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Articulação teórico-prática da constante aprendizagem da liderança na enfermagem à luz de Peter Senge

RESUMO

Objetivo:

Analisar a articulação teórico-prática da constante aprendizagem da liderança na graduação em Enfermagem.

Métodos:

Estudo de caso realizado em uma universidade pública federal do Nordeste. Para coleta, aplicaram-se as técnicas de entrevista semiestruturada, oficinas e análise documental. Participaram das entrevistas 40 discentes de enfermagem; e das oficinas, 26. Os dados foram submetidos à análise operativa de Minayo, com uso do software Nvivo. Adotaram-se os conceitos de Peter Senge.

Resultados:

Os discentes demonstraram maior entendimento da temática ao longo do curso e reconheceram elementos contributivos para a constante aprendizagem da liderança, como características comportamentais e uso de abordagens metodológicas integradas aos espaços teóricos e práticos.

Considerações finais:

O ensino da liderança mostra-se relevante na formação em Enfermagem, e isso vem sendo reconhecido pelos discentes, mas ainda necessita de mudanças para sua operacionalização, com aprimoramento e integração teórico-prática das vivências experimentadas, condizentes com a realidade dos cenários de atuação.

Descritores:
Enfermagem; Liderança; Aprendizagem; Educação em Enfermagem; Papel do Profissional de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To analyze the theoretical-practical articulation of the continuous learning of leadership in undergraduate Nursing.

Methods:

Case study carried out at a Northeast federal public university. For data collection, semi-structured interview techniques, workshops, and document analysis were applied. Forty Nursing students participated in the interviews, and 26 in the workshops. The data were submitted to Minayo’s operative analysis using the Nvivo software. Peter Senge’s concepts were adopted.

Results:

The students demonstrated a greater understanding of the theme throughout the course and recognized contributing elements to the continuous learning of leadership, such as behavioral characteristics and the use of methodological approaches integrated with theoretical and practical spaces.

Final considerations:

The teaching of leadership is relevant in Nursing education, and this has been recognized by students, but still requires changes for it to become operational, with an improvement and a theoretical-practical integration of the cultivated experiences, suitable to the reality of the craft.

Descriptors:
Nursing; Leadership; Learning; Nursing Education; Nursing Professional Role

RESUMEN

Objetivo

Analizar articulación teórico-práctica de la constante aprendizaje del liderazgo en grado en Enfermería.

Métodos

Estudio de caso realizado en universidad pública federal del Nordeste. Para recogida, aplicaron las técnicas de entrevista semiestructurada, talleres y análisis documental. Participaron de las entrevistas 40 dicentes de enfermería; y de los talleres, 26. Los datos fueron sometidos al análisis operativo de Minayo, con uso del software Nvivo. Basados en Peter Senge.

Resultados

Dicentes demostraron mayor entendimiento de la temática al largo del curso y reconocieron elementos contributivos a la constante aprendizaje del liderazgo, como características comportamentales y uso de abordajes metodológicas integradas a los espacios teóricos y prácticos.

Consideraciones finales:

La enseñanza del liderazgo se muestra relevante en la formación en Enfermería, y eso fue reconocido por los dicentes, pero aún necesita cambios para su operacionalización, con perfeccionamiento e integración teórico-práctica de las experiencias, condecentes con la realidad de los escenarios de actuación.

Descriptores:
Enfermería; Liderazgo; Aprendizaje; Educación en Enfermería; Papel del Profesional de Enfermería

INTRODUÇÃO

A busca por capacitação e qualificação profissional representa um constructo para o efetivo exercício da liderança pelo enfermeiro. A necessidade de desenvolver e aprimorar essa competência transversalmente, desde o início da graduação, tem sido bastante discutida, pois é apontada como elemento que contribui para a melhoria dos cuidados ofertados à população e das relações interpessoais estabelecidas no processo de trabalho em saúde.

Por certo, fragilidades relacionadas às precárias condições de trabalho, geralmente vivenciadas nos serviços de saúde, somadas ao baixo investimento em capacitação e qualificação de enfermeiros-líderes, fomentam um cenário que dificulta o desenvolvimento dessa competência. Dessa forma, investimentos em ações voltadas para o aprimoramento da liderança dependem, significativamente, do apoio, reconhecimento e incentivo das instituições de saúde e educação(11 Wardani E, Ryan T. Barriers to Nurse Leadership in an Indonesian Hospital Setting. J Nurs Manag. 2019;27(3):671-8. https://doi.org/10.1111/jonm.12728
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). Também, ocorrem em função da necessidade de atender à implementação de um currículo por competências e habilidades, conforme os requisitos propostos pelos serviços de saúde e Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Enfermagem (DCN/ENF)(22 Ministério da Saúde (BR). Parecer Técnico nº 28/2018. Recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) à proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de graduação Bacharelado em Enfermagem. Ministério da Saúde [Internet]. 2018[cited 2020 Nov 26]. Available from: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso573.pdf
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), no tocante à formação do perfil profissional e, ao mesmo tempo, no aperfeiçoamento do ensino.

