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Fatores condicionantes à defesa da autonomia do idoso em terminalidade da vida pelo enfermeiro

RESUMO

Objetivo:

compreender os significados atribuídos pelos enfermeiros acerca das condições que interferem na defesa da autonomia do idoso em terminalidade da vida no contexto da internação hospitalar.

Método:

estudo qualitativo e exploratório, que aplicou a Teoria Fundamentada nos Dados. Os dados foram coletados entre novembro de 2016 e maio de 2017, nas enfermarias de clínica médica de um hospital no Rio de Janeiro, Brasil, por observação não participante e entrevista semiestruturada. Investigaram-se três grupos amostrais compostos por dez enfermeiros, oito médicos e 15 técnicos de enfermagem.

Resultados:

as condições relacionam-se com o poder médico; subordinação do enfermeiro; influências da família; declínio funcional do idoso; e modelo biomédico.

Considerações finais:

a autonomia do idoso é velada e violada, uma vez que suas capacidades são subjugadas, podendo prevalecer a vontade da família e o paternalismo profissional. Entretanto, esse direito deve guiar os modelos assistenciais contemporâneos e estar integrado aos cuidados paliativos.

Descritores:
Enfermagem; Autonomia Pessoal; Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida; Direitos dos Idosos; Hospitalização

ABSTRACT

Objective:

to understand the meanings attributed by nurses about conditions that interfere in defending of the elderly’s autonomy on the terminality of life in the context of hospitalization.

Method:

qualitative and exploratory study, which applied the Grounded Theory. Data were collected between November 2016 and May 2017, in the internal medicine wards of a hospital in Rio de Janeiro, Brazil, through non-participant observation and semi-structured interviews. Three sample groups composed of ten nurses, eight doctors, and 15 nursing technicians were investigated.

Results:

the conditions are related to the medical power, subordination of nurses, family influences; the functional decline of the elderly; and biomedical model.

Final considerations:

the elderly’s autonomy is veiled and violated since their abilities are subjugated, and the family’s will and professional paternalism may prevail. However, this right must guide contemporary care models and integrate palliative care.

Descriptors:
Nursing; Personal Autonomy; Palliative Care at the End of Life; Elderly Rights; Hospitalization

RESUMEN

Objetivo:

comprender los significados atribuidos por los enfermeros sobre las condiciones que interfieren en la defensa de la autonomía del mayor al final de la vida.

Método:

estudio cualitativo, exploratorio, que aplicó la Teoría Fundamentada en los Datos. Los datos han sido recogidos entre noviembre de 2016 y mayo de 2017, en las enfermarías de un hospital en Rio de Janeiro, Brasil, por observación no participante y entrevista. Ha sido investigado tres equipos: diez enfermeros, ocho médicos y 15 técnicos de enfermaría.

Resultados:

las condiciones han sido relacionadas con el poder médico; subordinación del enfermero; influencias de la familia; declive funcional del mayor; y modelo biomédico.

Consideraciones finales:

la autonomía del mayor ha sido velada y violada, una vez que sus capacidades han sido subyugadas, puede prevalecer la voluntad de la familia y el paternalismo profesional. Mientras, eso derecho debe guiar los modelos asistenciales contemporáneos, integrado a los cuidados paliativos.

Descriptores:
Enfermería; Autonomía Personal; Cuidados Paliativos al Final de la Vida; Derechos de los Ancianos; Hospitalización

INTRODUÇÃO

A possibilidade de se viver mais durante a velhice é uma realidade mundial. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), “uma criança nascida no Brasil em 2015 pode esperar viver 20 anos mais que uma criança nascida há 50 anos”(11 Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Suíça; 2015.). Com essa estatística, o país apresenta uma projeção populacional de cerca de 32 milhões de idosos para 2020(22 Veras R. Caring Senior: a Brazilian health model with emphasis at light care levels. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 17];21(3):360-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809-9823-rbgg-21-03-00360.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809...
).

No entanto, os anos acrescidos aos indivíduos não ocorrem com isonomia, em virtude das desigualdades sociais e econômicas entre os países. Porém, é inegável que o aumento da expectativa de vida e a esperança de usufruir de uma velhice mais digna representam um ganho social jamais visto em outro momento da história da humanidade(11 Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Suíça; 2015.

2 Veras R. Caring Senior: a Brazilian health model with emphasis at light care levels. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 17];21(3):360-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809-9823-rbgg-21-03-00360.pdf
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-33 McNally M, Lahey W. Frailty’s place in ethics and law: some thoughts on equality and autonomy and on limits and possibilities for aging citizens. Interdiscip Top Gerontol Geriatr. 2015;41:174-85. doi: 10.1159/000381235
https://doi.org/10.1159/000381235...
).

Essa longevidade, em muitos casos acompanhada da cronicidade de algumas doenças, decorre de um conjunto de fatores, tais como o avanço das políticas públicas de saúde e da biotecnologia, que possibilitaram diagnósticos precoces, tratamentos e medidas para controle de doenças anteriormente fatais, e vêm contribuindo para um novo olhar da medicina e dos próprios idosos sob a perspectiva do processo de morte e morrer. Assim, embora a associação imediata entre a velhice e a morte em momentos pretéritos venha aos poucos perdendo espaço, é preciso refletir sobre situações que podem comprometer a autonomia dos idosos.

