Acessibilidade / Reportar erro

Mortalidade pela síndrome da imunodeficiência adquirida e fatores sociais associados: uma análise espacial

RESUMO

Objetivo:

Analisar o padrão espacial da mortalidade por aids e fatores sociais associados à sua ocorrência.

Métodos:

Estudo ecológico que considerou 955 óbitos por aids de residentes no Piauí, notificados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) de 2007 a 2015. Modelos de regressão não espacial e espacial foram usados para identificar determinantes sociais da mortalidade por aids, com significância de 5%.

Resultados:

As variáveis preditoras da mortalidade por aids foram taxa de analfabetismo no sexo masculino (p = 0,020), proporção de domicílios com abastecimento de água (p = 0,015), percentual de pessoas em domicílios com paredes inadequadas (p = 0,022), percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e em que ninguém tem ensino fundamental completo (p = 0,000) e percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e dependentes de idosos (p = 0,009).

Conclusão:

Foram associados à mortalidade por aids indicadores sociais relacionados à educação, geração de emprego e renda e habitação.

Descritores:
HIV; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Mortalidade; Determinação Social da Saúde; Análise Espacial

ABSTRACT

Objective:

To analyze the spatial pattern of AIDS mortality and social factors associated with its occurrence.

Methods:

An ecological study that considered 955 AIDS deaths of residents in Piauí, reported in the Mortality Information System (MIS) from 2007 to 2015. Non-spatial and spatial regression models were used to identify social determinants of AIDS mortality, with a significance of 5%.

Results:

The predictors of AIDS mortality were illiteracy rate in males (p = 0.020), proportion of households with water supply (p = 0.015), percentage of people in households with inadequate walls (p = 0.022), percentage of people in households vulnerable to poverty and in whom no one has completed primary education (p = 0.000) and percentage of people in households vulnerable to poverty and dependent on the elderly (p = 0.009).

Conclusion:

Social indicators related to education, job and income generation and housing were associated with AIDS mortality.

Descriptors:
HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Mortality; Social Determination of Health; Spatial Analysis

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el estándar espacial de la mortalidad por sida y factores sociales relacionados a su ocurrencia.

Métodos:

Estudio ecológico que consideró 955 óbitos por sida de residentes en Piauí, notificados en el Sistema de Informaciones sobre Mortalidad (SIM) de 2007 a 2015. Modelos de regresión no espacial y espacial han sido usados para identificar determinantes sociales de la mortalidad por sida, con significación de 5%.

Resultados:

Las variables indicadoras de la mortalidad por sida han sido tasa de analfabetismo en el sexo masculino (p = 0,020), proporción de domicilios con abastecimiento de agua (p = 0,015), porcentual de personas en domicilios con paredes inadecuadas (p = 0,022), porcentual de personas en domicilios vulnerables a la pobreza y en que ninguno tiene enseñanza fundamental completa (p = 0,000) y porcentual de personas en domicilios vulnerables a la pobreza y dependientes de ancianos (p = 0,009).

Conclusión:

Han sido relacionados a la mortalidad por sida indicadores sociales relacionados a la educación, generación de empleo y renta y habitación.

Descriptores:
VIH; Síndrome de la Inmunodeficiencia Adquirida; Mortalidad; Determinación Social de la Salud; Análisis Espacial

INTRODUÇÃO

Desde o início da epidemia de HIV/aids, mais de 35 milhões de pessoas morreram no mundo(11 Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Fact Sheet: World aids day 2017[Internet] Geneva: UNAIDS; 2017 [cited 2018 Feb 13]. Available from: http://www.who.int/news-room/detail/01-12-2017-world-aids-day-2017
http://www.who.int/news-room/detail/01-1...
). Destas, cerca de 316 mil ocorreram no Brasil. Após a instituição da política que disponibiliza tratamento antirretroviral (TARV) independentemente do status imunológico da pessoa que vive com HIV/aids (PVHA), verificou-se redução de 7,2% na taxa de mortalidade no biênio 2014-2015. Todavia, essa queda não foi verificada em todas as regiões brasileiras, dado que no Norte e Nordeste os coeficientes aumentaram 7,6% e 2,3%, respectivamente, demonstrando a tendência de crescimento da mortalidade nos últimos dez anos nessas regiões(22 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico: HIV/aids[Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [cited 2018 Feb 16]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/bo...
).

Estudo que comparou os coeficientes de mortalidade por HIV/aids dos estados brasileiros, baseado nos dados fornecidos pelo Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde (DDAHV/MS) e do estudo de cargas de doenças 2015 (GBD 2015), apontou aumento importante de óbitos em várias unidades federativas. Pautando-se nas informações do DDAHV/MS, os autores calcularam que de 2000 a 2014, em 12 estados do Brasil, a mortalidade por HIV/aids apresentou mais de 50% de aumento, variando de 52% na Bahia a 875% no Amapá. Mais especificamente no estado do Piauí, o incremento das mortes nesse período foi de 140% visto que, no ano 2000, o coeficiente de mortalidade foi de 1,5 mortes/100.000 hab. e saltou para 3,6 mortes/100.000 hab. em 2014(33 Guimarães MDC, Carneiro M, Abreu DMX, França EB. HIV/AIDS Mortality in Brazil, 2000-2015: Are there reasons for concern? Rev Bras Epidemiol. 2017;20(Suppl 1):182-90. doi: 10.1590/1980-5497201700050015
https://doi.org/10.1590/1980-54972017000...
).

