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Competências para ação educativa de enfermeiras da estratégia de saúde da família

RESUMO

Objetivo:

Construir competências para ação educativa de enfermeiras no processo de trabalho assistencial e gerencial na Estratégia Saúde da Família. Método: Pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família (ESF), de um município da grande São Paulo, por meio de entrevistas semiestruturadas e oficinas de trabalho.

Resultados:

Há um conjunto de competências específicas para a ação educativa da enfermeira no trabalho assistencial, voltado ao atendimento das necessidades de saúde dos usuários/comunidade, e para a ação educativa no trabalho gerencial, com foco na organização do trabalho da equipe de saúde, indicando a importância desse trabalho no contexto da ESF.

Considerações finais:

A construção de competências mostrou-se significativa para refletir sobre as ações educativas das enfermeiras na ESF, podendo ser utilizada como estratégia em processos de educação permanente.

Descritores:
Enfermagem de Atenção Primária; Enfermeiras de Saúde da Família; Educação em Saúde; Competência Profissional; Educação Baseada em Competências

ABSTRACT

Objective:

To create competencies for the educational actions of nurses in the care and management work processes at the Family Health Strategy.

Method:

This is an exploratory, descriptive research, with a qualitative approach, on nurses of the Family Health Strategy (FHS) from a municipality in the Greater São Paulo. It was performed through semi-structured interviews and workshops.

Results:

There is a set of specific competencies for the educational actions of the nurse in care work, geared towards meeting the health needs of users/community; and for educational actions in management work, focused on work organization of the health team, indicating the importance of this work to FHS.

Final considerations:

Creating competencies proved to be significant to reflect on the educational actions of the FHS nurses and can be used as a strategy in permanent education processes.

Descriptors:
Primary Health Care Nursing; Nurses of Family Health; Health Education; Professional Competency; Competency-based Education

RESUMEN

Objetivo:

Construir competencias para la acción educativa de las enfermeras en el proceso de trabajo asistencial y gerencial en la Estrategia de Salud de la Familia. Método: La Investigación exploratoria, descriptiva, con el abordaje cualitativo de enfermeras de la Estrategia de Salud de la Familia (ESF), de un municipio de la gran ciudad de São Paulo, por medio de encuestas semiestructuradas y talleres de trabajo.

Resultados:

Hay un conjunto de competencias específicas para la acción educativa de la enfermera en el trabajo asistencial, dirigido a la atención a las necesidades de salud de los usuarios/la comunidad, y para la acción educativa en el trabajo gerencial, con enfoque en la organización del trabajo del equipo de salud, indicando la importancia de ese trabajo en el contexto de la ESF.

Consideraciones finales:

La construcción de competencias se mostró significativa para reflejar sobre las acciones educativas de las enfermeras en la ESF, pudiendo ser utilizada como estrategia en los procesos de educación permanente.

Descriptores:
Enfermería de Atención Primaria; Enfermeras de Salud de la Familia; Educación en Salud; Competencia Profesional; Educación Basada en Competencias

INTRODUÇÃO

O presente estudo toma como objeto de investigação a ação educativa desenvolvida no processo de trabalho assistencial e gerencial de enfermeiras da Estratégia Saúde da Família (ESF), em especial no que se refere às competências para essa ação.

Parte-se da premissa de que há uma dupla dimensão do processo de trabalho em enfermagem: a assistencial e a gerencial. Na primeira, o objeto de intervenção são as necessidades de cuidado e tem por finalidade a atenção integral dos sujeitos e coletivos. Na segunda, o objeto é a organização do trabalho, com a finalidade de criar e efetivar condições adequadas de trabalho para os trabalhadores e de cuidado para os sujeitos e coletivos assistidos(11 Hausmann M, Peduzzi M. Articulação entre as dimensões gerencial e assistencial do processo de trabalho do enfermeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2009 [cited 2017 Aug 08]; 18(2):258-65. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v18n2/08.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v18n2/08.pd...
).

