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A alteridade nas relações de enfermagem

The representation of the "others" in the nursing relations

La representación de los "otros" en las relaciones de enfermería

Resumos

A desumanização das relações entre os profissionais de saúde e os pacientes estão cada vez mais evidentes. Não nascemos éticos, mas nos tornamos éticos através do nosso desenvolvimento. O presente estudo entrevista enfermeiros que atuam em unidades hospitalares com o objetivo de identificar a representação do "outro" (paciente e familiar) nas relações de Enfermagem e compreender como se dão essas relações. O estudo mostra uma clara dicotomia existente entre a teoria e a prática; os enfermeiros estão, em sua grande maioria, insatisfeitos com o seu trabalho e com o reconhecimento da profissão; tem dificuldade de se comunicar com o paciente sem deixar de demonstrar autoridade; e reconhecem a importância da família, porém ainda não conseguem lidar com ela.

Enfermagem; Relações interpessoais; Ética de enfermagem; Comunicação


The lack of humanization between health professionals and patients are becoming more common. We are not ethical, but we become ethical through our behavior. The hereby study interviews nurses who act in the hospital departments with the objective to identify the representation of the "other" (patient and familiar) in the relationship of nursing and to understand how these relationships occur. The study shows a clear dichotomy between theory and practice; nurses are, in most cases, unsatisfied with work and the recognition of the profession; there is difficulty in communicating with the patient without demonstrating authority; recognizing the importance of the family, however still not dealing with it.

Nursing; Interpersonal relations; Ethics, nursing; Comunication


La deshumanización de las relaciones entre los profesionales de la salud y los pacientes están cada vez mas evidentes. No nacimos éticos, mas sino hacemos éticos a través del nuestro desarrollo. El estudio entrevista enfermeras que actúan en unidades de hospital con el objetivo de identificar la representación de lo "otro" (paciente y familiar) en las relaciones del oficio de enfermera y para entender como si dan estas relaciones. El estudio demuestra una dicotomía clara existente entre la teoría y la práctica; las enfermeras están, en su gran mayoría, insatisfecha con su trabajo e el reconocimiento de la profesión; tiene dificultad de si comunicar con el paciente sin demostrar autoridad; y reconoce la importancia de la familia, no obstante todavía no obtienen para tratar de ella.

Enfermería; Relaciones interpersonales; Ética de enfermería; Comunicación


PESQUISA

A alteridade nas relações de enfermagem

The representation of the "others" in the nursing relations

La representación de los "otros" en las relaciones de enfermería

Ana Cláudia Giesbrecth PugginaI; Maria Júlia Paes da SilvaII

IEnfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem, Área de Concentração - Saúde do Adulto de do Idoso, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. claudiapuggina@hotmail.com

IIEnfermeira. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. juliaps@usp.br

RESUMO

A desumanização das relações entre os profissionais de saúde e os pacientes estão cada vez mais evidentes. Não nascemos éticos, mas nos tornamos éticos através do nosso desenvolvimento. O presente estudo entrevista enfermeiros que atuam em unidades hospitalares com o objetivo de identificar a representação do "outro" (paciente e familiar) nas relações de Enfermagem e compreender como se dão essas relações. O estudo mostra uma clara dicotomia existente entre a teoria e a prática; os enfermeiros estão, em sua grande maioria, insatisfeitos com o seu trabalho e com o reconhecimento da profissão; tem dificuldade de se comunicar com o paciente sem deixar de demonstrar autoridade; e reconhecem a importância da família, porém ainda não conseguem lidar com ela.

Descritores: Enfermagem; Relações interpessoais; Ética de enfermagem; Comunicação.

ABSTRACT

The lack of humanization between health professionals and patients are becoming more common. We are not ethical, but we become ethical through our behavior. The hereby study interviews nurses who act in the hospital departments with the objective to identify the representation of the "other" (patient and familiar) in the relationship of nursing and to understand how these relationships occur. The study shows a clear dichotomy between theory and practice; nurses are, in most cases, unsatisfied with work and the recognition of the profession; there is difficulty in communicating with the patient without demonstrating authority; recognizing the importance of the family, however still not dealing with it .

Descriptors: Nursing; Interpersonal relations; Ethics, nursing; Comunication.

RESUMEN

La deshumanización de las relaciones entre los profesionales de la salud y los pacientes están cada vez mas evidentes. No nacimos éticos, mas sino hacemos éticos a través del nuestro desarrollo. El estudio entrevista enfermeras que actúan en unidades de hospital con el objetivo de identificar la representación de lo "otro" (paciente y familiar) en las relaciones del oficio de enfermera y para entender como si dan estas relaciones. El estudio demuestra una dicotomía clara existente entre la teoría y la práctica; las enfermeras están, en su gran mayoría, insatisfecha con su trabajo e el reconocimiento de la profesión; tiene dificultad de si comunicar con el paciente sin demostrar autoridad; y reconoce la importancia de la familia, no obstante todavía no obtienen para tratar de ella.

Descriptores: Enfermería; Relaciones interpersonales; Ética de enfermería; Comunicación.

