Acessibilidade / Reportar erro

Privatização e desigualdades geográficas na distribuição e expansão do ensino superior de enfermagem no Brasil

RESUMO

Objetivos:

analisar a influência da privatização e as desigualdades geográficas na distribuição e expansão do ensino superior de enfermagem no Brasil.

Métodos:

estudo transversal, com dados online de 1.244 cursos e 190.610 vagas para enfermagem, iniciados entre 1890 e 2019. Estimaram-se proporções e verificaram-se diferenças com testes estatísticos (α=5%), taxa de vagas por 10.000 habitantes e razão privada/pública.

Resultados:

ocorreu acelerado, desordenado e heterogêneo crescimento no número de cursos e vagas para enfermagem ao longo de 129 anos, com forte influência privada, favorecendo a concentração desses em grandes centros urbanos, capitais e estados mais ricos.

Conclusões:

a expressiva expansão do ensino superior de enfermagem no Brasil ocorreu com excessiva oferta privada e desigual distribuição entre suas localidades, indicando a necessidade de regulação estatal na abertura de novos cursos e vagas, o que pode minimizar as repercussões negativas na qualidade do ensino, assistência à saúde e desequilíbrios na força de trabalho.

Descritores:
Enfermagem; Escolas de Enfermagem; Instituições de Ensino; Educação Superior; Privatização

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the influence of privatization and geographic inequalities in the distribution and expansion of higher education in nursing in Brazil.

Methods:

a cross-sectional study, with online data of 1,244 courses and 190,610 nursing vacancies, started between 1890 and 2019. Proportions were estimated and differences were verified with statistical tests (α=5%), vacancy rate per 10,000 inhabitants and private ratio/public.

Results:

there was an accelerated, disorderly and heterogeneous growth in the number of courses and vacancies for nursing over 129 years, with strong private influence, favoring their concentration in large urban centers, capitals and richer states.

Conclusions:

the significant expansion of higher education in nursing in Brazil occurred with excessive private supply and unequal distribution between its locations, indicating the need for state regulation in the opening of new courses and vacancies, which can minimize the negative repercussions on the quality of education, health care and workforce imbalances.

Descriptors:
Nursing; Schools of Nursing; Educational Institutions; Education; Higher; Privatization

RESUMEN

Objetivos:

analizar la influencia de la privatización y las desigualdades geográficas en la distribución y expansión de la educación superior en enfermería en Brasil.

Métodos:

estudio transversal, con datos en línea de 1.244 cursos y 190.610 vacantes de enfermería, iniciado entre 1890 y 2019. Se estimaron proporciones y se verificaron diferencias con pruebas estadísticas (α = 5%), tasa de vacantes por 10,000 habitantes y razón privado/público.

Resultados:

hubo un crecimiento acelerado, desordenado y heterogéneo en el número de cursos y vacantes de enfermería a lo largo de 129 años, con fuerte influencia privada, favoreciendo la concentración de estos en grandes centros urbanos, capitales y estados más ricos.

Conclusiones:

la expresiva expansión de la educación superior en enfermería en Brasil ocurrió con una oferta privada excesiva y una distribución desigual entre sus ubicaciones, lo que indica la necesidad de una regulación estatal en la apertura de nuevos cursos y vacantes, que puede minimizar las repercusiones negativas en la calidad de la enseñanza, la asistencia a los desequilibrios en salud y fuerza laboral.

Descriptores:
Enfermería; Escuelas de Enfermería; Instituciones de Enseñanza; Educación Superior; Privatización

INTRODUÇÃO

A oferta e a distribuição do ensino superior no setor saúde é tema de debate global, pois estão associados ao desenvolvimento socioeconômico, à qualidade dos sistemas de saúde e à oferta de recursos humanos ao mercado de trabalho em saúde(11 Diniz RV, Goergen PL. Educação superior no Brasil: panorama da contemporaneidade. Avaliação. 2019;24(3):573-93. https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
https://doi.org/10.1590/s1414-4077201900...
-22 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
).

No Brasil, nas últimas décadas, ocorreu importante expansão da educação superior na área da saúde, novos cursos e vagas foram criados e distribuídos por todas as regiões e estados, aumentando o número de matrículas no país. Esse fenômeno vem sendo impulsionado por uma combinação de fatores. Entre eles, estão as intervenções políticas e programas governamentais relativos à reformulação e ao financiamento público da educação superior, e a uma maior flexibilização e relaxamento da regulação para abertura e aumento do número de cursos e vagas, bem como das normas que definem as modalidades de ensino(22 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
). Com isso, ocorreu progressiva privatização do ensino superior, bem como para os cursos da área da saúde no país(11 Diniz RV, Goergen PL. Educação superior no Brasil: panorama da contemporaneidade. Avaliação. 2019;24(3):573-93. https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
https://doi.org/10.1590/s1414-4077201900...

2 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
-33 Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
).

Para a enfermagem, esse processo ocorreu de forma ainda mais intensa, sendo a iniciativa privada a protagonista dessa expansão(22 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
-33 Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
). Contribuiu para que, em 2019, o ensino superior de enfermagem representasse a maior oferta de cursos e vagas entre todos as graduações da área da saúde no Brasil(44 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2019. Brasília: Inep; 2020.), com imensa maioria em Instituições de Ensino Superior (IES) privadas (87,8%)(22 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
).

No entanto, se, de um lado, esse expressivo aumento no número de escolas e vagas pode ser considerado positivo, levando ao acesso ao ensino superior, do outro lado, tem gerado questionamentos acerca da qualidade desse ensino. Além disso, essa grande representatividade ainda não resolveu o problema da concentração de enfermeiros(as) em certas localidades do país, pois não garante distribuição equitativa do ensino e da força de trabalho de enfermagem por todo o território nacional(22 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
-33 Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
,55 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
-66 Oliveira APC, Ventura CAA, Silva FV, Angotti Neto H, Mendes IAC, Souza KV, et al. State of Nursing in Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2020;28:e3404. https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3404
https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3...
). Essa condição pode decorrer do fato de a expansão de cursos e vagas de graduação em enfermagem no Brasil ter ocorrida de forma rápida, pouco planejada, impulsionada pelo setor privado para exploração de nichos de mercado, com poucas aderências às demandas e diferenças regionais de saúde e educação, o que pode acarretar respostas negativas para toda sociedade e profissão.