Consequentemente, essa ação pode reverberar na melhoria do serviço e da qualidade da assistência ofertada. Assim, tal medida visa favorecer a aprendizagem efetiva pautada nos quatro pilares da educação: 1) aprender a conhecer numa desconstrução do conhecimento e reinvenção do pensamento; 2) aprender a fazer por meio da aquisição de habilidades laborativas; 3) aprender a viver junto e com os outros, que se refere às relações interpessoais da participação e cooperação; e 4)aprender a ser, isto é, o significado do homem em sua integralidade, complexidade e diversidade(33 Delors J. Educação: um tesouro a descobrir. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2018. 240 p.). Tais conceitos estão em consonância com os preceitos teóricos da organização de aprendizagem de Peter Senge e do aprendizado contínuo como uma forma de se capacitar e inovar(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.).

Dessa maneira, espera-se que o discente, ao longo do curso, adquira a habilidade de lidar com as complexidades que envolvem o cenário da saúde, com ênfase na premência de mudanças das práticas pedagógicas, inclusive nos conteúdos inseridos nos componentes curriculares para incentivar a autonomia dos discentes. Sobre isso, estudos buscam analisar o entendimento dos enfermeiros acerca do ensino da liderança na graduação e sobre as tendências de abordagem dessa temática; também desvelam o uso de estratégias de ensino-aprendizagem para o desenvolvimento dessa competência pelo enfermeiro. No entanto, ainda são identificadas fragilidades para a implementação da constante aprendizagem da liderança durante a graduação em Enfermagem, tendo em vista a aproximação e conhecimento da temática somente no final da graduação, mais especificamente durante o componente curricular de gestão(55 Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 4):1531-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
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-66 Amestoy SC, Trindade LL, Silva GTR, Santos BP, Reis VRSS, Ferreira VB. Leadership in nursing: from teaching to practice in a hospital environment. Esc Anna Nery. 2017; 21(4):e20160276. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
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).

Nesse sentido, considera-se necessário abordar a liderança de modo transversal, fomentandoa em diversos cenários de aprendizagem, desde o início da graduação. Assim, no presente estudo, ampliase o conhecimento a esse respeito com base nos conceitos de Peter Senge, por meio das “cinco disciplinas das organizações que aprendem”, a saber: 1) Domínio pessoal; 2) Modelos mentais; 3) Visão compartilhada; 4) Aprendizagem em equipe; e 5) Pensamento sistêmico. Tais disciplinas dizem respeito a ações teórico-metodológicas que possibilitam o desenvolvimento de capacidades de aprendizagem(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.).

No ensino da enfermagem, os preceitos teóricos de Senge podem ser adaptados para a aplicação da constante aprendizagem da liderança. Essa adequação pode ser feita com vistas à mudança de pensamento e maior possibilidade de inovações no cenário da formação(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Para tanto, parte-se da premissa de que a postura de liderança não significa um cargo, e sim uma competência necessária para o desenvolvimento, adequação e melhoria dos serviços ofertados à população. Dessa maneira, os conceitos da obra supracitada favorecem a compreensão e reiteram a relevância de ampliar o conhecimento a respeito da temática, como estímulo para o seu desenvolvimento nas instituições de ensino.

Além disso, vale salientar a existência de poucas produções na enfermagem sobre a constante aprendizagem da liderança e/ou que tenham utilizado o referencial teórico citado. Logo, o presente estudo é norteado pelo seguinte questionamento: Como se dá a articulação teórico-prática para a constante aprendizagem da liderança na graduação em Enfermagem?

OBJETIVO

Analisar a articulação teórico-prática da constante aprendizagem da liderança na graduação em Enfermagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Foram cumpridas as recomendações das Resoluções 466/12, 510/16 e 580/18 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa; e, após aproximação aos discentes, estes foram convidados a participar da pesquisa. Todos os colaboradores realizaram a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias (participante e pesquisadora), bem como foram esclarecidos sobre o direito de aceitarem ou não participar da pesquisa ou desistirem a qualquer momento, sem nenhum prejuízo.

Referencial teórico metodológico

Para este estudo, foram adotados os preceitos teóricos de Peter Senge discutidos na obra “A quinta disciplina: a arte e a prática da organização que aprende”(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.), com uma proposta de apresentar um novo olhar para a formação de enfermeiros-líderes.

O autor é considerado um dos pensadores influentes em administração e liderança no mundo, fundador e diretor da Society for Organizational Learning (SOL - Sociedade de Aprendizagem Organizacional) e autor do conceito learning organization (organização de aprendizagem). Graduado em Engenharia pela Universidade de Stanford, também possui formação em Filosofia, mestrado em Modelos de Sistemas Sociais, e é PhD em Administração pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.).

Para maior compreensão dos conceitos apreendidos pelo autor, buscou-se adaptar as cinco disciplinas à enfermagem, no intuito de promover reflexões, diálogos, mudanças de comportamentos, criticidade e autonomia dos futuros profissionais enfermeiros acerca do desenvolvimento da liderança no decurso da graduação. Acredita-se que esse preparo possibilite a inserção de egressos no mercado de trabalho com esse diferencial, de maneira associada aos conhecimentos técnico-científicos.

Logo, as cinco disciplinas remetem a uma profunda reflexão sobre o uso de abordagens teóricas e metodológicas para o desenvolvimento das capacidades centrais de aprendizagem (Figura 1), partindo do princípio de mudança do modelo de educação baseado na unilateralidade, no qual apenas o docente é detentor de conhecimento (diz-se do modelo de educação bancária) e das relações de poder. Essas relações estão presentes em diversos contextos: por exemplo, na ação direta da chefia sobre seus subordinados para o alcance de metas, na imposição de posturas de submissão, ou na relação do professor com o aluno baseada em acertos, na obrigatoriedade do uso de uniforme, no previsível e controlado, na competitividade, desconfiança e fragmentação do todo.

