Evidências relacionadas à restrição de sódio em pacientes com insuficiência cardíaca

RESUMO

Objetivos:

analisar a produção científica acerca da restrição de sódio em pacientes com insuficiência cardíaca.

Métodos:

revisão integrativa da literatura, a partir de artigos publicados no período de 2007 a 2017, localizados nas bases de dados CINAHL e Scopus.

Resultados:

foram analisados 13 estudos. A restrição no consumo de sódio se mostrou associada a menores desfechos clínicos desfavoráveis em pacientes com sintomatologia acentuada. A dosagem de sódio na urina coletada em 24 horas foi a ferramenta principal para avaliar adesão à dieta com baixo teor de sódio.

Conclusões:

com base nos estudos incluídos nesta revisão, em pacientes sintomáticos, a restrição de sódio na dieta deve ser encorajada na prática clínica como medida protetora à saúde. No entanto, em pacientes assintomáticos, deve ser bem estudada.

Descritores:
Enfermagem Baseada em Evidências; Insuficiência Cardíaca; Dieta Hipossódica; Dietoterapia; Cooperação do Paciente

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the scientific production about sodium restriction in patients with heart failure.

Methods:

integrative literature review from articles published from 2007 to 2017, located in the CINAHL and Scopus databases.

Results:

thirteen studies were analyzed. Sodium intake restriction was associated with lower unfavorable clinical outcomes in patients with marked symptomatology. The 24-hour urine sodium dosage was the main tool to assess adherence to the low sodium diet.

Conclusions:

based on the studies included in this review, in symptomatic patients, dietary sodium restriction should be encouraged in clinical practice as a protective measure for health. However, in asymptomatic patients, it should be well studied.

Descriptors:
Evidence-Based Nursing; Cardiac Failure; Diet, Sodium-Restricted; Diet Therapy; Patient Compliance

RESUMEN

Objetivo:

analizar la producción científica sobre la restricción de sodio en pacientes con insuficiencia cardíaca.

Métodos:

revisión integral de la literatura de artículos publicados de 2007 a 2017, ubicados en las bases de datos CINAHL y Scopus.

Resultados:

se analizaron trece estudios. La restricción en la ingesta de sodio se asoció con resultados clínicos desfavorables más bajos en pacientes con marcada sintomatología. La dosis de sodio en orina de 24 horas fue la herramienta principal para evaluar el cumplimiento de la dieta baja en sodio.

Conclusión:

según los estudios incluidos en esta revisión, en pacientes sintomáticos, se debe fomentar la restricción de sodio en la dieta en la práctica clínica como medida de protección para la salud. Sin embargo, en pacientes asintomáticos, debe estudiarse bien.

Descriptores:
Enfermería Basada en la Evidencia; Insuficiencia Cardíaca; Dieta Hiposódica; Dietoterapia; Cooperación del Paciente

INTRODUÇÃO

No escopo das afecções do sistema cardiovascular, encontra-se a insuficiência cardíaca (IC), doença crônica, de caráter complexo e sistêmico, considerada como a via final da maioria das cardiopatias. Atualmente, a IC configura-se como um desafio para as equipes de saúde, na promoção de estratégias que favoreçam a sua estabilidade clínica, em face ao complexo regime terapêutico proposto para minimizar as progressões no remodelamento cardíaco e as crises de descompensação¹.

De acordo com dados do Sistema de Informações em Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde brasileiro, no período de 2016 a 2017, foram autorizadas 422.921 internações hospitalares por IC. Nesse biênio, foi registrada uma taxa de mortalidade de 10,93%, e foram evidenciados elevados custos financeiros para o sistema público de saúde². As estimativas são de que, no contexto mundial, cerca de 26 milhões de pessoas possuem diagnóstico de IC³.

Evidências demonstram que cerca de 50% dos pacientes com IC são readmitidos 90 dias após alta hospitalar, com quadros agudos de descompensação clínica^4-5. Entre as causas mais frequentes de readmissões indesejadas, destaca-se a baixa adesão à terapêutica instituída para o manejo da doença. As medidas terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas são essenciais para a manutenção da capacidade funcional, sobrevida e qualidade de vida em pacientes com IC⁶.

Entre essas, destaca-se a restrição no consumo de sódio na dieta como uma recomendação não farmacológica, a qual é necessária e amplamente prescrita como parte das mudanças no estilo de vida para pacientes com IC. Embora a restrição no consumo de sódio seja indicada para minimizar as exacerbações de sintomas da doença e efeitos deletérios ao miocárdio, essa recomendação apresenta divergências entre as diretrizes sobre o consumo de sódio ideal para manutenção da saúde devido à variedade de métodos aplicados nas pesquisas, dificultando a generalização dos resultados evidenciados^7-8.