A maioria dos estudos que analisam este movimento de expansão dos cursos de graduação de enfermagem no Brasil tendem a enfatizar a participação do setor privado, seu papel, impacto e tendências na formação em enfermagem, mas sem desagregar as suas análises para as regiões do país, bem como para os diferentes tipos e portes demográficos das cidades brasileiras(22 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
,55 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
). Alguns outros até buscaram verificar esse comportamento, mas apenas em momentos pontuais, ou em anos mais recentes, a partir da década de 1990 ou mesmo só considerando um único ano(22 Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3...
-33 Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
,55 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
,77 Vendruscolo C, Maffissoni AL, Pertille F, Ribeiro K, Bender JW, Zocche DAA. Ensino superior e associação brasileira de enfermagem: contribuições para o desenvolvimento e as memórias da profissão no Oeste de Santa Catarina. Hist Enferm Rev Eletrônica [Internet]. 2018 [cited 2021 Jan 1];9(2):122-30. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/v9/n2/a3.pdf
http://here.abennacional.org.br/here/v9/...

8 Silveira CA, Paiva SMA. A evolução do ensino de enfermagem no Brasil: uma revisão histórica. Ciênc Cuid Saúde. 2011;10(1):176-83. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v10i1.6967
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...

9 Erdmann LA, Fernandes JD, Teixeira GA. Panorama da educação em enfermagem no Brasil: graduação e pós-graduação. Enferm Foco. 2011;2(supl):89-93. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...

10 Ximenes NFRG, Lopes Neto D, Cunha ICKO, Ribeiro MA, Freire NP, Kalinowski CE, Oliveira EM, Mont’Alverne I, Albuquerque N. Reflexões sobre a formação em Enfermagem no Brasil a partir da regulamentação do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;25(1):37-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...

11 Martins LK, Rodrigues RM, Souza RK, Conterno SFR, Luz MS. Expansão dos cursos de graduação em enfermagem no Brasil entre 2004 e 2017. Enferm Foco. 2019;10(6):63-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.236
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....

12 Teixeira E, Fernandes JD, Andrade AC, Silva KL, Rocha MEMO, Lima RJO. Panorama dos cursos de Graduação em Enfermagem no Brasil na década das Diretrizes Curriculares Nacionais. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.spe):102-10. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...

13 Matsumura ES, França AS, Alves LMF, Silveira MKS, Sousa Jr AS, Cunha KC. Distribuição espacial dos cursos de graduação em enfermagem. Rev Enferm UFPE. 2018;12(12):3271-8. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a236270p3271-3278-2018
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12...
-1414 Humerez DC, Jankevicius JV. Evolução histórica do ensino superior no Brasil [Internet]. 2018 [cited 2020 Jul 17]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2015/05/Evolucao-Historica-no-ensino-superior-no-brasil.pdf
http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-conten...
).

Com efeito, ainda é incompleta a compreensão sobre a influência da privatização na expansão e distribuição desse ensino ao longo de várias décadas, especialmente desde o primeiro curso de enfermagem, criado em 1890, e quais seriam as principais características geográficas e demográficas associadas a esta desigual expansão e distribuição ao longo do tempo, em um país de dimensões continentais e diversidades de tipos e portes de cidades.

Logo, ressalta-se a importância de pesquisas que aumentem o entendimento dos aspectos que permeiam a expansão e distribuição dos profissionais de enfermagem no Brasil, bem como dos fatores que vêm influenciando o aumento da força de trabalho na área, no intuito de subsidiar o planeamento e ações efetivas que considerem as particularidades desses processos nas diferentes regiões do Brasil.

OBJETIVOS

Analisar a influência da privatização e as desigualdades geográficas na distribuição e expansão do ensino superior de enfermagem no Brasil.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa respeitou as questões éticas conforme as diretrizes descritas na Resolução nº 510/16(1515 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.). Assim, foi dispensada a apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, pois foi elaborada com agregados de dados secundários disponíveis online, os quais não contêm informações sigilosas que permitam a identificação dos sujeitos. Desta forma, respeitaram-se as questões éticas, diretrizes e normas que regulamentam a pesquisa no Brasil.

Desenho, período e local do estudo

Estudo transversal, norteado pela ferramenta STROBE e baseado em dados secundários disponíveis online no sistema eletrônico do Ministério da Educação do Brasil (Cadastro e-MEC)(1616 Ministério da Educação (BR). Sistema e-Mec. Brasília: Ministério da Educação; 2019 [cited 2020 Jul 17]. Available from: http://portal.mec.gov.br/e-mec-sp-257584288
http://portal.mec.gov.br/e-mec-sp-257584...
). A coleta do banco de dados para os cursos de graduação em enfermagem no Brasil foi feita no portal e-MEC, na aba de consulta avançada do sistema e-MEC (http://emec.mec.gov.br/) entre julho de 2019 e março de 2021. Os dados correspondentes ao Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram coletados em outubro de 2019, e os referentes às estimativas para a população de 2019, em março de 2021 no sistema eletrônico do IBGE(1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IBGE [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2019 [cited 2020 Jul 17]. Available from: https://www.ibge.gov.br/institucional/o-ibge.html
https://www.ibge.gov.br/institucional/o-...
).

Fontes, critérios de inclusão e exclusão

O portal e-MEC foi a fonte para coleta dos dados secundários sobre os cursos e vagas de ensino superior de enfermagem. Foram incluídos nesta análise apenas os cursos e vagas na modalidade presencial, nos graus de bacharelado e licenciatura, que tinham suas variáveis atualizadas em julho de 2019. Em seguida, foram excluídos os cursos e vagas que, segundo informações do portal e-MEC, até julho de 2019, não tinham informado no e-MEC o início de funcionamento das atividades.

Assim, para este estudo, consideraram-se 1.244 cursos e respectivas 190.610 vagas referentes à graduação em enfermagem, com início de funcionamento entre 1890, ano de criação da primeira Escola de Profissional de Enfermagem no Brasil(77 Vendruscolo C, Maffissoni AL, Pertille F, Ribeiro K, Bender JW, Zocche DAA. Ensino superior e associação brasileira de enfermagem: contribuições para o desenvolvimento e as memórias da profissão no Oeste de Santa Catarina. Hist Enferm Rev Eletrônica [Internet]. 2018 [cited 2021 Jan 1];9(2):122-30. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/v9/n2/a3.pdf
http://here.abennacional.org.br/here/v9/...
), e julho de 2019, data da obtenção do banco inicial no e-MEC. A Figura 1 descreve as etapas da coleta de dados e a população usada na pesquisa.

Figura 1
Fluxograma da pesquisa: coleta de dados e população

Protocolo do estudo

A partir do banco de dados obtido no portal e-MEC, coletaram-se as seguintes variáveis sobre os cursos de graduação: início do funcionamento do curso (ano); categoria administrativa da instituição de ensino (pública ou privada); tipo de administração (federal, estadual e municipal); número de vagas ofertadas; e localização geográfica do curso. A partir dessa última informação e dos dados demográficos disponíveis no sistema eletrônico do IBGE, incluíram-se como variáveis do estudo a localização do curso e das vagas dentro da UF (Capital, Região Metropolitana (RM) (excluída a capital) e interior do estado), o porte populacional das cidades onde se localiza o curso e vagas ofertadas (pequeno porte: <50.000 habitantes e densidade demográfica (DD) <80 habitantes/km2, médio porte: 50.000 a 100.000 habitantes ou DD ≥80 habitantes/km2, e grande porte: >100.000 habitantes), a macrorregião do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) e a densidade do número de vagas ofertadas por 10.000 habitantes nas macrorregiões do país e para as Unidades Federativas (UF). Na sequência, esses dados foram analisados considerando-se a natureza administrativa da instituição.

