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Efeitos da recessão econômica na mortalidade por suicídio no Brasil: análise com séries temporais interrompidas

RESUMO

Objetivos:

analisar as tendências nas taxas de suicídio no Brasil, no período antes e depois do início da recessão econômica.

Métodos:

estudo de séries temporais interrompidas utilizando dados nacionais de suicídio registrados no período entre 2012 e 2017 com análises por subgrupos socioeconômicos. Modelo de regressão quasi-Poisson foi empregado para analisar as tendências dos dados ajustados sazonalmente.

Resultados:

observou-se aumento abrupto no risco de suicídio após recessão econômica na população com menor escolaridade (12,5%; RR = 1,125; IC95%:1,027; 1,232) e na Região Sul (17,7%; 1,044; 1,328). Após redução abrupta, ocorreu aumento progressivo no risco para a população de pretos e pardos e na de maior escolaridade. Na maioria dos demais estratos populacionais, verificou-se aumento progressivo no risco de suicídio.

Conclusões:

a recessão econômica brasileira produziu efeitos diferentes nas taxas de suicídio, considerando os estratos sociais, o que demanda estratégias de saúde e políticas sensíveis às populações mais vulneráveis.

Descritores:
Suicídio; Recessão Econômica; Séries Temporais Interrompidas; Saúde Pública; Determinantes Sociais de Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to analyze trends in suicide rates in Brazil in the period before and after the start of the economic recession.

Methods:

interrupted time series research using national suicide data recorded in the period between 2012 and 2017 with socioeconomic subgroups analyses. Quasi-Poisson regression model was employed to analyze trends in seasonally adjusted data.

Results:

there was an abrupt increase in the risk of suicide after economic recession in the population with less education (12.5%; RR = 1.125; 95%CI: 1.027; 1.232) and in the South Region (17.7%; 1.044; 1.328). After an abrupt reduction, there was a progressive increase in risk for the black and brown population and for those with higher education. In most other population strata, there was a progressive increase in the risk of suicide.

Conclusions:

the Brazilian economic recession caused different effects on suicide rates, considering social strata, which requires health strategies and policies that are sensitive to the most vulnerable populations.

Descriptors:
Suicide; Economic Recession; Interrupted Time Series Analysis; Public Health; Social Determinants of Health

RESUMEN

Objetivos:

analizar tendencias de tasas de suicidio en Brasil, antes y después del inicio de la recesión económica.

Métodos:

estudio de series de tiempo interrumpido utilizando datos nacionales de suicidio registrados entre 2012 y 2017 con análisis por subgrupos socioeconómicos. Modelo de regresión quasi-Poisson empleado para analizar tendencias de datos ajustados estacionalmente.

Resultados:

observado aumento abrupto en el riesgo de suicidio pos recesión económica en la población con menor escolaridad (12,5%; RR = 1,125; IC95%:1,027; 1,232) y en la Región Sur (17,7%; 1,044; 1,328). Pos reducción abrupta, ocurrió aumento progresivo en el riesgo para la población de negros y pardos y de mayor escolaridad. En la mayoría de los demás estratos poblacionales, verificado aumento progresivo en el riesgo de suicidio.

Conclusiones:

la recesión económica brasileña produzco efectos diferentes en las tasas de suicidio, considerando los estratos sociales, lo que demanda estrategias de salud y políticas sensibles a poblaciones más vulnerables.

Descriptores:
Suicidio; Recesión Económica; Análisis de Series de Tiempo Interrumpido; Salud Pública; Determinantes Sociales de la Salud

INTRODUÇÃO

As recessões econômicas são responsáveis por transformações sociais e influenciam os indicadores de saúde das populações de diversas maneiras. Na última década, diversos países vivenciaram períodos de recessão econômica e desenvolveram estudos para analisar seu impacto na saúde, considerando a morbimortalidade das populações(11 Margerison-Zilko C, Goldman-Mellor S, Falconi A, Downing J. Health impacts of the great recession: a critical review. Curr Epidemiol Rep. 2016;3: 81-91. https://doi.org/10.1007/s40471-016-0068-6
https://doi.org/10.1007/s40471-016-0068-...
-22 Strumpf EC, Charters TJ, Harper S, Nandi A. Did the Great Recession affect mortality rates in the metropolitan United States? effects on mortality by age, gender and cause of death. Soc Sci Med. 2017;189:11-6. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.07.016
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). Alguns desses estudos associaram a mortalidade por suicídio a crises econômicas, principalmente entre as populações masculinas(33 Coope C, Gunnell D, Hollingworth W, Hawton K, Kapur N, Fearn V, Wells C, Metcalf C. Suicide and the 2008 economic recession: who is most at risk? trends in suicide rates in England and Wales 2001-2011. Soc Sci Med. 2014;117:76-85. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2014.07.024
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) e em países com níveis de desemprego relativamente baixos antes dos períodos de recessão(44 Swinscow D. Some suicide statistics. BMJ. 1951;1:1417-23. https://doi.org/10.1136/bmj.1.4720.1417
https://doi.org/10.1136/bmj.1.4720.1417...
-55 Chang SS, Gunnell D, Sterne JAC, Lu T-H, Cheng ATA. Was the economic crisis 1997-1998 responsible for rising suicide rates in in East/Southeast Asia? A time-trend analysis for Japan, Hong Kong, South Korea, Taiwan, Singapore and Thailand. Soc Sci Med. 2009;68:1322-31. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.01.010
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009...
).