Figura 1
Capacidades centrais de aprendizagem em grupo

Assim, as cinco disciplinas se complementam e, portanto, devem ser aplicadas em conjunto, de modo que uma se relacione com a outra e vice-versa (Figura 2).

Figura 2
As cinco disciplinas e suas inter-relações

As aspirações, com a disciplina Domínio pessoal, abrangem os atributos e competências individuais, por se considerar que os indivíduos são capazes de obter melhores resultados quando o interesse contínuo de aprender é estimulado. De forma semelhante, tem-se a disciplina Visão compartilhada, com base nas concepções e no discernimento pessoal de partilhar ideias com o propósito de alcançar objetivos comuns e promover a participação de todos(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.).

A disciplina denominada Modelos mentais está mais relacionada com conversas reflexivas e diálogos cujos conceitos contribuem para avanços na organização. No entanto, estes podem deixar de ser implementados em razão da influência de ideias preconcebidas ou por reflexos negativos de pensar e agir(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Nesse aspecto, a disciplina Aprendizagem em equipe resulta de ações pensadas e aplicadas por meio do Domínio pessoal conjuntamente com a Visão compartilhada, dispostas na dimensão da reflexão compartilhada sobre assuntos complexos(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Retratam, ainda, a atuação complementar dos membros do grupo (com confiança, inovação, coordenação) e a participação deles em outras equipes. Essas interações buscam a promoção, o incentivo e a disseminação das práticas, desenvolvendo as habilidades de todos.

Por fim, Pensamento Sistêmico, ou a quinta disciplina, é considerado uma ferramenta gerencial e de liderança; ele é o elemento central e perpassa por todas as demais disciplinas, com base nas quais é possível o entendimento da complexidade das situações(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Nesse sentido, a aplicação de tal disciplina auxilia na elucidação de paradigmas por envolver mudanças de pensamentos e a necessidade de conhecer o todo (sua globalidade) para entender as partes.

Tipo de estudo

Estudo de caso com abordagem qualitativa, vinculado ao projeto matriz intitulado “Ensino da liderança na graduação em Enfermagem: perspectivas dos docentes e discentes”. Para estruturar este estudo, houve a utilização do instrumento Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(77 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ):a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Procedimentos metodológicos

Cenário de estudo

O estudo foi desenvolvido em uma universidade pública federal da Região Nordeste do Brasil.

Fonte de dados

Participaram do estudo 66 estudantes, com idade maior que 18 anos e regularmente matriculados no curso de Enfermagem do 1º ao 10º semestre.

Do total, 40 foram entrevistados individualmente. Para as oficinas, foram convidados os discentes que cursavam o componente curricular Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde, sendo que, na primeira oficina, a turma era composta por 15 discentes e, na segunda, 11 discentes. Esses grupos cursaram a disciplina em semestres distintos.

Para a pesquisa, também foi realizada a análise documental abrangendo o projeto pedagógico do curso e os planos dos componentes curriculares, fornecidos pela coordenação da instituição de ensino superior (IES). Foram excluídas de ambas as etapas os discentes transferidos de outras escolas.

Coleta e organização dos dados

Primeiramente, aplicou-se um questionário sociodemográfico; em seguida, as entrevistas com questões abertas foram realizadas individualmente, em espaço privado, em datas e horários previamente combinados com os entrevistados, no período compreendido entre novembro de 2017 e julho de 2018.

Na primeira etapa da pesquisa, os entrevistados foram selecionados conforme a técnica snowball sampling, que utiliza cadeias de referências(88 Kaplan CD, Korf D, Sterk C. Temporal and social contexts of heroin-using populations: an illustration of the snowball sampling technique. J Nerv Ment Dis. 1987;175(9):566-74. https://doi.org/10.1097/00005053-198709000-00009
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). A definição do quantitativo de partícipes obedeceu aos critérios de saturação, ou seja, as entrevistas foram encerradas quando não houve mais contato e/ou os dados se repetiam. As entrevistas seguiram perguntas norteadoras inseridas em um instrumento da pesquisa elaborado para essa finalidade. Preservou-se o anonimato dos participantes, que foram identificados pela letra D (discente) acrescida de um número correspondente à ordem de realização das entrevistas (D1, D2… D40).

Para validar as informações coletadas, foram realizadas duas oficinas, denominadas O1 e O2. A oficina consiste em um espaço dialógico para o estabelecimento do processo de comunicação autêntica, que oportuniza a participação de todos sem haver julgamentos das ideias por eles concebidas(99 Amestoy SC, Oliveira AFL, Thofehrn MB, Trindade LL, Santos BP, Bao ACP. Contributions of Paulo Freire to understanding the dialogic leadership exercise of nurses in the hospital setting. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1):e64764. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.64764
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-1010 Lima MM, Reibnitz KS, Kloh D, Vendruscolo C, Corrêa AB. Dialogue: network that intertwines the pedagogical relationship into the practical-reflective teaching. Rev Bras Enferm. 2016;69(4):654-61. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690406i
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). Os fragmentos extraídos das oficinas foram identificados pelas respectivas siglas, O1 e O2, seguidas da letra D (referente a discente) e de um número correspondente à ordem de participação (p.ex., O1D1, O2D1).