A maioria das pessoas que morrem por causas associadas à aids são adultos no auge da sua fase produtiva(22 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico: HIV/aids[Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [cited 2018 Feb 16]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/bo...
), o que traduz não apenas um problema de saúde pública, mas também um desafio para os demais setores econômicos da sociedade. A magnitude desse problema faz emergir a necessidade do estudo dos aspectos sociais que possam interferir sobre o panorama da doença e das mortes relacionadas(44 Cunha GH, Fiuza MLT, Gir E, Aquino OS, Pinheiro AKB, Galvão MTG. Quality of life of men with AIDS and the model of social determinants of health. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(2):183-91. doi: 10.1590/0104-1169.0120.2541
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0120.2...
). Pesquisas apontam diversos indicadores que traduzem as condições de vida da população de um território e possuem papel significativo tanto na determinação da infecção pelo HIV quanto no adoecimento e mortalidade por aids, tais como: desemprego, acesso aos serviços de saúde, escolaridade, condições de moradia e saneamento básico(55 Lakew Y, Benedict S, Haile D. Social determinants of HIV infection, hotspot areas and subpopulation groups in Ethiopia: evidence from the National Demographic and Health Survey in 2011. BMJ Open. 2015;5(11):1-11. doi: 10.1136/bmjopen-2015-008669
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2015-008...
-66 Aidala AA, Wilson MG, Shubert V, Gogolishvili D, Globerman J, Rueda S, et al. Housing status, medical care, and health outcomes among people living with HIV/AIDS: a systematic review. Am J Public Health. 2016;106(1):1-23. doi: 10.2105/AJPH.2015.302905
https://doi.org/10.2105/AJPH.2015.302905...
), contudo nenhuma pesquisa desse âmbito foi realizada no Piauí.

As populações possuem composições sociais que evidenciam disparidades; desse modo, os padrões de morbimortalidade por HIV/aids não ocorrem aleatoriamente no espaço, e sim em padrões ordenados que exprimem causas subjacentes. Nesse cenário, pressupõe-se que os determinantes do processo saúde-doença observados em um território geográfico podem não ser observados em outros e vice-versa. Por conseguinte, apenas seria possível generalizar os resultados para populações semelhantes, mas correndo-se ainda o risco de um ou outro determinante social não ser aplicável(77 Ministério da Saúde (BR). Abordagens Espaciais na Saúde Pública[Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006[cited 2018 Apr 14]; 135 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/serie_geoproc_vol_1.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Diante disso, a análise espacial mostra-se eficaz na identificação de padrões geográficos e de determinantes sociais de saúde relacionados à mortalidade por HIV/aids, apoiando com mais propriedade intervenções de âmbito intersetorial sobre esses fatores específicos no intuito de barrar o ciclo de infecção e morte nos territórios.

OBJETIVO

Analisar o padrão espacial da mortalidade por aids e fatores sociais associados à sua ocorrência.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Foram respeitados todos os aspectos éticos e legais preconizados pela Resolução 466/12. A coleta das informações ocorreu na SES-PI de maneira sigilosa, omitindo a identificação dos indivíduos. Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí.

Tipo, local do estudo e período

Trata-se de estudo ecológico, elaborado segundo as diretrizes do instrumento STROBE, em que foram analisados espacialmente os óbitos por aids ocorridos de 2007 a 2015 no Piauí, estado do Nordeste brasileiro. Convém ressaltar que o projeto maior do qual faz parte este estudo englobou não apenas os óbitos, mas também os casos de aids. Assim, tendo em vista que as notificações da aids também eram objeto de estudo, optou-se pela coleta uniforme dos casos e óbitos ocorridos a partir de 2007 em razão de, neste mesmo ano, ter ocorrido a implantação do Sinan Net, novo sistema de informações do Ministério da Saúde, em substituição ao Sinan Windows, vigente até 2006, cujas variáveis apresentavam algumas divergências em relação às constantes na versão a partir de 2007. A abrangência temporal se deu até o ano de 2015, uma vez que a coleta de dados ocorreu no mês de outubro de 2016.

Embora apenas 110 dos 224 municípios piauienses tenham registrado pelo menos um óbito por causas relacionadas ao HIV/aids no período estudado, todos os municípios do estado, nesta investigação, foram incluídos na análise espacial. Destaca-se que a população média dos municípios piauienses é de 14.075 habitantes (desvio-padrão = 56.022), sendo que os municípios de Teresina e Miguel Leão possuem o maior (822.364) e menor (1.239) número de habitantes do estado, respectivamente.

A Figura 1 mostra que o Piauí é dividido em quatro mesorregiões de desenvolvimento: Norte piauiense, Centro-norte piauiense, Sudeste piauiense e Sudoeste piauiense. O polígono que corresponde à capital Teresina está em destaque na mesorregião Centro-norte.

Figura 1
Divisão do Piauí em mesorregiões de desenvolvimento, com destaque para a capital Teresina e a localização do estado no Nordeste brasileiro

População, amostra e critério de inclusão e exclusão

No período estudado, ocorreram no Piauí 959 óbitos pela doença, contudo 4 foram descartados da análise espacial por não conterem informações sobre o município de residência. Diante disso, o universo amostral desta investigação correspondeu a 955 óbitos por aids ocorridos entre indivíduos residentes no estado registrados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). A Secretaria de Estado da Saúde do Piauí (SES-PI) disponibilizou os bancos de dados dos óbitos registrados no SIM, sendo coletadas somente as informações daqueles que faziam menção à aids na causa básica das declarações de óbito, isto é, quando os códigos B20 ao B24 eram citados de acordo com a 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

Protocolo de estudo

Os dados socioeconômicos foram obtidos do Censo Demográfico 2010, disponibilizados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(88 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010. [Internet] Brasília (DF): IBGE; 2010 [cited 2018 mar 13]. Available from: http://censo2010.ibge.gov.br/
http://censo2010.ibge.gov.br/...
). Para cada município, foram coletados 43 indicadores socioeconômicos, dentre eles, os que constam neste estudo: Taxa de analfabetismo no sexo masculino; Taxa de abandono escolar precoce; Proporção de moradias adequadas; Proporção de domicílios com rede de abastecimento de água; Proporção de domicílios sem esgotamento sanitário; Percentual de pessoas em domicílios com paredes inadequadas; Média de moradores por domicílio; Proporção de domicílios próprios; Percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e em que ninguém tem ensino fundamental completo; Percentual de pessoas de 15 a 24 anos que não estudam nem trabalham e são vulneráveis à pobreza; Percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e dependentes de idosos.