Além do desemprego, outros aspectos podem estar relacionados aos efeitos das recessões econômicas e ao aumento das taxas de suicídio. Alguns fatores incluem insegurança no emprego, reduções salariais e seus efeitos na vida familiar associados ao isolamento social(66 Men T, Brennan P, Boffetta P, Zaridze D. Russian mortality trends for 1991-2001: analysis by cause and region. BMJ. 2003;327:964. https://doi.org/10.1136/bmj.327.7421.964
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). Poucos estudos exploraram os efeitos das recessões econômicas sobre o suicídio em países em desenvolvimento após períodos de crescimento econômico, especialmente nos países latino-americanos. Outro aspecto pouco explorado na literatura é como as crises econômicas afetam diferentes grupos populacionais em sociedades com alto grau de desigualdade.

Entre 2002 e 2015, o Brasil desenvolveu políticas voltadas para a redução da pobreza e da desigualdade social(77 Campello T, Gentili P, Rodrigues M, Hoewell GR. Faces of inequality in Brazil: a look at those left behind. Saúde Debate. 2018;42:54-66. https://doi.org/10.1590/0103-11042018s305
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). A partir de 2007, a economia do país apresentava trajetória ascendente, com pequena interrupção em 2009, quando foi impactada negativamente pela crise econômica internacional. Esse processo de aumento de renda e redução das desigualdades perdurou até meados da década de 2010. Em 2014, a economia mostrou dois trimestres consecutivos de desaceleração; no entanto, essa redução foi revertida na segunda metade do ano e não impactou os níveis de emprego e renda(88 Loureiro JL. A grande recessão brasileira: diagnóstico e uma agenda de política econômica. Estud Av. 2017;31:75-88. https://doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890009
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). Em 2015 e 2016, o Brasil teve desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) em todos os trimestres, representando um longo período de recessão econômica, com quedas na renda média do trabalhador e no nível de emprego(88 Loureiro JL. A grande recessão brasileira: diagnóstico e uma agenda de política econômica. Estud Av. 2017;31:75-88. https://doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890009
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).

Estudo realizado com dados nacionais sugeriu que, entre 2012 e 2017, a taxa média de mortalidade em adultos aumentou 8%, associada a um aumento da taxa de desemprego e ao aumento de todas as causas de mortalidade, principalmente aquelas relacionadas ao câncer e doenças cardiovasculares, reforçando que a recessão econômica contribuiu para o aumento da mortalidade(99 Hone T, Mirelman AJ, Rasella D, Paes-Sousa R, Barreto ML, Rocha R, et al. Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities. Lancet Glob Health. 2019;11:1575-83. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30409-7
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). Outro estudo revelou que houve aumento nas taxas de suicídio a partir de 2014, sobretudo em algumas regiões do país(1010 Machado DB, Pescarini JM, Araújo LFSC, Barreto ML. Austerity policies in Brazil may affect violence related outcomes. Cien Saude Colet. 2019;24:4385-94. https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.07422019
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), mas não descreveu diferenças em diferentes estratos sociais. Considerando o período que inclui o início da recessão econômica no Brasil, nosso objetivo foi analisar a tendência das taxas de suicídio por meio de uma série temporal interrompida. A hipótese foi de que, além de uma mudança na tendência da taxa de mortalidade por suicídio após a recessão econômica, existem diferentes efeitos nas populações de acordo com suas características socioeconômicas.

OBJETIVOS

Analisar a tendência nas taxas de suicídio no Brasil, considerando os efeitos da recessão econômica em diferentes subgrupos.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto para o estudo foi submetido ao comitê de ética local e obteve parecer favorável.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo de séries temporais interrompidas (STI), observando o comportamento das taxas de suicídio no Brasil antes (2012 a 2014) e depois do início da recessão econômica (2015 a 2017), com base em metodologia de investigação semelhante, realizada na Espanha em 2013(1111 Bernal JL, Gasparrini A, Artundo CM, McKee M. The effect of the late 2000s financial crisis on suicides in Spain: an interrupted time-series analysis. Eur J Public Health. 2013;23:732-36. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckt083
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). Foram seguidas as orientações e recomendações da ferramenta STROBE(1212 von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) Statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2007.11.008.
https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2007....
) na redação do manuscrito.

