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Independência funcional de idosos que sofreram queda: estudo de seguimento

RESUMO

Objetivo:

avaliar, em serviço hospitalar de urgência e no domicílio, a independência funcional de idosos que sofreram queda.

Método:

estudo longitudinal com 151 idosos. Utilizou-se a Medida da Independência Funcional (MIF). Foram realizados testes estatísticos com análise univariada e bivariada.

Resultados:

a média da MIF total no hospital foi 70,4; e no domicílio 84,3 (p<0,001). A independência foi menor no domínio motor, nas dimensões “autocuidados”, “mobilidade” e “locomoção”, nas duas avaliações (p<0,001). A dependência reduziu de 97,3% idosos, no hospital, para 82,8%, no domicílio (p<0,001). Houve correlação negativa entre MIF total e idade, número de medicamentos, número de doenças e tempo de internação em ambas as avaliações. As fraturas de fêmur e quadril associaram-se a menores valores da MIF total (p<0,001).

Conclusão:

os idosos apresentaram menor independência no hospital em comparação ao domicílio, com maior comprometimento no domínio motor e dimensões “autocuidados”, “mobilidade” e “locomoção”, nos dois momentos avaliados.

Descritores:
Idoso; Estudos Longitudinais; Acidentes por Quedas; Atividades Cotidianas; Enfermagem Geriátrica

ABSTRACT

Objective:

to evaluate, in emergency hospital service and at home, the functional independence of elderly people who fell.

Method:

longitudinal study with 151 elderly. Functional Independence Measure (FIM) was used. Statistical tests were performed with univariate and bivariate analysis.

Results:

mean of total FIM value in the hospital was 70.4; and at home 84.3 (p <0.001). Independence was lower in the motor domain, in “self-care”, “mobility” and “locomotion” dimensions, in the two evaluations (p <0.001). Dependence reduced from 97.3% elderly in the hospital to 82.8% at home (p <0.001). There was a negative correlation between total FIM and age, number of medications, number of diseases and hospitalization time in both evaluations. Femoral and hip fractures were associated with lower total FIM values (p <0.001).

Conclusion:

the elderly had less independence in the hospital compared to at home, with greater impairment in the motor domain and “self-care”, “mobility” and “locomotion” dimensions, in the two moments evaluated.

Descriptors:
Aged; Longitudinal Studies; Accidental Falls; Activities of Daily Living; Geriatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

evaluar, en el servicio hospitalario de urgencia y en el domicilio, la independencia funcional de ancianos que sufrieron una caída.

Método:

estudio longitudinal con 151 ancianos. Se utilizó la Medida de la Independencia Funcional (MIF). Se realizaron pruebas estadísticas con el análisis univariado y bivariado.

Resultados:

el promedio de la MIF total en el hospital fue 70,4; en el domicilio fue 84,3 (p<0,001). La independencia fue menor en el dominio motor, en las dimensiones “autocuidados”, “movilidad” y “locomoción”, en las dos evaluaciones (p<0,001). La dependencia disminuyó del 97,3% de los ancianos, en el hospital, al 82,8%, en el domicilio (p<0,001). Se observó una correlación negativa entre la MIF total y la edad, número de medicamentos, número de enfermedades y tiempo de internación en ambas las evaluaciones. Las fracturas de fémur y cadera se asociaron a menores valores de la MIF total (p<0,001).

Conclusión:

los ancianos presentaron menor independencia en el hospital en comparación con el domicilio, con más compromiso en el dominio motor y las dimensiones “autocuidados”, “movilidad” y “locomoción” en los dos momentos evaluados.

Descriptores:
Anciano; Estudios Longitudinales; Accidentes por Caídas; Actividades Cotidianas; Enfermería Geriátrica

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial que delineia demandas aos serviços de saúde. Dentre essas demandas, os acidentes por quedas em idosos destacam-se pela alta prevalência de atendimento nos serviços de urgência e pelas consequências físicas, emocionais e funcionais para essa população(11 Harmsen AMK, Reijnders UJL, Giannakopoulos GF. Death as a consequence of a hip fracture after a fall; to be further investigated? Arch Trauma Res. 2016;5(4):e33705. doi: 10.5812/atr.33705
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).

Neste estudo, o conceito de queda adotado foi o da Organização Mundial da Saúde, concebida como “deslocamento não intencional do corpo para um nível inferior à posição inicial, com incapacidade de correção em tempo hábil, determinado por circunstâncias multifatoriais que comprometem a estabilidade”(22 World Health Organization (WHO). WHO Global Report on Falls Prevention in Older Age [Internet]. Geneva: WHO; 2010 [cited 2015 Apr 14]. Available from: http://www.who.int/ageing/publications/Falls_prevention7March.pdf
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).

No mundo, as quedas representam uma das principais causas de atendimentos de idosos nos serviços de emergência e constituem 10 a 15% dos atendimentos geriátricos. Esse evento responde ainda por 40% das mortes relacionadas a ferimentos e, além disso, aproximadamente 28% a 35% das pessoas com mais de 65 anos caem a cada ano, sendo que a frequência aumenta com a idade do idoso(22 World Health Organization (WHO). WHO Global Report on Falls Prevention in Older Age [Internet]. Geneva: WHO; 2010 [cited 2015 Apr 14]. Available from: http://www.who.int/ageing/publications/Falls_prevention7March.pdf
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).

