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DESCRIÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES DE CORPORTAMENTO APRESENTADAS POR PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DE ESQUISOFRENIA

INTRODUÇÃO

Observa-se, quando no ensino de Enfermagem Psiquiátrica, que uma das maiores dificuldades do pessoal do hospital e dos estudantes de enfermagem é fazer relatos, descritivos e completos, das maneiras pelas quais os pacientes se comportam.

Os relatos apresentados nos diferentes turnos de serviço sugerem, para uma mesma manifestação de comportamento, idéias diversas. Essa diversidade torna difícil não só a elucidação do diagnóstico e a indicação do tratamento do paciente, como também a elaboração do plano de assistência de enfermagem. uma vez que cada membro da equipe terapêutica pode interpretar de modo diverso o que está registrado sobre o comportamento do doente.

O problema fica mais evidente ainda nos casos de esquizofrenia, pois as manifestações dessa perturbação mental são muito complicadas para descrever, em decorrência das peculiaridades de suas manifestações.

As falhas nos relatos de observações devem ser causadas por deficiências no ensino de Enfermagem Psiquiátrica, tanto nas escolas como nos hospitais. Além disso, é de supor-se que também a escasez de literatura específica, em língua portuguesa, tenha sua parcela de responsabilidade no caso. Na literatura norte-americana é onde se encontra o maior número de estudos de enfermagem a respeito do comportamento de doentes mentais; mas não há, nesses trabalhos, a preocupação de descrição minuciosa e completa de um determinado tipo de comportamento.

O "Levantamento de recursos e necessidades de enfermagem no Brasil", realizado em 1957, mostrou que, naquela época, 33,3% das escolas de enfermagem não ofereciam. a seus alunos, estágio em clínica psiquiátrica. O curso de enfermagem sofreu modificações; contudo, não se conta com dados precisos de como e quanto o ensino de Enfermagem Psiquiátrica evoluiu, desde então.

Numa tentativa de colaboração para sanar, em parte, essas imperfeições, elaborou-se a presente pesquisa, que partiu da pergunta: A introdução de um roteiro, que contivese elementos descritivos das manifestações de comportamento apresentadas por pacientes esquizofrênicos, tornaria o relato descritivo e completo?

Foram nossos objetivos: analisar as observações do comportamento de pacientes esquizofrênicos, feitas por alunos e docentes de Enfermagem Psiquiátrica; elaborar um roteiro para observação de comportamento de pacientes com o referido diagnóstico e avaliar a validade desse roteiro.

REVISÃO DE LITERATURA

Apenas dois trabalhos nacionais sobre descrição de comportamento temos a destacar:

ARANTES (1968) apresenta um roteiro para observação de comportamento de pacientes internados em hospital psiquiátrico, que fornece elementos para uma observação completa; não é, porém, específico para pacientes com sintomas de esquizofrenia.

ARANTES (1972), em sua tese de doutoramento apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. citou, como um dos objetivos propostos, este: verificar se uma "checklist", em que houvesse elementos descritivos de comportamento, aumentaria quantitativamente os aspectos de comportamento relatados pelos atendentes de hospitais psiquiátricos. Concluiu que, nas anotações feitas por esses atendentes, houve enriquecimento considerável na observação, quando feita com o uso da "check-list".

Da literatura americana podem ser citados:

MERENESS & KARNOSH (1964), MANFREDA (1968)MANFREDA, M. L. - Psychiatric nursing . 8 ed. Philadelphia, Davis, p. 311-27, 1968., MATHENEY & TOPALIS (1971), BURGESS & LAZARE (1973)BURGESS, A. C. & LAZARE, A - Psychiatric nursing in the hospital and the community . Englewood Clifs, Prentice-Hall, 1973. descrevem algumas manifestações de sintomas de esquizofrenia.

TRAVELBEE (1969)TRAVELBEE, ,T. - Intervention in psychiatric nursing: process in the onetione relationship . Philadelphia, Davis, p. 29-31, 1969. salienta a importância de a enfermeira relatar o que vê e o que ouve, sem interpretações de sua parte. Quando o comportamento é de difícil compreensão, como no caso de pacientes esquizofrênicos, isso se torna ainda mais importante.