A autonomia, enquanto direito da pessoa e princípio bioético, pode ser compreendida como um mecanismo que expressa a liberdade do idoso de agir conforme sua consciência, fazer valer seus valores sociais, culturais e religiosos e assim tomar suas decisões, incluindo aquelas concernentes ao próprio tratamento de saúde. Dessa forma, é importante salientar que o avanço de uma doença, ainda que sem possibilidades terapêuticas para a cura, não invalida a capacidade de decisão dos idosos(33 McNally M, Lahey W. Frailty’s place in ethics and law: some thoughts on equality and autonomy and on limits and possibilities for aging citizens. Interdiscip Top Gerontol Geriatr. 2015;41:174-85. doi: 10.1159/000381235
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).

Entretanto, não raro quando os idosos se encontram hospitalizados em situações de dependência, observa-se em diversos serviços de saúde a desconsideração de sua capacidade cognitiva e, por conseguinte, a impossibilidade de autodeterminação do indivíduo ao próprio tratamento. Nessas situações, tal atitude pode comprometer, inclusive, outros princípios bioéticos, como a beneficência, a não maleficência e a justiça, uma vez que a idade não é um indicador de perda da autonomia(33 McNally M, Lahey W. Frailty’s place in ethics and law: some thoughts on equality and autonomy and on limits and possibilities for aging citizens. Interdiscip Top Gerontol Geriatr. 2015;41:174-85. doi: 10.1159/000381235
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).

Diversos fatores contribuem para que muitos idosos se encontrem em situações de vulnerabilidade: por exemplo, o próprio envelhecimento, que embora seja um processo natural, precisa ser analisado sob duas concepções importantes, a senescência e a senilidade. A primeira, entendida como o conjunto de alterações não patológicas decorrentes da longevidade; e a segunda, como condições fisiopatológicas que comprometem a qualidade de vida. Ainda que as políticas públicas preconizem o envelhecimento saudável, a realidade é que a maioria dos idosos é acometida por doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), que demandam hospitalizações frequentes e prolongadas. Tais fatores podem afetar a capacidade do idoso de participar das decisões relativas à própria vida e ao processo de morrer(22 Veras R. Caring Senior: a Brazilian health model with emphasis at light care levels. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 17];21(3):360-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809-9823-rbgg-21-03-00360.pdf
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3 McNally M, Lahey W. Frailty’s place in ethics and law: some thoughts on equality and autonomy and on limits and possibilities for aging citizens. Interdiscip Top Gerontol Geriatr. 2015;41:174-85. doi: 10.1159/000381235
https://doi.org/10.1159/000381235...
-44 Niemeyer-Guimarães M, Schramm FR. The exercise of autonomy by older cancer patients in palliative care: the biotechnoscientific and biopolitical paradigms and the bioethics of protection. Palliat Care. 2017;9:1-6. doi: 10.1177/1178224216684831
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).

O comprometimento da autonomia dos idosos durante a hospitalização leva à submissão, mesmo contra suas vontades, a determinados procedimentos que não necessariamente lhes trarão qualidade de vida. Logo, quando o idoso se encontra doente e não dispõe de mecanismos próprios para fazer valer sua vontade, ele necessita do auxílio de alguém que defenda seus direitos, tais como os de autonomia para tomada de decisões, integridade física e psíquica, direito de imagem e privacidade nas instituições de saúde(44 Niemeyer-Guimarães M, Schramm FR. The exercise of autonomy by older cancer patients in palliative care: the biotechnoscientific and biopolitical paradigms and the bioethics of protection. Palliat Care. 2017;9:1-6. doi: 10.1177/1178224216684831
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).

Destaca-se o dever do enfermeiro - com base em seu arcabouço teórico-filosófico e técnico, observando os preceitos éticos e legais da profissão, presentes no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem - de respeitar o direito do exercício da autonomia do idoso.

OBJETIVO

Compreender os significados atribuídos pelos enfermeiros acerca das condições que interferem na defesa da autonomia do idoso em terminalidade da vida no contexto da internação hospitalar.

MÉTODO

Aspectos éticos

Foram respeitados os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos, atendendo à Resolução n.o 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Desse modo, o projeto de pesquisa foi aprovado pelas instituições proponente e coparticipante, respectivamente, Escola de Enfermagem Anna Nery e Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Todos os participantes receberam informações sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi assegurado o anonimato, sendo os recortes das entrevistas identificados por códigos alfanuméricos.

Referencial metodológico

Aplicou-se o referencial metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), termo traduzido do inglês Grounded Theory (GT), com base nos preceitos da Escola Straussiana. Com a TFD, busca-se desvelar a compreensão dos múltiplos fenômenos do cenário de atuação dos enfermeiros a partir de elementos como significados, opiniões, valores e percepções e, assim, atender as requisições do objeto de estudo(55 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015.).

Tipo de estudo

Estudo qualitativo e exploratório.

Cenário do estudo

O estudo foi realizado em um hospital universitário, no Rio de Janeiro, Brasil.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados nas enfermarias de clínica médica, no período entre novembro de 2016 e maio de 2017. Seguindo orientações do método, foram desenvolvidos três grupos amostrais. O primeiro grupo amostral foi composto por dez enfermeiros, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: atuar no mínimo há seis meses nas enfermarias de clínica médica; e possuir vínculo empregatício com a instituição. Foram excluídos os enfermeiros que atuavam em cargos exclusivamente administrativos e aqueles que estavam de férias ou de licença de qualquer natureza durante o período de coleta de dados.