Estudo nacional recente verificou que 41% das internações por causas externas em hospitais públicos foram devido a quedas e, destas, o coeficiente de internação revelou que a maior parte das vítimas era de pessoas acima de 60 anos(33 Mascarenhas MDMM, Barros MBA. Evolution of public health system hospital admissions due to external causes - Brazil, 2002-2011. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(1):19-29. doi: 10.5123/S1679-49742015000100003
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). Inquérito de base populacional identificou ainda que, no Brasil, a prevalência de quedas em idosos com necessidade de procurar serviços de saúde foi de 7,8%(44 Pimentel WRT, Pagotto V, Stopa SR, Hoffmann MCCL, Malta DC, Menezes RL. Quedas com necessidade de procura de serviços de saúde entre idosos: uma análise da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Cad Saúde Pública. 2018;34(8):e00211417. doi: 10.1590/0102-311x00211417
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).

As principais consequências desses acidentes são as lesões ósseas e musculares, as quais comprometem a independência funcional do idoso e resultam em limitação de atividades da vida diária(11 Harmsen AMK, Reijnders UJL, Giannakopoulos GF. Death as a consequence of a hip fracture after a fall; to be further investigated? Arch Trauma Res. 2016;5(4):e33705. doi: 10.5812/atr.33705
https://doi.org/10.5812/atr.33705...
,55 Patel BD, Limbasiya R. Incidence and consequence of fall in indian older adults: a survey. International Journal of Physical Education Sports Management and Yogic Sciences [Internet]. 2016 [cited 2017 Nov 10];6(1):13-21. Available from: http://www.indianjournals.com/ijor.aspx?target=ijor:ijpesmys&volume=6&issue=1&article=003&type=pdf
http://www.indianjournals.com/ijor.aspx?...
-66 Alves AHC, Patrício ACFA, Fernandes KA, Duarte MCS, Santos JS, Oliveira MS. Occurrence of falls among elderly institutionalized: prevalence, causes and consequences. J Res Fundam Care Online. 2016;8(2):4376-86. doi: 10.9789/2175-5361.2016.v8i2.4376-4386
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). Deste modo, a independência funcional é um importante marcador da saúde do idoso, e torna-se essencial que seja avaliada pela equipe de saúde para acompanhamento das perdas, avaliação da reabilitação e planejamento de linhas de cuidado, em qualquer que seja o tipo ou grau de assistência.

A independência funcional é definida como a capacidade de viver independentemente na comunidade com alguma ou nenhuma ajuda de outros para realizar atividades de vida diária, ao passo que dependência é a incapacidade para desenvolver tarefas satisfatoriamente sem ajuda de outra pessoa ou equipamentos que lhe permitam adaptação(77 World Health Organization (WHO). Active aging: a policy framework [Internet]. Geneva: WHO; 2002 [cited 2015 Apr 18]. Available from: https://extranet.who.int/agefriendlyworld/wp-content/uploads/2014/06/WHO-Active-Ageing-Framework.pdf
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). A avaliação da independência funcional contribui para instrumentar e operacionalizar as políticas de atenção à saúde do idoso. Nesse sentido, as ações preventivas, assistenciais e de reabilitação em saúde devem objetivar melhorar a funcionalidade e suas perdas.

Nesta perspectiva, um estudo de seguimento de seis anos, realizado com idosos que sofreram queda nos Estados Unidos, identificou que os participantes permaneceram com importante comprometimento funcional nesse período(88 Mamikonian-Zarpas A, Laganá L. The relationship between older adult's risk for a future fall and difficulty performing activities of daily living. J Aging Gerontol. 2015;3(1):8-16. doi: 10.12974/2309-6128.2015.03.01.2
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). Na Espanha, um estudo de coorte prospectivo observou que, durante os seis meses de acompanhamento dos idosos internados em serviço de urgência após queda, os índices de independência diminuíram de forma significativa(99 Vergara I, Vrotsou K, Orive M, Garcia-Gutierrez S, Gonzalez N, Las Hayas C, et al. Wrist fractures and their impact in daily living functionality on elderly people: a prospective cohort study. BMC Geriatr. 2016;16:11. doi: 10.1186/s12877-015-0176-z
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).

Destarte, por ser um evento de causa multifatorial, de alta complexidade terapêutica, com graves consequências e de difícil prevenção, a queda exige investigações científicas com diferentes abordagens. Além disso, comprometimentos na independência de idosos podem desempenhar papel importante na interação multicausal de quedas e podem representar fator de risco independente para mortalidade(1010 Borim FSA, Francisco PMSB, Neri AL. Sociodemographic and health factors associated with mortality in community-dwelling elderly. Rev Saúde Pública. 2017;51:42. doi: 10.1590/s1518-8787.2017051006708
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).