HOELING et al. (1970)HOFLING, C. K. et al. - Enfermería psiquiátrica. 2 ed. México, Interamericana, p. 1. 262-96, 1970. afirmam que a enfermeira identifica as necessidades do paciente, baseando-se nas observações que faz a respeito do comportamento dele.

TUDOR (1970)TUDOR, Gwen E. - A sociopsychiatric nursing approach to intervention in a problem of mutual withdrawal on a mental hospital ward. Perpectives in Psychiatric Care , 8 (1): 11-35, 1970. faz o relato de uma observação profunda e contínua, realizada durante seis meses, do comportamento de dois pacientes esquizofrênicos crônicos. Baseada nessa observação, fez uma análise da assistência de enfermagem. A publicação dessa análise provocou reação, para mudança de conduta profissional, no grupo de enfermeiras psiquiátricas norte-americanas.

METODOLOGIA

População

O estudo foi realizado com docentes de Enfermagem Psiquiátrica e alunos do curso de Graduação em Enfermagem, que observaram pacientes, com diagnóstico de esquizofrenia, internados no hospital psiquiátrico, que oferece campo de prática à Escola, e com idade superior a 13 anos.

Técnica

1. Levantamento de descrições de comportamento de pacientes esquizofrênicos, feitas por docentes de Enfermagem Psiquiátrica.

2. Levantamento de descrições de comportamento de pacientes esquizofrênicos. realizados por alunos do terceiro ano do Curso de Graduação em Enfermagem.

3. Elaboração de um roteiro com elementos descritivos do comportamento apresentado pelos pacientes observados por docentes e alunos (Anexo II ANEXO II Roteiro para observação de paciente. ).

A - Utilização do roteiro (Anexo I ANEXO I ), como base para descrições de comportamento, por parte dos alunos de Enfermagem, ao relatarem as observações de comportamento de pacientes esquizofrênicos. Nesta parte do estudo, foi aconselhada a seguinte conduta para o período de observação:

a. Abster-se de procurar qualquer informação sobre o paciente, não colhida das próprias observações: não ler os prontuários dos pacientes e as fichas do "Kardex"; não conversar sobre os doentes com os funcionários da clínica; não ler nada sobre o diagnóstico do paciente ou sua psicopatologia, nos dias de observação (primeira semana do curso e do estágio).

b. Fazer observação sistematizada não participante, no primeiro dia, e observação sistematizada participante, nos três dias posteriores.

c. Anotar todas as observações realizadas, com pormenores, para facilitar o relato escrito e evitar omissão de elementos importantes.

d. Fazer relatos, descritivos e sem qualquer interpretação, das modalidades de comportamento observados, seguindo uma relação de elementos gerais considerados importantes na descrição de comportamento (Anexo 1 ANEXO I ).

Nessa fase de observação, evitou-se, durante as aulas, fazer qualquer comentário a respeito de psicopatologia; além disso, as orientações e aulas dadas versaram apenas sobre conhecimentos básicos da Enfermagem Psiquiátrica em geral.

5. Relato escrito das observações efetuadas: foi realizado em sala de aula, após o quarto dia de observação, e desta forma:

1.º relato - descrição das modalidades de comportamento observadas nos pacientes esquizofrênicos, com o uso da relação de elementos para observar (Anexo 1 ANEXO I ), dada inicialmente, e as anotações feitas durante os quatro dias de observação.

2.º relato - nova descrição das modalidades de comportamento observadas nos pacientes esquizofrênicos, realizada no dia seguinte e sem novo contato com os doentes. Neste segundo relato, foi apresentado aos estudantes um "roteiro" (Anexo II ANEXO II Roteiro para observação de paciente. ) e pediu-se lhes que o lessem e nele assinalassem os ítens que descreviam as modalidades de comportamento apresentadas pelos seus pacientes. Após a leitura e a assinalação do roteiro, foi elaborada a nova descrição, utilizandose também o material que servirá ao relato anterior.