População, critérios de inclusão e exclusão

Para o estudo, foram considerados os óbitos por suicídio na população acima de 25 anos, levando em conta também as variáveis sexo, raça/cor e escolaridade. Essa faixa etária foi definida considerando-se a idade esperada para a conclusão do curso superior, para não enviesar a análise dos subgrupos por níveis de escolaridade.

Protocolo de estudo

Na análise de uma STI, busca-se observar o efeito longitudinal de uma intervenção em um dado desfecho, considerando uma tendência já esperada dos dados (tendência contrafactual), que é interrompida por uma intervenção em um período conhecido. Neste estudo, se deseja observar se a recessão econômica alterou a tendência contrafactual da mortalidade por suicídios, de modo que a taxa mensal aumenta ou diminui considerando o período anterior à recessão econômica (caso esse evento não tivesse ocorrido). Para fins deste estudo, os anos de 2012 a 2014 foram considerados como o período anterior à recessão econômica. Nesse intervalo, o PIB anual foi positivo, houve aumento do rendimento médio dos trabalhadores e do gasto médio das famílias, bem como baixas taxas de desemprego(1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [Internet]. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Continua (PNADC) [Internet]. [cited 2019 Sep 15]. Available at: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas.
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).

O período de janeiro de 2015 a dezembro de 2017 foi considerado o de comparação neste estudo, visando identificar os efeitos iniciais e tardios da recessão econômica, conforme recomendado pela literatura(1414 Saez M, Barceló MA, Saurina C, Cabrera A, Daponte A. Evaluation of the biases in the studies that assess the effects of the great recession on health. a systematic review. Int. J. Environ. Res. Public Health. 2019; 16: 2479. https://doi.org/10.3390/ijerph16142479
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). Os anos de 2015 e 2016 apresentaram contração do PIB em todos os trimestres, aumento do desemprego e queda da renda do trabalhador. Em 2017, apesar do aumento do PIB, a redução da renda do trabalhador, o baixo gasto das famílias e as altas taxas de desemprego permaneceram(1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [Internet]. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Continua (PNADC) [Internet]. [cited 2019 Sep 15]. Available at: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas.
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). Foram analisadas as variações trimestrais do PIB real no Brasil durante o período de estudo, bem como a taxa de desocupação trimestral (percentual de pessoas na força de trabalho que estavam desempregadas) e a taxa trimestral de desalentados (percentual de pessoas que desistiram de procurar emprego porque não tinham expectativas de que iriam encontrar), e o denominador de ambos foi a população economicamente ativa referente ao ano de análise. Os dados foram obtidos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD e do sistema de contas nacionais trimestrais (https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html? = & t = o-que-e).

Este estudo utilizou as taxas mensais de suicídio(1515 Wagner AK, Soumerai SB, Zhang F, Ross-Degnan D. Segmented regression analysis of interrupted time series studies in medication use research. J Clin Pharm Ther. 2002;27:299-309. https://doi.org/10.1046/j.1365-2710.2002.00430.x
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), analisando um total de 72 meses. Os dados sobre suicídio foram extraídos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), considerando registros de óbitos por causas externas, disponíveis no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) (http://datasus.saude.gov. br /). Na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), 10ª revisão, as mortes por suicídio são codificadas como X60-X84 (lesões autoinfligidas). No Brasil, ele é determinado após revisão judicial quando a possível causa da morte é considerada acidental ou violenta.

Análises de séries temporais interrompidas foram realizadas para a população em geral e subgrupos para identificar a presença de variações no impacto da crise econômica em populações com características socioeconômicas distintas. As análises foram realizadas comparando as taxas de suicídio de subgrupos categorizados de acordo com o nível de escolaridade, sexo, raça/cor e diferentes faixas etárias. Além disso, foram observadas também as taxas de suicídio para as regiões do país. A escolaridade foi definida da seguinte forma: 1) nenhuma escolaridade formal ou até o ensino fundamental (completo ou incompleto); 2) ensino médio (completo ou incompleto); e 3) graduação ou superior. O nível de escolaridade foi escolhido como um indicador indireto do nível socioeconômico(1616 Pan American Health Organization (PAHO). Rede Interagencial de Informação para a Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2th ed. Brasília: Pan American Health Organization; 2008.).