Na atenção primária à saúde, que tem a ESF como modelo prioritário de reorganização desse nível de atenção(22 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [cited 2016 Apr 5]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/publicaco...
), as ações educativas têm papel fundamental e permeiam todo o trabalho assistencial das enfermeiras, como nas consultas de enfermagem, visitas domiciliares às famílias e atividades grupais realizadas na unidade de saúde e no território adscrito(33 Leonello VM, Oliveira MAC. Competencies for educational activities in nursing. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2008 [cited 2017 Aug 8]; 16(2):177-83. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v16n2/02.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v16n2/02.p...
). No trabalho gerencial, destaca-se o papel educativo das enfermeiras na organização do trabalho da equipe nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), bem como na realização de atividades de educação permanente para as equipes de enfermagem e os Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

Embora se constitua como atribuição da enfermeira na ESF, as ações educativas desenvolvidas na dimensão assistencial e gerencial, historicamente, focalizam a verticalização das ações, realizadas para (e não com) os sujeitos envolvidos no processo, sejam eles usuários ou profissionais que compõem a equipe(44 Gomes LB, Merhy EL. The popular education and the health care: a study from the work of Eymard Mourão Vasconcelos. Interface [Internet]. 2014 [cited 2017 May 15]; 18(2):1427-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807-5762-icse-18-s2-1427.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807...

5 Dias GAR, Lopes MMB. Educação e saúde no cotidiano de enfermeiras da atenção primária. Rev Enf UFSM [Internet]. 2013 [cited 2017 Apr 12]; 3(3):449-60. Available from: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/7846.
https://periodicos.ufsm.br/reufsm/articl...
-66 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 12]; 69(6):1124-31. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_...
).

Estudos sobre a temática evidenciam que as ações educativas da dimensão assistencial destacam o foco na doença e na mudança de comportamentos, a culpabilização dos sujeitos e a ausência ou escassez do diálogo entre os envolvidos no processo(77 Cervera DPP, Parreira BDM, Goulart BF. Educação em saúde: percepção dos enfermeiros da atenção básica em Uberaba (MG). Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 8]; 16(1):1547-54. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16s1/a90v16s1.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v16s1/a90v1...

8 Cruz PJSC, Vieira SCR, Massa NM, Araújo TAM, Vasconcelos ACCP. Desafios para a participação popular em saúde: reflexões a partir da educação popular na construção de conselho local de saúde em comunidades de João Pessoa, PB. Saúde Soc [Internet]. 2012 [cited 2017 Aug 8]; 21(4):1087-100. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n4/v21n4a25.pdf
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n4/v2...
-99 Roecker S, Budó MLD, Marcon SS. The educational work of nurses in the Family Health Strategy: difficulties and perspectives on change. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2017 May 15]; 46(3):638-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en_16.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en...
).

Por outro lado, defende-se a ação educativa como oportunidade de escuta, diálogo, compartilhamento de diferentes saberes e construção coletiva de formas para enfrentar as questões relativas ao processo saúde-doença, como resposta às necessidades de saúde dos sujeitos e coletivos. No Brasil, a partir da década de setenta, as experiências de educação popular em saúde trouxeram essa perspectiva de educação para os serviços de saúde, em especial os de atenção primária(1010 Alves GG, Aerts D. As práticas educativas em saúde e a Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 8]; 16(1):319-25. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n1/v16n1a34.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n1/v16n1...

11 Flisch TMP, Alves RH, Almeida TAC, Torres HC, Schall VT, Reis DC. Como os profissionais da atenção primária percebem e desenvolvem a Educação Popular em Saúde? Interface[Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 8]; 18(2):1255-68. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807-5762-icse-18-s2-1255.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807...
-1212 Vasconcelos EM, Vasconcelos MOD, Silva MO. A contribuição da Educação Popular Para a reorientação das práticas e da política de saúde no Brasil. Rev FAEEBA Educ Contemp [Internet]. 2015 [cited 2017 May 15]; 24(43):89-106. Available from: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/viewFile/1311/886
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).

Para os profissionais de saúde desenvolverem ações educativas nesse referencial, é necessário um processo formativo(1313 Simon E, Jezine E, Vasconcelos EM, Ribeiro KSQS. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem e educação popular: encontros e desencontros no contexto da formação dos profissionais de saúde. Interface [Internet]. 2014 [cited 2017 Jul 11]; 18(2):1355-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807-5762-icse-18-s2-1355.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807...
) que os aproxime a essa perspectiva. Um possível ponto de partida é construir competências profissionais acerca da ação educativa.

Entende-se como “competência” o conjunto articulado de saberes (saber conhecer, saber fazer, saber conviver e saber ser) para enfrentar/resolver uma situação. Para construí-la, é necessário identificar tais saberes a partir das ações que compõem o cotidiano da prática profissional(1414 Perrenoud P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed; 1999.-1515 Delors J, (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2003 (Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI).).

Dessa forma, a pergunta que norteou a pesquisa foi: quais são as competências para as ações educativas desenvolvidas no trabalho assistencial e gerencial de enfermeiras da ESF?