Análise dos resultados e estatística

O coeficiente de mortalidade por aids de cada município foi calculado por meio do software TabWin v.4.14®. Visando minimizar a instabilidade das taxas brutas e corrigir flutuações aleatórias casuais que ocorrem especialmente em municípios com pequeno número de habitantes, foi utilizado o método Bayesiano Empírico Local(77 Ministério da Saúde (BR). Abordagens Espaciais na Saúde Pública[Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006[cited 2018 Apr 14]; 135 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/serie_geoproc_vol_1.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Tal estimativa se fez necessária devido à baixa densidade demográfica no estado do Piauí (12,40 hab/km2)(99 Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO). Piauí em números[Internet]. 10. ed. Teresina: Fundação CEPRO; 2013[cited 2018 Mar 15]. 101 p. Available from: http://www.cepro.pi.gov.br/piemnumeros.php
http://www.cepro.pi.gov.br/piemnumeros.p...
).

Em seguida, foi aplicada a transformação do tipo logaritmo neperiano (Ln) à taxa de mortalidade bayesiana para aproximar os valores a uma distribuição normal, que consiste em pré-requisito para o ajuste ao modelo de regressão espacial(1010 Magalhães MAFM, Medronho RA. Spatial analysis of Tuberculosis in Rio de Janeiro in the period from 2005 to 2008 and associated socioeconomic factors using micro data and global spatial regression models. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(3):831-40. doi: 10.1590/1413-81232017223.24132015
https://doi.org/10.1590/1413-81232017223...
).

A presença de correlação entre as variáveis independentes (socioeconômicas) e a variável dependente (logaritmo da taxa de mortalidade por aids após suavização bayesiana) foi verificada por meio do Variance Inflation Factor (VIF), selecionando-as pelo método backward e critério epidemiológico. Aquelas com coeficiente de correlação menor que 0,7(1010 Magalhães MAFM, Medronho RA. Spatial analysis of Tuberculosis in Rio de Janeiro in the period from 2005 to 2008 and associated socioeconomic factors using micro data and global spatial regression models. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(3):831-40. doi: 10.1590/1413-81232017223.24132015
https://doi.org/10.1590/1413-81232017223...
) foram inseridas no modelo de regressão linear multivariada (Ordinary Least Squares Estimation - OLS).

Assim, buscaram-se as variáveis socioeconômicas que explicassem melhor a ocorrência da mortalidade por aids no território piauiense com significância estatística de 95%. Contudo, uma vez que o modelo clássico OLS não leva em consideração no seu ajuste a localização espacial do fenômeno estudado, aplicou-se o modelo de regressão espacial geograficamente ponderado (Geographically Weighted Regression - GWR) às variáveis explicativas estatisticamente significantes no modelo OLS, visto que a mortalidade e seus determinantes sofrem variação de acordo com a área em que são estudados(1111 Charlton M, Fotheringham S, Brunsdon C. Geographically Weighted Regression[Internet]. United Kingdon: ESRC National Centre for Research Methods; 2005 [cited 2018 Mar 15]. 30 p. Available from: http://eprints.ncrm.ac.uk/90/1/MethodsReviewPaperNCRM-006.pdf
http://eprints.ncrm.ac.uk/90/1/MethodsRe...
). O melhor ajuste dos modelos OLS e GWR se deu por meio de dois parâmetros: menor valor do critério de informação de Akaike (AIC) e maior valor do coeficiente de determinação (R2).

A significância estatística dos parâmetros do modelo GWR foi constatada pelo teste de Wald e por meio de dois mapas temáticos. O primeiro mapa, em tons de verde, mostra a distribuição das estimativas dos parâmetros. Os municípios em tons de verde mais claro possuem associação negativa, sendo a variável em destaque fator de proteção. Já os municípios em verde mais escuro possuem associação positiva com a variável representada, consistindo em fator de risco para a mortalidade por aids. O segundo mapa, em tons de cinza, representa a significância estatística do teste de Wald realizado para cada parâmetro, tendo sido classificada em 99%, 95%, 90% de confiança e não significante.

O software GeoDa v.1.12® foi utilizado para o cálculo da estatística bayesiana. A transformação do tipo logaritmo neperiano da taxa de mortalidade bayesiana e o ajuste dos modelos GWR e OLS foram feitos no software R versão 3.3.3®, e a construção dos mapas oriundos dessas análises foram feitos no software ArcGis 10.2.2®.

RESULTADOS

Foram registrados 959 óbitos por aids distribuídos em 48,6% dos municípios piauienses. A mortalidade apresentou tendência cíclica com picos a cada triênio estudado (2009, 2012 e 2015). A maior mortalidade foi registrada em 2012 (4,3 óbitos/100.000 habitantes), e a taxa média no período analisado foi de 3,36 óbitos/100.000 habitantes (Figura 2).

Figura 2
Coeficiente de mortalidade por aids, Piauí, Brasil, 2007-2015

A distribuição espacial da taxa de mortalidade bruta mostra que a epidemia se faz presente para além da capital do estado e região metropolitana, afetando municípios de pequeno porte e distantes dos grandes centros urbanos (Mapa 2A). O mapa suavizado aponta as maiores taxas em municípios na fronteira com o Maranhão, próximos à capital do estado, com mortalidade acima de 4,80 óbitos/100.000 habitantes, conforme destacado no Mapa 2B (Figura 3).

Figura 3
Distribuição espacial da taxa de mortalidade bruta (A) e suavizada pelo método bayesiano empírico local (B), Piauí, Brasil, 2007-2015

O modelo de regressão linear (OLS) apontou as seguintes variáveis como preditoras da mortalidade por aids no Piauí: taxa de analfabetismo no sexo masculino (p = 0,020), proporção de domicílios com rede de abastecimento de água (p = 0,015), percentual de pessoas em domicílios com paredes inadequadas (p = 0,022), percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e em que ninguém tem ensino fundamental completo (p = 0,000) e percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e dependentes de idosos (p = 0,009) (Tabela 1). No OLS, o coeficiente de determinação (R2) foi de 0,2343 e o critério de informação de Akaike (AIC) foi de 603,7670.