Os registros de óbitos usam a classificação da cor da pele brasileira para registrar a cor/raça. Entretanto, para efeito deste estudo, foram considerados apenas pretos, pardos e brancos, pois estes representavam 96,22% dos registros do sistema de informação. Indivíduos pretos e pardos foram agrupados em uma mesma categoria para minimizar erros de classificação nesses dois grupos nos registros de óbitos, seguindo o mesmo padrão utilizado para a estimativa populacional do banco de dados brasileiro(1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [Internet]. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Continua (PNADC) [Internet]. [cited 2019 Sep 15]. Available at: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas.
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). O denominador se referiu à população estimada, considerando cada ano do estudo (2012 a 2017), para cada variável, com base nos dados obtidos da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD)(1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [Internet]. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Continua (PNADC) [Internet]. [cited 2019 Sep 15]. Available at: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas.
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). Para permitir a comparação ao longo do tempo, os valores foram convertidos em taxas por 100 mil habitantes e padronizados pelo método direto.

Análise dos resultados e estatística

A taxa de mortalidade por suicídio foi analisada por meio do ajuste do modelo de regressão segmentada, incluindo como covariáveis o tempo, a variável de interesse igual a 1 (após o início da recessão) e 0 (antes da recessão) e a interação entre essas duas variáveis (tempo e recessão econômica), a fim de avaliar os efeitos de mudança nas tendências dos dados considerando o período antes e depois do início da recessão. Para verificar a autocorrelação dos resíduos e selecionar os modelos mais adequados, foram utilizados os gráficos da função de autocorrelação amostral e parcial (FAC e FAC parcial)(1717 Morettin PA, Toloi CM. Análise de séries temporais. 2th ed. São Paulo: Blucher; 2006. 564p.).

Um modelo de regressão de quasi-Poisson foi empregado. A escolha justifica-se pois o quasi Poisson permite o ajuste dos dados para que a variação seja proporcional em vez de igual à média(1818 Bernal JL, Cummins S, Gasparrini A. Interrupted time series regression for the evaluation of public health interventions: a tutorial. Int J Epidemiol. 2017;46: 348-55. https://doi.org/10.1093/ije/dyw098
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). O modelo de mudança de nível e tendência (Level and slope change)(1919 Bernal JL, Cummins S, Gasparrini A. Corrigendum to: Interrupted time series regression for the evaluation of public health interventions: a tutorial. Int J Epidemiol. 2021;50:1045. https://doi.org/10.1093/ije/dyaa118
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) foi usado para analisar de modo simultâneo a mudança de nível abrupta, após a intervenção, nas taxas de suicídio e também a mudança gradual na tendência das taxas com a interação entre o tempo e a recessão econômica, conforme notação matemática (I):

(I)Yt=β0+β1T+β2Xt+β3(T-T0)Xt

T representa o tempo em meses decorrido desde o início do estudo (janeiro de 2012 a dezembro de 2017), Xt relaciona-se à intervenção, sendo uma variável dummy, em referência ao período antes da recessão econômica (t = 0) ou após o início da recessão econômica (t = 1) — nesse caso, a partir do mês 36 (janeiro de 2015). Yt se refere às taxas de mortalidade por suicídio no mês t. β0 representa o nível de referência em T = 0; β1 trata da mudança nas observações associada a um aumento da unidade de tempo (tendência contrafactual), e β2 concerne à mudança de nível, considerando as taxas de suicídio, após a intervenção (recessão econômica). β3 indica a mudança de inclinação após a intervenção (com T0 como o tempo de início da intervenção)(1818 Bernal JL, Cummins S, Gasparrini A. Interrupted time series regression for the evaluation of public health interventions: a tutorial. Int J Epidemiol. 2017;46: 348-55. https://doi.org/10.1093/ije/dyw098
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-1919 Bernal JL, Cummins S, Gasparrini A. Corrigendum to: Interrupted time series regression for the evaluation of public health interventions: a tutorial. Int J Epidemiol. 2021;50:1045. https://doi.org/10.1093/ije/dyaa118
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). Os ajustes foram feitos para a duração do mês e considerando os efeitos sazonais, com uso dos termos de Fourier (nesse caso, dois pares de seno e cosseno) e uma duração de 12 meses(1717 Morettin PA, Toloi CM. Análise de séries temporais. 2th ed. São Paulo: Blucher; 2006. 564p.).

Para o cálculo do Risco Relativo (RR) tendo em conta o nível de significância de p < 0,05 e dos intervalos de confiança (IC95%), foi utilizado inicialmente o modelo de regressão de quase Poisson visando à obtenção dos coeficientes para os dois modelos; e, em seguida, os cálculos considerando os dois modelos analisados. As análises foram realizadas por meio dos pacotes estatísticos tsModel e Epi do R-3.6.1.

RESULTADOS

Ocorreu uma redução na velocidade de crescimento do PIB trimestral do Brasil em 2014, diminuição, esta, que se intensificou em 2015 (Figura 1), iniciando um período de contração que se estendeu até o terceiro trimestre de 2016. A reversão da tendência de queda aconteceu gradativamente, e o PIB só se mostrou positivo na variação em 2017.

