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Recursos humanos de saúde: um desafio estratégico para a qualidade da assistência de saúde e para a organização do SUS - com ênfase na enfermagem - subsídios para a discussão e análise da proposta do MS/FNS/DPO sobre agentes comunitários de saúde

Recursos humanos de saúde: um desafio estratégico para a qualidade da assistência de saúde e para a organização do SUS - com ênfase na enfermagem - subsídios para a discussão e análise da proposta do MS/FNS/DPO sobre agentes comunitários de saúde

Stella Maria P. F. BarrosI; Nair Fábio da SilvaII; Maria Auxiliadora C. ChristófaroIII

IPresidente da ABEn Nacional

IICoordenadora da Comissão de Serviço da ABEn Nacional

IIICoordenadora da Comissão de Educação da ABEn Nacional

1 INTRODUÇÃO

Importante ressaltar que os problemas que hoje conformam a situação de recursos humanos em saúde não são recentes, como também não são resultantes apenas das determinações intrínsecas da área. Ao contrário, as distorções atuais são expressões inequívocas da adoção de políticas setoriais que privilegiam: a dicotomia histórica entre ações curativas individuais e coletivas de saúde pública, a discriminação da oferta de serviços à população em função da sua importância relativa para o setor econômico, a progressiva simplificação de procedimentos nos serviços básicos de saúde e a diminuição percentual progressiva dos recursos financeiros para o setor propriamente dito.

Assim é que, se por um lado o setor privado se expande, principalmente nos centros urbanos de regiões sul/sudeste, absorve tecnologia e oferece serviços especializados dirigidos à parcela minoritária da população, o setor público vem sendo gradativamente desqualificado, cobrindo, com limites e restrições técnico-financeiras, a grande maioria da população.

O setor público vem, desde tempos anteriores, cumprindo ações "delegadas" ou relegadas pelo setor privado. Com o processo-proposta de unificação dos serviços de saúde (SUS) ainda que até o momento seja parcial e frágil, o problema de recursos humanos formação/qualificação/administração - fica mais evidente e as distorções se agudizam.

Soma-se a tudo isto, a debilidade do núcleo principal de enfrentamento e solução destes problemas - o MUNICÍPIO - onde a disponibilidade de recursos financeiros para investimentos na área social, em especial, de saúde e educação - é considerada caótica. Os problemas que podem ser enumerados em relação aos recursos humanos de saúde são múltiplos. Como exemplos valem lembrar: a heteronomia salarial; as jornadas de trabalho de 12, 20, 24, 30,40,44 e até 48 horas; critérios arbitrários para assenção funcional; ausência de Plano de Carreira, Cargos e Salários PCCS; falta de avaliação de desempenho ou avaliações sem critérios explícitos; ausência de diretrizes e princípios técnico-institucionais no processo de contratação, recrutamento e seleção; contratação por clientelismo; baixos salários; ausência de uma política de educação continuada; polarização de força de trabalho em saúde expressa na participação majoritária e isolada de médicos e pessoal sem formação específica (atendentes, agentes de saúde, agentes comunitários e similares); sobrecarga de trabalho para alguns profissionais ou ocupacionais com consequente sub-utilização de outros; excesso de profissionais/ocupacionais no cômputo geral e deficiência em setores básicos e essenciais.

Somam-se a tudo isto a situação global e geral de crise econômica do País, que indica a insuficiência das políticas e recursos na área de educação, segurança pública, transporte, moradia, trabalho e infra-estrutura de modo geral, que compõem uma situação onde as condições de vida fundamentais para assegurar ao cidadão individualmente e a população em geral, as bases para a sua saúde e educação, confirmadas na Constituição Brasileira e na Lei Orgânica de Saúde (LOS - lei no 8.080/90) completam um quadro que exige imediata e urgente solução.

Percebe-se a adoção, até mesmo implantação de medidas compensatórias setoriais e desarticuladas, a exemplo do programa nacional de alfabetização de adultos tendo como referência "canteiros de obras" e o Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS). O primeiro objetivando a solução do grande desafio que representa os quase 30 milhões de analfabetos e o segundo, objetivando melhorar a "capacidade da população em cuidar da sua saúde transmitindo-lhes informações e conhecimentos, além de proporcionar a ligação entre a comunidade e os serviços de saúde".8

Sobre estes agentes o PNACS informa que tais trabalhadores não substituirão nenhum dos atuais profissionais do setor saúde existentes, mas sim preencherão um "vazio".

Pergunta-se: a) O que falta à maioria da população, em especial na região do norte-nordeste, que não cuida da sua saúde? Informação? Conhecimento? ou, diferentemente e reportando a LOS, falta-lhe exatamente aquelas condições essenciais: moradia, segurança, educação, trabalho; b) A ausência de ligação entre a população e os Serviços de Saúde foi, e é, gerada pela não presença de um determinado tipo de profissional de saúde, o que, no caso, seria o agente comunitário de saúde? ou, ao contrário, a não ligação da população com os Serviços de Saúde se assenta na falta de acesso na não resolutívidade dos Serviços, considerando as necessidades e demandas de saúde prevalentes de uma região e a não incorporação de tecnologias apropriadas? Na histórica absorção clientelista de mão de obra não qualificada? Na falta de organização do próprio setor? Na ausência de recursos financeiros facilitando a desarticulação e a desagregação dos vários níveis de serviços?