De maneira geral, sugere-se uma ingestão diária de sódio em torno de 2-3 g/dia, no máximo. No entanto, cabe ressaltar que a restrição de sódio deve ser adaptada à situação clínica do paciente, bem como à terapêutica farmacológica empregada no tratamento, em especial o uso de diuréticos⁸.

Apesar da sua importância, pesquisas apontam baixa adesão de pacientes com IC à restrição de sódio na dietoterapia, favorecendo um maior risco a eventos agudos, hospitalizações e desfechos clínicos desfavoráveis^9-11. Estudo brasileiro multicêntrico, cujo objetivo foi delinear as características clínicas, tratamento e prognóstico de pacientes com IC aguda, conduzido nas cinco regiões do país, identificou que 8,9% das causas de descompensação clínica da IC foram decorrentes do consumo inadequado de sódio e líquidos. Os autores evidenciaram que apenas 34,9% dos pacientes receberam orientações na alta hospitalar sobre a importância de seguir uma dieta com baixo teor de sódio⁵.

Ao revisar a literatura, identifica-se escassez de estudos sobre o fenômeno, em periódicos brasileiros. Desse modo, considera-se necessário aprofundar a temática, com a perspectiva de melhorar a qualidade da assistência oferecida ao paciente com IC e subsidiar o delineamento de tecnologias de cuidado para a gestão do autocuidado e mudança de comportamentos de risco. Além disso, a síntese das evidências produzidas neste estudo disponibiliza informações relevantes para a tomada de decisões baseadas em evidências para a prática clínica do enfermeiro.

OBJETIVOS

Analisar a produção científica acerca da restrição de sódio na dieta em pacientes com IC.

MÉTODOS

Estudo de revisão integrativa (RI), o qual obedeceu às seguintes etapas: identificação da questão de pesquisa; definição dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos; categorização e avaliação dos estudos, extração e interpretação dos resultados e síntese do conhecimento¹². A pergunta de pesquisa que embasou a presente revisão foi: qual o estado da arte relacionado à restrição de sódio na dieta de pacientes com insuficiência cardíaca?

Para seleção dos artigos incluídos na revisão, foram consultadas as bases de dados Scopus e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL). Elegeram-se essas duas bases porque elas englobam os principais periódicos de saúde e enfermagem.

Para elaborar as estratégias de busca nas bases de dados, utilizou-se o acrônimo PICO¹³, em que P: pacientes com IC; I: restrição de sódio na dieta; C: não houve comparação; O: dietoterapia. Foram utilizados os descritores relacionados à pergunta de pesquisa em inglês, pelo fato de todas as revistas indexadas nas bases de dados selecionadas apresentarem em seus artigos descritores no referido idioma. Os descritores, heart failure, sodium, diet therapy, foram cruzados com o uso do operador booleano “AND” entre eles.

O rastreamento dos artigos foi realizado no mês de fevereiro de 2018. A busca ocorreu em um recorte temporal de 11 anos (pesquisas publicadas de 2007 até 2017), abrangendo artigos em formato de texto completo. Como critérios de inclusão, foram adotados estudos primários, disponíveis na íntegra online, nos idiomas inglês, português e espanhol. Foram excluídos artigos duplicados nas bases de dados; teses e dissertações, assim como artigos de opinião e editoriais.

A pesquisa foi realizada por dois revisores, de forma independente, que realizaram a leitura do título e resumo. Sempre que o título e o resumo dos estudos não foram esclarecedores, procedeu-se à leitura do artigo na íntegra. Após seleção dos artigos, foram extraídas informações dos estudos selecionados a partir de um quadro sinóptico elaborado pelos autores contendo as seguintes informações: título da publicação, autores, ano, periódico, idioma, objetivos, delineamento metodológico, amostra, métodos para mensurar a restrição de sódio, resultados e conclusões.

Na sequência, os estudos selecionados foram classificados de acordo com o nível de evidência (NE) proposto por Melnyk, Fineout-Overholt: I - Revisões sistemáticas ou metanálise de relevantes ensaios clínicos; II - Evidências de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; III - Ensaios clínicos bem delineados sem randomização; IV - Estudos de coorte e de caso-controle; V - Revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; VI - Evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; VII - Opinião de autoridades ou comitês de especialistas incluindo interpretações de informações não baseadas em pesquisas¹⁴. A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção dos artigos desta revisão atendendo aos critérios PRISMA¹⁵.