Apesar da existência de estudos atuais sobre o tema, ainda são discretas as pesquisas populacionais que avaliam a independência funcional na perspectiva longitudinal, sobretudo na realidade brasileira(1111 Ribeiro DKMN, Lenardt MH, Lourenço TM, Betiolli SE, Seima MD, Guimarães CA. The use of the functional independence measure in elderly. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(4):e66496. doi: 10.1590/1983-1447.2017.04.66496
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). Considerando a magnitude dos efeitos da queda, é necessário conhecer a interferência dessa na independência funcional dos idosos em diferentes momentos após o acidente.

OBJETIVO

Avaliar, em serviço hospitalar de urgência e no domicílio, a independência funcional de idosos que sofreram queda.

MÉTODO

Aspectos éticos

O presente estudo foi conduzido de acordo com as normas da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí.

Desenho, local do estudo e período

Estudo longitudinal, realizado em hospital de urgência referência no atendimento ao trauma, de uma capital do Nordeste do Brasil, por meio de entrevista estruturada com idosos internados que sofreram queda no período entre abril e setembro de 2016.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

Para o cálculo amostral, considerou-se o coeficiente de confiança de 95%, erro de 5%, e a proporção de 13,4%, correspondente à prevalência de idosos que sofreram queda e foram internados no hospital, no período de janeiro a dezembro de 2013 (que se tratavam dos dados informatizados mais atuais registrados no Serviço de Arquivo Médico e Estatística da instituição, no período de construção da pesquisa). Assim, foi estabelecida a quantidade amostral de 174 idosos recrutados por amostragem consecutiva.

Foram incluídos no estudo os idosos com idade igual ou acima de 60 anos internados, onde a causa da internação foi a queda, que tinham linha telefônica fixa ou móvel para contato posterior e retornaram ao domicílio após a alta hospitalar. Foram excluídos os idosos internados submetidos a procedimento cirúrgico antes da avaliação da independência funcional no hospital por considerar que este procedimento interferisse nos resultados da avaliação.

Após o seguimento de 30 dias da alta hospitalar, dos 174 participantes entrevistados no hospital de urgência, foram perdidos 13 por terem sido transferidos para outro hospital após a entrevista, cinco por reinternação antes do período de 30 dias após a alta, um por óbito e quatro pelo pesquisador não ter conseguido o contato telefônico posterior após cinco tentativas de contato em diferentes horários. Desta forma, 151 idosos completaram o estudo de avaliação da independência funcional na internação em hospital de urgência e 30 dias após a alta, no domicílio.

Protocolo do estudo

Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) Mini Exame do Estado Mental (MEEM), utilizado para avaliar a função cognitiva e minimizar possíveis erros na compreensão dos instrumentos, ajustado pelos anos de escolaridade(1212 Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini-Exame do Estado Mental em uma população geral impacto da escolaridade. Arq Neuro-Psiquiatr. 1994;52(1):1-7. doi: 10.1590/S0004-282X1994000100001
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); 2) Roteiro para caracterização do perfil sociodemográfico e clínico, elaborado pelos membros do Grupo de Estudos em Envelhecimento e Causas Externas de Morbimortalidade (GEECEM) da Universidade Federal do Piauí; 3) Medida de Independência Funcional (MIF)(1313 Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Filho D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátr. 2001;8(1):45-52. doi: 10.5935/0104-7795.20010002
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-1414 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Pinto PPN, Battistella LR. Validation of the Brazilian version of Functional Independence Measure. Acta Fisiátr. 2004;11(2):72-6. doi: 10.5935/0104-7795.20040003
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).

Para o preenchimento do roteiro de caracterização dos idosos, as variáveis “tempo de internação” e “tipos de fratura” foram extraídas dos registros no prontuário médico e na ficha de Autorização para Internação Hospitalar (AIH).

Para categorização dos tipos de fraturas, definiram-se, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças 10ª revisão - CID-10: Fraturas de Membros Superiores (S422 - Fratura da extremidade superior do úmero; S424 - Fratura da extremidade inferior do úmero; S520 - Fratura da extremidade superior do cúbito (ulna); S521 - Fratura da extremidade superior do rádio; S523 - Fratura da diáfise do rádio; S524 - Fratura das diáfises do rádio e do cúbito (ulna); S525 - Fratura da extremidade distal do rádio; S526 - Fratura da extremidade do rádio e do cúbito (ulna); S623 - Fratura de outros ossos do metacarpo; S626 - Fratura de outros dedos); Fraturas do fêmur e/ou quadril (S324 - Fratura do acetábulo; S720 - Fratura do colo do fêmur; S721 - Fratura pertrocantérica; S722 - Fratura subtrocantérica; S723 - Fratura da diáfise do fêmur; S724 - Fratura da extremidade distal do fêmur; S730 - Luxação da articulação do quadril); Fratura de membros inferiores (S820 - Fratura da rótula patela; S821 - Fratura da extremidade proximal da tíbia; S823 - Fratura da extremidade distal da tíbia; S826 - Fratura do maléolo lateral).

A MIF, traduzida e validada no Brasil, tem como objetivo avaliar de forma quantitativa a carga de cuidados demandada por uma pessoa para a realização de uma série de tarefas motoras e cognitivas de vida diária. Tem sido utilizada por diversos centros de reabilitação em diversos países e avalia 18 tarefas funcionais: 13 motoras e cinco cognitivas(1313 Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Filho D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátr. 2001;8(1):45-52. doi: 10.5935/0104-7795.20010002
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-1414 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Pinto PPN, Battistella LR. Validation of the Brazilian version of Functional Independence Measure. Acta Fisiátr. 2004;11(2):72-6. doi: 10.5935/0104-7795.20040003
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).