Embora o estudo aborde a temática e suas implicações para o enfermeiro, a TFD tem como característica a flexibilidade para compreensão do fenômeno, direcionando-se para novos grupos amostrais conforme evidência das hipóteses que surgem no decorrer da coleta e análise dos dados(55 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015.). Desse modo, os dados indicaram a necessidade da abordagem de outras práticas, ou seja, executadas por médicos e técnicos de enfermagem, os quais também detinham conhecimento sobre o fenômeno investigado, em virtude da forte relação entre seus processos de trabalho.

Assim, o segundo grupo amostral foi composto por oito médicos, sendo um responsável clínico e sete residentes médicos. A hipótese encaminhada para a formação desse grupo foi: o médico é responsável pelo prognóstico do idoso e direcionamento das ações com base nos cuidados paliativos na terminalidade da vida, o que requer comunicação assertiva para evitar conflitos éticos, barreiras no exercício profissional dos demais profissionais da equipe e falsas esperanças por parte do idoso e seus familiares.

E o terceiro grupo foi composto por 15 técnicos de enfermagem. A hipótese encaminhada para a formação desse grupo foi: o técnico de enfermagem, por ser o profissional de maior contingência e que mais estabelece contato com o paciente e seus familiares no ambiente hospitalar, pode identificar situações que comprometem a autonomia do idoso em cuidados paliativos na terminalidade da vida.

Ambos atenderam aos mesmos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para os enfermeiros.

As técnicas de coleta de dados utilizadas foram observação não participante e entrevista semiestruturada a partir da seguinte pergunta geradora: O que você compreende por autonomia do idoso em terminalidade da vida? As entrevistas foram realizadas individualmente, em lugar privado, no horário de escolha dos participantes, e gravadas após devida autorização. O tempo médio de cada uma foi de 30 minutos.

Previamente às entrevistas, foi realizada a caracterização do perfil profissional dos participantes, considerando as seguintes variáveis: idade, categoria profissional, tempo de trabalho no setor, tempo de experiência em cuidados paliativos e qualificação profissional.

Análise dos dados

Os dados foram analisados seguindo as etapas de codificação, a saber: codificação aberta, codificação axial e integração. Tais etapas ressaltam o processo analítico das informações na TFD, que ocorre a partir da divisão, conceituação e correlação dos dados. Na codificação aberta, os dados brutos das entrevistas transcritas são analisados linha a linha, em processo de microanálise, gerando códigos preliminares(55 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015.). Na codificação axial, os códigos preliminares são agrupados por semelhança formando códigos conceituais. Tais códigos podem formar subcategorias, as quais em seguida se agruparão em categorias, que representam conceitos. Na etapa de integração, o modelo paradigmático é aplicado para revelação da categoria central ou fenômeno central do estudo(55 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015.).

O modelo paradigmático é composto pelos seguintes elementos: fatores condicionantes, estratégias ações-interações e consequências. Os fatores condicionantes visam responder as perguntas sobre o porquê, quando e como as coisas acontecem, além de evidenciar os motivos e explicações fornecidas pelos participantes para justificar suas ações (ação/interação) diante do ocorrido. As estratégias ações-interações compreendem as respostas das pessoas diante de determinados problemas, desafios ou objetivos. Tais respostas resultam dos significados atribuídos por elas após percepções sobre determinadas situações. As consequências podem ser entendidas como os resultados ou expectativas de determinadas ações(55 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. California: SAGE; 2015.).

Destaca-se que o processo de codificação gerou três categorias. Porém, considerando a abrangência e a importância das condições que podem interferir na defesa da autonomia dos idosos no contexto da internação hospitalar, foi detalhado neste recorte apenas uma categoria, referente ao componente paradigmático “fatores condicionantes”, que reúne as razões apresentadas pelos participantes do estudo para que determinado fenômeno aconteça, bem como explicações sobre o motivo pelo qual respondem de determinada maneira a uma ação.

RESULTADOS

Sobre o perfil profissional dos participantes, dentre os dez enfermeiros, a média de idade foi de 39 anos. O tempo médio de atuação no setor foi de quatro anos e o de experiência em cuidados paliativos foi de sete anos. Dentre os oito médicos, a média de idade foi de 31 anos, o tempo médio de atuação no setor e em cuidados paliativos foi de quatro anos. Dos 15 técnicos de enfermagem, a média de idade foi de 45 anos. O tempo médio de atuação no setor e em cuidados paliativos foi de sete anos. Desses profissionais, apenas quatro enfermeiros, três médicos e dois técnicos de enfermagem realizaram cursos de atualização sobre cuidados paliativos.

A respeito do processo de codificação e análise sistemática dos dados, desenvolveu-se a categoria intitulada “Representando as influências do processo de trabalho, da tomada de decisão e da família sob a autonomia do idoso”. Essa categoria representa o elemento “fatores condicionantes” do modelo paradigmático, que contribuiu para a definição do seguinte fenômeno central: Articulando elementos da profissão de enfermeiro e do perfil desenvolvido em seu exercício na assistência hospitalar para defender a autonomia do idoso na terminalidade da vida.

