Descobertas das Ciências Biológicas e as implicações para a prática da Enfermagem

A produção de conhecimento na área das ciências biológicas, durante muito tempo, foi vista como de responsabilidade e competência exclusivamente de profissionais médicos. Esse cenário alterou-se frente à tendência mundial de aperfeiçoamento dos demais profissionais de saúde, incluindo-se a necessidade de se concretizar a utilização da metodologia da prática baseada em evidência na atuação do enfermeiro. Trata-se de um modelo operacional de competência clínica que envolve tomada de decisão baseada em acessos e interpretações de informações cientificas. Para possibilitar essa complexa forma de atuação, é necessário que possamos contar com o conhecimento de um conjunto de disciplinas básicas que subsidiam a aplicação desse modelo. E a enfermagem supera seus próprios limites, quando se apropria do conhecimento do método científico, de novas descobertas conhecimentos e tecnologias que determinam melhores resultados da sua atuação, aprimorando ainda mais as habilidades para a prestação de cuidados essenciais.

A inter-relação das ciências biológicas com a Enfermagem é uma via de mão dupla. Poderíamos citar inúmeros achados que contribuíram para a formação dessa ponte entre as duas áreas, mas poucas foram tão impactantes quanto à descoberta do oxido nítrico (NO). Estudos, que datam da década de 90, mostraram a síntese endógena desse gás, que até então era conhecido apenas como produto da poluição. O NO é um gás solúvel, altamente lipofílico, sintetizado pelas células endoteliais, macrófagos e neurônios. É um importante sinalizador intracelular e extracelular, que promove o relaxamento da musculatura vascular lisa, provocando efeito hipotensor potente. Age também como neuromodulador, tem ação bactericida, além de efeito modulador da liberação hormonal, modulador de cicatrização e outras ações biológicas.

Essa descoberta justificou a outorga do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina a três cientistas, Robert F. Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad, em 1998. Sabe-se atualmente que não há praticamente uma doença que não seja associada direta ou indiretamente ligada à alteração da homeostase do NO, incluindo-se aquelas consideradas como principais preocupações atuais da saúde pública: hipertensão, obesidade e diabetes.

A partir desta descoberta, é possível dizer que praticamente tudo que se sabia nas ciências biológicas foi reavaliado, considerando a participação do NO. Tais conhecimentos tornam-se, assim, de fundamental importância e interesse para o enfermeiro em diferentes especialidades⁽¹⁾.

Tais conhecimentos elucidaram o entendimento do principio de ação de diferentes medicamentos derivados de nitrogênio (como exemplo o nitroprussiato de sódio), além do desenvolvimento de novas drogas com ação anti-inflamatória sem ação esteroidal. Da mesma forma, podemos citar a utilização de drogas doadoras e inibidoras da ação do NO, que passaram a fazer parte do arsenal para tratamento de pacientes em unidade de terapia intensiva como hipertensão pulmonar, choque séptico e hipertensão resistente a outras terapias.

Ainda, dentro do campo de atuação da enfermagem, a úlcera por pressão é uma preocupação constante dos enfermeiros, em indivíduos com mobilidade reduzida. Quando não tratada, causa problemas irreparáveis para os pacientes, elevando o risco de mortalidade, especialmente em indivíduos idosos. Nos últimos anos, o NO tem sido utilizado como método eficaz para o tratamento de úlcera por pressão. Nesse ano de 2016, Saidkan e colaboradores realizaram um elegante estudo onde avaliaram o processo de cicatrização de úlcera por pressão em 58 pacientes, tradados com creme com capacidade de liberação de NO. Observou-se que o creme foi capaz de acelerar o processo de cicatrização de modo eficiente, seguro e acessível. O baixo custo, aliado à viabilidade terapêutica, deve elevar seu potencial como substância para tratamento de ulcera por pressão num futuro muito próximo⁽²⁾.

Considerando-se a tendência mundial do estreitamento entre o conhecimento produzido pelas ciências biológicas e a aplicação dos seus resultados para a prática de enfermagem (chamado mundo afora como "from bench to bedside"), é imperativo estamos certos da necessidade de se estabelecer cada vez mais o fortalecimento da articulação entre estas duas dimensões, mantendo a enfermagem em sua busca incessante pela excelência na prestação de serviços à saúde.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Stephens C, Fawcett TN. Nitric oxide and nursing: a review. J Clin Nurs [Internet]. 2007[cited 2016 Jun 02];16(1):67-76. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2702.2005.01527.x/epdf
• ²
  Saidkhani V, Asadizaker M, Khodayar MJ, Latifi SM. The effect of nitric oxide releasing cream on healing pressure ulcers. Iran J Nurs Midwifery Res [Internet]. 2016[cited 2014 Oct 26];21(3):322-30. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4857669/
  » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4857669/

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Jul-Aug 2016