Figura 1
Fluxograma do processo de selecao dos artigos incluidos na revisao integrativa atendendo aos criterios PRISMA⁽¹⁵⁾, Joao Pessoa, Paraiba, Brasil, 2018

RESULTADOS

Entre os 13 artigos elegíveis, todos foram pulicados no idioma inglês. O Quadro 1 apresenta a síntese dos artigos incluídos na presente revisão.

Quadro 1
Características dos estudos sobre restrição de sódio em pacientes com insuficiência cardíaca, João Pessoa, Paraíba, Brasil, 2018

Referência	Ano/País	Delineamento	Objetivos	Desfechos	NE
Colin- Ramirez E et al.(16)	2015 Canadá	Ensaio clínico randomizado n = 38	Determinar a viabilidade de um ensaio clínico controlado randomizado comparando uma dieta com baixo teor de sódio com uma dieta de sódio moderado.	Após seis meses, a ingestão de sódio diminuiu em ambos os grupos avaliados. Em adição, houve melhora na percepção da qualidade de vida.	II
Paterna S et al.(17)	2008 Itália	Ensaio clínico randomizado n = 232	Avaliar os efeitos de uma dieta de sódio normal (120 mmol de sódio) em comparação com uma dieta com baixo teor de sódio (80 mmol de sódio) em readmissões de IC.	O grupo com a dieta com sódio normal apresentou menor incidência de reiternação. A dieta com restrição de sódio produziu efeitos renais e neuro-hormonais prejudiciais em pacientes com IC clinicamente compensada.	II
Son YJ et al.(18)	2011 Coreia	Estudo quantitativo de coorte n = 232	Determinar se a adesão a uma dieta com restrição de sódio afeta a carga de sintomas e a sobrevivência livre de eventos cardíacos em pacientes com IC.	Pacientes com ingestão ≥ 3 g de sódio/dia exibiram menor sobrevida livre de eventos cardíacos. A ingestão limitada de sódio < 3 g/dia demonstrou melhora na sintomatologia da IC.	IV
Basuray A et al.(19)	2015 EUA	Estudo quantitativo de coorte n = 305	Determinar as taxas e os fatores preditores da restrição de sódio, e avaliar a confiabilidade da coleta de urina 24 horas como ferramenta para estimar a ingestão dietética de sódio em pacientes com IC.	A excreção média de sódio na urina de 24 horas foi de 3,15 ± 1,58 g/dia. Análise de regressão logística evidenciou sexo masculino e índice de massa corporal elevado como preditores associados à não adesão a restrição de sódio.	IV
Welsh D et al.(20)	2013 EUA	Ensaio clínico randomizado n = 52	Examinar a eficácia de uma intervenção educativa (aconselhamento, visitas domiciliares e monitoramento telefônico) na redução da ingestão dietética de sódio de pacientes com IC.	A ingestão dietética de sódio não diferiu entre os grupos de cuidados habituais e de intervenção às 6 semanas. No entanto, a ingestão de sódio na dieta foi menor no grupo de intervenção aos 6 meses.	II
Colin-Ramirez E et al.(21)	2015 Canadá	Estudo quantitativo de coorte n = 237	Avaliar a associação entre a adesão autorreferida a uma dieta com baixo teor de sódio com hábitos alimentares relacionados à ingestão de sódio em pacientes com IC.	A adesão autorreferida a uma dieta com baixo teor de sódio não se mostrou confiável entre pacientes com IC. Identificou-se que a medida autorreferida estava associada a não adição de sal no preparo das refeições ou à mesa. Contudo, não houve redução na frequência de ingestão de alimentos ​​com alto teor sódio.	IV
Doukky R et al.(22)	2016 EUA	Estudo quantitativo de coorte n = 902	Avaliar o impacto da restrição de sódio nos desfechos de pacientes com IC.	Os resultados não demonstraram que a restrição dietética de sódio esteja associada a menor taxa de morte ou hospitalização em pacientes com IC. Nos pacientes que não usavam inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueadores dos receptores da angiotensina, a restrição de sódio evidenciou alterações neuro-hormonais prejudiciais.	IV
Heo S et al.(23)	2009 EUA	Estudo qualitativo n = 20	Explorar a percepção de pacientes com IC sobre os alimentos que causam impacto na doença, sua compreensão em relação às recomendações nutricionais recebidas e os fatores que afetam as recomendações para seguir uma dieta pobre em sódio.	A maioria dos pacientes acreditava que a ingestão de alimentos com alto teor de sódio poderia afetar sua saúde. Apesar disso, menos da metade compreendia que o consumo excessivo de sódio poderia acentuar os sintomas da IC. Conhecimento, influência social, condição social e alimentação como fonte de prazer afeta o seguimento de uma dieta com baixo teor de sódio.	VI
Wu JR et al.(24)	2016 EUA	Estudo quantitativo transversal n = 244	Determinar quais fatores foram associados à ingestão de sódio em pacientes com IC usando a Theory Planned Behavior.	Normas subjetivas, gênero e classe funcional da New York Heart Association foram associados à ingestão de sódio.	VI
Chung ML et al.(25)	2016 EUA	Estudo quantitativo de coorte n = 74	Comparar a ingestão de sódio medida por excreção de sódio urinário 24 horas entre pacientes, categorizados por autorrelato, como aderentes ao longo 6 meses e não aderentes.	O grupo aderente a longo prazo teve menor ingestão de sódio (≤ 3 g) e percebeu maiores benefícios em seguir uma dieta com baixo teor de sódio (redução de edema corporal, melhora no padrão respiratório e aumento na sensação de bem-estar) comparado com o grupo não aderente.	IV
Lennie TA et al.(26)	2008 EUA e Austrália	Estudo quantitativo transversal n = 246	Descrever as percepções do paciente com IC em relação às instruções recebidas para seguir uma dieta com baixo teor de sódio e os benefícios, barreiras, facilidade, bem como a frequência de seguir a dieta.	Dos pacientes, 80% relataram receber recomendações para seguir uma dieta com baixo teor de sódio. Entretanto, a excreção de sódio urinário de 24 horas demonstrou que apenas 25% dos pacientes eram aderentes. Informações limitadas são apontadas como barreiras para o seguimento de uma dieta com baixo teor de sódio.	VI
Song EK et al.(27)	2016 Coreia	Estudo quantitativo de coorte n = 119	Determinar se a adesão autorreferida é concordante com uma dieta com baixo teor de sódio medida por questionários alimentares e excreção de sódio urinário; e se a adesão autorreferida a uma dieta com baixo teor de sódio é preditora livre de eventos cardíacos.	A adesão autorreferida foi concordante com a medida de questionários alimentares e excreção de sódio urinário de 24 horas. Os pacientes que relataram nunca ou raramente seguir uma dieta com baixo teor de sódio apresentaram 4,7 vezes mais riscos de ter eventos cardíacos do que aqueles que sempre seguiram uma dieta com baixo teor de sódio.	IV
Lennie TA et al.(28)	2011 EUA	Estudo quantitativo de coorte n = 302	Comparar as diferenças na sobrevivência livre de eventos cardíacos entre pacientes com ingestão de sódio acima e abaixo de 3 g.	Os resultados evidenciaram que 3 g/dia de sódio na restrição dietética pode ser mais apropriada para pacientes com IC e com sintomatologia acentuada.	IV