Essa categoria é formada por quatro subcategorias, sendo que uma apresenta três componentes, conforme pode ser observado na Figura 1.

Figura 1
Representando as influências do processo de trabalho, da tomada de decisão e da família sob a autonomia do idoso

Subcategoria 1 - (Não) Participando do processo de tomada de decisão

Esta subcategoria aborda a participação dos enfermeiros no processo de tomada de decisão, na transição dos cuidados curativos para os paliativos. Em geral, destacou-se que eles participam pouco ou não participam desse processo, sendo apenas comunicados pelos médicos a respeito da decisão. Além disso, nota-se que a decisão médica interfere no planejamento da assistência dos enfermeiros e demais profissionais da saúde, especialmente quando há retardo no reconhecimento do paciente em cuidados paliativos (Figura 2).

Figura 2
Nota de campo a partir da observação não participante

No meu serviço, a tomada de decisão é basicamente médica, feita pelos staffs e demais residentes que estão próximos do paciente. Depois de tomada a decisão, na passagem de plantão é reafirmado para a enfermagem e para o serviço social que, para aquele paciente, são só medidas de conforto. (M6)

Uma vez em cuidados paliativos, vejo que o enfermeiro toma algumas decisões fazendo o possível para amenizar o sofrimento, principalmente no controle de sintomas. Mas também vejo muitas vezes uma distância muito grande daquilo que realmente o paciente precisa. (T6)

É preciso ter tempo de analisar os exames, de identificar se a quimioterapia é paliativa ou curativa. Às vezes a gente não tem tempo nem de identificar isso, quanto mais participar de um round para discutir situações sobre o paciente. Precisaríamos de maior número de pessoal. (E9)

Eu acho que têm enfermeiros que, às vezes, ficam inibidos em ter um diálogo com o médico e expor a necessidade do paciente para ajudá-lo. Vejo uma falta de diálogo entre o enfermeiro e o médico. Eu acho que o diálogo é muito importante, pois vai beneficiar o paciente. (E1)

Subcategoria 2 - Elencando as barreiras vivenciadas pelo profissional na rotina institucional

Esta subcategoria aborda barreiras profissionais e rotinas institucionais enquanto elementos que influenciam o processo decisório. Em relação às barreiras profissionais, destacou-se que há profissionais que não apresentam predileção para trabalhar com pacientes em cuidados paliativos, mecanizando a assistência e direcionando condutas equivocadas. Dentre as barreiras institucionais, evidenciou-se a ausência de enfermarias de cuidados paliativos, de profissional capacitado e de recursos.

A mecanização é quando você chega na beira do leito e simplesmente administra a medicação; você não leva uma palavra de conforto, de carinho, até no toque o paciente sente o carinho, a maneira da gente pegar, de trocar a fralda, de dar um banho. E o idoso acaba sendo uma pessoa muito teimosa, tem que fazer o que ele quer e nem todos têm paciência. (T4)

Geralmente, a enfermaria não é focada só em um perfil de cuidado - no caso, o paliativo. Então, são várias clínicas juntamente com o paciente em cuidados paliativos, então é muito complicado ter um padrão de cuidados. (T12)

Acho que há barreiras, pois, a gente tem uma visão que temos que curar os pacientes. Então é muito difícil, às vezes, tomar decisões em conjunto que não são curativas. Parece que a gente vai desistir do paciente, que vai só tentar aliviar o sofrimento e deixar de fazer algum procedimento diagnóstico. (M3)

Nós tentamos de todas as formas oferecer uma boa assistência para o paciente, mas tem algumas circunstâncias que causam danos ao paciente. Sobre esses danos, eu acho que uma equipe com déficit não consegue dar uma boa assistência 24 horas para paciente, mesmo sabendo que o paciente exige demais de uma boa assistência, não dá. A falta de material na instituição contribui para que não tenhamos uma assistência adequada, mas todos nós fazemos ou tentamos fazer da melhor forma possível para poder contribuir, através do planejamento, com uma boa assistência. (E4)

Subcategoria 3 - Expondo as influências que a família pode exercer na autonomia do idoso

A subcategoria 3 retrata a influência da família na autonomia do idoso, que pode ocorrer em diferentes situações, seja na atuação do profissional que busca defender a autonomia do idoso, seja intercedendo pela autonomia do idoso, seja atuando em conjunto com os profissionais, colaborando com o cuidado de enfermagem.

A família interfere muito, às vezes, até na condução do fechamento da tomada de decisão. A família pode até querer que o paciente não seja invadido, mas na hora que ele está partindo diz “pelo amor de Deus, faz alguma coisa”, induzindo os médicos a tomarem decisões [...]. Nós recebemos muita orientação do próprio familiar que já recebeu a informação do médico. (T6)

Essa falta de instrução do familiar, de certa forma, interfere na autonomia do paciente, pois ele pode não querer determinada coisa, mas o familiar toma as decisões no lugar do paciente. (E10)

O principal é a família estar orientada e, assim, participativa. Uma família que entenda o que está acontecendo, porque às vezes você pode promover a autonomia do paciente, e aí vêm os filhos que não concordam com nada daquilo. (T8)

Contudo, cabe ressaltar a participação da família ao apoiar e ajudar o idoso quando debilitado e com incapacidades físicas. Somada à condição de família orientada e participativa, tem-se a importância da família respeitosa, sem que se sobreponha à autonomia do idoso quando este é capaz de exercê-la.