Figura 1
Variação trimestral do Produto Interno Bruto, Brasil, 2012 a 2017

Em linha com esses resultados, verificou-se: aumento da taxa de desocupação (porcentagem de pessoas na força de trabalho desempregados) a partir do primeiro trimestre de 2015, que só começou a cair no segundo trimestre de 2017 (Figura 2); e o aumento na taxa de desalentados a partir do terceiro trimestre de 2015 (Figura 2), revelando os efeitos tardios da recessão econômica.

Figura 2
Taxa trimestral de desocupação, de desalento e de suicídio, Brasil, 2012 a 2017

A Tabela 1 apresenta as taxas de mortalidade para cada 100 mil habitantes, considerando o recorte temporal do estudo, na população geral e nos diferentes subgrupos. Ocorreram 55.040 óbitos por suicídio na população de 25 anos ou mais entre 2012 e 2017. Considerando a completude dos dados do sistema de informação, segundo as variáveis do estudo, informações sobre sexo estavam disponíveis em 55.028 dos registros (99,98%); informações sobre raça/cor, em 53.460 (97,13%); e escolaridade, em 41.681 (75,73%). A taxa de mortalidade por suicídio na população geral demonstrou pequenas variações no período pré-crise e, em seguida, tendência de aumento entre 2015 e 2017 (tabela 1). Esse comportamento foi semelhante nas populações: masculina, branca, de pretos e pardos, acima de 46 anos e com maior escolaridade. A população feminina e aquela com ensino médio mantiveram taxas anuais de mortalidade por suicídio quase estáveis. As populações com até o ensino fundamental, acima de 64 anos e a da Região Sul do país foram as que apresentaram tendência de queda nas taxas de mortalidade anual por suicídio no período anterior à crise (Tabela 1). A população entre 24 e 45 anos foi o único subgrupo em que havia discreto aumento na taxa anual de suicídio (Tabela 1).

Tabela 1
Taxas anuais de suicídio por 100 mil habitantes, Brasil, 2012 a 2017

Os resultados do modelo utilizado no estudo (Tabela 2) mostram que, após o início da recessão econômica, houve aumento progressivo, ao longo do tempo, no risco de suicídio de 0,3% na população geral (RR = 1,003; IC95%: 1,002; 1,006), 1,10% na população da Região Sudeste (RR = 1,011; IC95%:1,000; 1,031), 0,4% na população masculina (RR = 1,004; IC95%: 1,000; 1,008) e 0,4% na população branca (RR = 1,004; IC95%: 1,000; 1,008). Ocorreu também aumento progressivo no subgrupo com nível de escolaridade até o ensino fundamental (RR = 1,004; IC95%: 0,997; 1,011) bem como no subgrupo com faixa etária entre 46 e 64 anos (RR = 1,004; IC95%: 1,000; 1,008) e no subgrupo com graduação incompleta ou completa (RR = 1,007; IC95%: 1,001; 1,013).

Tabela 2
Efeito da recessão econômica nas taxas de mortalidade por suicídio e Riscos Relativos estimados por meio de análise de séries temporais interrompidas e por comparação dos períodos 2012-2014 e 2015-2017

Não foram observadas variações significantes de mudança progressiva de tendência na população do sexo feminino, nas populações das Regiões Norte, Sul, Nordeste e Centro-Oeste, nem nas populações das faixas etárias entre 25 e 45 anos e acima de 64 anos de idade, tampouco na população com ensino médio.

Considerando a elevação abrupta, as populações com até o ensino fundamental e da Região Sul do país apresentaram, respectivamente, aumento de 12,5% (RR = 1,125; IC95%: 1,027; 1,232) e 17,7% (RR = 1,177; IC95%: 1,044; 1,328) no risco de mortalidade por suicídio após o início da recessão econômica. Duas populações (raça/cor preta ou parda e população com maior escolaridade) tiveram inicialmente uma redução abrupta nas taxas de suicídio, que foram sendo revertidas para elevação progressiva ao longo do tempo e aumento no risco relativo (Tabela 2).

A Figura 3 mostra a representação gráfica da análise de mudança abrupta e progressiva para a população com níveis educacionais mais baixos e mais elevados, bem como da população de raça/cor preta ou parda.