1.INTRODUÇÃO

Em nenhum momento da história humana, a ciência e a técnica colocaram tantos desafios à ética como hoje. Enfrentamos uma decadência do comportamento humano. As relações pessoais estão perdendo a densidade ética e as estruturas sociais tornando-se, cada vez mais, francamente a-éticas(1). A desumanização das relações entre os profissionais de saúde e os pacientes tem sido uma das principais causas apontadas para o aumento de denúncias e processos de promoção de responsabilidade jurídica contra os profissionais de saúde. As reclamações não se restringem às "faltas" técnicas, mas relacionam-se também com o descumprimento do dever de solidariedade, com agressão ao direito de liberdade, de locomoção, de segurança, de informação, de emissão do livre consentimento e de privacidade(2).

Não nascemos éticos, mas nos tornamos éticos através do nosso desenvolvimento. Isso quer dizer que passamos dos direitos humanos a uma ética das relações que, não sendo inata, deve ser apreendida por todos os indivíduos que desejam se relacionar. "Sem acesso ao outro, que é diferente do eu, seria impossível pensarmos em ética das relações, pois esta pressupõe um mínimo de identificação com ele, além da consciência de que este outro é um ser racional com o próprio eu"(3).

O verdadeiro sentimento ético pressupõe uma elaboração do eu, o que só poderá ocorrer no aprendizado com a própria experiência da vida, e implica também na renúncia ao narcisismo. Verifica-se, então, a passagem de um egoísmo exclusivo para a possibilidade do aparecimento do altruísmo e da gratidão. Ou seja, através do descentramento narcísico torna-se possível o acesso à alteridade(3).

Na psicanálise, Freud usou o mito de Narciso como modelo para referir-se a um aspecto do ser que se caracteriza por um estado no qual o indivíduo vive inteiramente voltado para si e impossibilitado de estabelecer verdadeiras ligações afetivas. Considerando o desfecho do mito como modelo, no qual Narciso morre na contemplação apaixonada de sua imagem refletida na água, pode-se dizer que a consciência faz com que o Narciso dentro de cada um morra, ou então, sofra uma transformação. Não há possibilidade de crescimento e de enfrentamento da realidade sem que morra o Narciso dentro de cada um. Morrer o Narciso dentro de si é crescer, mantendo a auto-estima necessária para a vida, sem perder-se numa estéril auto-admiração. Incluir o outro no campo relacional implica uma verdadeira revolução interior e uma completa transformação nos modos de convivência, tanto com as necessidades pessoais quanto com as solicitações alheias(4).

Lévinas(5) desenvolve uma reflexão sobre a tentativa de sair da condição do haver impessoal. Para isso, é necessário ao eu depor-se, e a única alternativa que resta é "ser para o outro", e com uma relação social des-inter-essada. "Ser para o outro" significa a responsabilidade ética por ele, que permite ao eu superar o rumor anônimo e insignificativo do ser.

Alteridade é isso, a representação do outro dentro de nós e a capacidade de conviver com o outro diferente, de se proporcionar um olhar interior a partir das diferenças. Significa que eu reconheço "o outro" também como sujeito de iguais direitos. É exatamente essa constatação das diferenças que gera a alteridade.

"Qualquer relacionamento que não é recíproco, é explorador" (José Ângelo Gaiarsa)1

A escolha profissional

Qualquer coisa que possa atingir a auto-estima reduz a oportunidade de estabelecer um bom contato. Preservar e intensificar a auto-estima é uma maneira de chegarmos mais fortes até o outro(6).

Enfrentamos, na Enfermagem, há muito tempo a comparação com o curso de Medicina. Muitos jovens ingressam na faculdade sem saber fazer essa distinção entre o cuidar e o curar. A Enfermagem, sem dúvida, é uma profissão belíssima, mas o status adquirido com a profissão vem de luta e de competência e não apenas com "um título". Na prática vemos muitos enfermeiros insatisfeitos com a escolha que fizeram e quando isso acontece é tão visível... A auto-estima interfere diretamente nas relações com o outro.

"Ame o que você faz e se sentirá bem". (Provérbio popular)

A percepção

"Percebemos com mais facilidade o que é agradável e tem interesse ou significado especial para nós. Igualmente, vemos e ouvimos apenas aquilo que mais nos convém!"(7)

A preocupação em observar os sintomas objetivos, olhar mecanicamente para anotar, permeiam o cotidiano das nossas relações interpessoais. Chegou o momento em que o registro no papel passou a ter mais importância do que a escuta, o carinho, o afeto. O não importar-se com o outro é um modo deficiente de "ser com o outro" muito comum, e o que é pior, ousamos pensar que o paciente está "conformado". Na verdade, o que se mostra é que ele tem acesso mínimo no Serviço Público de Saúde e quando tem essa "chance", por vezes permanece calado por medo, receio de perder aquela escassa oportunidade. O corpo deles fala o que a boca amedrontada cala e percebê-los é decifrar essa linguagem(8).