Quanto aos países onde as investigações foram conduzidas, destaca-se os Estados Unidos, com maior número de publicações^{19-20,22-26,28}. Constata-se ausência de estudos conduzidos na América Latina. O período em que os artigos foram publicados é de 2008 a 2016. Com relação ao nível de evidência (NE), três estudos^16-17,20 foram delineados por meio de ensaio clínico randomizado (nível de evidência II), sete artigos^{18-19,21-22,25,27-28} abrangeram estudos de coorte (nível de evidência IV) e três publicações^23-24,26 derivaram de estudos descritivos ou qualitativos (nível de evidência VI).

Nos estudos analisados, a amostra variou de 16 a 902 participantes. A maioria pertencia ao sexo masculino, estava casada, possuía cardiomiopatia de origem isquêmica e apresentava-se em classe funcional II, de acordo com os critérios da New York Heart Association (NYHA). Para mensurar o consumo de sódio da amostra investigada, 7 pesquisas utilizaram o exame de sódio urinário 24 horas^17-18,24-28. O instrumento Dietary Sodium Restriction Questionnaire (DSRQ) foi utilizado em cinco investigações^16,20,24-26.

DISCUSSÃO

Em resposta à questão de pesquisa que norteou a busca dos artigos nas bases de dados, as evidências encontradas apontam que a restrição de sódio em pacientes com IC não está totalmente incorporada no comportamento das medidas protetoras à saúde dessa população.