Tabela 1
Modelo de regressão Ordinary Least Squares Estimation - OLS para o logaritmo da taxa de mortalidade por aids após suavização bayesiana, Piauí, Brasil, 2007-2015

Em seguida, o modelo de regressão espacial (GWR) do logaritmo da taxa de mortalidade bayesiana por aids foi ajustado para as variáveis que se apresentaram significantes no modelo OLS (Figura 4). Ao comparar os dois modelos de regressão, observou-se que o GWR se mostrou mais bem ajustado que o modelo OLS, pois apresentou AIC de 508,8514 (inferior ao OLS) e de 0,5620 (superior ao obtido pelo OLS).

Figura 4
Distribuição espacial dos coeficientes estimados e da significância do valor t associado às variáveis independentes estatisticamente significantes nos modelos Ordinary Least Squares Estimation - OLS e Geographically Weighted Regression - GWR, Piauí, Brasil, 2007-2015

A Figura 4 evidencia a contribuição de variáveis socioeconômicas sobre a mortalidade por aids nos municípios piauienses. Os Mapas 3A1 e 3A2 mostram que, nas mesorregiões Sudoeste e Sudeste, a taxa de analfabetismo masculino possui associação positiva e significante com a variável dependente. Isso demonstra que, quanto maior é o analfabetismo no sexo masculino, maior também é o logaritmo da taxa de mortalidade bayesiana por aids nessas áreas. De forma contrária, em alguns municípios da mesorregião Centro-Norte, em toda a mesorregião Sudeste e parte da Sudoeste, quanto maior é o percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e em que ninguém tem ensino fundamental completo, menor é o logaritmo da taxa de mortalidade bayesiana por aids (Mapas 3B1 e 3B2).

Em municípios da mesorregião Sudeste, bem como em municípios do Sudoeste piauiense, próximos ao estado do Maranhão, quanto maior é a proporção de domicílios com rede de abastecimento de água, maior também é o logaritmo da taxa de mortalidade bayesiana por aids (Mapas 3C1 e 3C2). Já nos municípios das mesorregiões Centro-Norte e Norte piauiense, foi constatado que o percentual de pessoas em domicílios com paredes inadequadas se mostrou como fator de risco para a mortalidade por aids. Por outro lado, em alguns municípios da mesorregião Sudeste, na divisa com o estado de Pernambuco e sul do estado do Ceará, a mesma variável se constitui fator de proteção (Mapas 3D1 e 3D2).

Foi observada associação positiva significante entre a variável “percentual de pessoas em domicílios vulneráveis à pobreza e dependentes de idosos” e a taxa de mortalidade por aids, localizando-se em municípios do Sudoeste piauiense, desde a fronteira com o estado do Maranhão seguindo continuamente por vários municípios do estado e até às mesorregiões Centro-norte e Sudeste, nas fronteiras com os estados de Pernambuco e sul do Ceará (Mapas 3E1 e 3E2).

DISCUSSÃO

Os mapas suavizados indicam que a capital Teresina e alguns municípios circunvizinhos apresentaram as mais altas taxas de mortalidade por aids. A situação epidemiológica na capital do estado é particularmente preocupante, visto que sua taxa de mortalidade foi de 7,9 óbitos/100.000 habitantes, valor quase duas vezes maior à média piauiense (3,6 óbitos/100.000 habitantes), e maior que a nordestina (4,6 óbitos/100.000 habitantes) e brasileira (5,6 óbitos/100.000 habitantes)(1212 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais [Internet]. Boletim epidemiológico: HIV/aids. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016[cited 2018 Mar 16]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/boletim-epidemiologico-de-aids-2016
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/bo...
).

Embora o Brasil disponha de políticas públicas e programas para o acompanhamento especializado das PVHAs instalados nas capitais e em cidades do interior dos estados, as redes de atenção à saúde e sociais de maior complexidade no Piauí encontram-se predominantemente concentradas na capital. Desse modo, infere-se que o cluster mais significativo de mortes nesse território se deva à imigração de indivíduos provenientes de municípios do interior do Piauí ou mesmo de outros estados com o objetivo de serem acompanhados pelos serviços mais complexos quando a doença já está instalada e posteriormente evolui para o óbito. Ademais, se há mais casos de aids na capital do estado em comparação ao interior(1212 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais [Internet]. Boletim epidemiológico: HIV/aids. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016[cited 2018 Mar 16]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/boletim-epidemiologico-de-aids-2016
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/bo...
), espera-se que mais óbitos ocorram onde existe maior número de pessoas com a doença.

Observou-se que, em vários municípios das mesorregiões Sudoeste, Sudeste e Centro-Norte do Piauí, a taxa de analfabetismo no sexo masculino se mostrou como fator de risco para os óbitos por aids. Estudo conduzido na África do Sul apontou que a escolaridade se constitui efeito protetor para a mortalidade por aids, pois reduz o risco de morte entre indivíduos com dez ou mais anos de instrução(1313 Mee P, Collinson MA, Madhavan S, Kabudula C, Gómez-Olivé FX, Kahn K, et al. Determinants of the risk of dying of HIV/AIDS in a rural South African community over the period of the decentralised roll-out of antiretroviral therapy: a longitudinal study. Glob Health Action. 2014;20(7):1-14. doi: 10.3402/gha.v7.24826
https://doi.org/10.3402/gha.v7.24826...
).