"A conduta humana se parece muito com o desenho. A perspectiva se altera quando o olho muda de posição. Não depende do objeto e sim de quem está olhando." (Vincent Van Gogh)

O sentir

O auto-conhecimento influencia as relações. Só tendo consciência dos seus próprios sentimentos a pessoa conseguirá ter consciência dos sentimentos alheios. E mais do que isso, através do auto-conhecimento o profissional conseguirá lidar de maneira mais franca com os próprios sentimentos e com os do paciente. Sentimentos negativos (raiva, medo, tristeza etc) podem existir na relação enfermeira-paciente? Podem, por que não se é uma relação estabelecida entre duas pessoas com defeitos e virtudes como outras quaisquer? O que acontece, muitas vezes, é que o enfermeiro não aceita ter esse tipo de sentimentos e, não os aceitando, torna-se difícil lidar com eles ou simplesmente aceitar os próprios limites.

Ajo como se não sentisse o que sinto ou sentisse o que não sinto?

A linguagem

O Outro se revela outro em seu rosto, mas manifesta ser infinitamente Outro pela sua palavra. A linguagem se torna um lugar de reencontro, com o estranho e desconhecido do Outro(5). Tudo começa em perceber o silêncio, o espaço mudo entre uma palavra e outra, entre um olhar e uma ação. O silêncio é oportunidade para que algo inédito possa se instalar. Nele acreditamos encontrar uma oportunidade para que o encontro entre profissional e paciente aconteça(9).

...Pafraseio o Alberto Caeiro: `Não é o bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma'. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor... Certo estava Lichtenberg citado por Murilo Mendes: `Há quem não ouça até que cortem as orelhas.' Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...(10).

A relação com o outro consiste certamente em querer compreendê-lo, mas a relação de alteridade excede essa compreensão. Significa que outrem não é, primeiramente, objeto de compreensão e, depois, interlocutor(11).

A linguagem que usamos com os outros e os tipos de relações interpessoais que desenvolvemos mostram diretamente o quanto temos de alteridade dentro de nós. O enfermeiro é um educador inato, tanto em relação à equipe quanto em relação aos pacientes, mas o que vemos, muitas vezes, na sua assistência são monólogos impessoais e anônimos. Precisamos exercitar a nossa capacidade de ouvir...

"Para muita gente, falar é uma questão de hábito" (Virginia Satir)(6)

A família

A hospitalização pode acarretar um desequilíbrio na estrutura familiar e esta exerce um papel importante na recuperação do paciente. As necessidades dos familiares, muitas vezes não supridas pela equipe hospitalar, julgadas com maior grau de importância por eles próprios, foram: sentir que o pessoal do hospital se interessa pelo paciente; estar seguro de que o melhor tratamento possível está sendo dado; sentir que há esperança de melhora; saber que tratamento médico está sendo dado e ter perguntas respondidas com franqueza(12).

O Enfermeiro está em uma posição singular para identificar essas necessidades, de maneira a implementar uma assistência com qualidade, entendendo-se que a assistência ao paciente deve estender-se, também, ao familiar do paciente(12). A representação do outro como alter vai além de vê-lo como um indivíduo capaz de chorar, sorrir e ter suas próprias vontades, é preciso também compreendê-lo em seu contexto histórico, familiar e cultural.

A família sempre faz parte do tratamento.

Enfim, num momento em que a Enfermagem e a saúde, em geral, se envolvem cada vez mais no desenvolvimento de conhecimentos científicos e técnicos, discussões sobre "alteridade" e "humanização hospitalar" tornam-se extremamente necessárias. Mezzomo et al(13) afirmam que infelizmente, no caminho, perdemos algo de vital valor: o olhar o ser humano como "gente". "Gente como a Gente", necessitando de cuidados médicos, mas ainda mais de atenção e amor. Muitos de nossos pacientes poderão encontrar alívio em suas doenças através de pequenos gestos de carinho. Alma atendida, e o paciente estará muito mais engajado no tratamento, aceitando melhor o tempo de hospitalização, as dores do tratamento e, até mesmo, a morte(14).

Segundo Sadala(15), na Enfermagem as repercussões da utilização do critério da alteridade fazem-se sentir diretamente na prática da assistência, particularmente no que se refere à questão da autonomia momento no qual, enfim, se reconhece que o paciente é dono do seu próprio corpo, e sujeito do seu cuidado.

2. OBJETIVO

Identificar a representação do "outro" (paciente e familiar) nas relações de Enfermagem e compreender como se dão essas relações.

3. MÉTODO

3.1 Tipo de estudo

Estudo de natureza exploratório descritiva, de campo, com abordagem qualitativa. Os discursos foram analisados considerando todas as respostas de um sujeito, como um todo indivisível, para não se perderem dados relevantes em um estudo que se dispõe a estudar as relações; como, por exemplo, a contradição no discurso.

3.2 Local do estudo

Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

3.3 População

Foi escolhida aleatoriamente e constituída por enfermeiros que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: atuar em unidades hospitalares e prestar cuidados diretos; estar presente no local e momento da coleta de dados; aceitar participar da entrevista, independente do hospital onde atuam.

3.4 Procedimentos na coleta de dados

Primeiramente o projeto foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da EEUSP. Todos os sujeitos preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta dos dados foi através de um plano de entrevista realizado oralmente, e permitiram aos sujeitos responder verbalmente as questões. O entrevistador fez uso de um gravador para uma posterior transcrição dos dados. As questões foram:

1- O que levou você a escolher a profissão de Enfermagem?