Apesar de ser amplamente indicada, não existe um consenso na literatura sobre o consumo ideal de sódio para pacientes com IC. Entretanto, sabe-se que o consumo excessivo de sódio por esses pacientes ocasiona uma série de alterações neuro-hormonais em decorrência da função cardíaca reduzida, pressão venosa sistêmica elevada e perfusão renal diminuída. Por conseguinte, ocorre a ativação exacerbada do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Essas alterações desencadeiam um ciclo vicioso de retenção de sódio e água, o que favorece o surgimento de quadros clínicos de congestão pulmonar e sistêmica^7-9.

Em nossos achados, estudo de coorte com 302 pacientes identificou que pacientes em classe funcional III/IV da NYHA, com ingestão de sódio superior a 3 g/dia, apresentaram 2,5 mais chances de readmissões ou mortes²⁸. Outra pesquisa conduzida com 232 pacientes em seguimento por 12 meses concluiu que pacientes não aderentes a uma dieta com teor de sódio de 3 g/dia apresentaram piora dos sintomas da doença e 2 vezes mais chances de quadros agudos de descompensação clínica¹⁸.

Ensaio clínico randomizado - que avaliou os efeitos de uma dieta com consumo normal de sódio (120 mmol de sódio/2,8 g) em comparação com uma dieta com baixo teor de sódio (80 mmol de sódio/1,8 g) associada à dose elevada de diurético (furosemida, 250-500 mg) e restrição hídrica (1.000 ml/dia) nas readmissões de pacientes com IC - concluiu que o consumo normal de sódio, combinado com terapêutica diurética apropriada, pode manter a estabilidade intravascular e diminuir o índice de re-hospitalizações¹⁷. Outra investigação que comparou uma dieta de baixo teor de sódio (1,5 g/d) com uma dieta de consumo moderado de sódio (2,3 g/d), durante 6 meses, evidenciou que os pacientes com menor ingestão de sódio apresentaram diminuição nos níveis de sobrecarga de volume vascular e uma melhor percepção da qualidade de vida¹⁶.

No entanto, uma abordagem de coorte realizada com 902 participantes, a qual investigou o impacto da restrição de sódio nos desfechos de pacientes com IC, não encontrou associações entre uma menor taxa de mortalidade e hospitalizações relacionadas a diminuição no consumo de sódio. Os autores consideram que a restrição de sódio em pacientes nas classes funcionais I e II da NYHA pode ser insatisfatória devido à ativação neuro-hormonal e à terapêutica farmacológica (diuréticos) prescrita, o que pode não trazer benefícios satisfatórios na manutenção da estabilidade clínica da doença²².

Na literatura analisada, percebe-se que, em pacientes com sintomatologia acentuada, especialmente nas classes III e IV da NYHA, a restrição no consumo sódio tem se apresentado associada a menores desfechos clínicos desfavoráveis. Entretanto, em pacientes nas classes I e II da NYHA, categorizados com ausência de sintomatologia ou sintomas desencadeados por esforços, verifica-se uma escassez de estudos sobre o consumo de sódio ideal para minimizar avanços no remodelamento cardíaco e aumento de sobrecarga de volume.

Os achados encontrados são divergentes em face à diversidade de delineamentos metodológicos aplicados nas investigações, as condições clínicas da amostra, bem como o período de seguimento do estudo. Outro aspecto a ser considerado é o uso da terapêutica farmacológica empregada, em especial a dose de diuréticos e a restrição hidrossalina adotada no protocolo das pesquisas, o que inviabiliza a generalização dos resultados.

Considera-se pertinente analisar que a restrição hídrica associada à restrição de sódio pode ter influenciado nos achados encontrados. Aconselha-se restringir a ingestão de líquidos a 1,5-2 L/dia somente em pacientes com IC grave com sinais de congestão ou hiponatremia²⁹. Ademais, os benefícios dessa recomendação são controversos, em decorrência das alterações hemodinâmicas e remodelamento cardíaco progressivo na IC crônica.

Destaca-se também o contexto cultural onde as pesquisas foram desenvolvidas. O fenômeno em questão foi explorado em países industrializados, de hábitos culturais e estilo de vida distintos. A isso, soma-se o maior poder aquisitivo para bens de consumo, o que favorece a ingestão de alimentos enlatados e ultraprocessados que possuem alta concentração de teor de sódio.