Figura 3
Tendência mensal das taxas de suicídio para as populações com até o ensino fundamental, ensino superior e população de raça/cor preta ou parda, considerando modelo de mudança de nível e de tendência (step and slope change), Brasil, 2012-2017

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que, a partir de 2015, houve um aumento nas taxas de suicídio na população em geral e em vários dos subgrupos. Para estes, as variações na mortalidade por suicídio foram distintas, sugerindo que os efeitos da recessão econômica foram diferentes para esses grupos. O aumento na mortalidade por suicídio na população masculina após o início da recessão é consistente com os achados de outros estudos(1111 Bernal JL, Gasparrini A, Artundo CM, McKee M. The effect of the late 2000s financial crisis on suicides in Spain: an interrupted time-series analysis. Eur J Public Health. 2013;23:732-36. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckt083
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,2020 Hadju P, McKee, M, Bojan, F. Changes in premature mortality differentials by marital status in Hungary and in England and Wales. Eur J Publ Health. 1995;5:259-64. https://doi.org/10.1093/eurpub/5.4.259
https://doi.org/10.1093/eurpub/5.4.259...
). A ausência de associação entre a recessão econômica e o aumento na mortalidade por suicídio na população feminina pode ser atribuída a diferenças nos papéis sociais de homens e mulheres. O patriarcado atribui aos homens o papel de sustentar economicamente a família, o que leva a um aumento da pressão social sobre os homens em tempos de crise econômica(2020 Hadju P, McKee, M, Bojan, F. Changes in premature mortality differentials by marital status in Hungary and in England and Wales. Eur J Publ Health. 1995;5:259-64. https://doi.org/10.1093/eurpub/5.4.259
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-2121 Borrell C, Marí-Dell’Olmo M, Gotsens M, Calvo M, Rodríguez-Sanz M, Bartoll X, Esnaola S. Socioeconomic inequalities in suicide mortality before and after the economic recession in Spain. BMC Public Health. 2017;17:1-8. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4777-7
https://doi.org/10.1186/s12889-017-4777-...
). Além disso, em contextos de mudanças importantes na ordem social, como crescimento repentino ou recessões e até mesmo catástrofes inesperadas, os homens estão mais inclinados à autodestruição(2222 Batty GD, Kivimäki M, Bell S, Gale CR, Shipley M, Whitley E, et al. Psychosocial characteristics as potential predictors of suicide in adults: an overview of the evidence with new results from prospective cohort studies. Transl Psychiatry. 2018;8:1-15. https://doi.org/10.1038/s41398-017-0072-8
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-2323 Durkheim E. Suicide: sociology study. 3th ed. rev. São Paulo: WMF Martins Fontes. 2019.).

Considerando a desigualdade de gênero e seus efeitos sobre a morbimortalidade, um levantamento de dados de 20 países da União Europeia, incluindo informações sobre as recentes crises econômicas na Europa(2424 Reeves A, Stuckler D. Suicidality, economic shocks, and egalitarian gender norms. Eur. Sociol Rev. 2016;32:39-53. https://doi.org/10.1093/esr/jcv084
https://doi.org/10.1093/esr/jcv084...
), mostrou que, em países com maior igualdade de gênero, as consequências do suicídio no contexto da recessão econômica diminuiu, especialmente entre a população masculina, mas não às custas da população feminina. Não foram constatados efeitos deletérios dos padrões de igualdade de gênero nas taxas de suicídio feminino, reforçando a necessidade de reduzir a disparidade de gênero como forma de regulação social e proteção contra o suicídio.

Os resultados deste estudo indicam que a população de brancos e a de pretos e pardos tiveram aumento das taxas de suicídio no período analisado, sendo a taxa de mortalidade entre brancos superior à encontrada entre pretos e pardos, achado semelhante ao de outra série histórica de anos anteriores(2525 Machado DB, Santos DN. Suicide in Brazil, from 2000 to 2012. J Bras Psiquiatr. 2015;64:45-54. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000056
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). No caso da população de pretos e pardos, ao se analisar o modelo, percebe-se que ocorreu inicialmente uma redução abrupta nas taxas de suicídio e uma inversão de tendência com aumento progressivo ao longo do tempo. Uma possível justificativa para esse comportamento pode estar relacionada aos efeitos retardados da recessão econômica. Verifica-se que o maior aumento nas taxas anuais de suicídio ocorre a partir de 2016, período caracterizado pela piora das taxas de desocupação e pelo aumento nas taxas trimestrais de desalentados. Estudo realizado na Espanha(1414 Saez M, Barceló MA, Saurina C, Cabrera A, Daponte A. Evaluation of the biases in the studies that assess the effects of the great recession on health. a systematic review. Int. J. Environ. Res. Public Health. 2019; 16: 2479. https://doi.org/10.3390/ijerph16142479
https://doi.org/10.3390/ijerph16142479...
) revelou algo semelhante, em que inicialmente houve quedas nas taxas de suicídio, revertendo essa tendência com aumento delas no segundo período da recessão econômica, possivelmente relacionando o efeito retardado do maior impacto econômico devido às políticas iniciais de proteção social. Além disso, dados do PNAD(1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [Internet]. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Continua (PNADC) [Internet]. [cited 2019 Sep 15]. Available at: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas.
https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadc...
) destacam que a maior população de desalentados no país é composta por pretos e pardos, sendo percebida ampliação no percentual de pretos desalentados após a última recessão econômica. Estudo realizado em Florianópolis identificou o suicídio como a terceira causa de óbitos na população parda no ano de 2016(2626 Matos CCSA, Tourinho FSV. Saúde da População Negra: como nascem, vivem e morrem os indivíduos pretos e pardos em Florianópolis (SC). Rev Bras Med Fam. 2018;13:1-13. https://doi.org/10.5712/rbmfc13(40)1706
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). Nossos resultados são relevantes, pois poucos estudos buscaram analisar dados relacionados ao suicídio na população preta/parda em âmbito nacional(2727 Tavares JSC. Suicídio na população negra brasileira: nota sobre mortes invisibilizadas. Rev Bras Psicol. 2017;4:73-75. Available from: https://periodicos.ufba.br/index.php/revbraspsicol/issue/view/1843/499
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).