Análise dos resultados e estatística

Realizaram-se comparações da distribuição de cursos e vagas de enfermagem, segundo as variáveis relacionadas às IES e à localização. Apresentaram-se frequências absolutas e relativas. Estimou-se a taxa de vagas públicas, privadas e total por 10.000 habitantes para as UF e macrorregiões do Brasil. Também, calculou-se a razão privada/pública do número de vagas. Realizaram-se Testes de Qui-Quadrado de Pearson ou Exato de Fisher para verificar diferenças estatisticamente significantes na distribuição das variáveis de interesse, segundo a natureza administrativa da instituição. As diferenças foram consideradas quando p-valor <0,05. Os dados foram organizados no programa Microsoft Excel® e, em seguida, analisados no software Stata®, versão 14.0 (StataCorp LP, College Station, TX, USA).

RESULTADOS

Verificou-se elevado número de cursos e vagas para graduação em enfermagem na modalidade presencial ao longo de 129 anos avaliados. Até julho de 2019, a maioria dos cursos (85,9%) e vagas (93,6%) estavam vinculados à IES privadas, caracterizando, em termos absolutos, a privatização do ensino de enfermagem no país. Somente 1,7% dos cursos privados e 1,5% dos públicos haviam sido extintos até 2019.

O primeiro curso público foi iniciado em 1890, e o privado, em 1939, ambos na Região Sudeste, que até então concentrava todos os cursos no país. Nos anos seguintes, nas cinco regiões, houve aumento do número de cursos públicos e lento crescimento dos privados. Entre 1956 e 1968, ocorreu desaceleração no início de novos cursos, especialmente públicos, com retomada do crescimento nas décadas de 1970 e 1980. Na década de 1980, iniciou-se o processo de privatização. Este se intensificou ao longo dos anos de 1990 e 2000. De 1890 até 1997, a maioria dos cursos ainda estava sob gestão pública (51,7%), mas, de 1997 a 2010, instituiu-se intenso processo de abertura de novos cursos em todas as regiões do país, especialmente privados (Figura 2).

Figura 2
Evolução dos cursos de enfermagem, segundo natureza administrativa e distribuição geográfica, 1980-2019

Até 2006, a Região Sul era a segunda com a maior concentração de cursos. Após esse ano e até 2019, foi o Nordeste que ocupou esta posição. Entre 2006 e 2011, a maioria (45,4%) dos cursos públicos iniciados no período foram implantados na Região Nordeste. Já entre 2011 e 2019, ocorreu declínio nas cinco regiões no crescimento de cursos públicos e na manutenção do processo de privatização, com 377 cursos iniciados; destes, apenas 10 eram públicos (Figura 2).

Verificou-se predominância de cursos e vagas privados em grandes centros urbanos (capitais e RM), com diferenças estatísticas em relação às cidades do interior (p-valor<0,05). Porém, em termos relativos, o ensino público foi maior nas cidades do interior dos estados. Em relação ao tamanho populacional das cidades, verificou-se predomínio de cursos e vagas no público e privado em cidades grandes (>100.000 habitantes), mas com diferenças estatísticas apenas para distribuição de vagas (p-valor=0,001). Cidades de pequeno porte tiveram menor proporção de cursos e vagas. Porém, nelas, a participação do setor público foi relativamente maior do que o privado (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição de cursos e vagas de enfermagem segundo a categoria administrativa da instituição, Brasil, 1890-2019

A Tabela 2 apresenta a evolução temporal da razão do número de vagas privada/pública. No Brasil, essa razão, atualmente, é de 16 vezes e foi maior nas capitais e RM (>23,0) do que em cidades do interior (9,8). Entre os portes populacionais, as cidades grandes apresentaram maior razão de vagas (19,2) contra os demais tipos de cidades (≤8,7). Nas cidades grandes, a razão privada/pública após período de declínio na década de 1970 passou, de 8,8 entre 1980 e 1989, para 173,3, entre 2010 e 2019, enquanto nas cidades de médio porte variou de 10,0 a 32,5 no mesmo período. Nas cidades pequenas, somente no século XXI a oferta de vagas privadas excedeu às públicas.

Tabela 2
Evolução temporal da razão do número de vagas privada/pública em cursos de graduação em enfermagem, segundo as cidades de localização dos cursos, Brasil, 1890-2019

Verificaram-se diferenças estatisticamente significante na distribuição geográfica dos cursos entre as regiões (p-valor=0,001) e de vagas entre regiões e estados do Brasil (p-valor=0,001). Os estados da Região Nordeste foram os únicos que diferiram no número de cursos (p-valor=0,004), e os da Região Sul foram os únicos que não se diferenciaram no número de vagas (p-valor=0,446). Até 2019, a Região Sudeste concentrou a maior proporção total de cursos (40,8%) e vagas (45,8%), a maior proporção de cursos (42,0%) e vagas (46,8%) privados, e densidade de vagas por 10 mil habitantes (9,7) maior que a nacional (8,9). Nessa mesma região, ainda estão os estados com maior número de cursos e vagas: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A Região Nordeste teve o segundo maior número de cursos (26,8%) e vagas (26,3%) e o maior número de vagas (36,6%) e cursos (32,2%) públicos para graduação. Contudo, teve a densidade de vagas por 10 mil habitantes abaixo (8,7) da média nacional (8,9) (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição geográfica dos cursos e vagas de enfermagem, segundo natureza administrativa da instituição, Brasil, 1890-2019

A Região Norte apresentou o menor número de cursos (7,5%) e vagas (7,6%) e densidade de vagas inferior (7,9) a nacional (8,9). O Centro-Oeste apresentou a maior densidade de vagas por 10 mil habitantes do país (12,6), ficando bem acima da nacional (8,9). Nessa região, também se localiza o Distrito Federal, que possui mais que o dobro da densidade de vagas por 10 mil habitantes do país (23,2), enquanto que o Sul possui a menor densidade do país (5,9). Em todas as regiões e estados, a densidade de vagas privadas por 10 mil habitantes foi superior à densidade de vagas públicas para a graduação no Brasil (Tabela 3).