Assim, torna-se imperativo que investigações prospectivas multicêntricas comparativas sejam conduzidas, com o escopo de produzir evidências consistentes sobre a ingestão ideal de sódio em pacientes com IC e saber se os benefícios encontrados estão associados à restrição no consumo de sódio, à classe funcional da doença ou ao efeito da terapêutica diurética empregada.

Embora os achados sobre a ingestão ideal de sódio para pacientes com IC sejam controversos, em razão da divergência de métodos e protocolos empregados nas investigações, bem como da ausência de um consenso entre as diretrizes terapêuticas, torna-se irrefutável educar e orientá-los a restringirem a sua ingestão. O excesso de sódio é fator de risco para doenças como hipertensão arterial sistêmica, hipertrofia de ventrículo e nefropatias que podem acentuar o quadro clínico da IC^30-31.

Desse modo, sugere-se indicar a esses pacientes a não adicionar sal aos alimentos já preparados, a abolir o saleiro da mesa e substituir o sal por ervas e temperos frescos no preparo das refeições. Recomenda-se ainda a exclusão, do cardápio alimentar, de refeições prontas refrigeradas e alimentos embutidos, que concentram alto teor de sódio no processo de conservação. Essas estratégias são de baixo custo e devem ser incorporadas na mudança de comportamento necessária para manutenção da capacidade funcional e estabilidade clínica de pacientes com IC.

Sendo a IC uma doença crônica e progressiva, sem a possibilidade terapêutica de cura, nota-se a importância de identificar quais fatores podem facilitar ou dificultar o seguimento a uma dieta com baixo teor de sódio. Nessa perspectiva, em nossos achados, observa-se um estudo com amostra de 246 participantes, que teve como objetivo descrever as percepções, facilidades e barreiras em seguir uma dieta com baixo teor de sódio. Os autores identificaram que 80,1% dos participantes receberam orientações sobre como seguir uma dieta com restrição de sódio, tais como controlar ingestão de sal, não adicionar sal aos alimentos cozidos e não deixar sal disponível à mesa. No entanto, 54% afirmaram ser difícil ou muito difícil seguir essas orientações²⁶.

Além disso, apontaram que 70% do sódio consumido na dieta era de origem de alimentos processados. Não saber escolher refeições com baixo teor de sódio em restaurantes foi considerada uma barreira. Adicionalmente, a não adesão de familiares em compartilhar uma dieta com baixo teor de sódio, bem como o convívio social, foram dificuldades identificadas²⁶. Tais fatos reforçam a necessidade de incorporar a rede social de apoio (familiares, amigos) no processo educativo de pacientes com IC. Acrescenta-se a isso a necessidade de orientá-los sobre o efeito do consumo excessivo de sódio para a saúde, além das estratégias que podem ser utilizadas para substituição de alimentos processados do cardápio alimentar.

Outro estudo com abordagem qualitativa, realizado nos Estados Unidos, encontrou resultados semelhantes: 85% dos investigados receberam orientações específicas em relação à restrição de sódio na dieta, mas apenas 60% relataram segui-la. Entre os fatores relacionados à não adesão a uma dieta com baixo teor de sódio, foi evidenciada falta de conhecimento; pressão social e familiar; condições socioeconômicas; dificuldade para encontrar refeições com baixo teor de sódio em restaurantes; e alimentos como fonte de prazer e satisfação²³.

Compreende-se que o impacto e as limitações físicas e psicossociais inerentes à IC podem influenciar na adesão à terapêutica prescrita. Assim, considera-se irrefutável delinear intervenções educativas sistemáticas para potencializar o entendimento e a compreensão dos benefícios e prejuízos da restrição de sódio na dieta, considerando crenças, hábitos, condições socioeconômicas e contextos familiares. Nota-se que ainda são incipientes os estudos conduzidos no cenário nacional, com o escopo de analisar os fatores determinantes de redução do consumo de sódio na dieta em pacientes com IC.

Em relação aos métodos aplicados para coleta de dados nos estudos analisados, um fator a se destacar é a utilização de diferentes procedimentos e protocolos para esse fim. Observou-se o uso da dosagem de sódio na urina coletada em 24 horas como ferramenta principal para avaliar adesão à dieta com baixo teor de sódio nas investigações^{19,22,24-25,27}.

O exame de sódio na urina coletada em 24 horas é um biomarcador, considerado padrão-ouro para mensurar a ingestão de sódio diária, uma vez que 90% do sódio excretado pelos rins por meio da urina é dado pelo consumo de sal^30-31.