2- O que você vê e sente quando olha para um paciente?

3- Algum paciente ou familiar do paciente já provocou algum sentimento negativo (raiva, mágoa, frustração etc) em você?

4- Em uma conversa direta (profissional-paciente) de 10 minutos, quanto tempo, em média, os pacientes costumam falar?

5- Na sua opinião, qual é a importância da família na recuperação do paciente hospitalizado?

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

Depoimento 1: JN, 23 anos, 5 meses de atuação, UTI

1- Tive uma experiência forte de cuidado da minha vó e foi aí que me interessei pela profissão.

2- Depende do paciente (Rs). Se é um paciente que está muito grave e que é jovem, muitas vezes eu acabo sentindo pena, não é nem compaixão, é pena. Me imagino na situação dele e chego a ficar angustiada. Se é um paciente que está bem, está fazendo um acompanhamento só de rotina e você vê que tem uma melhora, aí é um outro olhar, você olha com olhar de vida, de perspectiva.

3- Já. O paciente que você está sempre fazendo as coisas e ele não percebe, já me despertou mágoa, já fiquei chateada com isso, de não ter sido valorizada. E uma vez que fui agredida pelo paciente (mudança do tom de voz / rs) na hora eu fiquei super chateada, mas pensei, não é para mim, ele está desorientado. Ela estava mesmo, mas na hora a primeira reação que tive foi de mágoa, de achar que aquilo era para mim, mas passou, foi só um minuto (rs).

4- De 10 minutos acho que o paciente fala muito pouco, ele tenta até falar mais, mas o profissional sempre o corta no meio porque ele tem um interesse que é diferente do paciente e tem que cumprir aquele interesse. Acho que o paciente consegue falar 4 minutos, no máximo.

5- Acho que é muito importante, principalmente se você vê que a família tem um envolvimento positivo, ocupa um papel importante na vida do paciente, e que ele a reconheça como importante no cuidado. Tem alguns familiares que o próprio paciente nega a participação no cuidado porque sabe que aquela pessoa representa uma coisa negativa. Então, acho que se a família tem um envolvimento, é bem aceita pelo paciente, acho que ela tem um papel fundamental na recuperação dele.

Neste discurso a vontade de fazer enfermagem surgiu de uma experiência de cuidado, experiência esta que se identifica plenamente com os objetivos da profissão.

Em relação aos sentimentos que surgem no cuidado direto ao paciente, a entrevistada mostrou "se permitir" ter sentimentos diferentes, tanto de amor quanto de mágoa. Sentimentos inerentes à natureza humana, pois o ser humano é duplamente articulado. Temos uma grande dificuldade em aceitar a agressividade e a destrutividade que todos nós possuímos e somos capazes de projetar no mundo e nas outras pessoas. Não podemos negar nossa "punção de morte" e a única forma de controlá-la é através da conscientização e aceitação dessa nossa ambigüidade(16). E esse sentimento negativo foi provocado principalmente pela falta de valorização por parte do paciente em relação aos cuidados prestados. O reconhecimento representa uma forma de motivação e, quando ausente, pode causar frustração no profissional e influenciar diretamente na sua maneira de cuidar.

Em relação à comunicação, foi referido que o paciente fala muito pouco e isso se deve, no discurso, à existência de interesses diferentes tanto dos pacientes quanto dos profissionais. Este relato trás consigo uma certa incoerência, pois os interesses dos pacientes e dos profissionais teoricamente não devem ser diferentes. Pelo contrário, quando congruentes facilitam a comunicação, a recuperação do paciente e o alcance dos objetivos(7). Com interesses divergentes é muito difícil chegar a um resultado comum e satisfatório para ambas as partes. Aparece claramente nesse discurso a necessidade angustiante do profissional de cumprir "tarefas", consolidando o modelo funcional de assistência ainda tão presente.

A importância da família na recuperação do paciente foi relatada como determinada pelo próprio paciente. Importante quando a família ocupa um papel positivo na vida do paciente e, não importante quando o próprio paciente nega sua participação(12).

Neste discurso, de um modo geral, observa-se uma focalização do cuidado no paciente. Discurso esse que muito destoa da realidade e pode ser devido ao pouco tempo de atuação da enfermeira, a forte idealização que recém-formados trazem da universidade ou a inexperiência da entrevistadora em explorar o discurso.

Como afirmam Vila e Rossi(17), embora as unidades de terapia intensiva sejam um local ideal para o atendimento a pacientes agudos graves recuperáveis, também parecem oferecer um dos ambientes mais agressivos, tensos e traumatizantes do hospital. Apesar do grande esforço que os enfermeiros possam estar realizando no sentido de humanizar o cuidado em UTI, esta é uma tarefa difícil, pois demanda atitudes às vezes individuais contra todo um sistema tecnológico dominante.

Depoimento 2: DVC, 26 anos, 2 anos de atuação, UTI.