DISCUSSÃO

No início do século XIX, o processo de urbanização vivenciado mais intensamente pela Região Sudeste influenciou a criação das primeiras escolas de enfermagem na região(88 Silveira CA, Paiva SMA. A evolução do ensino de enfermagem no Brasil: uma revisão histórica. Ciênc Cuid Saúde. 2011;10(1):176-83. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v10i1.6967
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
). Contribuiu para que, desde o primeiro curso de enfermagem, iniciado em 1890 na Escola Profissional de Enfermagem no Rio de Janeiro(77 Vendruscolo C, Maffissoni AL, Pertille F, Ribeiro K, Bender JW, Zocche DAA. Ensino superior e associação brasileira de enfermagem: contribuições para o desenvolvimento e as memórias da profissão no Oeste de Santa Catarina. Hist Enferm Rev Eletrônica [Internet]. 2018 [cited 2021 Jan 1];9(2):122-30. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/v9/n2/a3.pdf
http://here.abennacional.org.br/here/v9/...
), até meados de 1939, a Região Sudeste também concentrasse todos os primeiros cursos para a graduação iniciados no país.

Após isso, se dá um aumento de novos cursos em todas as regiões do Brasil, com desaceleração desse crescimento entre as décadas de 1950 e 1960. Tal fenômeno também foi percebido nas demais áreas do ensino superior como consequência dos conflitos políticos e ideológicas, que interromperam o processo democrático no país, favoreceram a crise na universidade brasileira e neutralizaram o crescimento do ensino superior observado nas décadas anteriores(99 Erdmann LA, Fernandes JD, Teixeira GA. Panorama da educação em enfermagem no Brasil: graduação e pós-graduação. Enferm Foco. 2011;2(supl):89-93. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
).

Esse contexto leva à percepção de que a expansão do ensino superior da enfermagem no Brasil não se processa de forma isolada, mas associada ou em decorrência da dinâmica do desenvolvimento do país, com os mesmos determinantes socioeconômicos e ideológicos.

Já na década de 1970, ocorreu a retomada da expansão do curso, com paralelo crescimento da participação privada na área, o que também já havia sido descrito para as demais áreas da educação superior no Brasil(1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
). Ainda a despeito desse aumento, autores retratam o impacto de diversos acontecimentos na retomada da expansão observada no período, entre eles a influência da Reforma Universitária de 1968, da implantação do Programa desenvolvido pelo Departamento de Assuntos Universitários do Ministério da Educação e Cultura (DAU/MEC) e da criação do Programa de Crédito Educativo(1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
).

A exponencial criação de novos cursos e vagas observados a partir da década de 1990, principalmente entre os anos de 1997 a 2010, foi comandada primordialmente pela expansão das IES privadas, que representaram 87% desse aumento. Tendo a influência direta dos marcos legais iniciados nesse período. Destacou-se a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e sua respectiva efetivação, por meio de extensa rede de serviços em diferentes níveis de complexidade, que aumentou a oferta de vagas no mercado de trabalho para os profissionais da saúde, atraindo número crescente de pessoas interessadas na área, surgindo nichos de oportunidade no mercado de educação e saúde, que contribuíram para criação de novos cursos de enfermagem(1010 Ximenes NFRG, Lopes Neto D, Cunha ICKO, Ribeiro MA, Freire NP, Kalinowski CE, Oliveira EM, Mont’Alverne I, Albuquerque N. Reflexões sobre a formação em Enfermagem no Brasil a partir da regulamentação do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;25(1):37-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
).

No setor da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, liberalizou a oferta da educação superior pela iniciativa privada, provocando mudanças substanciais na organização e no funcionamento do sistema nacional de ensino superior do país(11 Diniz RV, Goergen PL. Educação superior no Brasil: panorama da contemporaneidade. Avaliação. 2019;24(3):573-93. https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
https://doi.org/10.1590/s1414-4077201900...
,1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
), favorecendo o início de cursos privados observado na década de 1990 e contribuindo para que, a partir de 1998, o número de cursos privados ultrapassasse o número de cursos ligados às IES públicas. Juntamente a essas políticas, outros instrumentos legais implantados pelo governo favoreceram diretamente a expansão do setor privado, entre eles, o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Fundo de Financiamento de Estudante de Ensino Superior (FIES)(11 Diniz RV, Goergen PL. Educação superior no Brasil: panorama da contemporaneidade. Avaliação. 2019;24(3):573-93. https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
https://doi.org/10.1590/s1414-4077201900...
,1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
).

Essas políticas implantadas pelo Estado, ao longo desses anos, ajudaram a transferir a responsabilidade da educação superior para a livre iniciativa privada(1111 Martins LK, Rodrigues RM, Souza RK, Conterno SFR, Luz MS. Expansão dos cursos de graduação em enfermagem no Brasil entre 2004 e 2017. Enferm Foco. 2019;10(6):63-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.236
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....
), cooperando, de certa forma, com a redução drástica dos recursos do Estado para expansão e manutenção das IES públicas, favorecendo o desaparecimento da ideia de uma universidade pública, gratuita e pautada na tríade ensino/pesquisa/extensão(11 Diniz RV, Goergen PL. Educação superior no Brasil: panorama da contemporaneidade. Avaliação. 2019;24(3):573-93. https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
https://doi.org/10.1590/s1414-4077201900...
,1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
).

Nesse seguimento, o ensino superior privado teve facilitada sua expansão, o que ocorreu em ritmo acelerado. Formaram-se conglomerados empresariais com elevada capacidade de negociação, o que ajudou a transformar a educação em modelo de negócio comercializável e precificado como comodity no mercado acionário(11 Diniz RV, Goergen PL. Educação superior no Brasil: panorama da contemporaneidade. Avaliação. 2019;24(3):573-93. https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
https://doi.org/10.1590/s1414-4077201900...
,1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...

19 Poz MRD, Couto MHC, Franco TAV. Inovação, desenvolvimento e financiamento das instituições de Ensino Superior em saúde. Cad Saúde Pública. 2016; 32(Supl. 2):e00139915. https://doi.org/10.1590/0102-311X00139915
https://doi.org/10.1590/0102-311X0013991...
-2020 Noro LRA, Moya JLM. Condições sociais, escolarização e hábitos de estudo no desempenho acadêmico de concluintes da área da saúde. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0021042. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00210
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
).

Assim, em 2019, a iniciativa privada já representava 88% das IES e 75% das matrículas no sistema de educação superior e 84,5% dos cursos da área da saúde(44 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2019. Brasília: Inep; 2020.). Já a graduação em enfermagem, até o mesmo ano, contava com amplo e expressivo número de 1.069 (85,9%) cursos e 179.384 (93,6%) vagas ofertadas pela rede privada de ensino, corroborando a disparidade entre o ensino público e privado, apontada em estudos anteriores que já haviam destacado a tendência de privatização da educação superior para enfermagem no país(33 Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
,1111 Martins LK, Rodrigues RM, Souza RK, Conterno SFR, Luz MS. Expansão dos cursos de graduação em enfermagem no Brasil entre 2004 e 2017. Enferm Foco. 2019;10(6):63-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.236
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....
).