Essas oficinas foram agendadas com antecedência e ocorreram nos meses de julho e dezembro de 2017 com duração aproximada de 30 a 45 minutos. Estiveram presentes quatro pesquisadores (discentes e docentes da graduação e pós-graduação) previamente capacitados para as ações.

Na terceira e última etapa da coleta, procedeu-se à leitura reiterada dos documentos fornecidos pela coordenação do curso de graduação. A pesquisa documental contemplou os seguintes objetos de investigação: as ementas aprovadas e implantadas no segundo semestre de 2017, o projeto pedagógico do curso de graduação em Enfermagem do ano de 2010 (PPC2010) e os projetos de ensino dos componentes curriculares (CC1 ao CC10) específicos da área referentes ao período compreendido entre os anos de 2010 e 2012, todos em processo de atualização.

Análise dos dados

A proposta operativa de Minayo foi utilizada para a análise dos achados(1111 Minayo MCS, Costa AP. Técnicas que fazem uso da palavra, do olhar e da empatia. Pesquisa qualitativa em ação. Aveiro, Portugal: Ludomedia; 2019. 63 p.), associada à técnica de triangulação dos dados coletados(1212 Garnelo L. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Cad Saúde Pública. 2006;22(5):1115-17. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006000500025
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).

Dessa forma, foram percorridas as seguintes fases: 1) ordenação, com a organização dos materiais coletados, leitura/releitura e arrumação das transcrições; 2) categorização mediante busca das unidades de sentidos, pré-análise com base em material empírico e teórico, separados por assuntos no programa do Word, para a classificação e reunião das informações; 3) leitura atenta, aprofundada e impregnante das categorias e unidades de sentido; 4) conclusão, com a apresentação das informações(1111 Minayo MCS, Costa AP. Técnicas que fazem uso da palavra, do olhar e da empatia. Pesquisa qualitativa em ação. Aveiro, Portugal: Ludomedia; 2019. 63 p.). O tratamento dos dados foi feito no software NVIVO®11, no qual se realizou a tipificação dos materiais por similaridades e correspondências aos objetivos do trabalho.

Esse processo evidenciou fatores que contribuem para o ensino constante da liderança na graduação em Enfermagem, reunidos, neste estudo, em duas categorias: Constante aprendizagem da liderança na graduação em Enfermagem: articulação entre teoria e prática; e Fatores intervenientes e possibilidades da constante aprendizagem da liderança durante a graduação em Enfermagem.

RESULTADOS

Constante aprendizagem da liderança na graduação em Enfermagem: articulação entre teoria e prática

Nesta categoria, os discentes declararam, em seus depoimentos, que o modelo de formação proposto pela IES incentiva a constante aprendizagem da liderança no decurso da graduação, visto que, assim como os preceitos de Peter Senge, possibilitam a promoção das aspirações, a expansão do diálogo (das reflexões) e a compreensão de situações complexas. No entanto, foram encontradas fragilidades no ensino da competência nos documentos analisados, embora o assunto se encontre implícito no projeto pedagógico do curso e em seus componentes curriculares:

[...] equilibrar teoria e prática para construir uma competência inteira. A necessidade de dar respostas aos problemas colocados pela prática instiga alunos e docentes à busca de conhecimentos. A apropriação da realidade só se dá plenamente por meio das experiências práticas. O aprender começa do fazer para possibilitar saber fazer e ter a capacidade de refazer [...]. (PPC2010)

[...] instrumentalizar técnica, crítica e cientificamente o aluno para o processo do cuidar [...] propiciar instrumentos e habilidades essenciais à realização da SAE [...] analisar criticamente a eficácia do cuidado sistematizado e a repercussão do processo de enfermagem. (CC5)

Desenvolver e aplicar os conhecimentos técnico-científicos e gerenciais com habilidades e atitudes éticas na tomada de decisão no processo do cuidar [...] ampliar, integrar e consolidar conhecimentos e habilidades relativos à atenção. Desenvolver a capacidade de reflexão crítica sobre a realidade, de buscar alternativa de soluções para os problemas e de novos conhecimentos. (CC9 e CC10)

A formação do líder pode ocorrer de maneira constante ao longo da graduação em Enfermagem, associando teoria e prática, e em conjunto com os componentes curriculares. Quando isso acontece, estimula-se o envolvimento do discente para trabalhar em equipe, bem como sua disposição para assumir um comportamento relacional favorável à adoção de uma postura de liderança durante o gerenciamento do cuidado, o que se traduz na integração entre os membros por meio do diálogo (das reflexões) e no incentivo ao entendimento das complexidades propostas por Senge. Esse estímulo foi destacado em alguns discursos:

[...] pegando todo o arcabouço teórico, a história do enfermeiro-líder enquanto gestor é estimulada pelas professoras, para que a gente exercite isso na prática, principalmente nesse semestre, que é o estágio curricular, para que, quando a gente for futuros profissionais, já saiba lidar com as situações. (D35)

[...] o professor estimula que os alunos, no próprio grupo, estabeleçam uma liderança, isso já faz com que o aluno se prepare para futuramente estar atuando como líder de fato. (D21)

Contudo, os discentes que participaram das oficinas mencionaram a premência da inserção dessa temática desde o início do curso, de maneira transversal, alinhada ao componente Gestão de sistemas e serviços de saúde. Esse pensamento coaduna com o conceito de Senge na aplicação da Aprendizagem em equipe de maneira a desenvolver a Visão compartilhada e o Domínio pessoal. Inserir o ensino dessa competência ao longo das atividades teórico-práticas foi apontado como estratégia para aproveitar melhor os diversos cenários da formação em busca desse propósito, inclusive nos laboratórios de simulação realística e nos serviços e/ou comunidades.