1- Uma tia influenciou na escolha da minha profissão. Enquanto ela ficava trabalhando no hospital eu ficava passeando nas unidades com os técnicos e auxiliares de enfermagem acompanhando-os a cuidar dos pacientes. Primeiro tentei fazer Medicina, não consegui, e tentei Enfermagem. Tem algumas coisas na minha profissão que eu adoro e tem outras que eu já vejo com outros olhos. "Aí que droga, que ser enfermeira tem que passar por isso, ou tem que fazer isso". Mas o que eu faço é procurar algumas áreas ou algumas especialidades que amenizam o que eu acho ruim da profissão.

2- Penso um pouco mais na parte prática. Como qualquer outra pessoa, tem pacientes que eu gosto de cuidar e tem aqueles que eu não gosto de cuidar.

3- Lógico que já. Uma coisa muito freqüente é quando o paciente está melhorando e fala assim: "Nossa esse hospital é muito bom, a equipe médica é maravilhosa, que bom que meu pai está melhorando". E a enfermagem? Os familiares não entendem muito o que acontece com os pacientes. A gente faz o cuidado com tanto gosto, com tanto desejo de fazer bem feito, que acabamos esperando muito reconhecimento, e por isso que a gente se frustra. Então, os sentimentos negativos que a família provoca é quando não me reconhece, quando me criticam, quando vêem algum defeito. E, às vezes, eles tem razão, e aí a gente procura reconhecer, mas é sempre ruim ouvir crítica.

4- Eu sempre falei mais que os pacientes. E quando os pacientes falam, falam de tudo, do céu, da terra, do mundo e a gente tem que ficar puxando, delimitando. Ou tem aqueles que são monossilábicos, você tem que ficar explorando. Mas em média eles falam bem pouco, eu falo uns 8 e eles falam uns 2.

5- A família é muito importante enquanto apoio emocional para o paciente fazendo ele se sentir mais próximo de casa ou se sentir querido, se a família desejar que ele volte para casa logo. Mas a família acaba, pelo menos em ambiente crítico, atrapalhando um pouco. Já trabalhei em semi-intensiva que a família ficava o tempo todo do lado do paciente, e tem coisas que não são prioridades no momento, para mim enfermeira, e que são prioridades para a pessoa enquanto família. Então fica um desgaste muito grande. Acho que o que a gente quer, na verdade, é que a gente tome conta desse processo e pronto, eu sei o que importante para o doente, você me dá licença, mas não é assim, a gente tem que deixar eles participarem porque eu acho que a família é muito importante para eles mesmos, a gente é que tem que aprender a lidar.

Neste discurso a escolha em cursar Enfermagem também surge de uma experiência de cuidado, mas esta escolha não foi a inicial, a primeira opção era cursar Medicina. Isso é muito comum na Enfermagem e pode influenciar, sim, no cuidado. Essa vontade não suprida pode representar uma "ferida narcísica" e determinar comportamentos e atitudes, tanto na assistência de Enfermagem, como na relação com os familiares e outros membros da equipe.

O outro diferente é ameaçador. O que pode levar a uma alienação do sujeito, em se relacionar apenas com a parcela da realidade que dá prazer, levando ao egocentrismo(16). No discurso, isso aparece claramente no momento em que a entrevistada diz procurar "algumas áreas ou algumas especialidades que amenizam o que é ruim na profissão". Relacionar-se apenas com o exterior que dá prazer é uma atitude típica de uma personalidade narcísica capaz de direcionar o sujeito apenas para um exterior alienante e não transcendente.

"A nossa relação com a exterioridade é só para ultrapassá-la, dominá-la e não para interagir de uma maneira construtiva"(16)

Segundo Colli apud Mattéi(18) os fundamentos da civilização consistem em reconhecer o que está fora de nós, o que é diferente de nós. O que se chama religião, natureza, sociedade, cultura. O sinal de decadência é a interiorização, o fato de tudo relacionar a nós: filosofia e ciência moderna.

Em relação ao que se vê quando olha-se para o paciente, a entrevistada parece negligenciar a representação do outro. Quando o enfermeiro toma como prioridade a parte funcional e técnica da assistência, ele acaba negando a existência de um sujeito por trás disso tudo e dando abertura para possíveis iatrogenias, principalmente as psicológicas e emocionais(3).

Ao transformar a relação eu/outro em eu/objeto, o enfermeiro "coisifica" o paciente para que ele torne-se mais facilmente manipulado, essa é a mais freqüente "barbárie" na área saúde(16). Horkheimer e Adorno apud Mattéi(18) iluminam a condição maior da barbárie de nosso tempo, que consiste na retirada do sujeito para sua interioridade. Não é uma violência externa invadindo a interioridade das pessoas, mas sim o contrário, essa violência vem de dentro e reflete uma interioridade narcísica, vazia, onde só há a representação do próprio ego(16). A falta de alteridade no cuidado de enfermagem pode deixar marcas profundas em quem vive a experiência de ser "paciente".

A experiência de estar internado em uma Unidade de Terapia Intensiva e em estado de coma, como afirmam Silva, Schlicknann, Faria(19), é um processo complexo que pode deixar profundas marcas em quem vivenciou. Muitas dessas marcas não estão somente ligadas ao coma em si, mas às experiências de ser "des/cuidado" durante esse processo, levando muitos doentes não só a necessitarem de se recuperar da doença, mas do fato de terem se tornado "pacientes". Isto porque, apesar dos avanços teóricos acerca do cuidado, a prática ainda se dá quase que exclusivamente, com base em ações profissionais despersonalizadas, na qual o ser se torna a doença, o objeto passivo da investigação e do tratamento.