A expansão privada no ensino superior em enfermagem traz outro aspecto importante a ser discutido a expansão de cursos privados para graduação na modalidade Ensino à Distância (EaD). Em 2020, 82.000 vagas já eram ofertadas nessa modalidade e exclusivamente por IES privadas. Contudo, essa expansão vem contrariando as recomendações do Conselho Federal de Enfermagem e da Associação Brasileira de Enfermagem, pois estão na contramão das orientações das Diretrizes e Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em enfermagem no Brasil. No mais, ressalta-se a preocupação para a expansão da modalidade EaD dentro da profissão, pois a formação em enfermagem possui características relacionadas à qualificação técnica desses profissionais e às relações humanas dentro da profissão, o que pode contribuir para perda da qualidade na assistência e consequente desvalorização desses profissionais(2121 Soares FA, Rocha KKA, Portela RA, Silva ACO, Corrêa RGCF, Oliveira BLCA. Scenario of distance higher education in health in Brazil: the situation of Nursing. Esc Anna Nery. 2021;25(3):e20200145. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0145
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
).

Ainda sobre o aumento de cursos para a graduação, ao longo de 10 anos, essa vem se destacando entre os cursos da área da saúde com maior número de matriculados e ingressantes(44 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2019. Brasília: Inep; 2020.). No entanto, em 2019, mesmo contando com expressivo número de vagas em atividade e 138.449 ingressantes, apenas 41.264 alunos concluíram o curso no mesmo ano(44 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2019. Brasília: Inep; 2020.). A desproporção entre o número de ingressantes e concluintes traz outra preocupação para a área, a grande evasão de alunos principalmente em IES privadas para a graduação, apontando, portanto, as limitações do sistema educacional, que aparentemente amplia o acesso à educação superior em enfermagem, mas não garante a permanência do aluno até a conclusão do curso(33 Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
,1212 Teixeira E, Fernandes JD, Andrade AC, Silva KL, Rocha MEMO, Lima RJO. Panorama dos cursos de Graduação em Enfermagem no Brasil na década das Diretrizes Curriculares Nacionais. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.spe):102-10. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
).

Em relação à expansão do ensino público para a enfermagem, percebeu-se uma retomada no crescimento entre 2006 e 2011, com maior proporção na Região Nordeste, uma das mais privilegiadas pelo Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)(2222 Ministério da Educação (BR). A democratização e expansão da educação superior no país 2003-2014. Brasília: Ministério da Educação; 2014.). Esse programa retomou o crescimento do ensino público e buscou aumentar o acesso ao nível superior, por meio da expansão das IES federais, com a criação de novas instituições, vagas e cursos e ampliação das já existentes(1919 Poz MRD, Couto MHC, Franco TAV. Inovação, desenvolvimento e financiamento das instituições de Ensino Superior em saúde. Cad Saúde Pública. 2016; 32(Supl. 2):e00139915. https://doi.org/10.1590/0102-311X00139915
https://doi.org/10.1590/0102-311X0013991...
,2323 Aroni A. 50 anos da Reforma Universitária de 1968: a reforma que não acabou. Rev Bras Hist Educ [Internet]. 2017 [cited 2020 Jul 1];17(3[46]):219-43. Available from: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38439
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
), contribuindo para que, no setor público, as IES federais fossem responsáveis por cerca da metade dos cursos (49,7%) e vagas (47,2%) ofertados por IES públicas para a enfermagem no Brasil.

Concernente à distribuição de cursos e vagas, historicamente, os cursos de graduação ligados à rede privada apresentam concentração maior nas Regiões Sul e Sudeste(33 Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
https://doi.org/10.1590/0103-11042017113...
,1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
,2424 Magnago C, Pierantoni CR. A formação de enfermeiros e sua aproximação com os pressupostos das Diretrizes Curriculares Nacionais e da Atenção Básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):15-24. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.28372019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
). No entanto, nossos achados apontam que, apesar da manutenção de importantes distorções entre a distribuição de cursos de graduação da saúde no Brasil, observa-se uma tendência na desconcentração da oferta de cursos privados nessa área, caracterizada pelo aumento da participação relativa das outras regiões do país. Houve destaque no crescimento de cursos observados na Região Nordeste, que apresentou a maior proporção de cursos (36,6%) e vagas (32,2%) públicas e a segunda maior proporção de oferta de cursos (25,3%) e vagas (25,9%) em IES privadas até 2019. Essa mudança, em parte, reflete a inserção de políticas de democratização do acesso desenvolvidas pelo governo que priorizaram a expansão pública e a redução das assimetrias regionais, e também o desenvolvimento econômico observado na região(2222 Ministério da Educação (BR). A democratização e expansão da educação superior no país 2003-2014. Brasília: Ministério da Educação; 2014.).

Outro achado da pesquisa foi o fato de o estado do Maranhão (9,1%) despontar com a segunda maior concentração de cursos públicos de enfermagem do país, ficando atrás apenas do estado de São Paulo (12,6%). Entretanto, na proporção geral de cursos públicos e privados, o estado não se destaca, apresentando também baixa densidade de vagas por 10 mil habitantes e ainda estar entre os menores percentuais de enfermeiros por habitantes do país(2525 Organização Pan-Americana da Saúde. Fotografia da enfermagem no Brasil. Brasília: OPAS; 2020.-2626 Santos AL, Monzano M, Krein A. Heterogeneidade da distribuição dos profissionais de saúde no Brasil e a pandemia Covid-19. Cad Desenvolv [Internet]. 2021 [cited 2021 Mar 21];16(28):197-219. Available from: http://www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs2.4.8/index.php/cdes/article/view/557/pdf
http://www.cadernosdodesenvolvimento.org...
).

Todavia, corroborando outros estudos, mesmo já se observando essa tendência de desconcentração de cursos para a graduação no país, ainda prevalece a distribuição heterogênea de cursos e vagas para graduação em enfermagem no Brasil(1111 Martins LK, Rodrigues RM, Souza RK, Conterno SFR, Luz MS. Expansão dos cursos de graduação em enfermagem no Brasil entre 2004 e 2017. Enferm Foco. 2019;10(6):63-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.236
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....
,1313 Matsumura ES, França AS, Alves LMF, Silveira MKS, Sousa Jr AS, Cunha KC. Distribuição espacial dos cursos de graduação em enfermagem. Rev Enferm UFPE. 2018;12(12):3271-8. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a236270p3271-3278-2018
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12...
), configurada pelas desigualdades geográficas observadas na distribuição destes nas regiões do país, especialmente na Região Norte, que segue apresentando a menor oferta de cursos (7,5%), vagas (7,6%) e densidade de vagas por 10 mil habitantes inferior à média nacional. Enquanto isso, a Região Sudeste concentra a maioria dos cursos públicos (40,8%) e privados (45,8%) do país e densidade de vagas por 10 mil habitantes acima da média nacional.

