasse mudanças nas prescrições terapêuticas sem a ordem médica(3232 Collière MF. Promover a vida. Lisboa: Lisboa, Porto, Coimbra: Lidel; 1999.).

O trabalho da enfermeira sempre foi marcado pela presença constante da medicina em suas relações. Desde a institucionalização do hospital moderno — e quando estes deixaram de ser administrados precipuamente por religiosos e com o predomínio da medicina moderna, juntamente com o saber científico e suas concepções cartesianas — é que o médico se conformou como o trabalhador de saúde com maior poder instituído. Nesse espaço moderno, a enfermeira, enquanto trabalhadora demandada pelo modo de produção capitalista, é constituída para dar continuidade ao trabalho médico, vigiar e controlar os pacientes, auxiliar os médicos dentro das organizações de saúde e garantir a recuperação dos corpos doentes.

Existe uma fronteira tênue entre o trabalho do médico e da enfermeira no hospital. Formalmente, o diagnóstico é da responsabilidade do médico. E isso é uma das razões para a atribuição do status inferior da enfermeira na divisão social e técnica do trabalho hospitalar, uma vez que, sem diagnóstico, não há paciente e, portanto, não há necessidade de intervenções de enfermagem. Porém, na prática cotidiana, a linha divisória entre as observações da enfermeira e o diagnóstico médico é quase impossível de sustentar(3939 Allen D. The nursing-medical boundary: a negotiated order? Sociology of Health and Illness[Internet]. 1997 [cited 2016 Feb 19];19(4):498-520 Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-9566.1997.tb00415.x/abstract
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
).

Os médicos, por serem responsáveis por captar, agenciar e agregar pacientes/clientes às organizações de saúde, principalmente porque são responsáveis pelo diagnóstico e decisões sobre o tratamento a seguir, tem seu saber colocado a serviço dos proprietários dos meios de produção, muitas vezes como trabalhador assalariado, mas de algum modo assegura uma relação de dependência do empregador à sua cartela de pacientes e à sua presença na organização de saúde.

No campo da enfermagem, as trabalhadoras menos qualificadas —com menor tempo de formação —são as que passam mais tempo executando a assistência aos pacientes. As enfermeiras realizam procedimentos técnicos junto aos pacientes, interagem com eles na prestação da assistência, mas esse não é o lugar predominantemente ocupado por elas, também por causa da profunda divisão técnica do trabalho no campo da enfermagem(3434 Melo CMM. Divisão Social do Trabalho e Enfermagem. São Paulo: Cortez, 1986.).

Apesar do fetichismo de que o trabalho da enfermeira está a serviço do trabalho médico, paradoxalmente é a enfermeira que tem a função de ser a articuladora entre os outros trabalhadores da enfermagem e da saúde.

Ela também articula os trabalhadores dos serviços de saúde e os sujeitos sociais aos quais é dirigida a ação terapêutica. O trabalho da enfermeira tem como características a vigilância e a continuidade, o que demanda que ela exerça essa atividade. Além de produzir o seu próprio trabalho, ela possibilita que outros trabalhadores da saúde produzam o que é esperado pela organização.

A enfermeira ocupa lugar de articuladora no trabalho em saúde, por isso lida com conflitos relativo são direcionamento do trabalho em saúde e coordenação do processo de trabalho em enfermagem. Ocupa também um lugar de articulação, de subordinação, de substituição e de transição.

Então, podemos dizer que o lugar da enfermeira é de articulação, porque ela direciona o processo de trabalho em saúde e coordena o trabalho das técnicas e auxiliares de enfermagem. No entanto, a ideologia vigente é de que o trabalho da enfermeira é de subordinação, o que ainda é evidenciado nas publicações.

Além disso, as organizações de saúde utilizam o trabalho da enfermeira como mão de obra barata, como forma de substituição; e, para isso, transferem ao trabalho da enfermeira atividades do trabalho médico. Além do mais, as organizações de saúde, sistemas de saúde e políticas de saúde fortemente justificadas pelo argumento de contenção de custos, e que velam o argumento do aumento dos lucros, difundem o trabalho da enfermeira como eficiente à lógica capitalista, pois, pela natureza do seu trabalho, são facilmente adaptáveis às transformações nesses espaços. Por isso, o trabalho da enfermeira também é de transição.

A enfermeira, pela natureza contínua do seu processo de trabalho e pela natureza assistencial-gerencial do seu processo de trabalho, sempre está em contato com o outro, seja este usuário dos serviços de saúde, seja trabalhador da saúde, e assume a posição de gerente intermediária. No entanto, não é este o lugar destacado na produção científica em diferentes países.