Na MIF motora, os valores variam de 13 a 91, enquanto os valores da MIF cognitiva variam de 5 a 35. Assim, na MIF total, os valores variam de 18 a 126, que podem ser divididos em quatro subescores, de acordo com a pontuação total obtida: a) 18 pontos: dependência completa (assistência total); b) 19-60 pontos: dependência modificada 1 (assistência de até 50% da tarefa); c) 61-103 pontos: dependência modificada 2 (assistência de até 25% da tarefa); d) 104-126 pontos: independência completa/modificada. Portanto, quanto menor o escore, maior o nível de dependência e pior o desempenho funcional dos idosos, e quanto maior o escore, maior a independência funcional(1313 Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Filho D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátr. 2001;8(1):45-52. doi: 10.5935/0104-7795.20010002
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-1414 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Pinto PPN, Battistella LR. Validation of the Brazilian version of Functional Independence Measure. Acta Fisiátr. 2004;11(2):72-6. doi: 10.5935/0104-7795.20040003
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).

A coleta de dados foi realizada em duas etapas. A primeira etapa foi desenvolvida nos setores de pronto atendimento e clínica ortopédica, visto que essas unidades são responsáveis pelo acolhimento e cuidados ao paciente com trauma. Nesta etapa, ocorreu a avaliação do estado cognitivo do idoso (nos casos em que não apresentaram condições cognitivas, solicitou-se que o acompanhante, com idade ≥ 18 anos e que residia com o mesmo, respondesse às perguntas referentes ao idoso) e foram colhidos dados sociodemográficos e clínicos. Ademais, foi realizada a primeira aplicação da MIF, referente à independência funcional do momento da entrevista, no primeiro dia da admissão hospitalar.

A segunda etapa ocorreu 30 dias após a alta hospitalar do idoso, realizada por contato telefônico, para avaliação da independência funcional, com o idoso no domicílio.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram processados pelo software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0. Realizou-se a avaliação da normalidade das variáveis pela aplicação do teste Kolmogorov-Smirnov, para subsidiar a escolha dos demais testes a serem utilizados. As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequência absoluta e relativa, e as variáveis contínuas analisadas por medidas de tendência central, como média e desvio padrão, ou mediana e intervalo interquartil, conforme resultado do teste de normalidade.

Para a comparação entre os valores dos domínios e dimensões da MIF no hospital e no domicílio, foram aplicados o Teste t para amostras pareadas e Teste de Wilcoxon. Para analisar a evolução da independência funcional dos idosos, utilizou-se o Teste de Homogeneidade Marginal. A associação da MIF total com as fraturas foi verificada por meio do Teste t para amostras independentes. Para analisar a correlação entre a MIF total e as variáveis independentes quantitativas, aplicaram-se os testes de correlação de Pearson (para a variável “idade”) e Spearman (para as variáveis “número de medicamentos”, “número de doenças” e “tempo de internação”). Os gráficos de correlação foram construídos com auxílio do programa estatístico R. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

Dos 151 idosos participantes, 81,5% (n=123) eram do sexo feminino. A faixa etária prevalente foi de idosos mais jovens (60 a 79 anos), correspondendo a 64,9% (n=98), com amplitude que variou de 60 a 103 anos, com média de 75,1 anos e o desvio padrão de 9,7. Em relação à escolaridade, 73,5% (n=111) não eram alfabetizados e 87,8% (n=129) eram aposentados.

No tocante aos aspectos clínicos do idoso, 48,3% (n=73) autorreferiram duas a três doenças, com mediana de 2,0 (1,0-3,0). Predominaram as doenças do sistema cardiovascular (n=103/68,2%), ósteo-articulares (n=87/57,6%), transtornos endócrinos, metabólicos e nutricionais (n=47/31,1%) e problemas de visão (n=47/31,1%). Quanto ao número de medicamentos utilizados, 41,1% (n=73) dos idosos faziam uso de dois a três medicamentos, sendo a mediana de 2,0 (2,0-4,0).

As lesões sofridas pelos idosos foram fraturas de fêmur e/ou quadril (n=74/48,7%), fraturas de membros superiores (n=66/43,42%) e fraturas de membros inferiores (n=12/7,9%). O tempo de internação variou de dois a 21 dias, com mediana de 7,0 (6,0-8,0).

No que tange à avaliação da independência funcional, a Tabela 1 apresenta os valores e variações das dimensões e domínios da MIF nas duas avaliações. No hospital, os resultados mostraram valores distantes do escore máximo da MIF total e das suas dimensões, o que representa a dependência funcional nesse momento, com maior comprometimento no domínio motor, nas dimensões “autocuidados”, “mobilidade” e “locomoção”. Ao comparar os valores no hospital e no domicílio, observou-se elevação da média da MIF total, apontando para melhoria da independência.

Tabela 1
Medida da Independência Funcional, seus domínios e respectivas dimensões nos dois momentos de avaliação, Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N=151)

Observou-se, assim, na Tabela 1, que a independência funcional dos idosos foi menor, com diferença estatisticamente significante durante a internação hospitalar (p<0,05).