Ainda nesse contexto, as Regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste possuem as maiores densidades vagas para a enfermagem por 10 mil habitantes no Brasil, o que parece repercutir nas variações na distribuição de enfermeiros dentro do país, pois essas regiões também possuem as maiores densidades desses profissionais por habitantes no país(55 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
,2525 Organização Pan-Americana da Saúde. Fotografia da enfermagem no Brasil. Brasília: OPAS; 2020.).

Essas desigualdades na distribuição de cursos e vagas não se fizeram presentes entre as regiões, mas também acontecem no interior delas, ao se analisar a Região Norte, que, mesmo apresentando densidade de vagas abaixo da nacional, possui estados bem acima dessa média, como Tocantins, que também se destaca entre os estados com maior número de enfermeiros por habitantes no Brasil(2525 Organização Pan-Americana da Saúde. Fotografia da enfermagem no Brasil. Brasília: OPAS; 2020.-2626 Santos AL, Monzano M, Krein A. Heterogeneidade da distribuição dos profissionais de saúde no Brasil e a pandemia Covid-19. Cad Desenvolv [Internet]. 2021 [cited 2021 Mar 21];16(28):197-219. Available from: http://www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs2.4.8/index.php/cdes/article/view/557/pdf
http://www.cadernosdodesenvolvimento.org...
).

Em relação, ao cenário mais atual sobre a distribuição e importância desses profissionais, a pandemia de COVID-19 expôs, de forma incontestável, o quanto os trabalhadores da enfermagem são essenciais, fazendo com que a profissão passasse de desvalorizada para protagonista da luta contra o novo coronavírus. Contudo, trouxe à tona uma série de problemas crônicos enfrentados pela profissão (carga de trabalho, salários defasados e condições insalubres de trabalho). Também, apresentou novos desafios, como os impactos na formação gerados pela pandemia, lacunas na formação e distribuição desses profissionais nas regiões do país, evidenciados pela defasagem desses profissionais em regiões mais remotas do país(55 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
,2727 Silva CM, Toriyama ATM, Claro HG, Borghi CA, Castro TR, Salvador PICA. Pandemia da COVID-19, ensino emergencial à distância e Nursing Now: desafios à formação em enfermagem. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(Esp.):e20200248. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200248
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.2...
).

Observaram-se iniquidades geográficas na distribuição de cursos e vagas para enfermagem sustentada pelo ensino privado. Embora todas as regiões tivessem maior oferta do ensino sob gestão privada, a Região Sudeste concentrou sozinha quase a metade de todos os cursos (43,4%) e vagas (46,8%) privados do país. Os estados dessa região também representaram as maiores concentrações, respectivamente, de cursos e vagas privados: São Paulo (19,7%; 26,1%), Minas Gerais (12,5%; 9,1%) e Rio de Janeiro (9,0%; 10,2%). Essa situação reafirma o panorama evidenciado em outros estudos e reflete as iniquidades regionais, decorrentes da região apresentar maior concentração do Produto Interno Bruto, a maioria da população brasileira, do mercado de trabalho, maior infraestrutura de serviços de saúde e ter vivenciado processos de industrialização e urbanização mais intensos e anteriores aos das demais regiões e estados do país(55 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
,1313 Matsumura ES, França AS, Alves LMF, Silveira MKS, Sousa Jr AS, Cunha KC. Distribuição espacial dos cursos de graduação em enfermagem. Rev Enferm UFPE. 2018;12(12):3271-8. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a236270p3271-3278-2018
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12...
).

A grande representatividade do ensino privado para a enfermagem no Brasil, ao longo dos anos, foi responsável pelo maior número de cursos e vagas para graduação em grandes centros urbanos, sobretudo nas capitais. Estudos apontam que a oferta de graduações em saúde parece sofrer mais influência da dinâmica de fatores socioeconômicos, políticos e de mercado do que de elementos relacionados à organização e ao planejamento do setor de saúde, o que pode contribuir para manutenção de distorções na distribuição de enfermeiros em todo o país(55 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
,2828 Oliveira LCA, Silva AM, Carneiro AD. A distribuição de enfermeiros no Brasil segundo as pesquisas de assistência médico-sanitária (2002, 2005, 2009). Rev Eletr Gestão Saúde. 2015;6(2):1334-53. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol0015
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
).

Dessa forma, trazendo à tona o debate sobre as fragilidades dos processos autorizativos e de regulação para os cursos de graduação para enfermagem no país, atualmente, não há por parte dos conselhos e das entidades profissionais da área participação mais efetiva na tomada de decisão em relação à abertura de novos cursos para graduação ou a manutenção, não existindo, também, no território nacional, levantamento efetivo das reais necessidades do mercado de trabalho que preceda à criação de cursos de graduação. Apesar de a legislação exigir a avaliação por parte do poder público e do Estado acompanhar a evolução do ensino, com censos periódicos e avaliações dos cursos e do desempenho de alunos, não há nenhum direcionamento por parte do poder público na criação desses cursos. Essa tarefa sempre ficou restrita às próprias IES. No caso das IES privadas, essas possuem total liberdade de seguir as diretrizes do mercado da educação(1414 Humerez DC, Jankevicius JV. Evolução histórica do ensino superior no Brasil [Internet]. 2018 [cited 2020 Jul 17]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2015/05/Evolucao-Historica-no-ensino-superior-no-brasil.pdf
http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-conten...
).

A privatização do ensino de enfermagem vem então se apresentando como reflexo da conformação do sistema educativo no país, que passa a apresentar crescimento da oferta, com a abertura indiscriminada de novos cursos, sem considerar as necessidades e demandas específicas de cada região, ocasionando desequilíbrio regional e intrarregional dessa oferta, o que colabora para proliferação descontrolada de cursos e vagas de graduação e IES, cada vez mais distantes da ideia de universidade, ao criarem cursos isolados e sem padrões razoáveis de qualidade(1111 Martins LK, Rodrigues RM, Souza RK, Conterno SFR, Luz MS. Expansão dos cursos de graduação em enfermagem no Brasil entre 2004 e 2017. Enferm Foco. 2019;10(6):63-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.236
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019....
-1212 Teixeira E, Fernandes JD, Andrade AC, Silva KL, Rocha MEMO, Lima RJO. Panorama dos cursos de Graduação em Enfermagem no Brasil na década das Diretrizes Curriculares Nacionais. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.spe):102-10. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
,1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
,2020 Noro LRA, Moya JLM. Condições sociais, escolarização e hábitos de estudo no desempenho acadêmico de concluintes da área da saúde. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0021042. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00210
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
).