Em um dos textos da Austrália, o autor aponta que o que é revelado na produção do conhecimento nessa área não condiz com a realidade do trabalho da enfermeira. Ele afirma que a "retórica de grupos dominantes no campo da enfermagem" não reflete a realidade da experiência prática da enfermeira, pois a imagem idealizada da enfermeira obscurece as lutas e conflitos que acontecem no campo da enfermagem(44 Herdman E. The deskilling of registered nurses: the social transformation of nursing work in a New South Wales hospital, 1970-1990[Tese]. [Internet]. Austrália: University of Wollongong; 1992 [cited 2014 Jan 20]. Available from: http://ro.uow.edu.au/theses/1729
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).

Esse discurso sobre o trabalho da enfermeira ser mascarado e esconder conflito e divergência coaduna com a reflexão de Silva(4040 Silva GB. Enfermagem Profissional: análise crítica. São Paulo: Cortez; 1986.), ao estudar o fetichismo na enfermagem brasileira. Essa autora considera que as definições utilizadas nesse campo de trabalho encobrem as características históricas de sua institucionalização no capitalismo, visto que é um campo historicamente determinado, heterogêneo, composto por categorias de trabalhadoras socialmente diferenciadas. É também contraditório, entrecortado pela divisão técnica do trabalho e marcado intrinsecamente por assimetrias, discriminações e conflitos, além do discurso de que uma categoria domina a outra.

Consideramos que o lugar da enfermeira e a visibilidade do seu trabalho ao prestar serviços aos indivíduos e às coletividades, às organizações de saúde e aos sistemas de saúde ainda precisa ser analisado de forma mais profunda, de modo que avance na discussão da sua representatividade social para revelar as realidades concretas, para superar a imagem ideologizada e fetichizada da enfermeira como auxiliar do médico e como trabalhadora focada na doença e não na saúde, pois essa imagem impõe uma passividade como se ela não precisasse ser vista como trabalhadora.

O lugar da enfermeira no processo de trabalho é de gerente intermediário que desenvolve a articulação entre as trabalhadoras da enfermagem e os outros trabalhadores da saúde. O empregador entende que esse é o lugar da enfermeira, que nesse lugar ela é a trabalhadora com melhor condição para coordenar os processos de trabalhos, para direcionar os fluxos dos serviços de saúde e controlar os insumos e custos das organizações. No entanto, o empregador não paga nada a mais por isso, e as enfermeiras não reivindicam pagamento pela execução desse trabalho nem por serem detentoras dessa expertise. Desse modo, se mantém a ideologia de que a enfermeira é prestadora do cuidado, de que o seu lugar no processo de trabalho é ao lado da cabeceira do doente e de que o foco do seu trabalho é a doença. Tais concepções amparam e sustentam a hegemonia do modelo biomédico; contribuem para subordinar a enfermeira ao trabalho do médico; e as mantêm duplamente exploradas.

Limitações do estudo

Possíveis aspectos limitantes neste estudo referem-se à coleta dos dados. Primeiro, o grande volume de textos identificados no processo de seleção do material empírico, que, em parte, aconteceu diante da necessidade de utilizar, durante a busca nas bases de dados e banco de teses, combinações de descritores abrangentes como nursing, mesmo que o interesse estivesse concentrado nas enfermeiras. Isso porque nem sempre os estudos diferenciavam e delimitavam qual a categoria de trabalhadora do campo da enfermagem estava incluída nos estudos. Segundo, não existe um descritor cadastrado no DeCs que corresponda ao "processo de trabalho" dos trabalhadores da saúde.

Contribuições para a saúde e Enfermagem

Destacamos que a evidente semelhança do processo de trabalho da enfermeira em países dos diferentes continentes, a singular natureza indissociável assistencial-gerencial do trabalho da enfermeira e a reflexão sobre as contradições do campo do trabalho em enfermagem são algumas contribuições trazidas para a área de conhecimento de enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de trabalho nos países estudados apresenta semelhanças na maioria das suas características, o que demonstra que o trabalho da enfermeira tem uma natureza similar. No entanto, identificamos outras características diferentes, e estas guardam relação com a conformação histórica do campo de trabalho nos diferentes países e com o contexto geoeconômico e cultural.

Entendemos que o trabalho da enfermeira sofreria influência das variações históricas, econômicas, políticas, sociais de forma macro, além da divisão social e técnica do trabalho, do modelo de organização do trabalho e do modelo assistencial. No entanto, tais diferenças encontradas nos países não alteraram o padrão do trabalho das enfermeiras.

Asseguramos que o modo de produção não atua como causa imediata dos fenômenos sociais, mas como determinante, que é uma condição de possibilidade do conjunto das relações nas quais todos os fenômenos se inscrevem. Ademais, a crise enfrentada pelo capitalismo provoca mudanças na organização do trabalho da enfermeira e nos sistemas de saúde de diferentes países.

Por fim, de fato, existem diferenças quanto à divisão social e técnica do trabalho no campo de enfermagem e entre as enfermeiras e quanto à organização do processo de trabalho em saúde. Assim, as enfermeiras assumem atribuições de outras profissões em determinados países, inclusive onde existe uma restrição de profissionais médicos na rede de atenção à saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2016
  • Aceito
    05 Abr 2017
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