RESULTADOS E COMENTARIOS

A pesquisa foi realizada durante o ano letivo de 1974, com 50 alunos que observaram, sistematicamente e pela primeira vez, pacientes esquizofrênicos. Não foram consideradas as observações dos repetentes, que pela segunda ou terceira vez cursavam a disciplina; da mesma forma, os estudantes que observaram pacientes com outro tipo de diagnóstico não participaram.

O roteiro especial para observação de pacientes esquizofrênicos (Anexo II ANEXO II Roteiro para observação de paciente. ) foi elaborado, após seleção de elementos descritivos de comportamento contidos nas observações feitas pelas quatro docentes da disciplina Enfermagem Psiquiátrica, de 1970 a 1973, e por 35 alunos do terceiro ano do Curso de Graduação em Enfermagem, que estudaram a disciplina em 1973. As observações de comportamento, efetuados por esses docentes e estudantes, foram feitas com a utilização do "Roteiro para observação do paciente" (1), que contém os elementos gerais a serem observados no comportamento dos doentes, quando internados, para que o relato das observações seja completo.

O roteiro contém 206 ítens para assinalar. O resultado da contagem do número de vezes em que cada item foi assinalado está contido no Anexo II ANEXO II Roteiro para observação de paciente. (dados acrescentados, depois de findo o estudo). Os resultados, agrupados segundo os títulos do roteiro, estão expressos no Quadro l.

Quadro 1
Número e média de itens assinalados e deixados em branco, no roteiro. por 50 estudantes do curso d.e Graduação em Enfermagem (1974).

Como ficou evidente, os ítens, contidos nos títulos, receberam em média 9,31 assinalações, numa amp:itude de médias de 1,75 a 14,88.

No título "visitantes", em que se procura descrever as reações do paciente no encontro com seus familiares, obteve-se a menor média 0,75), o que pode ser justificado pelas condições em que se realizou o estudo. Os estudantes:

a. foram aconselhados a escolher. de preferência, pacientes recém-admitidos e estes ficaram. em geral, sem receber visitas nos primeiros 15 dias após a interrelação, conforme a rotina do hospital onde o estudo foi feito;

b. foram proibidos de ler as anotações sobre o paciente e, mesmo. de conversar com o pessoal do hospital sobre as suas observações;

c. fizeram as observações de comportamento na primeira semana de estágio, sem qualquer conhecimento formal de psicopatologia e em um só horário - o da manhã - sendo que os pacientes recebem visitas aos sábados e domingos, à tarde.

O tópico "noite", com a segunda menor média de assinalação (4,83), poderia também receber as mesmas cosiderações precedentes, quanto ao horário de estágio.

Quanto a "ocupação" - que procura estimular a descrição de atividades produtivas dos pacientes - e "atividade geral", têm suas médias de assinalação (14,88 e 12,67) justificadas pelas próprias características dos doentes observados.

Dos 206 ítens do roteiro. 21 não foram assinalados uma só vez. Estes merecem uma análise posterior, pois, ou não estão suficientemente claros, ou os estudantes não tiveram oportunidade de analisar os comportamentos descritos, durante o período de observação. Devem, entretanto, ser mantidos após reformulação, porque, como pode ver-se na relação abaixo, correspondem a manifestações de psicopatologia, de formas clínicas da esquizofrenia, encontradas nas observações anteriores que serviram de base para o roteiro específico.

Relação de ítens não assinalados:

  1. APARÊNCIA

    • Higiene pessoal:

    • - precisa ser lembrado, para urinar e evacuar.

    • Expressão facial:

    • - quando anda, olha sempre para trás.

    • - às vezes, fica olhando muito tempo para determinada parte de seu corpo, parecendo estranhar o próprio corpo.

  2. ATIVIDADE GERAL

    • - anda com as mãos fechadas, batendo-as nas paredes.

  3. COMPORTAMENTO GERAL

    • Comportamento social:

    • - não vai a culto religioso.

    • - não vai aos "shows" e às sessões de cinema.

  4. COMUNICAÇÃO VERBAL

    • Idéias que expressa:

    • - diz que querem matá-lo.