O familiar está presente com a proposta de ajudar, quando precisa chamar a enfermagem para alguns cuidados, por exemplo, porque na maioria das vezes o idoso não tem condições de levantar e chamar a enfermagem para um cuidado mais imediato. (E2)

Subcategoria 4 - Percebendo a autonomia do idoso como um direito velado e violado

A subcategoria 4 revela que a autonomia do idoso pode ser não exercida ou não defendida. Tal violação pode acontecer por ações dos familiares, bem como ações ou omissões dos profissionais de saúde. Além disso, por decorrência da vulnerabilidade e do quadro clínico de saúde, os idosos não participam da tomada de decisão.

O idoso deveria ter a autonomia dele respeitada independentemente de estar em fase de finitude ou não, mas o que vemos na prática muitas vezes difere disso. A gente vê que, às vezes, por ele passar um período com o nível de consciência alterado, já não é mais visto como alguém que possa responder pela sua capacidade mental. Muitas vezes a autonomia não é respeitada, tudo é comunicado à família, e o familiar que decide sobre o estado de saúde do idoso. Às vezes ele nem tem consciência da doença e, com isso, acaba não podendo opinar, não tendo o direito de escolha sobre seu tratamento. (E9)

Muitas vezes ele não tem autonomia porque quando chega aqui já está muito debilitado e não tem mais aquela capacidade de se locomover sozinho, tomar um banho, se alimentar e, às vezes, pela questão de estar internado em fase terminal ou até mesmo em cuidados paliativos, ele já perde um pouco, pois fica mais debilitado pelo estado da doença que o deixa depressivo [...]. A gente, às vezes, fala pela pessoa e com isso já interfere um pouco na autonomia e acaba sendo invasivo. Deveríamos perguntar se ela realmente quer dessa forma. Ele até tem o direito de falar, mas por vezes a gente querendo agir, querendo ajudar, a gente acaba tirando um pouco da autonomia dele. (T15)

DISCUSSÃO

Para delinear a discussão sobre a autonomia do idoso em terminalidade da vida, os dados mostram a necessidade de focalizar os aspectos dos modelos assistenciais, da organização do trabalho e das relações de poder que permeiam o ambiente hospitalar, uma vez que podem interferir no processo de tomada de decisão, nas atitudes e práticas dos enfermeiros e na participação da família.

Muitas instituições de saúde mantêm a administração dos serviços sob influência do modelo assistencial biomédico instituído no final do século XVIII, que apresenta como principais características: ser curativista e hospitalocêntrico; concentrar nos médicos a administração e a tomada de decisão sobre as terapêuticas; e visar o controle das doenças e a medicalização da vida(22 Veras R. Caring Senior: a Brazilian health model with emphasis at light care levels. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 17];21(3):360-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809-9823-rbgg-21-03-00360.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809...
,44 Niemeyer-Guimarães M, Schramm FR. The exercise of autonomy by older cancer patients in palliative care: the biotechnoscientific and biopolitical paradigms and the bioethics of protection. Palliat Care. 2017;9:1-6. doi: 10.1177/1178224216684831
https://doi.org/10.1177/1178224216684831...
). Desse modo, o modelo biomédico afeta a organização do trabalho em saúde e limita ou anula a autonomia profissional do enfermeiro(66 Paiva FCL, Almeida Jr JJ, Damásio AC. Ética em cuidados paliativos: concepções sobre o fim da vida. Rev Bioét[Internet]. 2014 [cited 2017 Dec 10];22(3):550-60. Available from: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v22n3/v22n3a19.pdf
http://www.scielo.br/pdf/bioet/v22n3/v22...
-77 Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Autonomia profissional da enfermeira: algumas reflexões. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 12];20(4):e20160085. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n4/1414-8145-ean-20-04-20160085.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n4/1414-...
).

Dentre os dilemas desse modelo, destaca-se o aumento da população de idosos, que invariavelmente vem acompanhado da elevada incidência de DCNTs. Diante de um diagnóstico que ameaça a continuidade da vida de um idoso, é preciso rever o contexto e o planejamento assistencial, já que a orientação da prática exclusivamente pelo paradigma da cura, em detrimento do paradigma do cuidado, acarreta exacerbação do sofrimento, angústia, distanásia, além de ameaçar colapsar o sistema de saúde brasileiro(22 Veras R. Caring Senior: a Brazilian health model with emphasis at light care levels. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 17];21(3):360-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809-9823-rbgg-21-03-00360.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809...
).

Esse entendimento leva à reflexão sobre a Nota de Campo 1, com destaque para a procrastinada avaliação clínica da idosa e para o risco de não continuidade do cuidado no que se refere à escolha da via subcutânea para administração de medicamentos e controle da dor, por poder ter sido uma ação isolada, fora da rotina, no plantão noturno, pautada apenas na experiência de uma profissional e não no modelo assistencial. Não obstante, notou-se a atuação da enfermeira na defesa da autonomia da idosa, sendo condições, por exemplo, a postura proativa, detenção de conhecimento, competências e habilidades, com ênfase na comunicação, experiência profissional e adequada avaliação das necessidades da paciente.

