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Mas, do que é mesmo que estamos falando quando abordamos a integralidade?

EDITORIAL

Mas, do que é mesmo que estamos falando quando abordamos a integralidade?

Jussara Gue Martini

Editor Científico da REBEn e Diretora de Publicações e Comunicação Social da ABEn (2007-2010)

Procurei-te em vão pela terra,

perto do céu, sobre o mar.

Se não chegas nem pelo sonho,

por que insisto em te imaginar?

Cecília Meireles

A inexistência de uma definição de fato sobre o que seria a tal " integralidade" é, ao mesmo tempo, uma fragilidade e uma potencialidade. Podemos dizer que a integralidade não é apenas uma diretriz do Sistema Único de Saúde (SUS) definida constitucionalmente. Ela é uma " bandeira de luta" , parte de uma " imagem objetivo" num enunciado de certas características do sistema de saúde, de suas instituições e de suas práticas que são consideradas, por alguns, desejáveis. Ainda destaca-se a imagem subjetiva como elemento balizador no sistema de saúde atrelado ao ideário do desejo, repleto de sentimento, de emoção e de motivação para uma construção coletiva na defesa da saúde(1).

A Lei Orgânica de Saúde estabeleceu os princípios do SUS, com base no artigo 198 da Constituição Federal de 1988. Um deles é a integralidade, " [...] entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema" . Desse modo, esse princípio busca assegurar ao usuário uma atenção que inclui ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação(2).

As reflexões desenvolvidas por pesquisadores da área apontam que outros significados podem ser acrescidos a estes, ampliando a concepção de integralidade. Assim, podem ser salientados três grupos de sentido para a integralidade, relacionados com: a) atributo das práticas dos profissionais de saúde, incluindo os valores ligados ao que se define como uma boa prática, em qualquer âmbito, não só no âmbito do SUS; b) atributos da organização dos serviços e c) respostas governamentais aos problemas de saúde(1).

Na perspectiva da Integralidade pode se afirmar, então, que os processos de produção de saúde dizem respeito, necessariamente, a um trabalho coletivo e cooperativo, entre sujeitos, e se faz numa rede de relações que exige interação e diálogo permanentes. Cuidar dessa rede de relações, permeada como é por assimetrias de saber e de poder, é uma exigência maior, um imperativo, no trabalho em saúde e, especialmente, no cuidado de Enfermagem.

Vale dizer que quanto mais conscientes, mais capacitados estaremos para sermos anunciadores e denunciadores, frente ao compromisso que assumimos, permitindo desvelar a realidade, procurando desmascarar sua mitificação e alcançar a plena realização do trabalho humano com ações de transformação da realidade para a libertação das pessoas.

A integralidade recoloca o sentido do trabalho em saúde e em Enfermagem na reconstituição da humanidade das pessoas frente às suas necessidades de saúde. Dessa perspectiva, o trabalho em saúde resgata seu sentido ontológico, pois a atenção integral em saúde se volta para as necessidades do ser humano como sujeito da produção da existência e não como objeto da acumulação do capital(3). Ou seja, a Integralidade pressupõe cuidar do outro em seu sofrimento, não apenas em seu adoecimento.

  • 1
    Brasil. Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Diário Oficial da União 2008 mar 05. Disponível em: URL: http://www.cff.org.br/Legislação/Leis/lei_8080_90.html
  • 2. Mattos RA. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cad Saúde Pública 2004; 20(5): 1411-6.
  • 3. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. [citado em: 14 jun 2008]. Disponível em: URL: http://www.lappis.org.br/artigo_ruben1.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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