No hospital, 2,7% dos idosos eram independentes; e no domicílio, 17,2% apresentavam-se nessa condição. Assim, no hospital, 97,3% dos idosos apresentavam alguma dependência e, após 30 dias da alta, no domicílio, este percentual reduziu para 82,8% (Tabela 2).

Tabela 2
Níveis de independência funcional de idosos no hospital e no domicílio, Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N=151)

A Tabela 2 aponta que, após os 30 dias de seguimento, houve aumento no número de idosos independentes (p<0,001).

A Tabela 3 apresenta a associação dos valores da MIF total com os tipos de fratura sofridas pelos idosos.

Tabela 3
Associação da Medida da Independência Funcional total com as fraturas dos idosos após a queda, Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N=151)

Em relação à associação da MIF total com os tipos de fraturas, a Tabela 3 mostra que, tanto no hospital quanto no domicílio, os idosos com fratura de Membros Superiores apresentaram maior média da MIF, estatisticamente significativa, quando comparados àqueles que não tinham esse tipo de lesão (<0,001). Por outro lado, nas duas avaliações, os idosos com algum tipo de fratura de fêmur e/ou quadril eram menos independentes quando comparados àqueles que não apresentavam essas lesões (<0,001).

Os resultados das correlações entre a MIF total no hospital e a idade e características clínicas (número de medicamentos, tempo de internação e número de doenças) apresentam-se na Figura 1.

Figura 1
Correlação dos escores da Medida da Independência Funcional total no Hospital com a idade, número de medicamentos, tempo de internação e número de doenças, Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N=151)

Na Figura 1, observa-se que, no hospital, encontrou-se correlação negativa e estatisticamente significativa entre a MIF e a idade (r -0,545/p<0,001), número de medicamentos (r -0,175/p=0,032), número de doenças (r -0,190/p=0,019) e tempo de internação (r -0,336/p<0,001).

A Figura 2 apresenta as correlações entre os escores da MIF total no domicílio e a idade e características clínicas (número de medicamentos, tempo de internação e número de doenças).

Figura 2
Correlação dos escores da Medida da Independência Funcional total no Domicílio com a idade, número de medicamentos, tempo de internação e número de doenças, Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N=151)

A Figura 2 mostra que, no domicílio, também foi encontrada correlação negativa e estatisticamente significativa entre a MIF e a idade (r -0,529/p<0,001), número de medicamentos (r -0,195/p=0,017), número de doenças (r -0,256/p=0,002) e tempo de internação (r -0,399/p<0,001).

Os coeficientes de correlação no hospital e no domicílio indicaram, portanto, que, com o aumento da idade, há declínio da independência funcional. Igualmente, à medida que aumenta o número de medicamentos, o número de doenças e o tempo de internação a independência funcional dos idosos declina.

DISCUSSÃO

A avaliação da independência funcional por meio da MIF permitiu mensurar a independência e quantificar a demanda de ajuda de terceiros para as atividades de vida diária do idoso, no hospital e no domicílio. A MIF tem sido utilizada em pesquisas internacionais, principalmente, para avaliação do processo de reabilitação, em estudos de seguimento. Nacionalmente, sua utilização tem sido limitada a estudos transversais(1111 Ribeiro DKMN, Lenardt MH, Lourenço TM, Betiolli SE, Seima MD, Guimarães CA. The use of the functional independence measure in elderly. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(4):e66496. doi: 10.1590/1983-1447.2017.04.66496
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). Nesse sentido, pesquisadores da Gerontologia devem ser encorajados a utilizar esse instrumento que apresenta boa aceitação na comunidade científica, em pesquisas com diferentes desenhos metodológicos.

Os achados deste estudo revelaram que, os idosos que sofreram queda e foram internados em hospital de urgência, apresentaram menor independência no hospital em comparação à medida da independência funcional após 30 dias da alta, no domicílio. Na internação hospitalar, perceberam-se as maiores alterações nas dimensões “autocuidados”, “mobilidade” e “locomoção”. Resultados semelhantes também foram encontrados em pesquisas que avaliaram a independência funcional de idosos que sofreram queda no Canadá, Espanha e Taiwan(1515 Best JR, Davis JC, Liu-Ambrose T. Longitudinal analysis of physical performance, functional status, physical activity, and mood in relation to executive function in older adults who fall. J Am Geriatr Soc. 2015;63(6):1112-20. doi: 10.1111/jgs.13444
https://doi.org/10.1111/jgs.13444...
-1616 Yu HW, Chen DR, Chiang TL, Tu YK, Chen YM. Disability trajectories and associated disablement process factors among older adults in Taiwan. Arch Gerontol Geriatr. 2015;60(2):272-80. doi: 10.1016/j.archger.2014.12.005
https://doi.org/10.1016/j.archger.2014.1...
).