O aumento abrupto da taxa de mortalidade e do risco de suicídio, a partir da recessão, foi encontrado na população com menor escolaridade, corroborando outros estudos que demonstraram o maior impacto das recessões em populações de menor nível socioeconômico(2828 Lorant V, Gelder R, Kapadia D, Borrel C, Kaledieneet R, Kovács K, et al. Socioeconomic inequalities in suicide in Europe: the widening gap. Br J Psychiatry. 2018;212:356-61. https://doi.org/10.1192/bjp.2017.32
https://doi.org/10.1192/bjp.2017.32...
-2929 Cairns JM, Graham E, Bambra C. Area-level socioeconomic disadvantage and suicidal behavior in Europe: a systematic review. Soc Sci Med. 2017;192:102-11. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.09.034
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017...
) e uma associação entre dificuldades econômicas e instabilidade relacionada ao comportamento suicida(3030 Catalano R, Goldman-Mellor S, Saxton K, Margerison-Zilko C, Subbaraman M, LeWinn K, et al. The health effects of economic decline. Annu Rev Public Health. 2011;32:431-50. https://doi.org/10.1146/annurev-publhealth-031210-101146
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). É importante notar que, no Brasil, a renda média dos trabalhadores com menor escolaridade é muito inferior à dos trabalhadores com maior escolaridade, o que pode justificar um efeito mais intenso e precoce sobre as taxas de suicídio. Além dessa população, também foi identificado aumento abrupto na população da Região Sul do país, onde, antes da recessão econômica, se observava redução nas taxas de suicídio. Embora apresente menores taxas de desalento em comparação com outras regiões do país, a Região Sul vinha em uma tendência de queda, que é invertida já no primeiro trimestre do ano 2015. As maiores taxas de suicídio no Sul do país podem ser explicadas pela combinação entre determinantes e condicionantes sociais, econômicos, culturais, psicológicos biológicos, sobretudo na população de trabalhadores agrícolas: há, por exemplo, os exigentes padrões de comportamento social advindos da colonização europeia, a baixa escolaridade, o uso de agrotóxicos e pesticidas, as relações patriarcais, além das incidências de transtornos mentais e históricos familiares de suicídio(3131 Palma DCA, Santos ES, Ignotti E. Análise dos padrões espaciais e caracterização dos suicídios no Brasil entre 1990 e 2015. Cad Saúde Pública 2020;36:e00092819. https://doi.org/10.1590/0102-311X00092819
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). Nessa região, também evidencia-se relação entre maiores taxas de suicídio e períodos de dificuldades no campo, processo de assalariamento rural, arrendamento, perda de propriedades agrícolas, empobrecimento e perda de autonomia(3232 Meneghel SN, Moura R. Suicídio, cultura e trabalho em município de colonização alemã no sul do Brasil. Interface. 2018;22:1135-46. https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0269
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.02...
).

Além disso, medidas macroeconômicas aplicadas (ou não) por governos e outras instituições, e a interrupção das políticas de proteção social, podem influenciar a tendência da taxa de mortalidade por diversas causas, incluindo suicídio. Evidência disso é que os países que adotaram medidas de austeridade fiscal como reações políticas e econômicas à recessão econômica tiveram efeitos imediatos no aumento das taxas de suicídio(1010 Machado DB, Pescarini JM, Araújo LFSC, Barreto ML. Austerity policies in Brazil may affect violence related outcomes. Cien Saude Colet. 2019;24:4385-94. https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.07422019
https://doi.org/10.1590/1413-81232018241...
,3333 Toffolutti V, Suhrcke M. Assessing the short-term health impact of the Great Recession in the European Union: a cross-country panel analysis. Prev Med. 2014;64:54-62. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2014.03.028
https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2014.03....
-3434 Ferreira ER, Monteiro JD, Manso JRP. Death by economic crisis: suicide and self-inflicted injury in the European Union (EU15) during the worst of times. Soc Econ. 2019;41:145-64. https://doi.org/10.1556/204.2019.41.1.9
https://doi.org/10.1556/204.2019.41.1.9...
).