Essa avaliação, que deve ser cíclica e dinâmica, com contínuas reavaliações ao longo do plantão, próprias do processo de enfermagem, é fundamental para a defesa da autonomia do idoso, bem como para reconhecer a autonomia limitada e agir a favor da redução de danos e preservação da dignidade da pessoa, com sentido claro de intervenção para proteção e em acordo com a bioética de proteção(33 McNally M, Lahey W. Frailty’s place in ethics and law: some thoughts on equality and autonomy and on limits and possibilities for aging citizens. Interdiscip Top Gerontol Geriatr. 2015;41:174-85. doi: 10.1159/000381235
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,77 Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Autonomia profissional da enfermeira: algumas reflexões. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 12];20(4):e20160085. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n4/1414-8145-ean-20-04-20160085.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n4/1414-...
-88 Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciên Saúde Colet[Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 18];22(5):1531-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/1413-8123-csc-22-05-1531.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/1413-...
).

A bioética de proteção, do ponto de vista metodológico, pode ser entendida como uma ferramenta para interagir saberes distintos em respeito aos direitos humanos e à preocupação comum com a qualidade de vida. “Se ocupa, em particular, dos problemas sanitários, focando indivíduos e populações de afetados em sua saúde e bem-estar de maneira significativa”, como no caso dos idosos hospitalizados, que pelo declínio funcional causado pelas doenças, pela idade avançada e pela hospitalização, são “suscetíveis” e “vulneráveis”(88 Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciên Saúde Colet[Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 18];22(5):1531-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/1413-8123-csc-22-05-1531.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/1413-...
).

Desse modo, com base no controle do modelo biomédico sob as organizações de saúde, especialmente o hospital, e sob o processo de trabalho, alerta-se para o esmorecido e insuficiente empoderamento do idoso para o autogoverno nesse contexto(88 Schramm FR. A bioética de proteção: uma ferramenta para a avaliação das práticas sanitárias? Ciên Saúde Colet[Internet]. 2017 [cited 2018 Oct 18];22(5):1531-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/1413-8123-csc-22-05-1531.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/1413-...
-99 Tomaschewski-Barlem JG, Lunardi VL, Barlem ELD. Advocacia do paciente na enfermagem: barreiras, facilitadores e possíveis implicações. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2017 [cited 2018 Apr 20];26(3):e0100014. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n3/0104-0707-tce-26-03-e0100014.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n3/0104-...
). Essa realidade deve orientar a prática do enfermeiro na defesa dos direitos do paciente como sendo um compromisso moral e ético, qualificando a assistência em benefício do paciente e da profissão. Fortalecer o protagonismo do paciente fortalece o papel social do enfermeiro.

Contudo, dentre os demais fatores que interferem nessa prática, destacam-se: sobrecarga de trabalho; déficit de recursos humanos; falta de conhecimento, com destaque para os cuidados paliativos; pouca autonomia profissional; dificuldade de comunicação e de relações interpessoais; sentimento de impotência; e falta de apoio institucional(77 Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Autonomia profissional da enfermeira: algumas reflexões. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 12];20(4):e20160085. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n4/1414-8145-ean-20-04-20160085.pdf
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,99 Tomaschewski-Barlem JG, Lunardi VL, Barlem ELD. Advocacia do paciente na enfermagem: barreiras, facilitadores e possíveis implicações. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2017 [cited 2018 Apr 20];26(3):e0100014. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n3/0104-0707-tce-26-03-e0100014.pdf
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).

Os enfermeiros participantes do estudo, por terem estabilidade do vínculo empregatício como integrantes do funcionalismo público, não apontaram como fator negativo o medo de perder o emprego. Mas, as variadas carências dos serviços e a precarização do trabalho imprimem outros desafios que interferem nesta prática e ocasionam sofrimento moral, submissões e conflitos, que podem envolver questões políticas.

Destaca-se que a sobrecarga profissional gera distanciamento entre a equipe, pacientes e familiares, ruídos na comunicação, acarretando falsas esperanças e desconfiança por parte da família, uma vez que esta pode perceber a futilidade terapêutica de forma diferente e forçar a equipe a desviar os princípios dos cuidados paliativos, incluindo a autonomia do idoso(1010 Morata L. An evolutionary concept analysis of futility in health care. J Adv Nurs. 2018;74(6):1289-1300. doi: 10.1111/jan.13526
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-1111 Partanen E, Lemetti T, Haavisto E. Participation of relatives in the care of cancer patients in hospital-A scoping review. Eur J Cancer Care (Engl). 2018;27(2):e12821. doi: 10.1111/ecc.12821
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). Esse viés de entendimento pode expor o idoso, mesmo que partindo de decisões com intencionalidades benevolentes, pois não favorece o atendimento de seus desejos e vontades.

Assim, destaca-se a importância de assumir a família como unidade de cuidado, devendo esta ser assistida pela equipe de saúde, incluindo o enfermeiro, no atendimento de suas necessidades. Nesse sentido, é preciso estender à família o direito de ser constantemente informada, reduzindo as possibilidades de violação da autonomia do idoso. Esse encaminhamento esbarra em todos os fatores condicionantes citados, com ênfase na falta de conhecimento sobre cuidados paliativos.