Já está bem estabelecido na literatura que o nível de instrução das PVHAs é importante preditor da adesão à TARV(1414 Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Factors associated with non-adherence to antiretroviral therapy in adults with AIDS in the first six months of treatment in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1188-98. doi: 10.1590/0102-311X00106914
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010691...
-1515 Foresto JS, Melo ES, Costa CRB, Antonini M, Gir E, Reis RK. Adherence to antiretroviral therapyby people living with HIV/AIDS in a municipality of São Paulo. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1):1-7. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.63158
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.0...
) e da resposta virológica precoce entre os que a iniciam(1616 Meireles MV, Pascom ARP, Duarte EC. Factors associated with early virological response in hiv-infected individuals starting antirretroviral therapy in Brazil (2014-2015): results from a large HIV surveillance cohort. J Acquir Immune Defic Syndr. 2018;78(4):19-27. doi: 10.1097/QAI.0000000000001684
https://doi.org/10.1097/QAI.000000000000...
). Estudo realizado em Salvador, capital do estado da Bahia, estimou que os soropositivos com menos de oito anos de estudo tem 2,2 vezes mais chances de falharem na adesão à TARV em comparação àqueles com oito anos de estudo ou mais, predispondo-os ao desenvolvimento da aids e à morte por causas relacionadas(1414 Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Factors associated with non-adherence to antiretroviral therapy in adults with AIDS in the first six months of treatment in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1188-98. doi: 10.1590/0102-311X00106914
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010691...
).

Em contrapartida, em parcela expressiva dos municípios do estado, quanto maior o percentual de pessoas vivendo em domicílios vulneráveis à pobreza e em que ninguém tem o ensino fundamental completo, menor era a taxa de mortalidade por aids. Embora esses resultados contradigam a maioria dos estudos nacionais, eles corroboram fortemente inúmeras pesquisas publicadas com dados da África Subsaariana que apontam a epidemia do HIV/aids associada à melhor posição socioeconômica e à maior escolaridade(55 Lakew Y, Benedict S, Haile D. Social determinants of HIV infection, hotspot areas and subpopulation groups in Ethiopia: evidence from the National Demographic and Health Survey in 2011. BMJ Open. 2015;5(11):1-11. doi: 10.1136/bmjopen-2015-008669
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2015-008...
,1717 Berhan Y, Berhan A. A meta-analysis of risk sexual behavior among male youth in developing countries. AIDS Res Treat. 2015;(1):1-9. doi: 10.1155/2015/580961
https://doi.org/10.1155/2015/580961...
-1818 Poulin M, Dovel K, Watkins SC. Men with Money and the "Vulnerable Women" client category in an AIDS epidemic. World Develop. 2016;85(1):16-30. doi: 10.1016/j.worlddev.2016.04.008
https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2016....
). De acordo com pesquisa conduzida no Malawi, os homens mais ricos e escolarizados tendem a ter mais parceiras(os) e a não usar preservativo nas relações sexuais. Em consequência disso, aqueles com maior poder aquisitivo possuem mais chances de se infectarem com o vírus HIV e de morrerem por causas relacionadas à aids quando comparados aos indivíduos menos instruídos e mais pobres(1818 Poulin M, Dovel K, Watkins SC. Men with Money and the "Vulnerable Women" client category in an AIDS epidemic. World Develop. 2016;85(1):16-30. doi: 10.1016/j.worlddev.2016.04.008
https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2016....
).

Por sua vez, o percentual de pessoas vivendo em domicílios vulneráveis à pobreza e dependentes de idosos se configurou fator de risco para a mortalidade por aids em municípios do Sudeste, Sudoeste e Centro-Norte piauiense. Investigação realizada no estado de Minas Gerais apontou que 56,9% das famílias entrevistadas tinham a aposentadoria dos seus idosos como única fonte de renda. Tais resultados demonstram a dependência econômica em relação à renda do idoso e, para muitas famílias, o que deveria ser uma “ajuda financeira” se torna um rendimento imprescindível para a sobrevivência. Quando os idosos morrem, famílias inteiras são desestruturadas e acabam em situação de extrema pobreza(1919 Tavares VO, Teixeira KD, Wajnman S, Loreto MDS. Interfaces entre a renda dos idosos aposentados rurais e o contexto familiar. Textos Contextos (Porto Alegre) [Internet]. 2011[cited 2018 Apr 18];10(1):94-108. Available from: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/8725/6427
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
).

Diante disso, ressalta-se o íntimo relacionamento entre mortalidade e status socioeconômico, uma vez que a longevidade das pessoas anda na mesma direção que as suas condições de vida. No que diz respeito aos óbitos por causas relacionadas à aids, não é diferente. Investigações já demonstraram a relação inversa entre a mortalidade por HIV/aids e a condição socioeconômica tanto em níveis macroestruturais de um país(2020 Pillay-van WV, Bradshaw D. Mortality and socioeconomic status: the vicious cycle between poverty and ill health. Lancet Glob Health. 2017;5(9):851-52. doi: 10.1016/S2214-109X(17)30304-2
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30...
) quanto no nível individual ou familiar(2121 Probst C, Parry CD, Rehm J. Socio-economic differences in HIV/AIDS mortality in South Africa. Trop Med Int Health. 2016;21(7):846-55. doi: 10.1111/tmi.12712
https://doi.org/10.1111/tmi.12712...
-2222 Kabudula CW, Houle B, Collinson MA, Kahn K, Gómez-Olivé FX, Tollman S, et al. Socioeconomic differences in mortality in the antiretroviral therapy era in Agincourt, rural South Africa, 2001-13: a population surveillance analysis. Lancet Glob Health. 2017;5(9):924-35. doi: 10.1016/S2214-109X(17)30297-8
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30...
). Revisão sistemática com pesquisas desenvolvidas na África do Sul evidenciou que pessoas com baixo nível socioeconômico apresentam risco 50% maior de morrer por HIV/aids, demonstrando a necessidade de identificação de estratégias efetivas que envolvam todos os setores da sociedade para a redução dos óbitos entre os infectados mais pobres(2121 Probst C, Parry CD, Rehm J. Socio-economic differences in HIV/AIDS mortality in South Africa. Trop Med Int Health. 2016;21(7):846-55. doi: 10.1111/tmi.12712
https://doi.org/10.1111/tmi.12712...
).

