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O modo de vida da mãe e a saúde infantil

RELATO DE EXPERIÊNCIA

PRÁTICAS CUIDATIVAS

O modo de vida da mãe e a saúde infantil1 1 Tese de Doutorado. USP, EERP, Ribeirão Preto, 1998, financiada parcialmente pela CAPES. Orientadora: Dra. Semiramis Melani Melo Rocha.

Jane Lynn Garrison Dytz

Professor Adjunto, Departamento de Enfermagem, Faculdade Ciências da Saúde, Universidade de Brasília

Existe uma correlação entre saúde infantil e certos indicadores socioeconómicos, mas há outras variáveis importantes que interferem na saúde da criança em razão dela estar irremediavelmente ligada à mãe e dela depender para sobreviver. Esse campo mais amplo se refere às condições gerais de vida, como alimentação, moradia, saneamento, acesso à assistência à saúde, nível de escolaridade, bem como o estilo de vida da mãe, definido como uma série de aspectos comportamentais de natureza sociocultural. O presente estudo teve como objetivo investigar o modo de vida materno, visando identificar até que ponto as políticas de saúde estão atendendo às necessidades de mães e crianças identificadas como população-alvo. Para tal, analisou-se as políticas de saúde, que contribuíram, de forma direta e indireta, para melhorar o nível de saúde do segmento materno-infantil nos últimos 30 anos, bem como os modelos epidemiológicos que serviram de base para a elaboração dessas políticas, cada qual com um enfoque diferente do processo saúde-doença: Medicina Preventiva que buscou o entendimento da determinação da doença através de uma visão multicausal, da noção de processo como parte da doença (tempo, história) e da noção de prevenção como melhor forma de cuidar da saúde para evitar doenças; Atenção Primária de Saúde que enfatizou o papel dos serviços públicos de saúde em intervir em defesa dos mais pobres, com base no pressuposto de que as estruturas socioeconómicas não são, por natureza, igualitárias; Promoção da Saúde que adota um enfoque até certo ponto semelhante, porém destacando a necessidade de se formar grandes coalizões para promover políticas e estilos de vida mais saudáveis.

A amostra foi composta por 17 mães, na faixa etária de 19 a 29 anos, de baixa escolaridade, residentes em três núcleos populacionais localizados na periferia do Distrito Federal, contatadas nas unidades básicas de saúde e, posteriormente, entrevistadas em seus domicílios, utilizando-se como metodologia a história de vida tópica para captar as necessidades, preocupações e estratégias utilizadas na criação dos filhos, bem como, determinações sociais mais amplas. Ao lado de cada história de vida foi adotada a técnica de observação participante o que possibilitou observar e retratar as condições de moradia, o aspecto e comportamento dos filhos e outros aspectos relacionados à vizinhançã e comunidade. A classificação dos dados fez-se a partir das estruturas de relevância estabelecidas pelas próprias informantes em suas narrativas. Assim, os dados foram agrupados em onze categorias empíricas: cinco relacionadas às condições gerais de vida e seis referentes ao estilo de vida, como organização da vida doméstica, dos cuidados maternos, da rede de apoio social, entre outros.

Os resultados revelam um perfil geral das famílias que se mostrou mais ou menos homogêneo entre si, apesar da grande distância geográfica entre os locais pesquisados. São famílias constituídas por jovens casais, com uma média de dois filhos, metade tendo crescido no Distrito Federal e o restante migrado, em anos recentes, da zona rural em busca de melhores condições de vida. Vivem em moradias precárias, construídas de forma irregular e de dimensão bastante reduzida, porém, providas de saneamento e outros serviços públicos essenciais. Poucas famílias possem moradia própria, a maioria vive em locais alugados ou cedidos. O homem é o principal provedor da família, a maioria sobrevivendo de biscates, já que a falta de creches ou outro tipo de apoio em relação às crianças pequenas impede que a mãe busque trabalho fora de casa e contribua para incrementar a baixa renda familiar. As condições de vida dessas famílias são marcadas principalmente por dificuldades financeiras, falta de emprego e uma infra-estrutura comunitária mínima onde predominam carências patentes no que tange à segurança pública, escolas, creches, serviços de saúde e outras áreas relacionadas à qualidade de vida. As crianças e mães são usuárias freqüentes da unidade básica de saúde, sendo relativamente fácil o acesso aos programas preventivos de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil e do pré-natal. Mas, apesar de vacinadas e terem um acompanhamento médico regular, as crianças apresentam uma situação de saúde caracterizada por subnutrição e episódios recorrentes de infecções respiratórias. As mães, ainda jovens, apresentam poucos problemas de saúde, porém já com uma tendência em apresentar doenças crônicas ligadas ao estresse, resultante de uma rotina cotidiana monótona e fastidiosa na qual predomina a falta de lazer e distração, o que acaba desmotivando-as e fazendo-as sentirem-se prisioneira do lar. As mães desempenham uma função decisiva na família, desde a criação e educação dos filhos até o manejo das enfermidades, enfrentando, contudo, muitas dificuldades em relação a essas tarefas, ocasionadas, em parte, pela falta de conhecimento. Isso porque são escassas as oportunidades que essas mães têm para trocar experiências e conhecimentos entre si ou ter acesso a outras informações que necessitam. Falta, por exemplo, acesso à informação em saúde relativa à contracepção, gestação, trabalho de parto, puerpério e às patologias, suas etiologias e tratamentos. Elas possuem um saber global, cunhado no senso comum e integrado às suas condições materiais de existência. Ao mesmo tempo, valorizam o saber médico- científico e buscam conduzir a criação dos filhos segundo as normas da puericultura cujos preceitos já foram incorporados por elas. Como as mães estão excluídas do sistema produtivo ou não estão inseridas ativamente, elas têm pouca visibilidade social e poder de mobilização o que limita, de certa forma, sua capacidade de tomada de decisões e de senso de autonomia, restrito quase que exclusivamente a assuntos domésticos.

Concluiu-se que as ações básicas de saúde estão sendo implantadas e atingindo seus objetivos, embora exista um grande descompasso entre as diretrizes políticas e o trabalho desenvolvido na rede pública de saúde. Isso está visível na péssima infra-estrutura, filas intermináveis, baixa resolutividade, deterioração da qualidade da assistência prestada pelos serviços e insensibilidade por parte do pessoal médico e de enfermagem em relação aos problemas que as famílias pobres enfrentam. Para conseguir um aprimoramento da saúde infantil, é preciso melhorar a situação da mãe, o que aponta para a necessidade de se repensar o papel da unidade básica de saúde, sobretudo no sentido de torná-la um espaço importante de fortalecimento das políticas de promoção da saúde. Uma nova função para a unidade básica seria funcionar como centro de vivência comunitária onde uma série de atividades poderiam estar disponíveis para a população. Quanto às implicações que esse estudo têm para o trabalho da enfermagem, considera-se fundamental que o enfermeiro mude seu enfoque tradicional de trabalho, centrado no modelo biológico, e ofereça um cuidado de enfermagem mais criativo e integrado com o de profissionais de várias áreas, ampliando, dessa forma, sua inserção no processo de trabalho em saúde.

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    Tese de Doutorado. USP, EERP, Ribeirão Preto, 1998, financiada parcialmente pela CAPES. Orientadora: Dra. Semiramis Melani Melo Rocha.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2000
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