E quem sabe, futuramente, conversando e se articulando com outras disciplinas, começar a dar “um toque” para os coordenadores das disciplinas sobre o que os alunos demandam, porque é uma forma também de estar contribuindo para a nossa formação. (O1D7)

[...] Seria legal conversar com a gestão para ser uma coisa meio que obrigatória, porque, já que o enfermeiro é um gestor nato e gestor é coordenador, não deixa de ser um líder, é importante que todo mundo passe por isso, compreender esse processo de liderança, saber como iremos lidar. (O1D8)

Fatores intervenientes e possibilidades da constante aprendizagem da liderança durante a graduação em Enfermagem

Outro aspecto abordado, em alguns depoimentos, expressou crítica em relação ao currículo engessado da enfermagem, que prioriza ações técnicas e procedimentos como fatores intervenientes da constante aprendizagem da liderança na graduação, o que repercute para além da formação:

[...] as dificuldades é [sic] justamente o comodismo, o currículo congelado, extremamente tecnicista, biomédico, centrado na doença. (D10)

[...] fragilidade [...] não ter desde o começo da graduação [ensino da liderança], não tem um enfoque relacionado a isso. (D11)

É muito difícil, muita responsabilidade. Nunca vi o ensino da liderança pelos professores. Desde que entrei aqui, nunca vi o ensino da liderança, mesmo nas teorias. (D36)

[...] porque aqui vemos muitos eventos falando sobre cuidado, questões de gênero, violência e não temos nenhum tipo de seminário que aborde essa temática, que fale dessas questões da liderança, o enfermeiro e a liderança, algo do tipo. (O1D7)

Certamente, apesar das críticas relatadas, mudanças no projeto pedagógico do curso podem ensejar novas possibilidades para que o ensino avance na formação de enfermeiros-líderes:

[...] aproximação com um modelo de currículo integrado. [...] à necessidade sentida de redução da fragmentação existente no currículo disciplinar e no preparo da estudante para lidar com a complexidade das situações de saúde; [...] contribuirá para a motivação das estudantes, resultando na participação ativa das mesmas, tanto no processo ensinoaprendizagem como nos espaços de atuação na universidade e na sociedade. [...] organizado por unidades, que se articulam em torno de eixos de intervenção na realidade de saúde, conceitos e fazeres que assegurem o desenvolvimento das competências esperadas para a profissional enfermeira. (PPC2010 - Perfil do curso)

[...] instrumentalizar, técnica, crítica e cientificamente, o aluno para o processo do cuidar [...] propiciar instrumentos e habilidades essenciais à realização da SAE [...] analisar criticamente a eficácia do cuidado sistematizado e a repercussão do processo de enfermagem. (CC5)

Os discentes sugeriram, tanto nas entrevistas como nas oficinas, a aplicação (no campo de prática) de novas abordagens metodológicas, estratégias de ensino, conhecimentos e/ou experiências produtivas. Essas sugestões corroboram o entendimento de Senge sobre o incentivo em expandir reflexões dialógicas e promover aspirações, por meio da articulação da temática com outros componentes curriculares:

[...] fazer abordagem de conteúdo, de vídeo que traz esse tema liderança, como ser um bom líder, como se posicionar eticamente, profissionalmente, de modo a facilitar as relações grupais, porque a liderança ela se dá de alguém para um grupo, de alguém para um sistema, para um serviço, então, o que é extremamente facilitador desse processo de liderar são as boas relações interpessoais. (D24)

[...] um projeto-piloto e poderiam articular com as disciplinas [...] em que há prática hospitalar, fazer oficinas, fóruns, promover eventos que falem mais sobre a liderança. (O1D7)

[...] podemos traçar metas e planejar como podemos fazer para melhorar o amanhã. [...] para mudar aquele processo caso não esteja bom ou pegar algo que é bom e fazer com que se multiplique, para superar as coisas ruins. (O2D1)

Considerando que as experiências produtivas realmente podem fazer grande diferença no momento de tomar algumas decisões; por exemplo, acredito que na faculdade tomamos muito como base as experiências que os professores passam pra nós. Toda vez que um professor conta sobre a experiência que ele teve no campo de prática, acabamos, querendo ou não, absorvendo um pouco daquela experiência para nós. Essas experiências acabam nos ajudando muito no momento de tomar decisões e fazer escolhas. (O2D10)

DISCUSSÃO

Os resultados, na percepção dos discentes, sinalizaram para o incentivo à constante aprendizagem da liderança na graduação em enfermagem, tanto nos espaços teóricos como práticos. Entretanto, pressupõe-se que essas informações podem ter sido inexploradas durante o processo de formação e/ou apenas encontram-se subentendidas nos documentos analisados, os quais apresentam como proposta a formação de profissionais competentes e habilitados para o desempenho do gerenciamento do cuidado, que pode ser entendido como uma visão limitada e mecanicista da profissão.

Destarte, o conhecimento e entendimento da competência “Liderança” se fazem necessários, uma vez que permeiam todos os cenários onde as características atribuídas ao líder, ao longo do tempo, vêm sofrendo transformações e estão variavelmente relacionadas às situações complexas que podem ser encontradas. Logo, percebe-se que o plano pedagógico apresenta as partes como fragmentos do ensino e deixa de enxergar que todas elas trabalham juntas num pensamento sistêmico.