Nessa perspectiva, estudo conduzido com 119 participantes - cujo objetivo foi determinar se a adesão autorrelatada é concordante com a adesão a uma dieta com baixo teor de sódio, medida por diários de consumo alimentar e dosagem de sódio urinário nas 24 horas - apresentou concordância entre os resultados. Os autores constataram por meio de análise de regressão que, no período de um ano, os participantes que relataram nunca ou raramente seguir uma dieta com baixo teor de sódio (ingestão diária > 4 g) apresentaram um risco 4,7 vezes maior de exibirem eventos cardíacos, comparados aos que seguiam uma dieta com baixo teor de sódio (< 3 g/dia; p = 0,017)²⁷.

Outra pesquisa que comparou adesão a uma dieta com baixo teor de sódio (aderentes versus não aderentes), medida pela excreção urinária de sódio nas 24 horas, identificou que o grupo aderente apresentou excreção urinária de sódio 27% inferior ao grupo não aderente (≤ 3 g vs. ≥ 4 g, p = 0,01, respectivamente), após 6 meses de seguimento²⁵.

Outra investigação analisou a confiabilidade do exame de sódio urinário em uma coleta de diurese em 24 horas como ferramenta para estimar a ingestão dietética de sódio em 305 pacientes com IC e em seguimento ambulatorial, com fração de ejeção reduzida (< 40%). Os autores constataram, mediante análise de regressão logística, que o sexo masculino e o índice de massa corporal elevado foram associados à baixa adesão a dieta com menor teor de sódio (< 3 g/dia)¹⁹.

Compreende-se que o exame de excreção de sódio urinário configura-se como uma ferramenta confiável e esclarecedora na prática clínica, o que torna indispensável sua utilização na avaliação do comportamento de pacientes com IC em seguir uma dieta com baixo teor de sódio, considerando que apenas o uso de questionários e/ou diários alimentares pode subestimar o consumo. O autorrelato pode ser sofrer influência das condições econômicas, culturais e cognitivas.

Entre as pesquisas, identificou-se que o questionário Dietary Sodium Restriction Questionnaire (DSRQ) foi o mais utilizado entre os diversos instrumentos disponíveis na literatura para avaliar o consumo de sódio. Embasado na Theory Planned Behavior (TPB), o DSRQ é voltado para mensurar os fatores que facilitam ou dificultam a adesão a uma dieta com restrição de sódio, apresentando medidas de confiabilidade e de reprodutibilidade comprovadas pela literatura³².

Composto por três subescalas, o instrumento mencionado envolve afirmativas que avaliam os seguintes constructos: 1) atitude - relaciona à favorabilidade do sujeito quanto à realização ou não do comportamento; 2) norma subjetiva - representa a pressão social percebida, ou seja, se baseia na percepção do indivíduo acerca das opiniões dos seus referentes sociais sobre a realização ou não do comportamento; 3) controle comportamental - composto por itens que avaliam as percepções do indivíduo em relação à facilidade ou dificuldade percebida sobre a execução do comportamento^32-33.

Nesse sentido, estudo que determinou os fatores associados à ingestão de sódio, à luz da TPB, concluiu que a norma subjetiva, o sexo e a classe funcional da New York Heart Association foram associados a menor ingestão no consumo de sódio (p < 0,001). Os autores pontuam que ter aprovação do cônjuge, familiares e/ou prestadores de cuidados em saúde desponta como influência positiva significativa na adesão em seguir uma dieta hipossódica²⁴.

A literatura tem apontado o papel da rede social de apoio como adjuvante na adesão à terapêutica instituída em pacientes com IC. Como membros da rede social, configuram-se o cônjuge, os filhos, os vizinhos, os profissionais de saúde, entre outros. Entende-se que a participação familiar no processo educativo dessa população é essencial para motivação e adesão dos pacientes às recomendações prescritas na mudança de estilo de vida necessária para manutenção da estabilidade clínica da doença³⁴.

Ressalta-se que a formação de vínculo entre os profissionais de saúde e os usuários dos serviços é fundamental para dirimir lacunas e promover a confiança na abordagem terapêutica prescrita, uma vez que, na maioria das situações, tal vínculo é considerado como referente positivo para o cuidado em saúde. Assim, é importante que o cuidado ao paciente com IC seja realizado de maneira multidisciplinar, holística e integrado com sua rede social de apoio, a fim de fortalecer as ações de manejo farmacológico e não farmacológico da doença, bem como a qualidade de vida.