Foram observados ainda dois indicadores relacionados às condições das moradias como associados à mortalidade por aids em municípios piauienses. Em municípios das mesorregiões Sudeste e Sudoeste, a diminuição na proporção de domicílios com abastecimento de água influencia a redução da mortalidade por aids. Esse resultado controverso justifica-se pela baixa ocupação populacional de áreas rurais, especialmente no Piauí, onde a densidade demográfica média é baixa (12,40 hab/km2)(99 Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO). Piauí em números[Internet]. 10. ed. Teresina: Fundação CEPRO; 2013[cited 2018 Mar 15]. 101 p. Available from: http://www.cepro.pi.gov.br/piemnumeros.php
http://www.cepro.pi.gov.br/piemnumeros.p...
). Nesses locais, a instalação de redes coletoras de esgoto e de abastecimento de água é menos indicada devido à baixa densidade das edificações, sendo adequada a adoção de soluções individuais de saneamento como poços artesianos e fossas sépticas. Desse modo, a ausência de instalações de redes de água e esgoto não significa necessariamente que esses locais sejam precários(2323 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira [Internet]. Brasília (DF): IBGE; 2017[cited 2018 Mar 20]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
).

O percentual de pessoas em domicílios com paredes inadequadas se mostrou como fator de risco para a mortalidade por aids no Centro-Norte e Norte Piauiense. Pesquisas evidenciaram a qualidade das habitações como preditor significativo da infecção e mortalidade pelo HIV/aids(66 Aidala AA, Wilson MG, Shubert V, Gogolishvili D, Globerman J, Rueda S, et al. Housing status, medical care, and health outcomes among people living with HIV/AIDS: a systematic review. Am J Public Health. 2016;106(1):1-23. doi: 10.2105/AJPH.2015.302905
https://doi.org/10.2105/AJPH.2015.302905...
,2424 Zeglin RJ, Stein JP. Social determinants of health predict state incidence of HIV and AIDS: a short report. AIDS Care. 2015;27(2):255-9. doi: 10.1080/09540121.2014.954983
https://doi.org/10.1080/09540121.2014.95...
), pois uma em cada três PVHAs no mundo reside em moradias estruturalmente inadequadas e/ou superlotadas(2525 Teye-Kau M, Tenkorang EY, Adjei PB. Revisiting the housing-health relationship for HIV-positive persons: qualitative evidence from the Lower Manya Krobo District, Ghana. Qual Health Res. 2018;28(8):1217-28. doi: 10.1177/1049732318764646
https://doi.org/10.1177/1049732318764646...
). A pobreza é a principal responsável pelas condições precárias de habitação, as quais, por sua vez, interferem de maneira importante na imunidade das PVHAs, cujo sistema imunológico já é comprometido. Tal problemática afeta substancialmente os resultados de saúde dessas pessoas vulneráveis, podendo levá-las à morte(2525 Teye-Kau M, Tenkorang EY, Adjei PB. Revisiting the housing-health relationship for HIV-positive persons: qualitative evidence from the Lower Manya Krobo District, Ghana. Qual Health Res. 2018;28(8):1217-28. doi: 10.1177/1049732318764646
https://doi.org/10.1177/1049732318764646...
-2626 Tenkorang EY, Owusu AY, Laar AK. Housing and health outcomes of persons living with HIV/AIDS (PLWHAs) in the lower Manya Krobo District, Ghana. J Health Care Poor Underserved. 2017;28(1):191-215. doi: 10.1353/hpu.2017.0017
https://doi.org/10.1353/hpu.2017.0017...
).

Em pesquisa conduzida em Gana, a maioria dos soropositivos entrevistados vivia em habitações deterioradas com sérios problemas em sua estrutura física, que os submetiam a superlotação e inundações. Os resultados desse estudo mostram que as situações de habitação dos soropositivos são determinantes dos seus estados físico e mental, os quais, por sua vez, influenciam a progressão para a aids e para a mortalidade por doenças a ela relacionadas(2525 Teye-Kau M, Tenkorang EY, Adjei PB. Revisiting the housing-health relationship for HIV-positive persons: qualitative evidence from the Lower Manya Krobo District, Ghana. Qual Health Res. 2018;28(8):1217-28. doi: 10.1177/1049732318764646
https://doi.org/10.1177/1049732318764646...
).

Porém, em alguns municípios da mesorregião Sudeste, na fronteira com Pernambuco e sul do Ceará, residir em moradias com paredes inadequadas se constitui fator de proteção para a mortalidade por aids. Em estudo desenvolvido na zona rural do Malawi, a infecção pelo HIV/aids foi positivamente associada à riqueza das famílias, mensurada por variáveis que denotavam as condições de vida da população, dentre elas o tipo de material utilizado para a construção das residências. Foi constatado que homens que residiam em casas de tijolo tinham duas vezes mais chances de serem infectados pelo vírus em comparação àqueles que residiam em habitações construídas à base de terra e lama, materiais ainda muito utilizados nas edificações africanas(1818 Poulin M, Dovel K, Watkins SC. Men with Money and the "Vulnerable Women" client category in an AIDS epidemic. World Develop. 2016;85(1):16-30. doi: 10.1016/j.worlddev.2016.04.008
https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2016....
).

Diante do exposto, a relação entre melhores ou piores condições de vida e a infecção e mortalidade por HIV/aids nem sempre age no mesmo sentido em todas as regiões, sendo, portanto, heterogênea e variante de um local para o outro. Dessa forma, riqueza e pobreza podem levar a comportamentos potencialmente arriscados ou protetores, sendo altamente específicos ao contexto e suscetíveis a mudanças(2727 Parkhurst JO. Understanding the correlations between wealth, poverty and human immunodeficiency virus infection in African countries. Bull World Health Organ. 2010;88(7):519-26. doi: 10.2471/BLT.09.070185
https://doi.org/10.2471/BLT.09.070185...
).