Outrossim, a adoção dessa aprendizagem remete à compreensão do indivíduo como “ser” e à sua relação com o mundo em busca do seu desenvolvimento, da ampliação da capacidade de se criar constantemente, numa mudança de comportamento, dentro da perspectiva sistêmica como considera Senge(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Ou seja, isso se dá numa ressignificação do sentido de ser discente e compreender o significado da profissão do enfermeiro e do ser humano, ante a complexidade do seu processo de trabalho.

Além disso, os discentes que participaram das entrevistas e das oficinas destacaram que a construção do líder pode ocorrer no decurso da graduação, de maneira transversal, com os demais componentes curriculares. Tais percepções coincidem com a teoria de Senge quando se traz o uso do pensamento do domínio pessoal como instrumento do crescimento e aprendizado pessoais, baseandose na habilidade de focalizar os interesses intrínsecos, em detrimento das metas secundárias(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Embora críticas ao currículo tenham surgido nos relatos e sido apontadas como fragilidades na formação de enfermeiros-líderes, também foram evidenciadas possibilidades e estratégias que facilitam o estímulo do desenvolvimento dessa competência.

Nesse sentido, o aprendizado, segundo a perspectiva de Senge, expressa a origem da liderança definida como um processo do aprender buscando ampliar as capacidades individuais e coletivas do discente na construção dos resultados que ele realmente queira produzir(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). O mesmo é observado em estudo internacional sobre o desenvolvimento da liderança na graduação e pós-graduação, que reconhece espaços clínicos e acadêmicos como cenários de incentivo à associação entre teoria e prática na enfermagem, por favorecerem a aprendizagem em ação. Ademais, o ensino da liderança estimula a ação crítica durante o aprimoramento de competências e habilidades, como a tomada de decisão, resiliência e segurança por meio de uma força de trabalho com alto nível de inteligência emocional(1313 James AH. Action learning can support leadership development for undergraduate and postgraduate nurses. Br J Nurs. 2018;27(15):876-80. https://doi.org/10.12968/bjon.2018.27.15.876
https://doi.org/10.12968/bjon.2018.27.15...
).

Percebe-se, portanto, que a construção do líder durante a graduação se dá de maneira articulada entre os conhecimentos técnico-científicos, teoria e prática nos serviços de aprendizagem, bem como nos laboratórios de simulação. Essa proposta visa preparar futuros profissionais capazes de assumir comportamentos, habilidades e atitudes condizentes com os princípios morais, culturais e econômicos exigidos pela sociedade(55 Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 4):1531-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
), tendo em vista as diversas influências externas sofridas durante o desempenho do trabalho.

Estudo relata que, na enfermagem, o estilo de liderança do enfermeiro permite analisar, com clareza, a situação que se apresenta e atuar de maneira eficaz e eficiente para a tomada de decisão e resolutividade das ações(1414 Phillips JM, Stalter AM, Dolansky MA, Lopez GM. Fostering future leadership in quality and safety in health care through systems thinking. J Prof Nurs. 2016;32(1):15-24. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2015.06.003
https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2015....
). Entretanto, uma das fragilidades do ensino de tal competência decorre de uma aproximação tardia do discente a essa temática (Liderança). Na instituição pesquisada, tal experiência é oportunizada apenas no 8º semestre, quando os discentes já estão em fase de conclusão do curso.

Assim, considera-se fundamental inserir o ensino da liderança desde o primeiro semestre, em um esforço de efetivamente desenvolvê-la precocemente, valorizando a maturidade dos graduandos para compreendê-la e aprimorá-la no decorrer do curso. Do mesmo modo, preparar e motivar docentes nesse propósito pode ser uma estratégia colaborativa para ensejar tal mudança.

Outro resultado relevante foi a concepção dos discentes em relação ao currículo, pois identificaram a ênfase em atividades técnicas e procedimentos como fatores intervenientes da constante aprendizagem da liderança na graduação, o que suscitou críticas e evidenciou a necessidade de flexibilização e maior conexão entre teoria e prática, bem como entre ensino e serviço. Pesquisa sobre os desafios e soluções da enfermagem na África Subsaariana destacou a liderança como propulsora de mudanças por parte dos discentes da graduação. Todavia, eles vivenciavam a falta de investimentos e incentivos para o desenvolvimento de competências nas instituições de formação, as quais mantinham currículos não responsivos, escassez de professores e de recursos de ensinoaprendizagem(1515 Bvumbwe T, Mtshali N. Nursing education challenges and solutions in Sub Saharan Africa: an integrative review. BMC Nurs. 2018;17:(3). https://doi.org/10.1186/s12912-018-0272-4
https://doi.org/10.1186/s12912-018-0272-...
). Tais resultados reiteram a manutenção de fragilidades na formação de enfermeiros-líderes, bem como o engessamento do currículo de enfermagem, conforme evidenciado neste estudo.

Tendo em vista esses aspectos e com a perspectiva de fomentar a constante aprendizagem, resultados promissores e duradouros podem ser vislumbrados mediante a utilização do Pensamento Sistêmico do teórico Peter Senge nas ações pequenas e pontuais(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Sabe-se que o uso dessa disciplina na constante aprendizagem forma profissionais autônomos, atuantes e eficazes, sintonizados com os processos, o que favorece a minimização de erros, melhora a tomada de decisão e a resolutividade das ações, além de contribuir para a assistência ofertada(1414 Phillips JM, Stalter AM, Dolansky MA, Lopez GM. Fostering future leadership in quality and safety in health care through systems thinking. J Prof Nurs. 2016;32(1):15-24. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2015.06.003
https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2015....
).