No discurso, a frase "tem pacientes que eu gosto de cuidar e tem aqueles que eu não gosto de cuidar" demonstra uma certa conscientização que, inevitavelmente, nós vamos ter empatia por alguns pacientes e por outros não. E isso é conseqüência de experiências anteriores que tivemos. Teremos mais simpatia por pacientes que nos "lembrem" coisas positivas do nosso passado e vice-versa.

"Quanto menos eu conheço a minha irracionalidade, mas esse irracional domina a minha razão(16)."

Em relação aos sentimentos negativos provocados pelo paciente ou familiares, aparece novamente a questão do reconhecimento e o motivo dado é que "os familiares não entendem muito o que acontece com os pacientes" e fazem muitas cobranças e críticas.

O enfermeiro de unidade de terapia intensiva, muitas vezes, talvez devido a gravidade de seus pacientes, se esquece de prestar assistência a família do paciente, na qual a simples informação pode ser importante. Os pacientes e seus familiares estão à mercê de estranhos cujas funções e papéis desconhecem, de máquinas, de aparelhos de testes e de rotinas totalmente desconectadas de seus hábitos(17). É muito natural que tenham receios Talvez o enfermeiro, por estar tão preocupado com o reconhecimento, permaneça sempre na defensiva, projetando toda a fragilidade que existe em si no mundo ao seu redor.

Um grande `fetiche' da civilização é acreditar que a violência está fora e nós não temos nada a ver com ela. É um engano, pois ela vem de uma manifestação nossa como seres humanos, é uma projeção do que está dentro(16).

"Tudo o que está no consciente já esteve no inconsciente um dia" (Sigmond Freud)(20)

No seu discurso aparece claramente a relação família-profissional como um desgaste muito grande e a uma vontade explícita de controlar a situação e "coisificar" o paciente: "o que a gente quer na verdade é que a gente tome conta desse processo e pronto, eu sei o que é importante para o doente". Novamente a entrevistada, depois desse relato tão excludente e onipotente, tenta se redimir da importância da presença da família; "a gente tem que deixar eles participarem, a gente que tem que aprender a lidar com eles". É clara a contradição no discurso e a ambigüidade de sentimentos em relação a família do paciente. Por mais que a enfermeira afirme a importância da presença da família aparecem no discurso contradições que revelam conflitos, desgastes e até negligências.

Depoimento 3: OV, 45 anos, 15 anos de atuação (começou como auxiliar de enfermagem e há 3 anos é enfermeira), Recuperação pós-anestésica.

1- Não tinha muito escolha, precisava trabalhar, tinha me formado em Magistério e não tinham vagas; então, a única oportunidade que tive foi a Enfermagem. Acabei gostando e estou até hoje.

2- Ele é um ser que está precisando da minha ajuda. Eu estou do outro lado, ele está necessitando, ninguém pede para ficar doente. Trato como uma pessoa da minha família, como se fosse meu filho. Porque pode ser idoso, velhinho, adulto, mulher, homem, não tem assim diferença.

3- Não, de raiva, mágoa, discussão nada dessas coisas. Nunca tive nenhum desses sentimento não, nenhum problema, graças à Deus até hoje não.

4- Procuro deixar às vezes o paciente falar mais, eu ouço mais e eu falo pouco. Ele fala uns 7 minutos e eu falo 3. Deixo ele desabafar quanto queira. Quando eu preciso orientar? Aí falo, explico tudo, pergunto se entendeu, se ele não entendeu falo de novo; então, aí acho que eu falo meio a meio, porque eu falo e espero ele falar... eu acabo falando mais Uns 8.

5- A família é tudo, é o máximo, para o doente principalmente. Porque ele está acostumado com a família dele e vem para a gente num mundo novo, muito diferente. Muitas vezes a família não quer participar, tem esse lado né?! Mas a família é muito importante para ele porque: sabe todos os hábitos dele, horário de tudo, é uma vivência com a família que não tem com a gente. Então, o que a família pode ajudar e, às vezes, com a orientação da gente, eles até entendem esse lado e acabam aceitando melhor.

Neste discurso, apesar da escolha pela profissão ter sido por necessidade e fácil acesso, já que a enfermeira ingressou nesta área como auxiliar de enfermagem, o discurso tende para uma assistência de enfermagem que respeita o paciente e seus familiares.

No entanto, a resposta dada em relação à comunicação enfermeira-paciente pode conter uma certa contradição. Em uma unidade de recuperação anestésica, além do paciente estar muito confuso e desorientado devido o procedimento anestésico, há uma alta rotatividade de pacientes e dificilmente a enfermeira deixará "ele desabafar o quanto queira". Em uma primeira resposta à pergunta, a entrevistada afirma que procura deixar o paciente falar mais. Porém, quando lhe foi colocada a situação de orientação, uma prática muito realizada pelos Enfermeiros, essa resposta se modificou bastante: "eu acabo falando mais".