A comparação dos resultados paradoxais deste estudo com dados de pesquisas conduzidas na África se mostra pertinente, tendo em vista que, embora sejam áreas geograficamente distantes, alguns dados socioeconômicos, como o IDH e o índice de Gini, do continente africano e do estado do Piauí são semelhantes(2828 Organização das Nações Unidas (ONU). Human Development Report 2015: Work for Human Development [Internet]. New York: ONU; 2015 [cited 2018 Mar 20]. Available from: http://hdr.undp.org/sites/default/files/2015_human_development_report_0.pdf
http://hdr.undp.org/sites/default/files/...
-2929 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atlas do Desenvolvi-mento Humano 2013 [Internet]. Brasília (DF): PNUD; 2013 [cited 2018 mar 20]. Availa-ble from: http://atlasbrasil.org.br/2013/
http://atlasbrasil.org.br/2013/...
). Tais semelhanças levam a inferir que algumas características da dinâmica social da infecção pelo HIV/aids que ocorre em regiões específicas do Piauí podem ser similares às observadas no continente africano.

Limitações do estudo

Este estudo apresenta algumas limitações que, no entanto, não o inviabilizam. A principal delas se refere ao uso de dados secundários, que podem apresentar inconsistências no tocante à quantidade e qualidade das informações. Além disso, dados sobre a mortalidade obtidos do SIM podem apresentar a classificação incorreta da causa básica e subnotificação dos óbitos por causas relacionadas à aids.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Entre os aspectos positivos deste estudo, ressalta-se o método de regressão espacial utilizado, o qual é ainda pouco explorado pela literatura. Ele leva em consideração a localização geográfica do fenômeno, sendo, portanto, mais preciso que modelos clássicos de regressão não espaciais. Quando comparado ao modelo OLS, o GWR facilitou o entendimento da relação existente entre os indicadores socioeconômicos piauienses e a epidemia no estado, uma vez que assume a condição de dependência entre as observações. Por outro lado, os modelos não espaciais não são capazes de determinar a relação entre as variáveis estudadas quando o relacionamento é positivo em alguns municípios e negativo em outros. Ademais, não se pode desconsiderar o ineditismo da investigação, pois é a primeira pesquisa sobre a distribuição espacial da aids e de seus determinantes sociais conduzida no Piauí.

CONCLUSÃO

Indicadores sociais que traduzem condições educacionais, de habitação e de geração de emprego e renda se mostraram associados positiva ou negativamente à mortalidade por aids em parcela expressiva dos municípios piauienses. Diante desses resultados, conclui-se que o controle da epidemia e das mortes a ela relacionadas não se constitui responsabilidade exclusiva do campo da saúde, pois faz parte do amplo espectro da agenda de desenvolvimento de um território; envolve, portanto, os mais diversos setores da sociedade. Sendo assim, convém ressaltar a necessidade de intervenções sobre os determinantes sociais da saúde em municípios específicos como métodos eficientes de prevenção da infecção pelo HIV, do adoecimento e da mortalidade pela doença, além das já conhecidas intervenções programáticas típicas do setor saúde.

  • FOMENTO
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (FAPEPI).