OBJETIVO

Construir competências para a ação educativa da enfermeira nos trabalhos assistencial e gerencial das enfermeiras da ESF.

MÉTODO

Aspectos éticos

Todos os procedimentos éticos foram respeitados com base na resolução nº 466/12. O projeto foi apresentado a todas as enfermeiras, explicitando a importância da colaboração dos participantes para aprofundar e compreender o tema, esclarecendo a liberdade e voluntariedade de participação sem qualquer prejuízo ou sanção. Todas as enfermeiras que aceitaram participar receberam o termo de consentimento livre e esclarecido e concordaram em assiná-lo. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

Referencial teórico-metodológico

Trata-se de uma pesquisa exploratória descritiva, com abordagem qualitativa que utilizou como categoria conceitual a noção de competência(1414 Perrenoud P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed; 1999.), a educação popular em saúde(1212 Vasconcelos EM, Vasconcelos MOD, Silva MO. A contribuição da Educação Popular Para a reorientação das práticas e da política de saúde no Brasil. Rev FAEEBA Educ Contemp [Internet]. 2015 [cited 2017 May 15]; 24(43):89-106. Available from: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/viewFile/1311/886
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) e os quatro saberes necessários para a Educação do Futuro(1515 Delors J, (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2003 (Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI).).

Como “competência”, entende-se a capacidade de mobilizar diferentes saberes para resolver determinada situação, portanto é fundamental investigar o cotidiano da ação profissional para identificar o conjunto de competências(1414 Perrenoud P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed; 1999.).

Já a educação em saúde, embora com diferentes vertentes conceituais, é defendida como uma estratégia para potencializar a participação dos usuários nos serviços de saúde, articulando seus saberes e vivências aos dos profissionais de saúde(1212 Vasconcelos EM, Vasconcelos MOD, Silva MO. A contribuição da Educação Popular Para a reorientação das práticas e da política de saúde no Brasil. Rev FAEEBA Educ Contemp [Internet]. 2015 [cited 2017 May 15]; 24(43):89-106. Available from: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/viewFile/1311/886
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).

Os quatro saberes postulados no Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI são considerados eixos norteadores para uma educação que vise um projeto comum. São estes: Saber conhecer refere-se não só à aquisição de conhecimentos, mas ao domínio dos instrumentos da esfera cognitiva. O saber fazer articula e combina o preparo técnico às aptidões pessoais e relacionais, que envolvem, entre outros aspectos, o trabalho em equipe, a iniciativa e a tomada de decisão diante das diferentes situações da prática profissional. O saber conviver considera a importância da interdependência entre os seres humanos, por isso precisa ser analisado. O saber ser implica comprometimento e compromisso social do trabalhador em relação a sua realidade, reconhecendo-se como sujeito capaz de transformar e melhorar essa realidade(1515 Delors J, (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2003 (Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI).).

Cenário do estudo

A pesquisa ocorreu em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo. Compuseram os locais de estudo 11 UBS com ESF. Essa escolha levou em conta o índice de desenvolvimento humano (IDH) do município, bem próximo à realidade brasileira, e também pelo critério de conveniência, pois era mais acessível às pesquisadoras.

Fonte de dados

Os sujeitos da pesquisa foram 15 enfermeiras da atenção básica com ESF. Os critérios de inclusão das participantes foram trabalhar há pelo menos seis meses na ESF e realizar ações educativas durante a rotina de trabalho. Como exclusão, os critérios foram estar em licença ou afastamento do trabalho.

Coleta de dados e etapas do trabalho

Os dados foram coletados em duas etapas. A primeira foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas com 15 enfermeiras e um roteiro com as seguintes questões: 1) Como é seu trabalho como enfermeira na unidade?; 2) Pensando no trabalho que você detalhou, como são inseridas as ações educativas (com os usuários e trabalhadores) desenvolvidas por enfermeiras? Quais são, como são? 3) Que tipo(s) de saber(es) é(são) necessário(s) para a enfermeira desenvolvê-las? O que ela precisa saber conhecer, saber fazer, saber ser e conviver para desenvolvê-las? O produto dessa etapa foram dois quadros de saberes: um relacionado à dimensão assistencial e outro da dimensão gerencial do trabalho da enfermeira em ESF.