Paegle(21), em um trabalho que teve como objetivo descrever e analisar a comunicação não-verbal em grupo enfermeira-pacientes, concluiu que o ritual de orientação exercido fortemente na prática da Enfermagem mostrou-se claramente ineficaz, havendo, por parte dos membros do grupo, um silêncio de respeito.

Novamente, portanto, voltamos à questão da representação do outro. Para que uma orientação enfermeira-paciente tenha bons resultados e alcance seus objetivos, primeiramente, a enfermeira precisa ter uma certa percepção de si, para passar as informações de forma clara, e em segundo lugar uma percepção do outro.

Em uma comunicação direta, tanto o paciente quanto a enfermeira emitem sinais não-verbais que demonstram o envolvimento e a intenção na conversa. Como, por exemplo, a postura corporal. Quando ambas as pessoas envolvidas no diálogo estão interessadas, os seus corpos ficam voltados um para o outro e não lateralizados(7). Quantas vezes presenciamos enfermeiras dando orientações enquanto escrevem ou regulam o gotejamento do soro fisiológico, sem minimamente olhar para o paciente?

A capacidade de captar essas comunicações sutis se apóia em competências básicas, essencialmente a autopercepção e o autocontrole. Sem a capacidade de captar nossos próprios sentimentos, ou impedir que eles se apossem de nós, ficamos irremediavelmente desconectados dos estados de ânimo das outras pessoas. Sofrer de surdez emocional conduz á falta de jeito social, seja por interpretar sentimentos erroneamente, seja por meio de uma rudeza ou indiferença mecânica, fora de sintonia. Uma das formas que pode assumir essa falta de empatia consiste em reagir às pessoas como se fossem estereótipos, em vez de indivíduos singulares, que é o que de fato são(22).

Depoimento 4: KL, 25 anos, recém-formada, Ambulatório de Oncologia.

1- Na minha cidade tinha Odonto e Enfermagem. Sempre quis ver o ser humano além da boca. Queria fazer faculdade porque queria fazer pesquisa. Eu nunca procurei a Enfermagem porque eu queria atender as pessoas, esse nunca foi o objetivo principal. Sempre gostei da Oncologia e eu queria de início fazer Medicina porque falaram para mim que quem fazia pesquisa e estudava na área de oncologia eram os médicos. Se meu desejo fosse ser um profissional para atender o paciente eu não estaria satisfeita com a Enfermagem, principalmente pela falta de respeito que o profissional de Enfermagem tem. A gente estuda tanto e as pessoas não reconhecem. As pessoas desconhecem completamente a profissão. Somos desrespeitados, ignorados. O que me estraga a satisfação é o contato com o profissional médico. Quando você entra em contato também com os outros profissionais, é como eles te ignorassem, acham que você está ali para cumprir o que eles mandam.

2- Minha primeira curiosidade é saber o que ele tem. Eu quero entender, ver se eu sei o que ele tem (rs), ver se eu conheço o que ele tem (rs). Eu não gosto de pensar que ele tem família, porque aí eu fico muito triste...

3- Não. Eu sempre olho para o paciente e eu falo o seguinte: se eu estivesse no lugar dele, eu seria tão chato quanto ou mais chata. Eu estou em casa e fico doente, eu quero que a minha mãe faça tudo para mim, que ela limpe, que ela varra, que ela traga comida; acho que todo filho é assim. Assim, é muito bom ter ao lado da gente um profissional que faça as coisas pela gente sem você precisar ficar pedindo, ele percebe o que você precisa.

4- Acho que ele deve falar uns 5 minutos, ou seja, quase meio a meio. Mesmo eu gostando muito de falar, porque eu tenho curiosidade de saber se ele está entendendo, principalmente o paciente com câncer. Por exemplo, se ele vai para a casa com a sonda e fica se alimentando por ela vários dias, eu tenho que fazer toda a orientação para ele. Orientar, falar, falar, falar... os 10 minutos porque ele vai embora.

5- É completa. Eu acho que quando a família está ali o paciente se sente seguro. Muitas vezes a família constrange numa UTI, começa a chorar você se sente constrangido com aquilo, porque para você é muito tranqüilo estar vivendo aquela situação, incomoda

Nesse discurso a ambigüidade de sentimentos e as contradições aparecem claramente em todo o decorrer da fala do entrevistado. Na primeira questão, em relação à escolha da profissão, o entrevistado diz não ter escolhido odontologia porque sempre quis ver o ser humano além da boca. No entanto, na escolha pela Enfermagem, o objetivo principal nunca foi atender as pessoas, mas sim a pesquisa. Uma grande contradição O que pesquisará um enfermeiro que não tem como intenção atender pessoas? Que tipo de professor será? É uma escolha extremamente narcísica onde este procura a satisfação apenas do seu ego.

"Uma vez que não podemos ver claro, devemos ver mais claramente nossas obscuridades." (Sigmund Freud)(20)

Continuando o discurso aparece a primeira frustração. A enfermeira tem um forte sentimento de desvalorização de si e da profissão. Quando você entra em contato com os outros profissionais é como se eles te ignorassem. Apesar da intensa preocupação com o conhecimento, como uma maneira de tentar suprir uma "vacuidade" (eu quero fazer pesquisa), ela não consegue se sentir menos desrespeitada e humilhada. Talvez isso ocorra porque ela própria desconheça e "negue" os objetivos da profissão.

