Florence Nightingale - marca registrada para a enfermagem mundial

Ao pensar em como comentar algo acerca de Florence Nightingale, sem parecermos repetitivos, sem novidades, ou mesmo pouco científico, não se configura em uma tarefa fácil. Realizando uma busca básica pelo nome “Florence Nightingale” na maior plataforma de buscas do mundo, o Google, em menos de 47 segundos aparecem 16.600.000 referências referentes ao seu nome. Entendemos que essas referências incluem toda e qualquer forma de comunicação disponível online e captadas pela base, sem que, necessariamente, representem o grau de importância desta personalidade como o tributo que nos propomos neste editorial.

De longa data, Florence tem sido buscada como recurso de valorização profissional, sendo há muito conhecida por suas contribuições para a enfermagem, a educação e para a reformas da saúde e da saúde pública. Florence obteve reconhecimento internacional por sua participação na Guerra da Crimeia entre 1854 e 1856.

Em 2010 foi celebrado, em todo o mundo, o centenário da sua morte (12/05/1820-13/08/1910). Na ocasião, a Organização das Nações Unidas, por iniciativa da “Sigma Theta Tau International” instituiu o “Ano Internacional da Enfermeira”, assim como foi comemorado os 150 anos da criação da primeira escola de enfermagem moderna no mundo, na cidade de Londres, mais precisamente no Saint Thomas Hospital⁽¹⁾.

Na ocasião, foi criado o movimento pela valorização da saúde global e, consequentemente, a “Declaração Nightingale para um Mundo Saudável”, que foi assinada por milhões de enfermeiras, educadores, profissionais e cuidadores da área de saúde, em todo o mundo, incluindo o Brasil. A ideia do movimento era utilizar esta declaração como pedra angular de uma campanha global, que se concretizaria em 2020, durante a celebração dos 200 anos do nascimento de Florence Nightingale. Objetivou-se, então, “mobilizar a Opinião Pública para a Saúde das Nações”⁽²⁾.

A continuidade da campanha, iniciada em 2010, toma um novo vigor, a partir de 2015, quando se inicia uma avaliação das condições de trabalho e avaliação de enfermagem em nível global, pelo All-Party Parliamentary Group on Global Health⁽³⁾. Desta avaliação resulta o relatório intitulado de Triple Impact, o qual apontou problemas e desafios semelhantes, enfrentados pelas enfermeiras. Também indicou que essas desempenham um papel importante na promoção da saúde e prevenção de doenças, além de melhoria da igualdade de gênero, considerando as diferenças salariais e de liderança entre homens e mulheres e na construção de economias mais fortes⁽⁴⁾.

Do Triple impact nasceu o Nursing Now, em 2018, com objetivos a serem atingidos até o final de 2020. Todas estas metas tinham como objetivo final propiciar o empoderamento das enfermeiras, da equipe de enfermagem e da obstetrícia, considerando 2020 o “Ano Internacional de Profissionais de Enfermagem e Obstetrícia”. Na mesma campanha se encontra inserido o Desafio Nightingale (2019), iniciativa que visa sensibilizar os empregadores da saúde, envolvendo pelo menos 1.000 organizações, para fornecerem treinamento e preparar 20.000 enfermeiras, com menos de 35 anos para exercer liderança e desenvolver a próxima geração de jovens enfermeiras como líderes, profissionais e defensoras da saúde, para demonstrar que a enfermagem é uma carreira gratificante⁽⁵⁾.

Com o enfrentamento da pandemia pelo coronavírus 2019 (COVID-19), a campanha viu estas metas tomarem uma proporção inimaginável em termos da visibilidade da enfermagem e da importância destes profissionais em todo o mundo. O empoderamento proposto pela Campanha Nursing Now se fez presente pela tragédia que se abateu sobre a sociedade mundial, e mais do que nunca, nos deu forças para acreditar no cuidado de enfermagem como mola mestra da saúde.

A representação de Florence Nightingale como enfermeira atenta, cuidadosa, presente, disponível para o cuidado, assim como profissional cientista, capaz de criar novas tecnologias para o cuidado de enfermagem emergiu com toda a força na atualidade. Durante a pandemia, como na Guerra da Crimeia há casos em que as famílias não podem acompanhar os pacientes graves, eles estão morrendo. A enfermeira tem, então, um papel importante como canal de amor entre pacientes e familiares, quando separados no final da vida. As enfermeiras, hoje, podem não escrever cartas como Nightingale, no entanto elas podem receber e compartilhar mensagens entre pacientes e familiares por telefone, tablets e outras tecnologias, garantindo que o ente querido possa ser consolado e não tenha uma morte tão solitária⁽⁶⁾.

Florence Nightingale identificou há mais de um século a necessidade da interação atenciosa, empática e respeitosa da enfermeira, além de ser uma defensora feroz do bem-estar dos pacientes. Referendando seu valor, desde muito tempo, a Revista Lancet publica um tributo à sua pessoa, imediatamente após o seu falecimento:

a carreira e a personalidade de Florence Nightingale são tão importantes porque nela, a apóstola da enfermagem científica, ficou provado que tal enfermagem não - consiste na exibição de características amáveis ou zelosas, (por mais fiéis que sejam, mas requerem o reconhecimento da futilidade de qualquer luta contra a doença que não seja baseada no conhecimento das causas físicas que estão por trás da doença...⁽⁷⁾.