Na segunda etapa, foram utilizadas oficinas de trabalho(1616 Chiesa AM, Westphal MF. A sistematização de Oficinas Educativas problematizadoras no contexto dos serviços de saúde. Rev Saúde Deb. 1995;46(1):19-22.), uma sequência de encontros com uma temática geral delimitada e apresentada, permitindo a participação voluntária dos sujeitos, refletindo e aprofundando o tema em pauta. A partir dos relatos, estimula-se um debate para compartilhar as experiências e os conhecimentos vividos. No que se refere às competências, as oficinas são pertinentes e importantes, pois a partir dessa experiência as enfermeiras puderam discutir e identificar as competências relacionadas à ação educativa desenvolvida na ESF.

Foram realizadas três oficinas (Quadro 1), com duração média de duas horas cada. As 15 enfermeiras entrevistadas foram convidadas a participar de oficinas de trabalho, com o objetivo de validar o material das entrevistas e colaborar com a construção das competências para a ação educativa a partir de sua ação profissional.

Quadro 1
íntese das oficinas realizadas, São Paulo, Brasil, 2015

Seis enfermeiras concordaram e se disponibilizaram a participar desta etapa. A primeira ocorreu no segundo semestre de 2014, e a segunda, entre junho e julho de 2015.

Na primeira oficina foram trabalhados os aspectos sobre a temática da educação em saúde e de competências no referencial utilizado. As enfermeiras receberam o material analisado nas entrevistas na primeira etapa para validá-lo e colaborar na construção das competências, mediadas por pesquisadora experiente na condução de oficinas, fundamentada em estudo sobre oficinas de trabalho(1616 Chiesa AM, Westphal MF. A sistematização de Oficinas Educativas problematizadoras no contexto dos serviços de saúde. Rev Saúde Deb. 1995;46(1):19-22.).

A segunda oficina contou com três enfermeiras. Houve uma ausência por motivo de doença, e duas ausências não foram justificadas. Optou-se por manter a oficina, mesmo com o pequeno número de participantes, valorizando as enfermeiras presentes. Elas finalizaram as competências para ação educativa na dimensão assistencial pois sua construção demandou mais tempo.

Finalizando a segunda etapa, a terceira oficina teve cinco enfermeiras, com uma justificativa de ausência por motivo de doença. Na oficina foram construídas as competências para ação educativa na dimensão gerencial. Durante todo o processo, prezou-se pelo diálogo e pela participação ativa das enfermeiras, por meio de discussões, relatos e vivências trazidas por elas.

Análise dos dados

Utilizou-se a análise de discurso(1717 Fiorin JF. Elementos da análise de discurso. 13a ed. São Paulo: Contexto; 2005.) para examinar o material da pesquisa. A partir das entrevistas, foram identificadas frases temáticas organizadas e categorizadas de acordo com os saberes postulados no Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI: saber conhecer, saber fazer, saber ser e saber conviver(1515 Delors J, (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. 8a ed. São Paulo: Cortez; 2003 (Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI).). Destaca-se que os saberes foram explicitados pelas pesquisadoras antes das entrevistas, para facilitar a compreensão das participantes. Para a segunda etapa, as competências foram construídas a partir da construção coletiva e com as enfermeiras presentes.

RESULTADOS

A partir da identificação dos saberes resultantes da análise das entrevistas, foi possível discutir e refletir sobre as oficinas de trabalho, o que resultou em um conjunto prévio de competências, submetido a análise de discurso e reaproximado ao referencial teórico utilizado. Tem-se dois quadros a respeito: um sobre as competências para ação educativa nos trabalhos assistencial e gerencial de enfermeiras da ESF (Quadro 2); e outro sobre as competências comuns à ação educativa nas duas dimensões: assistencial e gerencial de enfermeiras da ESF (Quadro 3).

Quadro 2
Competências para ação educativa da enfermeira da Estratégia Saúde da Família na dimensão assistencial e gerencial do trabalho, São Paulo, Brasil, 2015
Quadro 3
Competências comuns à ação educativa da enfermeira da Estratégia Saúde da Família na dimensão assistencial e gerencial do trabalho, São Paulo, Brasil, 2015

Para a dimensão assistencial, as enfermeiras consideram a necessidade integrar o cuidado em saúde, desenvolver estratégias pedagógicas com grupos, avaliar os processos educativos e praticar a intersetorialidade.

Na dimensão gerencial, foram elencadas: necessidade de um ambiente que compartilhe ideias e dúvidas, planejamento da ação educativa com os profissionais da equipe, desenvolvimento de habilidades de liderança compartilhada na equipe e avaliações processuais sobre o processo educativo realizado.