Ao se considerar a qualidade do ensino, estudos ainda apontam que o aumento expressivo do ensino superior privado apresenta descompasso entre qualidade e quantidade, no entendimento que a modalidade de ensino público, principalmente as universidades federais, tem sempre desempenho melhor que as privadas(1414 Humerez DC, Jankevicius JV. Evolução histórica do ensino superior no Brasil [Internet]. 2018 [cited 2020 Jul 17]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2015/05/Evolucao-Historica-no-ensino-superior-no-brasil.pdf
http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-conten...
,2121 Soares FA, Rocha KKA, Portela RA, Silva ACO, Corrêa RGCF, Oliveira BLCA. Scenario of distance higher education in health in Brazil: the situation of Nursing. Esc Anna Nery. 2021;25(3):e20200145. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0145
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
,2929 Almeida WM. About the end of free public higher education in Brazil. Cad Pesqui. 2019;49(173):10-27. https://doi.org/10.1590/198053146494
https://doi.org/10.1590/198053146494...
). Além disso, embora existam algumas universidades privadas de elite, em geral as IES privadas atendem a uma clientela de massa que nem sempre é vista como de prestígio, pois, em parte, oferece acesso aos estudantes que não obtiveram sucesso no ingresso nas instituições públicas de ensino e funcionam em sua maioria como um modelo de negócio embasado na lógica de lucro imediato, no qual os professores têm pouca influência e os alunos são vistos como consumidores(2121 Soares FA, Rocha KKA, Portela RA, Silva ACO, Corrêa RGCF, Oliveira BLCA. Scenario of distance higher education in health in Brazil: the situation of Nursing. Esc Anna Nery. 2021;25(3):e20200145. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0145
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
,2929 Almeida WM. About the end of free public higher education in Brazil. Cad Pesqui. 2019;49(173):10-27. https://doi.org/10.1590/198053146494
https://doi.org/10.1590/198053146494...
). Isso afeta diretamente a inovação e a qualificação desses profissionais formados e como resultado se perpetua o domínio de universidades privadas lucrativas de baixa qualidade.

Nesse sentido, entendendo que a qualidade do ensino pode interferir diretamente no sistema de saúde(1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...

19 Poz MRD, Couto MHC, Franco TAV. Inovação, desenvolvimento e financiamento das instituições de Ensino Superior em saúde. Cad Saúde Pública. 2016; 32(Supl. 2):e00139915. https://doi.org/10.1590/0102-311X00139915
https://doi.org/10.1590/0102-311X0013991...
-2020 Noro LRA, Moya JLM. Condições sociais, escolarização e hábitos de estudo no desempenho acadêmico de concluintes da área da saúde. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0021042. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00210
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
), tornam-se cada vez mais necessárias políticas que regulem a participação privada no aumento da oferta do ensino superior, especialmente de instituições com capital aberto e de grandes grupos educacionais.

Limitações do estudo

O estudo apresenta algumas limitações, como as inerentes aos estudos transversais e aquelas relacionadas à base secundária utilizada. No e-MEC, verificou-se a incompletude dos dados para algumas IES, especialmente a informação do tipo de sua classificação acadêmico-administrativa (centro-universitário, universidade, faculdade e institutos federais)(1818 Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
), o que implicou a realização de busca individualizada em outras abas no portal e-MEC para preenchimento dessas lacunas. Porém, nenhuma dessas limitações foram impeditivos para a realização da pesquisa

Contribuições para a área da enfermagem

Os resultados contribuem como fonte abrangente de conhecimento a respeito da trajetória secular da expansão e distribuição do ensino de enfermagem no Brasil. Por isso, podem subsidiar políticas e medidas para corrigir as disparidades identificadas e propor reflexões e debates a respeito das implicações que essas trazem para a profissão, educação, saúde e mercado de trabalho. O cenário pouco equitativo de distribuição de cursos e vagas reflete a forma rápida e desordenada em que ocorreu essa expansão graças ao forte processo de privatização do ensino superior para a graduação no Brasil.

CONCLUSÕES

A expressiva expansão do ensino superior de enfermagem no Brasil ocorreu com excessiva oferta privada e desigual distribuição entre as várias localidades do país. Este cenário indica a necessidade de regulação estatal para abertura de novos cursos e vagas, bem como para a manutenção deles, o que pode minimizar as repercussões negativas na qualidade do ensino, assistência à saúde e desequilíbrios na força de trabalho.

O estudo expôs o aumento relevante de cursos e vagas para enfermagem ao longo de 129 anos, especialmente ao longo dos últimos 25 anos. Todavia, o papel do setor público foi bastante tímido quando comparado ao expressivo aumento privado em todas as regiões do Brasil. Esse descompasso na expansão da oferta indica a forte influência do mercado na criação e distribuição de cursos e vagas de enfermagem no país. A exponencial privatização favoreceu concentração desse ensino nos grandes centros urbanos, nas capitais e cidades de grande porte populacional.

Logo, essa expansão não parece resolver a desigual distribuição de profissionais dentro das diversas localidades do país, e, ao mesmo tempo, pode amplificar os desequilíbrios na oferta e demanda em áreas específicas. Áreas mais centrais e ricas podem gerar maior oferta de profissionais formados e pior empregabilidade, enquanto que, nas mais remotas, pode se manter a privação desses, perpetuando as iniquidades regionais. Embora o Estado tenha desenvolvido alguns esforços para redução das assimetrias regionais, esses são ainda limitados e não têm sido efetivos para desconcentrar o aparelho privatista responsável pela ampla formação dos profissionais de enfermagem no país. Dessa forma, é urgente a necessidade que o Estado assuma seu papel ordenador e regulador da formação de recursos humanos na saúde no país, reduzindo a má distribuição de cursos e vagas entre as regiões e tipos de cidades, sobretudo para aquelas menos populosas e menos desenvolvidas do Brasil.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Artigo extraído da produção acadêmica desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, com o título “Expansão e distribuição da educação superior em Enfermagem no Brasil: desafios e perspectivas”. Os dados apresentados na pesquisa estão disponíveis no repositório de dados da SciELO (https://doi.org/10.48331/scielodata.JQDPXA)