Alguns avaliadores apontam para os importantes resultados do trabalho de agentes comunitários em municípios específicos. Não se pretende nestas considerações, çonstentá-los,apenas afirmar que as propostas e análises sobejamente feitas, especialmente a partir da década de 70/80, apontam para estratégias que serão explicitadas no decorrer do presente documento.

2 O PROGRAMA NACIONAL DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE - PNACS

A proposta do PNAGS, inicialmente, é treinar 45.000 Agentes Comunitários de Saúde - ACS para a Região Nordeste do País, estendendo-se em 1992 a parte da região norte e ao Distrito Federal, bem como para a periferia das grandes capitais e áreas carentes do País.

A argumentação governamental para a concepção e execução do Programa é que os ACS, oferecendo o população procedimentos simplificados de ações de saúde, contribuirão para diminuir a morbi-mortalidade no País. Ao mesmo tempo, explicita: que o ACS deve saber ler e escrever, ter mais de 18 anos e morar na comunidade há pelo menos 2 anos; realizar ações e atividades básicas de saúde a exemplo de acompanhamento a gestantes e nutrizes, crescimento e desenvolvimento da criança, controle das doenças diarreicas, infecções respiratórias agudas e outras atividades pertinentes com sua formação, que será de 80 horas teórica e 400 horas de prática, o que corresponde a 2 meses de treinamento. Está configurado, desta forma, a proposta do Ministério da Saúde em relação a recursos humanos, pelo menos a "nível elementar", quando as Metas desta área específica contidas no Plano Qüinqüenal de Saúde 90/95 dizem entre outras: "apoio à estruturação dos núcleos de desenvolvimento de recursos humanos, para a preparação 100% do pessoal técnico envolvido na prestação direta de assistência à saúde, inclusive aquele relacionado com o meio ambiente, que tenha impacto sobre determinados patologias prevalentes7.

Assim é que essa proposta de formação de ACS merece algumas considerações específicas e particulares, além daquelas gerais referidas no início deste Documento.

O Ministério da Saúde, ao formular políticas para o setor, revive a concepção de atenção primária de saúde dos anos 70, quer como "nível de atenção" limitado à noção técnico-administrativa sobre como deve ser o contato dos indivíduos/grupos com o sistema de saúde - quer como "programa" - de baixo custo, com tecnologia simplificada, com pessoal de baixa qualificação, sem acesso a níveis de maior complexidade e com a retórica de participação popular.

Neste sentido, regride a mais de 2 décadas na concepção de formulação de políticas de saúde e na criação de programas de treinamento de recursos humanos, especialmente de nível elementar.

Historicamente, no Brasil, a expansão da rede pública de saúde se deu às custas de programas que enfatizam a simplificação de procedimentos, pois não se buscava a integralidade da assistência.

Assim é que vários foram os Programas de Treinamento de trabalhadores para atender a essas propostas, a exemplo do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado - PDRI, Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento - PIASS, Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde PREPS, Programa Intensivo de Mão de Obra - PIPMO, todos treinamentos de curta duração, onde os treinados deveriam, nos serviços, desempenhar tarefas simples, a exemplo da atual proposta de agentes comunitários de saúde.

Nesse sentido, a proposta de treinamento dos ACS conforma uma das alternativas possíveis do processo de Municipalização levado a efeito pelo governo federal, e analisado por MENDES6, como a prestação de serviços", uma prática de municipalização onde não há transferência de gestão para o município, nem mudanças no modelo assistencial - mantém portanto a situação atual.

Assim, essa "forma de municipalização" é funcional ao projeto neo-liberal da saúde, porque implica em uma outra opção básica das políticas sociais do neo-liberalismo, que é a focalização, o que significa, um pouquinho a muitos6.

Esses programas de treinamento determinaram distorções na estrutura ocupacional do setor, ao incorporar à força de trabalho em saúde, um enorme contingente de pessoal sem qualificação específica (cerca de 300.000 trabalhadores2).

Apesar desta falta de qualificação específica esses trabalhadores desenvolvem ações que exigem capacidade de observação, de juízo e de execução. Ademais, as ações realizadas por esses trabalhadores aumentam significativamente à produtividade do setor - apesar da baixa eficácia e eficiência - ao tempo em que traz como resultado, riscos para os usuários.

Aliás, a lógica da produtividade, presente até bem pouco tempo nas instituições privadas que vendiam seus serviços ao Estado, apesar das críticas, hoje é induzida para os serviços públicos, mediante mecanismos de repasse financeiro como a UCA* e a AIH** pública.

Uma outra questão que agrava essa situação é que não há garantias de que esses ACS serão absorvidos pelas instituições envolvidas com o programa, a medida que se coloca apenas com a FNS*** está viabilizando a melhor forma de garantir o salário mínimo6 " Como se sabe, os trabalhadores de saúde sem qualificação específica além de serem clientela cativa das instituições, recebem os mais baixos salários dos trabalhadores do setor. Não possuem identidade de categoria profissional e assim, não têm acesso aos Planos de Cargos e Salários2.

Como se pode observar, a dívida social do Estado com esses trabalhadores é enorme e a justiça que se deseja não virá com a aprovação do Ante-Projeto de autotiro do deputado Geraldo Alckmin do PSDB, que pretende instituir a profissão de Agentes Comunitários de Saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1991
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