Há também um conjunto de competências comuns às dimensões assistencial e gerencial do trabalho em enfermagem, mostrando que, embora com finalidades diferentes, as ações educativas, tanto na assistência como na gerência, compartilham características comuns, e ambas estão diretamente atreladas ao referencial de educação em saúde abordado(1212 Vasconcelos EM, Vasconcelos MOD, Silva MO. A contribuição da Educação Popular Para a reorientação das práticas e da política de saúde no Brasil. Rev FAEEBA Educ Contemp [Internet]. 2015 [cited 2017 May 15]; 24(43):89-106. Available from: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/viewFile/1311/886
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).

Na perspectiva das enfermeiras, outro aspecto importante que complementa a abordagem das competências é o apoio e a valorização institucional para realizar ações educativas na perspectiva adotada. Houve relatos de escassez e/ou inadequação de materiais e espaço físico para as ações educativas, bem como a necessidade de estratégias educativas dedicadas a essa temática com a equipe de saúde. Embora se constitua como realidade dos serviços de saúde, tais dificuldades foram incorporadas às ações educativas.

DISCUSSÃO

No que se refere às competências para ação educativa na dimensão assistencial, destaca-se a necessidade de integrar o cuidado em todos os ciclos da vida. Pensar em ações educativas que reconheçam o usuário como um ser holístico e ao mesmo tempo social, inserido num contexto, expresso pela sua forma de inserção social (trabalho, renda, acesso a serviços e direitos), tornando a integralidade um eixo norteador de todas as ações educativas desenvolvidas nos serviços de saúde(1818 Leonello VM, Oliveira MAC. Integralidade do cuidado à saúde como competência educativa do enfermeiro. Rev Bras Enf [Internet]. 2010 [cited 2017 May 15]; 63(3):366-70. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a03v63n3.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a03...
-1919 Albuquerque PC, Stotz EN. Popular education in primary care: in search of comprehensive health care Interface[Internet]. 2004 [cited 2017 Aug 8]; 8(15):259-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v8n15/a06v8n15.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v8n15/a06v...
).

Os grupos educativos integram o conjunto de práticas das unidades de saúde e, para serem implementadas, é necessário desenvolver estratégias pedagógicas. A troca de experiência, as rodas de conversa e a problematização são exemplos de estratégias para desenvolver essa competência, desde que embasadas pela educação popular em saúde, com planejamento e desenvolvimento das ações educativas(2020 Oliveira LC, Ávila MMM, Gomes AMA, Sampaio MHLM. Popular participation in health education initiatives: challenges for primary healthcare professionals. Interface [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 8]; 18(2):1389-400. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807-5762-icse-18-s2-1389.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807...
).

Considerando a integralidade das ações de saúde, é preciso pensar em ações intersetoriais que ampliem a colaboração entre os profissionais da ESF e outros setores, tais como educação e cultura. Para isso, é necessário que a enfermeira saiba praticar a intersetorialidade, permitindo espaços de compartilhamento de decisões entre as distintas instituições, nos diferentes setores da saúde, incentivando relações horizontais entre parceiros e interdependência de serviços. Ela também demanda a participação social, pois integra a comunidade na qual está inserida(2121 Dias MSA, Parente JRF, Vasconcelos MIO, Dias FAC. Intersetorialidade e Estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 8]; 19(11):4371-82. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n11/1413-8123-csc-19-11-4371.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n11/1413...
).

Além disso, as enfermeiras também observam a necessidade de avaliar as ações educativas com os usuários/grupos/famílias e coletividade, o que remete à necessidade de explicitar o referencial de educação utilizado e planejar a ação educativa, com objetivos e resultados esperados a curto, médio e longo prazo. Ressalta-se a importância de que a avaliação tenha indicadores da ação educativa coerentes ao referencial educativo utilizado(2222 Sade PMC, Peres AM. Development of nursing management competencies: guidelines for continuous education services. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 [cited 2017 Aug 8]; 49(6):988-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n6/0080-6234-reeusp-49-06-0991.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n6/00...
).

No que se refere à dimensão gerencial, observa-se a necessidade de um ambiente que compartilhe ideias e dúvidas. Como o trabalho em saúde é feito de forma coletiva, com sujeitos que compõem as equipes de saúde, é essencial um ambiente em se que construam a identidade de equipe e o compartilhamento de objetivos, elementos essenciais ao trabalho em conjunto(2323 Peduzzi M, Carvalho BG, Mandú ENT, Souza GC, Silva JAM. Trabalho em equipe na perspectiva da gerência de serviços de saúde: instrumentos para a construção da prática interprofissional. Physis [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 8]; 21(2):629-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v21n2/a15v21n2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/physis/v21n2/a1...
).