Entre todos os estudos, apenas um teve o objetivo de examinar a eficácia de uma intervenção educativa na redução da ingestão dietética de sódio nas subescalas que compõem o Dietary Sodium Restriction Questionnaire (atitude, norma subjetiva e controle comportamental percebido). Os participantes do grupo de intervenção receberam orientações, durante seis semanas, por meio de visitas domiciliares ou instruções por telefone sobre o consumo de uma dieta com alto teor de sódio e sua relação com a exacerbação de sinais e sintomas de congestão pulmonar, escolha de alimentos com menor teor de sódio e dicas para escolher alimentos saudáveis ao realizar refeições fora de casa. Os autores constataram maior escore na subescala de atitude no grupo de intervenção (n = 27) após seis semanas, quando comparado ao grupo controle (n = 25), que recebeu orientações gerais (p < 0,01)²⁰.

Esses resultados fornecem subsídios para o desenvolvimento de intervenções educativas baseadas em teorias comportamentais, abrindo novas perspectivas para a enfermagem no delineamento de tecnologias de cuidado que possam favorecer à mudança de crenças e comportamentos de risco à saúde. Apreende-se que instrumentos de medida ancorados na TPB mostram-se adequados ao estudo dos fatores motivacionais determinantes do comportamento de redução do consumo de sódio na dieta.

O DSRQ foi adaptado e validado para o português do Brasil³⁵. No entanto, compreende-se que o uso de instrumentos produzidos em diferentes contextos pode não ser adequado para avaliar determinados fenômenos em regiões culturalmente distintas. Além disso, segundo a TPB, para mensurar os fatores determinantes da execução de um comportamento, é primordial a elucidação de crenças salientes do público-alvo, ou seja, devem-se considerar os aspectos inerentes ao contexto em que se pretende investigar e intervir³³.

A partir do levantamento de crenças, um questionário é elaborado com medidas diretas e indiretas para mensurar a intenção comportamental, considerada o antecedente imediato do comportamento. Assim, instrumentos de medida para avaliar os fatores psicossociais determinantes de restrição do consumo de sódio na dieta devem ser construídos a partir do contexto local, uma vez que elementos importantes possam não estar contemplados em instrumentos previamente validados.

Limitações do estudo

Os autores se restringiram a publicações em apenas três idiomas (português, inglês e espanhol), o que pode ter limitado o acesso a outros achados relevantes. Observou-se que, nesta revisão, prevaleceram investigações com delineamento de coorte, fato que inviabiliza o estabelecimento de evidências robustas sobre o efeito da restrição de sódio na dieta em pacientes com IC. Ademais, aponta-se a escassez de produções latino-americanas sobre a temática.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Esta RI sintetizou o conhecimento acerca da restrição de sódio em pacientes com IC. Espera-se que, com base nos achados destacados neste estudo, investigações futuras possam ser conduzidas com métodos e protocolos robustos a fim de produzir evidências consistentes sobre a restrição de sódio, fator determinante para descompensação ou agudização da situação clínica em pacientes com IC. Ressalta-se que a redução da ingestão de sódio é uma meta mundial a ser alcançada e foi assumida pelo Brasil no Plano Nacional de Enfretamento e Controle das Doenças Crônicas Não Transmissíveis proposto pela Organização Mundial de Saúde.

A incorporação de evidências na prática clínica do enfermeiro pode auxiliá-lo a implementar ações e estratégias motivacionais baseadas em teorias para mudança de crenças, atitudes, hábitos e comportamentos de risco de acordo com contextos culturais e socioeconômicos, diminuindo complicações advindas da IC devido ao não seguimento de uma dieta com baixo teor de sódio e fornecer subsídios para enfermeiros na tomada de decisão.

CONCLUSÕES

Os resultados alcançados nesta revisão demonstraram que na literatura não há um consenso sobre a restrição de sódio na dieta em pacientes com IC. Apesar de os estudos apresentarem metodologias e protocolos diferenciados, demonstra-se que a restrição de sódio deve ser encorajada na prática clínica como medida protetora à saúde, com o fito de minimizar desfechos clínicos desfavoráveis em pacientes com sintomatologia avançada. Porém, os resultados sugerem que o efeito de dietas com baixo teor de sódio precisa ser bem estudado em pacientes assintomáticos. Portanto, torna-se imperativo a necessidade da realização de novas investigações em maior escala e que avaliem em longo prazo as consequências desta recomendação.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Mitzy Danski

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  13 Fev 2019
• Aceito
  15 Ago 2019