O comprometimento na mobilidade e locomoção do idoso com fratura, consequentemente, afeta as atividades de autocuidado, o que pode justificar as limitações funcionais encontradas. Além disso, na hospitalização, o cliente afasta-se do convívio familiar e social e é realocado para um ambiente desconhecido e turbulento. Esta é uma realidade importante a se considerar, pois a independência na realização das atividades da vida diária envolve questões de natureza emocional, física e social(1717 Wang J, Boehm L, Mion LC. Intrinsic capacity in older hospitalized adults: implications for nursing practice. Geriatr Nurs. 2017;38(4):359-61. doi: 10.1016/j.gerinurse.2017.06.008
https://doi.org/10.1016/j.gerinurse.2017...
). Isso aponta para maior monitoração, por parte do enfermeiro, das atividades que o idoso consegue realizar nesse momento. Além disso, destaca-se a importância do ensino do acompanhante para auxílio na realização das tarefas, com respeito à autonomia do idoso.

Cabe ressaltar a importância dos profissionais de saúde, sobretudo o enfermeiro, ao avaliar as tarefas que o idoso consegue realizar no domicílio, considerar as internações prévias, pois podem interferir diretamente na capacidade funcional, independência e autonomia(1818 Ribeiro EG, Matozinhos FP, Guimarães GL, Couto AM, Azevedo RS, Mendoza IYQ. Self-perceived health and clinical-functional vulnerability of the elderly in Belo Horizonte/Minas Gerais. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(suppl 2):860-7. [Thematic Issue: Health of the Elderly]. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0135
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
). O processo de hospitalização é vivido de forma mais complexa pelos idosos, quando comparado aos mais jovens, pois está mais facilmente associado à morte, dependência e doença; por essa razão, acarreta estresse, angústia e ansiedade(1919 Sanson G, Perrone A, Fascì A, D'Agostino F. Prevalence, Defining Characteristics, and Related Factors of the Nursing Diagnosis of Anxiety in Hospitalized Medical-Surgical Patients. J Nurs Scholarsh. 2018;50(2):181-90. doi: 10.1111/jnu.12370
https://doi.org/10.1111/jnu.12370...
), principalmente em serviços de urgência, onde o idoso presencia situações graves e incomuns na sua vida diária.

Neste estudo, as fraturas sofridas pelos idosos após a queda foi a causa da internação no hospital de urgência. Aqueles que tinham fraturas de membros superiores apresentaram valores da MIF total maiores em comparação àqueles que não sofreram esse tipo de fratura. Esse resultado é diferente daqueles encontrados em estudo de coorte prospectivo, realizado na Espanha, que avaliou as mudanças funcionais na vida diária do idoso que sofreu fratura de punho e identificou que houve declínio do estado funcional durante os seis meses de acompanhamento da pesquisa(99 Vergara I, Vrotsou K, Orive M, Garcia-Gutierrez S, Gonzalez N, Las Hayas C, et al. Wrist fractures and their impact in daily living functionality on elderly people: a prospective cohort study. BMC Geriatr. 2016;16:11. doi: 10.1186/s12877-015-0176-z
https://doi.org/10.1186/s12877-015-0176-...
).

Por outro lado, justifica-se esse resultado ao observar que, os idosos que não sofreram fraturas de Membros Superiores tinham, pelo menos, uma fratura de quadril ou fêmur, os quais apresentaram menores valores da MIF. Esse achado é consoante com a literatura, confirmando as fraturas de quadril e fêmur como as principais lesões decorrentes de quedas e que causam dependência(44 Pimentel WRT, Pagotto V, Stopa SR, Hoffmann MCCL, Malta DC, Menezes RL. Quedas com necessidade de procura de serviços de saúde entre idosos: uma análise da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Cad Saúde Pública. 2018;34(8):e00211417. doi: 10.1590/0102-311x00211417
https://doi.org/10.1590/0102-311x0021141...
,2020 Rodríguez-Molinero AR, Narvaiza L, Gálvez-Barrón C, De La Cruz JJ, Ruíz J, Gonzalo N, et al. Caídas en la población anciana española: incidencia, consecuencias y factores de riesgo. Rev Esp Geriatr Gerontol. 2015;50(6):274-80. doi: 10.1016/j.regg.2015.05.005
https://doi.org/10.1016/j.regg.2015.05.0...
).

A presença de lesões no idoso produz repercussões mais graves do que entre pessoas mais jovens(2121 Luzardo AR, Paula Jr NF, Medeiros M, Wolkers PCB, Santos SMA. Repercussions of hospitalization due to fall of the elderly: health care and prevention. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(suppl 2):763-9. [Thematic Issue: Health of the Elderly] doi: 10.1590/0034-7167-2017-0069
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
). Nesse sentido, as fraturas influenciam diretamente na capacidade do idoso em realizar as atividades de vida diária, uma vez que provocam dores e limitam movimentos. Ao considerar que essas são consequências comuns e graves das quedas, é importante que o enfermeiro realize intervenções educativas junto aos familiares e cuidadores dos idosos para prevenção de quedas e que apresente as consequências destas como forma de estimular as modificações necessárias no ambiente. Ademais, o reconhecimento, pelo idoso, da vulnerabilidade para quedas que produzem fraturas é aspecto relevante a ser considerado para a implementação de estratégias de prevenção(2222 Carvalho CJA, Bocchi SCM. The elderly recognizing themselves as vulnerable to falls in the concreteness of the femoral fracture. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017;70(2):279-86. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0392
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

Neste estudo, foi encontrado que, quanto maior era a idade do idoso, inversamente proporcional foi o resultado da avaliação da independência. Da mesma forma, estudo realizado nos Estados Unidos constatou que quanto mais velhos os idosos, maiores as taxas de dependência funcional entre aqueles que sofreram alguma lesão provocada por queda(2323 Cigolle CT, Ha J, Min LC, Lee PG, Gure TR, Alexander NB, et al. The epidemiologic data on falls, 1998-2010: more older Americans report falling. JAMA Intern Med. 2015;175(3):443-5. doi: 10.1001/jamainternmed.2014.7533
https://doi.org/10.1001/jamainternmed.20...
).