A reunião de equipe é uma estratégia fortalecedora, pois facilita a comunicação e cria um espaço potente para compartilhar ideias e refletir sobre práticas cotidianas, contribuindo para organizar medidas, planejar ações e tomar decisões para que o trabalho seja colocado em prática(2424 Paula M, Peres AM, Bernardino E, Eduardo EA, Sade PMC, Larocca LM. Características do processo de trabalho do enfermeiro da estratégia de saúde da família. Rev Min Enferm [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 8]; 18(2):454-70. Available from: http://reme.org.br/exportar-pdf/939/en_v18n2a15.pdf
http://reme.org.br/exportar-pdf/939/en_v...
). Para haver essa integração, é necessário que os profissionais de saúde reconheçam seus papéis específicos, os papéis comuns a todos na equipe e os que necessitam de articulação e colaboração.

Também é necessário planejar a ação educativa com os profissionais da equipe de saúde, para que a enfermeira tenha tempo para pensar e elaborar suas atividades com a equipe. O Planejamento Estratégico Situacional (PES) é uma ferramenta gerencial que pode colaborar na definição dos problemas em uma unidade de saúde identificando as causas e os sujeitos envolvidos, propondo um planejamento participativo de ações para enfrentá-los. Destaca-se que esse planejamento deve ser utilizado numa perspectiva dialógica e participativa, envolvendo a equipe no processo(2121 Dias MSA, Parente JRF, Vasconcelos MIO, Dias FAC. Intersetorialidade e Estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver? Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 8]; 19(11):4371-82. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n11/1413-8123-csc-19-11-4371.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n11/1413...
).

Segundo Ano e colaboradores(2525 Ano VM, Vannuchi MTO, Haddad MCFL, Pissinati PSC. Performance evaluation under the opinion of the nursing staff from a public university hospital. Ciênc Cuid Saúde [Internet]. 2015 [cited 2017 May 15]; 14(4):1403-10. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/27886/pdf_1
http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/C...
), a habilidade de liderança compartilhada dentro da equipe é a competência gerencial mais requisitada e, para atender a essa necessidade, são necessários espaços para refletir e aprimorar as práticas profissionais. Ações com base na educação permanente são indicadas pois impulsionam o crescimento pessoal e desenvolvimento profissional dos sujeitos.

Como as organizações de saúde são complexas, a enfermeira precisa que o desenvolvimento de uma equipe tenha apoio institucional. As ações relacionadas ao desenvolvimento profissional devem ser documentadas para serem visíveis nas organizações, por meio de uma gestão participativa que compartilhe as relações de poder, sensibilizando os indivíduos quanto à responsabilidade em seu aprimoramento e ao compartilhamento de novos saberes(2222 Sade PMC, Peres AM. Development of nursing management competencies: guidelines for continuous education services. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 [cited 2017 Aug 8]; 49(6):988-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n6/0080-6234-reeusp-49-06-0991.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n6/00...
).

As avaliações processuais configuram instrumento gerencial relevante e possibilitam à enfermeira o conhecimento de potencialidades e fragilidades dos profissionais. O processo avaliativo identifica a necessidade de treinamento e desenvolvimento da equipe, formula estratégias de assistência prestadas e organiza a unidade de saúde. As instituições de saúde têm se esforçado para reformular o desenvolvimento profissional, com o objetivo de utilizá-lo como recurso de aprimoramento profissional dos trabalhadores e compreender como eles vivenciam esse processo(2525 Ano VM, Vannuchi MTO, Haddad MCFL, Pissinati PSC. Performance evaluation under the opinion of the nursing staff from a public university hospital. Ciênc Cuid Saúde [Internet]. 2015 [cited 2017 May 15]; 14(4):1403-10. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/27886/pdf_1
http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/C...
).

Ressalta-se que instrumentos como planejamento, liderança e comunicação fazem sentido se operacionalizados para atender às necessidades de saúde e, portanto, são coerentes com os princípios da integralidade e do trabalho em equipe estabelecidos na atenção básica e na ESF. Devem ser utilizados numa perspectiva de diálogo e participação, com estímulo à liderança compartilhada e à participação da equipe, desde a identificação à construção coletiva para enfrentar os problemas da saúde.