Poucas evidências científicas abrangem formas inovadoras de tratar do envelhecimento da população e de suas demandas, uma vez que seja acometida por uma DCNT e necessite de cuidados paliativos(1212 Pesut B, Hooper B, Jacobsen M, Nielsen B, Falk M, O’Connor BP. Nurse-led navigation to provide early palliative care in rural areas: a pilot study. BMC Palliat Care. 2017;16:37. doi 10.1186/s12904-017-0211-2
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). Além disso, o século XXI carece de novas formas de organização dos serviços de saúde inclusivas e pautadas na interdisciplinaridade. A acelerada transição demográfica nos países em desenvolvimento vem acompanhada de crescente complexidade do processo assistencial, diante da capacidade que a ciência e a tecnologia buscam demonstrar em controlar a vida, o que, em muitas situações de terminalidade, não se alinha com o direito das pessoas à vida digna.

Nesse panorama, os enfermeiros podem desempenhar papel imprescindível no gerenciamento do cuidado ao idoso em momentos que envolvem dilemas em torno da mortalidade e do processo de morrer. No modelo biomédico predominante, especialmente no contexto do hospital, o enfermeiro deve buscar aproveitar as oportunidades para fortalecer seu exercício de poder para tomar decisões, utilizando o diferencial de presença diuturna e da sensibilidade para perceber as necessidades extrínsecas e intrínsecas dos idosos, sobretudo na transição para os cuidados paliativos exclusivos. Essa presença diuturna contribui também para participar a família e mantê-la informada, trazendo-a como colaboradora ao cuidado de enfermagem e defensora da autonomia do idoso, contribuindo para que faça valer a sua vontade no caso da transferência de tutela(1313 Broom A, Kirby E, Good P, Lwin Z. Nursing futility, managing medicine: Nurses’ perspectives on the transition from life-prolonging to palliative care. Health. 2016;20(6):653-70.doi: 10.1177/1363459315595845
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).

A importância da participação do enfermeiro no trabalho em equipe e o consequente delineamento de condutas foram evidenciados nos depoimentos e na observação, com objetivos pautados, em sua maioria, na manutenção do conforto dos idosos. Assim, a partir de informações que emergem da prática clínica, por meio da aplicação do processo de enfermagem, do raciocínio clínico e do cuidado ético, o enfermeiro pode orientar melhores escolhas e elencar adequadas ações no plano de cuidados, bem como sentir-se empoderado no âmago do exercício da sua profissão.

Modelos assistenciais contemporâneos focam seus objetivos na prevenção e promoção da saúde, concentrando assim, maiores esforços na atenção de baixa e média complexidade, com uso de tecnologia leve e de baixo custo, uma vez que a maioria das doenças transmissíveis e não transmissíveis pode ser evitada. E, uma vez portador de uma doença crônica, as ações guiadas por modelos como estes visam promover qualidade de vida, reduzir danos e manter a capacidade funcional do idoso. Com base no antagonismo ao modelo biomédico, afirma-se que esse paradigma de cuidado amplia a autonomia profissional do enfermeiro(22 Veras R. Caring Senior: a Brazilian health model with emphasis at light care levels. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 17];21(3):360-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809-9823-rbgg-21-03-00360.pdf
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,77 Melo CMM, Florentino TC, Mascarenhas NB, Macedo KS, Silva MC, Mascarenhas SN. Autonomia profissional da enfermeira: algumas reflexões. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 12];20(4):e20160085. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n4/1414-8145-ean-20-04-20160085.pdf
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).

Essa afirmação decorre das evidências na prática, pois embora o modelo biomédico seja predominante, é exatamente fora do hospital que se observa maior autonomia profissional do enfermeiro, como na Atenção Primária à Saúde, especialmente, na Estratégia Saúde da Família, na assistência ao parto e no campo da saúde mental. Contudo, particularmente em decorrência da deficiência de oferta de cuidados paliativos na rede de atenção à saúde, destaca-se o caráter hospitalocêntrico do modelo biomédico com internações prolongadas, elevada ocupação de leitos de terapia intensiva e morte no hospital.

A falha de gerenciamento do cuidado ao idoso portador de DCNT na Atenção Primária à Saúde, na perspectiva dos cuidados paliativos, interfere, pois, na defesa da sua autonomia - por exemplo, na escolha dos meios e do local para a sua morte. Desse modo, conforme exposto pelos participantes do estudo, uma vez hospitalizado, o declínio funcional do idoso pode impedi-lo de entender seus direitos. E se as questões relativas ao processo de morrer não tiverem sido tratadas anteriormente, será difícil, mesmo para a família, defender sua autonomia, pois ela própria, na situação de crise, pode ser convencida pelo médico sobre o poder da medicina e aceitar a realização de terapias fúteis para não serem fracassados diante da morte. É nesse contexto que o enfermeiro, em sua maioria, busca resguardar o conforto e a dignidade do idoso.