Os desgastes físicos e fragilidade, manifestados mais claramente nas pessoas acima de 80 anos, em consequência de uma complexa rede causal do declínio da independência funcional, podem explicar este resultado(2424 Ribeiro DKMN, Lenardt MH, Michel T, Setoguchi LS, Grden CRB, Oliveira ES. Contributory factors for the functional independence of oldest old. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):87-93. doi: 10.1590/S0080-623420150000100012
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
). Observa-se ainda que, naturalmente, a independência assume diferentes padrões com o passar do tempo, e a queda parece interromper, abruptamente e de forma negativa este processo, que pode antecipar problemas de saúde, oriundos das lesões provocadas e do processo incapacitante. Desse modo, é indispensável que o enfermeiro conheça o perfil da população idosa mais velha, identifique fatores de risco e atue na prevenção de incapacidades.

O papel do enfermeiro é fundamental para auxiliar o idoso no reconhecimento e desenvolvimento das suas potencialidades para o autocuidado, e estimular o suporte e envolvimento dos cuidadores. Deve buscar, ainda, conhecer técnicas e tecnologias assistivas seguras que promovam ou orientem os cuidadores quanto à mobilidade e locomoção de pacientes idosos lesionados que considerem as limitações inerentes à lesão.

Urge, portanto, a necessidade da implementação de medidas preventivas para evitar acidentes por quedas não apenas às pessoas na faixa etária que corresponde à velhice, mas também aos adultos jovens que devem ser estimulados à vida ativa como alicerce fundamental de uma expectativa de vida saudável.

A maior parte dos idosos participantes do presente estudo utilizava de dois a três medicamentos. Os resultados mostraram, ainda, correlação negativa entre os valores da MIF e o número de medicamentos utilizados pelos idosos. A polifarmácia é dividida em pequena, quando há uso de dois ou três fármacos, moderada, com o consumo de quatro a cinco e grande, acima de cinco medicamentos, podendo acontecer como consequência de múltiplas doenças crônicas(2525 Paula Jr JD, Barros Jr JC, Gonçalves JC, Oliveira AV, Reis MRG. Prática de polifarmácia por idosos cadastrados em unidade de atenção primária. Investigação. 2013;13(2):15-8. doi: 10.26843/investigacao.v13i2
https://doi.org/10.26843/investigacao.v1...
). Na Espanha, um estudo identificou que a polifarmácia afetou a independência de idosos(99 Vergara I, Vrotsou K, Orive M, Garcia-Gutierrez S, Gonzalez N, Las Hayas C, et al. Wrist fractures and their impact in daily living functionality on elderly people: a prospective cohort study. BMC Geriatr. 2016;16:11. doi: 10.1186/s12877-015-0176-z
https://doi.org/10.1186/s12877-015-0176-...
). Além de ser risco para quedas, esta prática está associada a interações medicamentosas, alterações do equilíbrio, comprometimento funcional e fragilidade(2626 Bonaga B, Sánchez-Jurado PM, Martínez-Reig M, Ariza G, Rodríguez-Mañas L, Gnjidic D, et al. Frailty, polypharmacy, and health outcomes in older adults: the frailty and dependence in Albacete study. J Am Med Dir Assoc. 2018;19(1):46-52. doi: 10.1016/j.jamda.2017.07.008
https://doi.org/10.1016/j.jamda.2017.07....
).

O manuseio de medicamentos por idosos com baixo nível de escolaridade pode favorecer o erro e, por esta razão, requer supervisão e intensificação de processos sistemáticos de cuidado. Assim, é inerente à atuação do enfermeiro orientar a tomada correta dos medicamentos, a fim de minimizar, nos idosos, as consequências funcionais. Acrescenta-se, ainda, a importância de intervenções terapêuticas não farmacológicas, orientadas por enfermeiros durante as ações de educação na comunidade, considerando a singularidade de cada paciente.

Os resultados apontaram correlação negativa entre os valores da MIF e o número de doenças autorreferidas. Esse resultado converge com a mudança do perfil epidemiológico brasileiro que inclui como característica o aumento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis(2727 Melo-Silva AM, Mambrini JVM, Souza Jr PRB, Andrade FB, Lima-Costa MF. Hospitalizations among older adults: results from ELSI-Brazil. Rev Saúde Pública. 2018;52(Suppl 2):3s. doi: 10.11606/s1518-8787.2018052000639
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018...
). É importante que o idoso, acometido por múltiplas patologias, seja acompanhado por equipe multiprofissional que reconheça as consequências de tais problemas. É necessário o acompanhamento pelo enfermeiro durante o tratamento, para, assim, avaliar as dependências provocadas no idoso, em decorrência dessas doenças que podem predispor à queda.