Alinhada a essa perspectiva, as atividades educativas desenvolvidas pela enfermeira nas ESFs são importantes para a assertividade desse processo. Para além de cursos e capacitações e voltadas para lacunas específicas de conhecimento técnico-científico, é necessário revitalizar o lugar e o sentido das ações educativas desenvolvidas com a equipe. Tais ações são fundamentais para discutir e refletir sobre o trabalho na atenção em saúde e, a partir destas, trazer mudanças e transformações que de fato desloquem a lógica de produção de serviços para a produção de cuidados.

Sobre as competências para ação educativa na dimensão assistencial (Quadro 2), a primeira é identificar as necessidades de saúde dos usuários, famílias e coletividade e as de formação/educação dos profissionais da equipe de saúde, o que implica em reconhecer as necessidades como ponto de partida para planejar as ações educativas relacionadas às dimensões gerencial e assistencial, com vistas a superar a persistência de ações que desconsideram ou não fazem a escuta adequada das necessidades de saúde dos sujeitos envolvidos(77 Cervera DPP, Parreira BDM, Goulart BF. Educação em saúde: percepção dos enfermeiros da atenção básica em Uberaba (MG). Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 8]; 16(1):1547-54. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16s1/a90v16s1.pdf
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).

Além de identificar as necessidades de saúde de usuários e de formação dos profissionais, é fundamental valorizar as vivências e experiências dos usuários, famílias, coletividade e profissionais, considerando esses sujeitos como especialistas do cotidiano, contribuindo sobremaneira para planejar e desenvolver o processo educativo. Tradicionalmente, as ações educativas supervalorizam o saber profissional em detrimento do saber expresso pelas experiências dos sujeitos. Isso coloca em discussão a proposição de ações educativas realizadas com os sujeitos, e não para eles(44 Gomes LB, Merhy EL. The popular education and the health care: a study from the work of Eymard Mourão Vasconcelos. Interface [Internet]. 2014 [cited 2017 May 15]; 18(2):1427-40. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807-5762-icse-18-s2-1427.pdf
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5 Dias GAR, Lopes MMB. Educação e saúde no cotidiano de enfermeiras da atenção primária. Rev Enf UFSM [Internet]. 2013 [cited 2017 Apr 12]; 3(3):449-60. Available from: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/7846.
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6 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 12]; 69(6):1124-31. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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7 Cervera DPP, Parreira BDM, Goulart BF. Educação em saúde: percepção dos enfermeiros da atenção básica em Uberaba (MG). Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 8]; 16(1):1547-54. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16s1/a90v16s1.pdf
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8 Cruz PJSC, Vieira SCR, Massa NM, Araújo TAM, Vasconcelos ACCP. Desafios para a participação popular em saúde: reflexões a partir da educação popular na construção de conselho local de saúde em comunidades de João Pessoa, PB. Saúde Soc [Internet]. 2012 [cited 2017 Aug 8]; 21(4):1087-100. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n4/v21n4a25.pdf
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9 Roecker S, Budó MLD, Marcon SS. The educational work of nurses in the Family Health Strategy: difficulties and perspectives on change. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2017 May 15]; 46(3):638-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n3/en_16.pdf
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10 Alves GG, Aerts D. As práticas educativas em saúde e a Estratégia Saúde da Família. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2011 [cited 2017 Aug 8]; 16(1):319-25. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n1/v16n1a34.pdf
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11 Flisch TMP, Alves RH, Almeida TAC, Torres HC, Schall VT, Reis DC. Como os profissionais da atenção primária percebem e desenvolvem a Educação Popular em Saúde? Interface[Internet]. 2014 [cited 2017 Aug 8]; 18(2):1255-68. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s2/1807-5762-icse-18-s2-1255.pdf
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-1212 Vasconcelos EM, Vasconcelos MOD, Silva MO. A contribuição da Educação Popular Para a reorientação das práticas e da política de saúde no Brasil. Rev FAEEBA Educ Contemp [Internet]. 2015 [cited 2017 May 15]; 24(43):89-106. Available from: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/viewFile/1311/886
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).