Dessa forma, considera-se indispensável investir na formação de enfermeiros-líderes por meio da aplicação de recursos metodológicos que proporcionem a aprendizagem efetiva e constante da liderança ainda durante a graduação. Nesse sentido, mudanças no projeto pedagógico do curso podem proporcionar elementos que condizem com o Pensamento Sistêmico(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.) e gerar possibilidades para avançar na formação de enfermeiros-líderes, de modo a valorizar a multiplicidade dos espaços de aprendizado, com a integração dos componentes e superação da fragmentação conteudista.

Ademais, os discentes mencionaram a relevância da aproximação e aplicação no campo de prática de novas abordagens metodológicas, estratégias, conhecimentos e/ou experiências produtivas. Na prática, isso inclui articulação do projeto pedagógico com outros componentes curriculares no decurso da graduação, realização de oficinas, fóruns, discussões sobre a temática da liderança e atividades no campo de prática e/ou laboratório de simulação, o que agrega benefícios substanciais ao desenvolvimento dessa competência.

Tais benefícios tornam-se ainda mais importantes em face da complexidade dos serviços e da significativa carência de ensino da liderança ao longo do processo de formação em enfermagem. Assim, é indispensável a participação de enfermeiros-líderes como facilitadores do processo ensinoaprendizagem e o estabelecimento de parcerias entre a instituição de ensino e os serviços de saúde, com o uso de recursos metodológicos, de espaços que estimulem a autonomia, a tomada de decisão e a comunicação. Esses são elementos fundamentais que contribuem para a constante aprendizagem da liderança durante a graduação e ao longo da profissão, como aponta a literatura(1616 Martins BG, Silva LMC, Capaccioli BRBS, Neves VR, Balsanelli AP. Development and validation of a leadership training program for nurses. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180048. https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0048
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17 Miles JM, Scott ES. A New Leadership Development Model for Nursing Education. J Prof Nurs. 2019;35(1):5-11. https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2018.09.009
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18 Caveião C, Nascimento PA, Visentin A. Formação da liderança em enfermagem: revisão integrativa da literatura. Rev Eletron Estácio Saúde [Internet]. 2018 [cited 19 Dec 31];7(1). Available from: http://revistaadmmade.estacio.br/index.php/saudesantacatarina/article/viewFile/3866/2034
http://revistaadmmade.estacio.br/index.p...
-1919 Deméh W, Rosengren K. The visualisation of clinical leadership in the content of nursing education-a qualitative study of nursing students' experiences. Nurse Educ Today. 2015;35(7):888-93. https://doi.org/10.1016/j.nedt.2015.02.020
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2015.02.0...
).

As novas abordagens metodológicas integradas aos campos de prática representam ferramentas e espaços essenciais para o desenvolvimento precoce de competências e habilidades pelos discentes da graduação em Enfermagem, pois propiciam reflexões a respeito do exercício da liderança. Nota-se que o ensino de enfermagem possui meios de estimular a constante aprendizagem da liderança ao utilizar abordagens que possibilitem a aproximação do discente com a teoria e cenários de prática, bem como a vivência dessa competência em situações cotidianas.

Estudo acerca da pedagogia do ensino inovador na educação em enfermagem sinaliza para a importância de selecionar estratégias mais eficazes e efetivas para serem trabalhadas junto com o docente a fim de estimular o desenvolvimento da liderança(2020 Rao BJ. Innovative teaching pedagogy in nursing education. Int J Nurs Educ Scholarsh. 2019;11(4):176-80. https://doi.org/10.5958/0974-9357.2019.00114.4
https://doi.org/10.5958/0974-9357.2019.0...
). Outra pesquisa destacou a importância do uso dos recursos metodológicos e das metodologias ativas para o desenvolvimento dessa competência na enfermagem, por incentivarem o comprometimento e a autonomia do discente, além de favorecerem a tomada de decisão e a construção de relações interpessoais saudáveis(55 Caveião C, Peres AM, Zagonel IPS, Amestoy SC, Meier MJ. Teaching-learning tendencies and strategies used in the leadership development of nurses. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 4):1531-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0455
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
). Tais resultados convergem para outros, que vislumbraram possibilidades de transformação e aperfeiçoamento dos cuidados em saúde mediante o desenvolvimento da liderança na enfermagem, por meio da construção e aprimoramento das capacidades pessoais de compreender e influenciar outras pessoas nos ambientes de aprendizagem(2121 Rosenau PA, Lisella R, Clancy TL, Nowell L. Developing future nurse educators through peer mentoring. Nurs Res Rev. 2015;5:13-21. https://doi.org/10.2147/NRR.S73432
https://doi.org/10.2147/NRR.S73432...
-2222 Dyess SM, Sherman RO, Pratt BA, Chiang-Hanisko L. Growing nurse leaders: their perspectives on nursing leadership and today’s practice environment. O J Issues Nurs. 2016;21(1):7. https://doi.org/10.3912/OJIN.Vol21No01PPT04
https://doi.org/10.3912/OJIN.Vol21No01PP...
), assim como de tornar mais qualificada e eficiente a assistência prestada(2323 Ashworth L. Challenges and opportunities: the role of the district nurse in influencing practice education. Br J Community Nurs. 2020;25(8):402-6. https://doi.org/10.12968/bjcn.2020.25.8.402
https://doi.org/10.12968/bjcn.2020.25.8....
-2424 Ginger T, Ritchie G. Supporting students undertaking the Specialist Practitioner Qualification in District Nursing. Br J Community Nurs. 2017;22(11):542-46. https://doi.org/10.12968/bjcn.2017.22.11.542
https://doi.org/10.12968/bjcn.2017.22.11...
).