Observou-se ainda que, quanto maior o tempo de internação dos idosos que sofreram queda, menores os valores da medida de independência funcional no hospital e no domicílio. A inatividade do paciente acamado nesse ambiente pode acometer, principalmente, o sistema musculoesquelético. Assim, as limitações funcionais podem prejudicar as transferências, posturas e movimentação, além de dificultar as atividades básicas, alterar o padrão da marcha e aumentar o risco de lesões por pressão(2828 Everink IHJ, van Haastregt JCM, van Hoof SJM, Schols JMGA, Kempen GIJM. Factors influencing home discharge after inpatient rehabilitation of older patients: a systematic review. BMC Geriatr. 2016;16:5. doi: 10.1186/s12877-016-0187-4
https://doi.org/10.1186/s12877-016-0187-...
).

Torna-se imperativo, portanto, a atuação direta do enfermeiro no planejamento de cuidados ao idoso que sofreu queda e em condutas assistenciais que minimizem o tempo de internação, com vistas à prevenção da imobilidade, que parece favorecer o processo de dependência. O cuidado integral deve considerar a multidimensionalidade da pessoa idosa, uma vez que a percepção da internação hospitalar, por si só, é um potencial limitador das funções motoras.

Deste modo, a avaliação da independência funcional é oportuna para o acompanhamento e prevenção de perdas funcionais e limitações advindas da senescência ou senilidade e suas consequências; sobretudo no seguimento de idosos que sofreram quedas. Cabe ao enfermeiro lançar mão de estratégias que corroborem a prevenção dos acidentes por quedas e de instrumentos formais que avaliam a independência e mensurem o que o idoso é capaz de realizar, com vistas à promoção do envelhecimento ativo. Todavia, é fundamental o avanço em estudos que desenvolvam protocolos assistenciais para o acompanhamento de idosos dependentes em decorrência de quedas.

Limitações do estudo

Aponta-se, como limitações deste estudo, a realização em apenas um hospital público, não retratando, possivelmente, outras realidades, como as de hospitais privados. Reconhece-se, ainda, que o seguimento de 30 dias não permite generalizar todas as implicações da queda na independência funcional e pode diferir dos resultados de estudos com seguimento mais longo. No entanto, revela aspectos importantes para intervenções de cuidado imediato na reabilitação da independência funcional de idosos.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

O seguimento do idoso que sofreu queda propiciou conhecer as demandas de cuidados nos diferentes momentos do processo de reabilitação. Cabe, então, enfatizar que perceber as mudanças funcionais está atrelado à implementação de cuidados baseados em avaliações técnicas e não, apenas, empíricas. Este estudo amplia as discussões acerca de uma importante consequência das quedas em idosos: o comprometimento da independência funcional que delineia limites na participação social do idoso. Permite, ainda, aos enfermeiros perceberem as alterações funcionais do idoso após a queda, nos primeiros momentos do processo de reabilitação. Além disso, devem-se repensar condutas adequadas que possam diminuir a magnitude desta consequência dos acidentes por queda seja na assistência hospitalar ou na Atenção Primária à Saúde.

A Enfermagem deve apropriar-se das demandas oriundas do processo de envelhecimento humano e, assim, desenvolver estratégias para promoção do envelhecimento ativo e saudável. Evidencia-se, portanto, a necessidade de investimentos na Educação Permanente dos profissionais de saúde, em particular os enfermeiros, quanto ao conhecimento sobre a avaliação da independência, prevenção de perdas funcionais e cuidados a idosos dependentes. Além disso, conhecimento sobre os fatores de risco para quedas em idosos e intervenções para prevenção desses acidentes.

CONCLUSÃO

A avaliação da independência funcional no hospital e no domicílio, após 30 dias da alta, por meio da aplicação da MIF, em idosos internados em serviço hospitalar de referência em urgência, após queda, permitiu concluir que os idosos apresentaram menor independência no hospital, em comparação à medida da independência no domicílio. O domínio motor e as dimensões “autocuidados”, “mobilidade” e “locomoção” apresentaram menores valores na MIF, nos dois momentos após o acidente, indicando comprometimento da independência funcional. Os idosos que sofreram fraturas de fêmur e/ou quadril apresentaram menor independência. Nas duas avaliações, foi encontrada correlação negativa e estatisticamente significativa entre os valores da MIF total e idade, número de medicamentos, número de doenças e o tempo de internação.

Torna-se urgente a criação e desenvolvimento de ações multissetoriais fundamentadas nos determinantes para promoção de um envelhecimento ativo, que visem à promoção de um envelhecimento saudável, com autonomia e preservação da independência, principalmente ao considerar o acelerado processo de envelhecimento populacional e a queda como um dos eventos que mais afetam essa população. Logo, faz-se necessária a realização de outros estudos com delineamento longitudinal que avaliem a independência funcional dos idosos em diferentes períodos de seguimento, em outros ambientes de reabilitação e que compare a influência de diferentes intervenções na independência funcional de idosos que sofreram queda.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2018
  • Aceito
    04 Mar 2019
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