Já os fluxos de comunicação foram apontados pelas enfermeiras como algo importante e ainda deficiente nas ações educativas desenvolvidas na ESF. Muitas vezes, as informações sobre a organização do processo de trabalho nas unidades não chegam aos usuários nem mesmo aos profissionais de saúde de forma adequada, podendo ocasionar conflitos e dificuldades no desenvolvimento das ações educativas. Além disso, a construção do fluxo também poderia envolver mais os usuários e profissionais, não se limitando à gerência da enfermeira. Dessa forma, seria possível o acesso facilitado e adequado da informação, sem “engessar” ou limitar a ação dos sujeitos, considerando-se a dinamicidade e complexidade das questões trazidas pelos usuários e profissionais(2626 Oliveira VC. Comunicação, informação e participação popular nos Conselhos de Saúde. Saúde Soc [Internet]. 2004 [cited 2017 May 15]; 13(2):56-69. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v13n2/06.pdf
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).

Muitas ações são planejadas em conjunto com a população, retomando aqui a importância de estimular o controle social e sua articulação à equipe de saúde como elemento essencial dentro da educação popular em saúde que, assim como a integralidade do cuidado, constitui-se como princípio a ser garantido pelo SUS. As participantes do estudo relatam a necessidade de fortalecer a articulação entre controle social e equipe de saúde, o que expressa ainda uma fragilidade nessa relação, muitas vezes conflituosa e mal compreendida pelos envolvidos(2727 Coelho JS. Construindo a participação social no SUS: um constante repensar em busca de equidade e transformação. Saúde Soc [Internet]. 2012 [cited 2017 May 15]; 21(1):138-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21s1/12.pdf
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).

É necessário reiterar aos profissionais de saúde o espaço da participação social como direito e, ao mesmo tempo, reiterar aos representantes dos usuários que tal lugar só pode ser construído por meio do diálogo, considerando a realidade dos serviços e a finalidade da ESF. Dessa forma, deve-se investir em propostas que reiterem essa responsabilidade coletiva tanto à equipe de saúde quanto aos usuários, implantando-as em conselhos locais, municipais e regionais e avançando na proposta de participação social, mediada por ações educativas.

Limitações do estudo

As oficinas de trabalho como estratégia metodológica mostraram-se eficientes para construir as competências das enfermeiras da ESF. Observou-se que as competências elencadas estão alinhadas à perspectiva do SUS, especialmente em relação à integralidade do cuidado, ao atendimento das necessidades, ao controle social e à intersetorialidade.

Entretanto, também foi possível observar que, embora presente, a educação popular em saúde ainda está frágil no trabalho das enfermeiras. Esse aspecto foi problematizado nas oficinas, o que trouxe reflexões das enfermeiras sobre sua ação educativa.

Dado o referencial teórico adotado, uma limitação do estudo foram as oficinas somente com enfermeiras. Certamente, é importante avançar em estudos que trabalhem com outros sujeitos, inclusive sob perspectiva de gênero, entre eles, os demais profissionais que compõem a equipe e os usuários. Para isso, é necessário um planejamento que adeque as estratégias utilizadas na oficina para esses diferentes sujeitos.

Contribuições para a área de Enfermagem e atenção básica

As competências elencadas referem-se a um determinado contexto da ESF, e a construção desse processo mostrou-se importante para estimular a reflexão das enfermeiras sobre a ação educativa que realizam. Dessa forma, ter um conjunto de competências contribui tanto para explicitar o trabalho educativo já realizado como para nortear o desenvolvimento de futuras ações educativas que potencializem a perspectiva da educação popular em saúde nos processos educacionais de enfermeiras da ESF.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As competências construídas são fundamentais para ação educativa da enfermeira nas dimensões assistencial e gerencial da ESF e, na perspectiva de educação adotada, podem promover espaços de discussão e aproximação entre usuários e equipe de saúde, e entre os profissionais que compõem as equipes. Ainda se faz necessário romper com a visão reducionista e vertical da ação educativa para uma mais ampla e crítica, que possibilite espaços nos quais o cuidado em saúde seja construído de forma coletiva, com a participação de usuários, famílias, comunidade e trabalhadores da equipe.

Observa-se um conjunto comum de competências para ação educativa nas dimensões assistencial e gerencial. Ou seja, as ações educativas desenvolvidas com a equipe devem estar diretamente relacionadas aos elementos necessários às ações educativas desenvolvidas com os usuários, utilizando os mesmos princípios de participação, diálogo, respeito e atenção voltados às necessidades de saúde.

Por fim, a indicação por si só de competências para ação educativa não implica em mudanças ou transformações na prática assistencial, mas o processo de construção destas por meio de oficinas mostrou-se importante para a reflexão das enfermeiras sobre seus processos educacionais no e para o trabalho delas e, portanto, uma estratégia de educação permanente na ESF.

  • FOMENTO
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2017
  • Aceito
    14 Ago 2017
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