No curso da doença crônica do idoso, salientam-se três tipos de fim de vida: declínio rápido, declínio gradual com episódios de descompensação e declínio lento e progressivo. Enfatiza-se que os cuidados paliativos não se limitam à terminalidade da vida, e isso aumenta a possibilidade de estabelecer relação de confiança entre a equipe, paciente e família, evitar internações desnecessárias, atender às demandas de cuidado do idoso de forma integral, o que requer um suporte de um serviço de atenção domiciliar(1414 Poulalhon C, Rotelli-Bihet L, Moine S, Fagot-Campagna A, Aubry R, Tuppin P. Use of hospital palliative care according to the place of death and disease one year before death in 2013: a French national observational study. BMC Palliat Care. 2018;17:75. doi.org/10.1186/s12904-018-0327-z
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). Esse serviço não precisa contar com especialistas, e sim priorizar o clínico geral ou médico de família, bem como o enfermeiro no gerenciamento desse cuidado(22 Veras R. Caring Senior: a Brazilian health model with emphasis at light care levels. Rev Bras Geriatr Gerontol. [Internet]. 2018 [cited 2018 Oct 17];21(3):360-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v21n3/1809-9823-rbgg-21-03-00360.pdf
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).

A capacitação profissional é um desafio para a realização dos cuidados paliativos e para a defesa da autonomia do idoso em terminalidade da vida. Seja qual for o tipo de fim de vida e suas manifestações, o idoso, ou mesmo sua família, comumente depositam no médico todo o poder de decisão, em completa confiança na personificação do saber. E se esse profissional for orientado pelo modelo biomédico, poderá incorrer em prescrever medidas para manutenção da vida a qualquer custo e, assim, condicionar o plano assistencial de todos os demais membros da equipe de saúde com base nesse paradigma(1515 Moir C, Roberts R, Martz K, Perry J, Tivis LJ. Communicating with patients and their families about palliative and end of fife: comfort and educational needs of Staff RNs. Int J Palliat Nurs. 2015;21(3):109-12. doi: 10.12968/ijpn.2015.21.3.109
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-1616 Saunders C. Velai comigo - inspiração para uma vida em cuidados paliativos. Salvador: editor FSS; 2018.).

Embora a essência da prática da enfermagem seja o cuidado - isto é, emancipação para promover conforto e qualidade de vida -, ter como eixo modelos assistenciais contemporâneos, atuar em cenários que possam ampliar a autonomia profissional, bem como conhecer o prognóstico do paciente e as propostas das terapêuticas são condições que contribuem para as ações em defesa do paciente e aplicação dos cuidados paliativos(1717 Carvalho V. Sobre a identidade profissional na Enfermagem: reconsiderações pontuais em visão filosófica. Rev Bras Enferm[Internet]. 2013 [cited 2018 Oct 20];66(esp):24-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea03.pdf
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).

Limitações do estudo

De acordo com o objeto de estudo, reconhece-se como limitação a escolha do cenário, por se tratar de uma instituição pública de atenção à saúde e, assim, não conferir ao enfermeiro risco de perder o emprego e de interferir na postura profissional para evitar conflitos ou ser mal interpretado. Outro aspecto limitante refere-se ao fato de ser um hospital universitário, meio em que a autonomia profissional pode ser mais respeitada, considerando a presença da academia nos cenários de prática.

Como pesquisa que aplicou a TFD, não se pode deixar de apontar como limitação o aspecto referente à composição dos grupos amostrais, dado que não participaram do estudo familiares, outros profissionais de saúde ou mesmo os idosos. Com isso, tem-se a necessidade de novas produções científicas sobre a temática incluindo outros participantes.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde e política pública

As contribuições são: orientar as políticas de saúde no fim da vida; enfatizar a necessidade de mudança de orientação dos modelos assistenciais, mediante aumento do número de idosos com DCNTs e, dessa maneira, ampliar a assistência fora do hospital. Ainda, reconhecer os fatores condicionantes para a defesa da autonomia do idoso contribui para que o enfermeiro contextualize a prática e empenhe esforços para a manutenção da identidade profissional e da qualidade da assistência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo diante de uma crescente produção de conhecimento e eficientes instrumentos para o planejamento do cuidado ao paciente, as ações dos enfermeiros para promover os direitos do paciente são limitadas, especialmente na área dos cuidados paliativos.

A subjugação da capacidade técnica e científica dos enfermeiros atrelada às questões trabalhistas, políticas, sociais e econômicas os leva a exercerem pouca autonomia nos ambientes hospitalares e a sofrerem moralmente. A presença de um modelo hierarquizado, além de centralizar as decisões, dificulta a comunicação entre os profissionais, reduz a qualidade da assistência, afeta a satisfação no trabalho e gera conflitos entre os profissionais.

A atuação do enfermeiro em benefício da autonomia do paciente compreende um componente ético essencial para a prática dos enfermeiros. É preciso entender o significado dessa prática, seu alcance e implicações, considerando os benefícios capazes de serem gerados ao paciente e à profissão.

A comunicação franca e a participação da equipe interdisciplinar são importantes para personificação do indivíduo enquanto sujeito de direitos e participante ativo da construção de seu processo de saúde/doença bem como das decisões sobre seu tratamento. Esse entendimento coaduna tanto com os pressupostos legais do arcabouço legislativo brasileiro e da profissão enfermagem quanto com os princípios da bioética de proteção e dos cuidados paliativos.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2018
  • Aceito
    25 Fev 2020
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