Para tanto, torna-se essencial a fomentação da metanóia, termo que, segundo Senge, significa mudança de mentalidade/comportamento e que requer o compromisso de todos os indivíduos envolvidos nessa construção(44 Senge PM. A quinta disciplina da organização que aprende; tradução: Gabriel Zide Neto, OP Traduções - 35ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018. 640 p.). Além do pensamento sistêmico, as demais disciplinas propostas pelo autor que abarcam o Domínio pessoal, os Modelos mentais, a Visão compartilhada e a Aprendizagem em equipe podem ser aprimoradas pelo discente de enfermagem com o suporte dos docentes e apoio da instituição de ensino. Todavia, a formação de enfermeiros-líderes demanda o engajamento coletivo, sendo que os pilares balizados no projeto pedagógico do curso norteiam as práticas pedagógicas dos docentes e a participação ativa dos discentes na construção desse potencial de liderança.

Limitação do estudo

Quanto à limitação do estudo, destaca-se ter sido desenvolvido apenas com discentes em um único lócus de pesquisa, sendo pertinente incluir, em pesquisas futuras, maior número de participantes e outras instituições de ensino superior, tanto públicas como privadas, a fim de ampliar a compreensão acerca das diversas nuances que permeiam o objeto de investigação.

Contribuições para a área da Enfermagem

A pesquisa contribui para a construção de saberes relacionados ao exercício da liderança para os enfermeiros e utiliza um referencial teórico pertinente ao desenvolvimento do ensino dessa competência. Evidenciou-se a necessidade de fortalecer as práticas educativas ao longo da graduação em Enfermagem, com o uso de metodologias ativas e vivências que potencializem o desenvolvimento da liderança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo buscou analisar a articulação teórico-prática da constante aprendizagem da liderança durante a graduação em Enfermagem. Na pesquisa documental, identificou-se que o currículo, mesmo de maneira implícita, propõe estratégias que, ao serem empregadas adequadamente, possibilitam a formação de profissionais com perfis de liderança. Além disso, os discentes, tanto nas entrevistas quanto nas oficinas, reconheceram o estímulo para o desenvolvimento dessa competência e a necessidade de formar líderes durante a graduação aptos a lidar com as complexidades presentes nos cenários de trabalho.

Nesse sentido, o referencial teórico de Peter Senge oportuniza semear novas possibilidades de olhares para o ensino da liderança em enfermagem e suas interfaces, na compreensão do Pensamento Sistêmico de poder visibilizar o todo para entender as partes. Em uma proposta de transformação, para além de romper paradigmas, viabiliza-se o fomento de mudanças no projeto pedagógico do curso da instituição pesquisada, bem como de outras IESs do país, com vistas a abranger a formação de enfermeiros-líderes.

Ao observar que o currículo expõe algumas limitações do ensino, conforme foi apontado pelos discentes, com destaque para a ênfase em ações técnicas e procedimentos, o que aumenta o despreparo e insegurança desses futuros profissionais para o desempenho da liderança e os distancia ainda mais do propósito de trabalhar essa competência transversalmente durante a graduação. Por outro lado, o uso das inovações e da diversidade de abordagens metodológicas integradas aos espaços teóricos e práticos contribui para o ensino da liderança, sendo necessário, portanto, melhorar a qualidade dessas experiências durante o processo de aprendizagem, a fim de estimular o desenvolvimento de competências e habilidades profissionais em ambientes de apoio que retratem, de fato, a realidade e associem teoria e prática, com benefícios diretos na qualidade da assistência.

A liderança pode e deve ser desenvolvida constantemente, mas isso não depende apenas do conhecimento técnico, pois inclui outras variáveis como a própria vivência profissional, além do autoconhecimento, da identificação de fragilidades e das oportunidades de melhor exercê-la no processo de trabalho nos serviços de saúde.

O presente estudo é de grande relevância para construção de saberes relacionados ao exercício da liderança para enfermeiros e evidenciou a necessidade de fortalecer as práticas educativas ao longo do processo de ensino-aprendizagem, desde os primeiros semestres, na graduação em Enfermagem, com o uso de metodologias ativas e vivências relacionadas ao desenvolvimento da liderança.

Conclui-se com o entendimento de que é fundamental também trabalhar esse saber de modo transversal a outros componentes curriculares desde o início do curso.

  • Como citar este artigo: Santos IAR, Amestoy SC, Silva GTR, Backes VMS, Silva CCR, Conceição MM, et al. Theoretical-practical articulation of the continuous learning of leadership in Nursing in light of Peter Senge. Rev Bras Enferm. 2021;74(4):e20201200.
  • EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo
  • FOMENTO Programa de Apoio a Jovens Doutores da Universidade Federal da Bahia (PROPESQ) - financiamento do projeto-matriz; e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - apoio financeiro relativo à bolsa de estudos do mestrado.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2020
  • Aceito
    05 Fev 2021
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