    • - diz que ele não existe.

  5. HUMOR

    • - Chora, ao ouvir falar de coisas alegres.

  6. VISITANTES

    • - recusa-se a recebê-los.

    • - grita com os visitantes.

    • - só recebe os visitantes, se é levado até eles.

  7. REFEITÓRIO

    • - recusa toda alimentação.

    • - diz estar vendo bichos na comida.

    • - diz não comer, porque é santo.

  8. TRATAMENTO

    • - não aceita tratamento.

    • - não toma medicação, dizendo que é veneno.

    • - não aceita medicação, com medo de ficar "impregnado".

  9. NOITE

    • - queixa-se de que tem sono agitado.

    • - diz haver sonhado sempre com a mesma coisa.

    • - diz que não quer dormir porque sonha com "coisa ruim".

No final da relação de ítens correspondentes a cada título geral, há o tópico "outras observações", que aparece 17 vezes no roteiro. Ele foi assinalado 287 vezes, com média de assinalação igual a 16,88. maior, portanto, do que a média geral de assinalações. Ora, com a enumeração dos ítens contidos no Anexo II ANEXO II Roteiro para observação de paciente. , não se pretendeu fazer uma descrição completa de todos os tipos de comportamento, mas, sim, oferecer estímulos, para que a observação feita pelo rstudante fosse a mais completa possível, dar, a ele, elementos, para tornar descritivo seu relato de observação e, ao mesmo tempo, ajudá-lo a localizar as características do comportamento observado, quando não soubesse colocá-las dentro do todo. Nessas condições, o ítem "outras observações" deve ser mantido, mesmo que se tente deixar o roteiro o mais completo possível. Com ele, serão evitadas observações de comportamento estereotipadas e haverá oportunidade de respeito à forma peculiar com que o paciente exibe os seus sintomas.

CONCLUSÃO

Com os dados do estudo, podemos concluir que o roteiro especial é eficaz para a observação de doentes esquizofrênicos. Os 50 alunos que participaram da pesquisa assinalaram, em média, 38,36 dos seus ítens (206), o que equivale a dizer que usaram, em média, 18,6 % do roteiro como estímulo para descrição das manifestações de comportamento por eles observadas.

RECOMENDAÇÃO

As autoras recomendam que sempre seja usado um roteiro, na observação de paciente esquizofrênico, para que o relato da mesma fique completo.

Recomendam, também, que se tente fazer uma análise qualitativa de observações realizadas com e sem um roteiro especial, para torná-lo menos extenso.

  • STEFANELLI, M.C. & ARANTES, E. C. - Descrição das manifestações de comportamento apresentadas por pacientes c/ diagnóstico de Esquisofrenia. Rev. Bras. Enf .; RJ, 28 : 9-21. 1975.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM - Levantamento dos recursos e necessidades de enfermogem . Rio de Janeiro, ABEn, 1959 (mimeografado).
  • BURGESS, A. C. & LAZARE, A - Psychiatric nursing in the hospital and the community . Englewood Clifs, Prentice-Hall, 1973.
  • HOFLING, C. K. et al. - Enfermería psiquiátrica. 2 ed. México, Interamericana, p. 1. 262-96, 1970.
  • MANFREDA, M. L. - Psychiatric nursing . 8 ed. Philadelphia, Davis, p. 311-27, 1968.
  • MATHENEY, R. V. & TOPALIS, M. - Enfermería psiquiátrica . 5 ed. México, Interamericana, p. 131-44, 1962.
  • MERENESS, D. & KARNOSH, L. J. - Elementos de enfermería psiquiátrica . México, Prensa Médica, p. 172-85, 1964.
  • TRAVELBEE, ,T. - Intervention in psychiatric nursing: process in the onetione relationship . Philadelphia, Davis, p. 29-31, 1969.
  • TUDOR, Gwen E. - A sociopsychiatric nursing approach to intervention in a problem of mutual withdrawal on a mental hospital ward. Perpectives in Psychiatric Care , 8 (1): 11-35, 1970.

ANEXO I

ANEXO II Roteiro para observação de paciente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 1975
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