A população com maior escolaridade apresentou aumento da mortalidade por suicídio após o início da recessão e continuou reportando as maiores taxas de suicídio por grau de escolaridade ao longo do período. Expectativas mais elevadas de pessoas com maiores níveis educacionais, perdas potencialmente maiores de renda, perda de status social e perda de bem-estar econômico de longo prazo podem justificar esse achado(3535 Avendano M, Moustgaard H, Martikainen P. Are some populations resilient to recessions? Economic fluctuations and mortality during a period of economic decline and recovery in Finland. Eur J Epidemiol. 2017;32:77-85. https://doi.org/10.1007/s10654-016-0152-8
https://doi.org/10.1007/s10654-016-0152-...
).

É importante mencionar que a recessão econômica no Brasil aumentou as desigualdades sociais e consistiu em um momento no qual as políticas de combate às desigualdades foram enfraquecidas(3636 Alves FJO, Machado DB, Barreto ML. Effect of the Brazilian cash transfer programme on suicide rates: a longitudinal analysis of the Brazilian municipalities. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2018;54:599-606. https://doi.org/10.1007/s00127-018-1627-6
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-3737 Rasella D, Basu S, Hone T, Paes-Sousa R, Ocké-Reis CO, Millett C. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: a nationwide microsimulation study. PLoS Med. 2018;15: e1002570. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002570
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). Além disso, pode-se apontar que um período de importante desaceleração econômica ocorreu em 2020, impulsionado pela pandemia de COVID-19. Há projeções de contração de 3% no PIB global, 5,3% na América Latina e 5,2% no Brasil(3838 Economic Commission for Latin America and the Caribbean. Latin America and the Caribbean and the COVID-19 pandemic: Economic and social effects; 2020. Special report COVID-19 No.1/2020.). Para efeito de comparação, na Grande Depressão de 1929, essa contração era de 5%. Nesse contexto, projeta-se que, na América Latina, aumente para 29 milhões o número de pessoas vivendo na pobreza; e 16 milhões, em extrema pobreza(3939 Gilmour S, Degenhardt L, Hall W, Day C. Using intervention time series analyses to assess the effects of imperfectly identifiable natural events: a general method and example. BMC Med Res Methodol. 2006;6:1-9. https://doi.org/10.1186/1471-2288-6-16
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). Por tudo isso, as políticas de proteção social devem dar cobertura às populações vulneráveis contra o risco de suicídio crescente e outros problemas de saúde, também porque a pandemia de COVID 19 provavelmente gerará mudanças no mundo do trabalho que penalizarão os trabalhadores com menor escolaridade, ampliando as desigualdades existentes.

Limitações do estudo

Uma das limitações deste estudo é seu desenho metodológico, pois é difícil estabelecer de forma objetiva o período inicial da crise econômica, mesmo após seguir as recomendações para eventos imperfeitamente identificáveis(3838 Economic Commission for Latin America and the Caribbean. Latin America and the Caribbean and the COVID-19 pandemic: Economic and social effects; 2020. Special report COVID-19 No.1/2020.). Outra limitação é que a crise econômica gera impactos diferentes ao longo do tempo nos grupos com características socioeconômicas diferentes, o que dificulta a utilização de um único período de tempo para o início da crise. Ressalta-se que este é um estudo com dados agregados, portanto a causalidade não pode ser determinada. Por fim, estudos futuros devem analisar diferenças entre subgrupos populacionais, identificando pontos de inflexão das séries temporais específicas para cada um desses grupos.

Contribuições para as Políticas Públicas

Este estudo aponta elementos importantes às ações de vigilância considerando a problemática do suicídio no país. Logo, pode auxiliar os tomadores de decisão no planejamento e implementação de políticas mais eficazes que considerem as diferentes vulnerabilidades, necessidades e oportunidades de intervenções para diferentes grupos sociais.

CONCLUSÕES

O uso de séries temporais interrompidas neste estudo tornou possível avaliar o impacto imediato e longitudinal da recessão econômica, ao contabilizar flutuações mensais aleatórias e a tendência contrafactual, incluindo ajustes para contabilizar a sazonalidade e minimizar alguns dos fatores de confusão. O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial, e o aspecto econômico representa apenas uma dessas dimensões. No entanto, nossos resultados levantam um alerta sobre a necessidade de estratégias e políticas de saúde que incluam a expansão da atenção à saúde mental em tempos de recessão econômica, especialmente entre os grupos mais vulneráveis.

  • FOMENTO
    O estudo faz parte do projeto de doutorado de Daniela Cristina Moreira Marculino de Figueiredo no Departamento de Estatística da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio de bolsa de doutorado.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2021
  • Aceito
    15 Fev 2022
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