Também podemos destacar que, ao trabalhar em equipe, cada um dos participantes constroem seu papel em relação ao outro. Da mesma maneira que ela "mutila" o paciente, vendo nele apenas o que lhe é interessante; minha primeira curiosidade é saber o que ele tem, se eu sei o que ele tem - não gosto de pensar que ele tem família; ela também pode projetar nos outros membros da equipe toda a sua frustração profissional e pessoal, modificando as relações negativamente.

"Aprender a conviver em grupo é um grande desafio." (Maria Júlia Paes da Silva)(7)

McDougall apud Freud(20) enumera cinco `condições principais' para a formação de um grupo. Haver certo grau de continuidade de existência do grupo; cada membro deve formar alguma idéia definida da natureza, composição, funções e capacidades do grupo, de maneira que a partir disso, possa desenvolver uma relação emocional com o grupo como um todo; o grupo deve ser colocado em interação (talvez sob a forma de rivalidade) com outros grupos semelhantes, mas que dele difiram em muitos aspectos; possuir tradições, costumes e hábitos; ter estrutura definida, expressa na especialização e diferenciação das funções de seus constituintes.

Ao entrarmos num grupo, a ambivalência de sentimentos existente deve se desfazer, pois não é possível manter um grupo com a presença de ódio(16). O ódio e a punção de morte que existem em todos os indivíduos não podem ser descarregados dentro do grupo, pois se isso acontecer o grupo se diluirá. Então, todo esse ódio deve ser descarregado fora do grupo, para as pessoas que são "diferentes", no sentido de não pertencerem ao grupo. Chamamos isso de narcisismo das pequenas diferenças(16).

Todo esse sentimento negativo do entrevistado, portanto, muito aparente no decorrer de todo o discurso, em relação aos outros membros da equipe de saúde, dificulta a formação de um grupo de trabalho no qual ele possa estar inserido. A formação de um grupo de trabalho em uma unidade terapêutica, seja ela qual for, possibilita a delimitação clara e precisa das tarefas que serão desempenhadas, diminui as angustias e temores dos participantes, bem como, possibilita a continuidade da assistência.

Com relação à comunicação com o paciente, a enfermeira, em princípio, afirma que a comunicação ocorre meio a meio, ou seja, orador e receptor falam mais ou menos a mesma quantidade, mesmo gostando muito de falar. No entanto, se contradiz logo em seguida quando diz que tem que fazer toda a orientação para ele. Orientar, falar, falar, falar os 10 minutos porque ele vai embora. Nesta frase está implícita um ego enorme e extremamente narcísico.

Sobre a participação da família na recuperação do paciente, o discurso começa com afirmações como quando a família está ali o paciente se sente seguro e termina de uma maneira totalmente diferente. A família começa a chorar, você se sente constrangido com aquilo, porque para você é muito tranqüilo estar vivendo aquela situação. Os sentimentos do outro além de não ter importância, incomodam Apesar de os profissionais terem consciência da necessidade do cuidado humano, o cuidado técnico impera Não devemos permitir que o progresso nos afaste do doente. A ciência e a tecnologia não obedecem a critérios morais. Utilizemos tudo que a técnica tem de bom, para nossos pacientes. Sejamos técnicos com sabedoria. Desse modo ganharemos amizade e respeito. Precisamos reconhecer que nenhuma máquina é capaz de substituir o diálogo enfermeiro-paciente. Ele é a base da confiança e do respeito a se formar entre os dois(6,7,13,14).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho possibilitou a observação do contexto real da alteridade nas relações de Enfermagem, nas quais é clara a dicotomia existente entre a teoria e a prática.

A dura realidade nos mostra que os enfermeiros estão, em sua grande maioria, insatisfeitos com o seu trabalho e com o reconhecimento da profissão; tem dificuldade de se comunicar com o paciente sem deixar de demostrar autoridade; e reconhecem a importância da família, porém ainda não conseguem lidar com ela.

Apesar do cuidado humanizado ser conceituado como respeito, amor, carinho, mantendo o diálogo, a privacidade, dando atenção à família, e representar uma das diretrizes da assistência de Enfermagem, este parece ainda estar muito distante de se tornar uma realidade unânime. Em geral, o enfermeiro ouve pouco, fala muito e não presta a atenção adequada nos pacientes em que se propõe cuidar.

"CUIDAR É quando você se aproxima de mim, mesmo sabendo que você não pode satisfazer meu desejo mais profundo, isto é, minha cura. quando vejo que você é capaz de sorrir e sentir-se feliz no desempenho de seu trabalho. quando você se aproxima de mim sem ares de profissionalismo, mas como pessoa humana que todos nós somos." O'Connor(23)

Data do recebimento: 24/05/2005

Data da aprovação: 30/08/2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Out 2005

Histórico

  • Aceito
    30 Ago 2005
  • Recebido
    24 Maio 2005
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