Ainda tomando, por exemplo, para os dias de hoje, embora Nightingale só tenha apoiado totalmente a ideia de que muitas doenças são causadas por microrganismos específicos conhecidos como germes depois dos 60 anos, nos anos 1880 ela tinha muita noção da importância da higiene das mãos. Embora tenha escrito mais de 50 livros e manuais acerca da atenção à saúde nas guerras, seu livro, Notas sobre Enfermagem (1860), era mais um livro de instrução de saúde pública do que um manual de enfermagem, com indicações importantes e atuais. Nesse livro, ela escreveu que toda enfermeira deve ter o cuidado de lavar suas mãos muito frequentemente ao longo do dia. Se lavar o rosto, também, ainda melhor⁽⁸⁾.

Esse era um aconselhamento relativamente novo, primeiro divulgado pelo médico húngaro Ignaz Semmelweis nos anos 1840, que observou a diferença dramática que isso provocava nas taxas de mortalidade em maternidades. Além disso, Nightingale considerava que o lar era um lugar crucial para intervenções de prevenção de doenças. Esse era o local onde a maioria das pessoas contraía e sofria de doenças infecciosas. (O mesmo é verdadeiro ainda hoje: no surto de coronavírus de Wuhan, 75-80% das transmissões foram reportadas em núcleos familiares.)

Expert em estatística e imagens, ela se tornou pioneira na utilização de gráficos, para apresentar dados em uma forma visivelmente clara e para que todos pudessem compreender o seu significado epidemiológico. Famosa pela criação do chamado “diagrama da rosa”, o qual utilizou para representar graficamente as taxas de mortalidade durante a Guerra da Criméia. Com isso, ela revolucionou a ideia de que fenômenos sociais podem ser submetidos à lógica matemática, e, usando a estatística, ilustrou graficamente a necessidade de reforma sanitária. Florence Nightingale foi a primeira mulher a integrar a Sociedade Real de Estatística em Londres⁽⁹⁾.

Florence Nightingale deixou como legado às gerações futuras seu espírito científico, reflexivo e analítico, pois sempre defendia suas posições com base em prévia investigação. Pode ser considerada a primeira enfermeira pesquisadora do mundo. Florence Nightingale acreditava que, por meio da educação, o ser humano poderia desvelar suas potencialidades para mudar sua situação, em vez de se conformar com ela.

Entendemos que o momento atual pode significar um renascimento da enfermagem, considerando que as pessoas leigas, os pacientes e a sociedade como um todo estão olhando a enfermagem com outros olhos e maior valorização. Nada mais justo que isso ocorra no ano em que se comemora o bicentenário de nascimento daquela que revolucionou as práticas do cuidado a doentes.

REFERENCES

• ¹
  Harris MD. 2010: Commemorating the centennial year of the death of florence nightingale and the international year of the nurse. Home Healthc Nurse. 2010;28(8);510-12 doi: 10.1097/NHH.0b013e3181e8f9d4
  » https://doi.org/10.1097/NHH.0b013e3181e8f9d4
• ²
  Dossey B. Introducing the Nightingale Initiative for Global Health (NIGH) 2010-2020 [Internet]. 2010 &2020 Sep 25]. Available from: https://dosseydossey.com/barbara/nigh.html
  » https://dosseydossey.com/barbara/nigh.html
• ³
  All Party-Parliamentary Group on Global Health (APPG). Triple Impact: how developing nursing will improve health, promote gender equality and support economic growth [Internet]. 2016 [2020 Sep 25]. Available from: http://www.appg-globalhealth.org.uk
  » http://www.appg-globalhealth.org.uk
• ⁴
  Salvage J, Stilwell B. Breaking the silence: a new story of Nursing. Rev Enferm Ref. 2018;IV(17):3-12. doi: 10.1111/jocn.14306
  » https://doi.org/10.1111/jocn.14306
• ⁵
  Bayliss-Pratt L, Daley M, Bhattacharya-Craven A. Nursing Now 2020: the Nightingale Challenge. Int Nurs Rev. 2020;67(1):7-10. doi: 10.1111/inr.12579
  » https://doi.org/10.1111/inr.12579
• ⁶
  Gallagher A. Learning from Florence Nightingale: a slow ethics approach to nursing during the pandemic. Nurs Inquiry. 2020 doi: 10.1111/nin.12369
  » https://doi.org/10.1111/nin.12369
• ⁷
  The Lancet. Florence Nightingale. Lancet. 1910:571-2. doi: 10.1016/S0140-6736(00)52574-4
  » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(00)52574-4
• ⁸
  Nightingale F. Notes on Nursing: What is, and what it is not. London: Harrison, 1860.
• ⁹
  Anderson RJ. Florence Nightingale: The Biostatistician. molecular interventions. 2011;11(2):63-5. doi: 10.1124/mi.11.2.1
  » https://doi.org/10.1124/mi.11.2.1

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Dez 2020
• Data do Fascículo
  2020