REFERENCES

  • 1
    Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Fact Sheet: World aids day 2017[Internet] Geneva: UNAIDS; 2017 [cited 2018 Feb 13]. Available from: http://www.who.int/news-room/detail/01-12-2017-world-aids-day-2017
    » http://www.who.int/news-room/detail/01-12-2017-world-aids-day-2017
  • 2
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais. Boletim epidemiológico: HIV/aids[Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2017 [cited 2018 Feb 16]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017
    » http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-hivaids-2017
  • 3
    Guimarães MDC, Carneiro M, Abreu DMX, França EB. HIV/AIDS Mortality in Brazil, 2000-2015: Are there reasons for concern? Rev Bras Epidemiol. 2017;20(Suppl 1):182-90. doi: 10.1590/1980-5497201700050015
    » https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050015
  • 4
    Cunha GH, Fiuza MLT, Gir E, Aquino OS, Pinheiro AKB, Galvão MTG. Quality of life of men with AIDS and the model of social determinants of health. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(2):183-91. doi: 10.1590/0104-1169.0120.2541
    » https://doi.org/10.1590/0104-1169.0120.2541
  • 5
    Lakew Y, Benedict S, Haile D. Social determinants of HIV infection, hotspot areas and subpopulation groups in Ethiopia: evidence from the National Demographic and Health Survey in 2011. BMJ Open. 2015;5(11):1-11. doi: 10.1136/bmjopen-2015-008669
    » https://doi.org/10.1136/bmjopen-2015-008669
  • 6
    Aidala AA, Wilson MG, Shubert V, Gogolishvili D, Globerman J, Rueda S, et al. Housing status, medical care, and health outcomes among people living with HIV/AIDS: a systematic review. Am J Public Health. 2016;106(1):1-23. doi: 10.2105/AJPH.2015.302905
    » https://doi.org/10.2105/AJPH.2015.302905
  • 7
    Ministério da Saúde (BR). Abordagens Espaciais na Saúde Pública[Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006[cited 2018 Apr 14]; 135 p. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/serie_geoproc_vol_1.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/serie_geoproc_vol_1.pdf
  • 8
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010. [Internet] Brasília (DF): IBGE; 2010 [cited 2018 mar 13]. Available from: http://censo2010.ibge.gov.br/
    » http://censo2010.ibge.gov.br/
  • 9
    Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO). Piauí em números[Internet]. 10. ed. Teresina: Fundação CEPRO; 2013[cited 2018 Mar 15]. 101 p. Available from: http://www.cepro.pi.gov.br/piemnumeros.php
    » http://www.cepro.pi.gov.br/piemnumeros.php
  • 10
    Magalhães MAFM, Medronho RA. Spatial analysis of Tuberculosis in Rio de Janeiro in the period from 2005 to 2008 and associated socioeconomic factors using micro data and global spatial regression models. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(3):831-40. doi: 10.1590/1413-81232017223.24132015
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.24132015
  • 11
    Charlton M, Fotheringham S, Brunsdon C. Geographically Weighted Regression[Internet]. United Kingdon: ESRC National Centre for Research Methods; 2005 [cited 2018 Mar 15]. 30 p. Available from: http://eprints.ncrm.ac.uk/90/1/MethodsReviewPaperNCRM-006.pdf
    » http://eprints.ncrm.ac.uk/90/1/MethodsReviewPaperNCRM-006.pdf
  • 12
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais [Internet]. Boletim epidemiológico: HIV/aids. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016[cited 2018 Mar 16]. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/boletim-epidemiologico-de-aids-2016
    » http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2016/boletim-epidemiologico-de-aids-2016
  • 13
    Mee P, Collinson MA, Madhavan S, Kabudula C, Gómez-Olivé FX, Kahn K, et al. Determinants of the risk of dying of HIV/AIDS in a rural South African community over the period of the decentralised roll-out of antiretroviral therapy: a longitudinal study. Glob Health Action. 2014;20(7):1-14. doi: 10.3402/gha.v7.24826
    » https://doi.org/10.3402/gha.v7.24826
  • 14
    Silva JAG, Dourado I, Brito AM, Silva CAL. Factors associated with non-adherence to antiretroviral therapy in adults with AIDS in the first six months of treatment in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1188-98. doi: 10.1590/0102-311X00106914
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00106914
  • 15
    Foresto JS, Melo ES, Costa CRB, Antonini M, Gir E, Reis RK. Adherence to antiretroviral therapyby people living with HIV/AIDS in a municipality of São Paulo. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1):1-7. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.63158
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.63158
  • 16
    Meireles MV, Pascom ARP, Duarte EC. Factors associated with early virological response in hiv-infected individuals starting antirretroviral therapy in Brazil (2014-2015): results from a large HIV surveillance cohort. J Acquir Immune Defic Syndr. 2018;78(4):19-27. doi: 10.1097/QAI.0000000000001684
    » https://doi.org/10.1097/QAI.0000000000001684
  • 17
    Berhan Y, Berhan A. A meta-analysis of risk sexual behavior among male youth in developing countries. AIDS Res Treat. 2015;(1):1-9. doi: 10.1155/2015/580961
    » https://doi.org/10.1155/2015/580961
  • 18
    Poulin M, Dovel K, Watkins SC. Men with Money and the "Vulnerable Women" client category in an AIDS epidemic. World Develop. 2016;85(1):16-30. doi: 10.1016/j.worlddev.2016.04.008
    » https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2016.04.008
  • 19
    Tavares VO, Teixeira KD, Wajnman S, Loreto MDS. Interfaces entre a renda dos idosos aposentados rurais e o contexto familiar. Textos Contextos (Porto Alegre) [Internet]. 2011[cited 2018 Apr 18];10(1):94-108. Available from: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/8725/6427
    » http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/8725/6427
  • 20
    Pillay-van WV, Bradshaw D. Mortality and socioeconomic status: the vicious cycle between poverty and ill health. Lancet Glob Health. 2017;5(9):851-52. doi: 10.1016/S2214-109X(17)30304-2
    » https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30304-2
  • 21
    Probst C, Parry CD, Rehm J. Socio-economic differences in HIV/AIDS mortality in South Africa. Trop Med Int Health. 2016;21(7):846-55. doi: 10.1111/tmi.12712
    » https://doi.org/10.1111/tmi.12712
  • 22
    Kabudula CW, Houle B, Collinson MA, Kahn K, Gómez-Olivé FX, Tollman S, et al. Socioeconomic differences in mortality in the antiretroviral therapy era in Agincourt, rural South Africa, 2001-13: a population surveillance analysis. Lancet Glob Health. 2017;5(9):924-35. doi: 10.1016/S2214-109X(17)30297-8
    » https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30297-8
  • 23
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira [Internet]. Brasília (DF): IBGE; 2017[cited 2018 Mar 20]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
  • 24
    Zeglin RJ, Stein JP. Social determinants of health predict state incidence of HIV and AIDS: a short report. AIDS Care. 2015;27(2):255-9. doi: 10.1080/09540121.2014.954983
    » https://doi.org/10.1080/09540121.2014.954983
  • 25
    Teye-Kau M, Tenkorang EY, Adjei PB. Revisiting the housing-health relationship for HIV-positive persons: qualitative evidence from the Lower Manya Krobo District, Ghana. Qual Health Res. 2018;28(8):1217-28. doi: 10.1177/1049732318764646
    » https://doi.org/10.1177/1049732318764646
  • 26
    Tenkorang EY, Owusu AY, Laar AK. Housing and health outcomes of persons living with HIV/AIDS (PLWHAs) in the lower Manya Krobo District, Ghana. J Health Care Poor Underserved. 2017;28(1):191-215. doi: 10.1353/hpu.2017.0017
    » https://doi.org/10.1353/hpu.2017.0017
  • 27
    Parkhurst JO. Understanding the correlations between wealth, poverty and human immunodeficiency virus infection in African countries. Bull World Health Organ. 2010;88(7):519-26. doi: 10.2471/BLT.09.070185
    » https://doi.org/10.2471/BLT.09.070185
  • 28
    Organização das Nações Unidas (ONU). Human Development Report 2015: Work for Human Development [Internet]. New York: ONU; 2015 [cited 2018 Mar 20]. Available from: http://hdr.undp.org/sites/default/files/2015_human_development_report_0.pdf
    » http://hdr.undp.org/sites/default/files/2015_human_development_report_0.pdf
  • 29
    Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atlas do Desenvolvi-mento Humano 2013 [Internet]. Brasília (DF): PNUD; 2013 [cited 2018 mar 20]. Availa-ble from: http://atlasbrasil.org.br/2013/

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    5 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2020
  • Aceito
    23 Jun 2020
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br