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

  • 1
    Diniz RV, Goergen PL. Educação superior no Brasil: panorama da contemporaneidade. Avaliação. 2019;24(3):573-93. https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
    » https://doi.org/10.1590/s1414-40772019000300002
  • 2
    Fehn AC, Alves TSG, Dal Poz MR. Higher education privatization in Nursing in Brazil: profile, challenges and trends. Rev Latino-Am Enfermagem. 2021;29:e3417. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.4725.3417
  • 3
    Moyses NMN, Vieira AS. Graduation trajectory of the fourteen health professions in Brasil. Saúde Debate. 2017; 41(113):401-14. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
    » https://doi.org/10.1590/0103-1104201711305
  • 4
    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Superior 2019. Brasília: Inep; 2020.
  • 5
    Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
  • 6
    Oliveira APC, Ventura CAA, Silva FV, Angotti Neto H, Mendes IAC, Souza KV, et al. State of Nursing in Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2020;28:e3404. https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3404
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.0000.3404
  • 7
    Vendruscolo C, Maffissoni AL, Pertille F, Ribeiro K, Bender JW, Zocche DAA. Ensino superior e associação brasileira de enfermagem: contribuições para o desenvolvimento e as memórias da profissão no Oeste de Santa Catarina. Hist Enferm Rev Eletrônica [Internet]. 2018 [cited 2021 Jan 1];9(2):122-30. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/v9/n2/a3.pdf
    » http://here.abennacional.org.br/here/v9/n2/a3.pdf
  • 8
    Silveira CA, Paiva SMA. A evolução do ensino de enfermagem no Brasil: uma revisão histórica. Ciênc Cuid Saúde. 2011;10(1):176-83. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v10i1.6967
    » https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v10i1.6967
  • 9
    Erdmann LA, Fernandes JD, Teixeira GA. Panorama da educação em enfermagem no Brasil: graduação e pós-graduação. Enferm Foco. 2011;2(supl):89-93. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
    » https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
  • 10
    Ximenes NFRG, Lopes Neto D, Cunha ICKO, Ribeiro MA, Freire NP, Kalinowski CE, Oliveira EM, Mont’Alverne I, Albuquerque N. Reflexões sobre a formação em Enfermagem no Brasil a partir da regulamentação do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;25(1):37-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
  • 11
    Martins LK, Rodrigues RM, Souza RK, Conterno SFR, Luz MS. Expansão dos cursos de graduação em enfermagem no Brasil entre 2004 e 2017. Enferm Foco. 2019;10(6):63-9. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.236
    » https://doi.org/10.21675/2357-707X.2019.v10.n6.236
  • 12
    Teixeira E, Fernandes JD, Andrade AC, Silva KL, Rocha MEMO, Lima RJO. Panorama dos cursos de Graduação em Enfermagem no Brasil na década das Diretrizes Curriculares Nacionais. Rev Bras Enferm. 2013;66(n.spe):102-10. https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
    » https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700014
  • 13
    Matsumura ES, França AS, Alves LMF, Silveira MKS, Sousa Jr AS, Cunha KC. Distribuição espacial dos cursos de graduação em enfermagem. Rev Enferm UFPE. 2018;12(12):3271-8. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a236270p3271-3278-2018
    » https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a236270p3271-3278-2018
  • 14
    Humerez DC, Jankevicius JV. Evolução histórica do ensino superior no Brasil [Internet]. 2018 [cited 2020 Jul 17]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2015/05/Evolucao-Historica-no-ensino-superior-no-brasil.pdf
    » http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2015/05/Evolucao-Historica-no-ensino-superior-no-brasil.pdf
  • 15
    Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
  • 16
    Ministério da Educação (BR). Sistema e-Mec. Brasília: Ministério da Educação; 2019 [cited 2020 Jul 17]. Available from: http://portal.mec.gov.br/e-mec-sp-257584288
    » http://portal.mec.gov.br/e-mec-sp-257584288
  • 17
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IBGE [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2019 [cited 2020 Jul 17]. Available from: https://www.ibge.gov.br/institucional/o-ibge.html
    » https://www.ibge.gov.br/institucional/o-ibge.html
  • 18
    Franco TAV, Poz MR. A participação de instituições de ensino superior privadas na formação em saúde no Brasil. Trab Educ Saúde. 2018; 16(3):1017-37. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
    » https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00163
  • 19
    Poz MRD, Couto MHC, Franco TAV. Inovação, desenvolvimento e financiamento das instituições de Ensino Superior em saúde. Cad Saúde Pública. 2016; 32(Supl. 2):e00139915. https://doi.org/10.1590/0102-311X00139915
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00139915
  • 20
    Noro LRA, Moya JLM. Condições sociais, escolarização e hábitos de estudo no desempenho acadêmico de concluintes da área da saúde. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0021042. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00210
    » https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00210
  • 21
    Soares FA, Rocha KKA, Portela RA, Silva ACO, Corrêa RGCF, Oliveira BLCA. Scenario of distance higher education in health in Brazil: the situation of Nursing. Esc Anna Nery. 2021;25(3):e20200145. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0145
    » https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0145
  • 22
    Ministério da Educação (BR). A democratização e expansão da educação superior no país 2003-2014. Brasília: Ministério da Educação; 2014.
  • 23
    Aroni A. 50 anos da Reforma Universitária de 1968: a reforma que não acabou. Rev Bras Hist Educ [Internet]. 2017 [cited 2020 Jul 1];17(3[46]):219-43. Available from: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38439
    » https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38439
  • 24
    Magnago C, Pierantoni CR. A formação de enfermeiros e sua aproximação com os pressupostos das Diretrizes Curriculares Nacionais e da Atenção Básica. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):15-24. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.28372019
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.28372019
  • 25
    Organização Pan-Americana da Saúde. Fotografia da enfermagem no Brasil. Brasília: OPAS; 2020.
  • 26
    Santos AL, Monzano M, Krein A. Heterogeneidade da distribuição dos profissionais de saúde no Brasil e a pandemia Covid-19. Cad Desenvolv [Internet]. 2021 [cited 2021 Mar 21];16(28):197-219. Available from: http://www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs2.4.8/index.php/cdes/article/view/557/pdf
    » http://www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs2.4.8/index.php/cdes/article/view/557/pdf
  • 27
    Silva CM, Toriyama ATM, Claro HG, Borghi CA, Castro TR, Salvador PICA. Pandemia da COVID-19, ensino emergencial à distância e Nursing Now: desafios à formação em enfermagem. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42(Esp.):e20200248. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200248
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200248
  • 28
    Oliveira LCA, Silva AM, Carneiro AD. A distribuição de enfermeiros no Brasil segundo as pesquisas de assistência médico-sanitária (2002, 2005, 2009). Rev Eletr Gestão Saúde. 2015;6(2):1334-53. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol0015
    » https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol0015
  • 29
    Almeida WM. About the end of free public higher education in Brazil. Cad Pesqui. 2019;49(173):10-27. https://doi.org/10.1590/198053146494
    » https://doi.org/10.1590/198053146494

Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa
EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2021
  • Aceito
    01 Nov 2021
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br