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Apoio social de famílias de crianças traqueostomizadas

RESUMO

Objetivo:

compreender o apoio social de famílias de crianças traqueostomizadas.

Método:

estudo qualitativo que utilizou como referenciais teóricos o modelo de Apoio Social e suas Dimensões e o modelo Sistema Familiar-Doença, e cuja análise foi pautada pelo modelo Híbrido de Análise Temática. Foram entrevistadas nove famílias de crianças traqueostomizadas em acompanhamento no serviço ambulatorial de otorrinolaringologia pediátrica de um hospital público do interior do estado de São Paulo.

Resultados:

a experiência de apoio social peculiar a cada fase da experiência da família foi apresentada em três temas: “Saber da necessidade de traqueostomia” “Realizar a traqueostomia” e “Conviver com a traqueostomia”.

Considerações Finais:

compreender como se dá a experiência do apoio social pode subsidiar estratégias de avaliação e intervenção, visando atender às demandas da família em cada fase de sua trajetória, colaborando para uma assistência de Enfermagem contínua e integral.

Descritores:
Apoio Social; Enfermagem Pediátrica; Relações Familiares; Traqueostomia; Doença Crônica

ABSTRACT

Objective:

To understand the social support of families with tracheostomized children.

Method:

Qualitative study using the Model of Dimensions of Social Support together with the Family System-Illness model as theoretical frameworks, based on the hybrid model of thematic analysis. Nine families with tracheostomized children were interviewed in an outpatient pediatric otorhinolaryngology department of a public hospital in the inner state of São Paulo.

Results:

The experience of social support to each phase of the family experience was presented in three themes: “Knowing the need for a tracheostomy”, “Performing a tracheostomy” and “Living with a tracheostomy”.

Final considerations:

Understanding how the experience of social support occurs can support assessment and intervention strategies, aiming to meet the demands of the family at each phase of its trajectory, collaborating for a continuous and integral nursing care.

Descriptors:
Social Support; Pediatric Nursing; Family Relations; Tracheostomy; Chronic Diseases

RESUMEN

Objetivo:

Entender el apoyo social de las familias con niños traqueostomizados.

Método:

Estudio cualitativo en que se utilizó como marco teórico el modelo de apoyo social y sus dimensiones y el modelo sistema familiar-enfermedad, y en el análisis se utilizó el modelo híbrido de análisis temático. Se entrevistó a nueve familias con niños traqueostomizados en seguimiento en el Servicio Ambulatorio de Otorrinolaringología Pediátrica de un hospital público del interior del estado de São Paulo.

Resultados:

La experiencia de apoyo social específico a cada fase de la experiencia de la familia ocurre de tres maneras: “Saber de la necesidad de la traqueostomía”, “Realizar la traqueotomía” y “Convivir con la traqueotomía”.

Consideraciones finales:

El entendimiento sobre cómo ocurre la experiencia del apoyo social puede permitir que se establezcan estrategias de evaluación e intervención, para atender las demandas de la familia en cada fase de su trayectoria y colaborar con una asistencia de enfermería continua e integral.

Descriptores:
Apoyo Social; Enfermería Pediátrica; Relaciones Familiares; Traqueostomía; Enfermedad Crónica

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos durante as últimas décadas possibilitaram o aumento da expectativa de vida e a sobrevivência de crianças com condições graves de saúde (11 Cohen E, Berry JG, Camacho X, Anderson G, Wodchis W, Guttmann A. Patterns and costs of health care use of children with medical complexity. Pediatrics. 2012;130(6):e1463-70. doi: 10.1542/peds.2012-0175
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). Entretanto, essas crianças podem se tornar dependentes de dispositivos tecnológicos para auxiliar e monitorar suas funções vitais. Neste contexto, a traqueostomia está entre os dispositivos que mais desperta questionamentos e insegurança quanto ao cuidados necessários para sua manutenção (22 Guerini IC, Cordeiro PKS, Osta SZ, Ribeiro EM. Relatives' perception regarding the stressors resulting from the care demands of technology-dependent children and adolescents. Texto Context Enferm. 2012;21(2):348-55. doi: 10.1590/S0104-07072012000200012
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).

Cuidar de uma criança com traqueostomia não é um processo isolado e pontual, mas que envolve toda a família. É fundamental entender o significado que a condição tem para o núcleo familiar, como ocorre o manejo de uma condição crônica, como seus membros se organizam e que tipo de apoio possuem. Esses pontos estabelecem o comportamento da família durante o tratamento da criança (33 Mendes-Castillo AMC. Manejo familiar no transplante hepático da criança [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011. doi: 10.11606/T.7.2011.tde-16052011-103823
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).

As modificações na dinâmica familiar podem despertar mudanças de comportamentos em seus membros, que experimentam impactos na qualidade de vida, refletidos nos relacionamentos e vida familiar. Como resultado dessas tensões, podemos citar como exemplos, o aumento do número de separações conjugais, problemas financeiros, sobrecarga do cuidador principal. Outro fator de prejuízo é o isolamento social. As famílias de crianças traqueostomizadas, tendem a ser socialmente isoladas, devido as muitas atividades diárias, preocupações quanto ao risco da criança ser exposta a patógenos, dificuldade no deslocamento de artefatos necessários e vergonha em realizar os procedimentos de cuidados da criança traqueostomizada em público (33 Mendes-Castillo AMC. Manejo familiar no transplante hepático da criança [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011. doi: 10.11606/T.7.2011.tde-16052011-103823
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4 Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e6980015. doi: 10.1590/0104-07072017006980015
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-55 Pedro ICS, Rocha SMM, Nascimento LC. Social support and social network in family nursing: reviewing concepts. Rev Latino-Am Enfermagem. 2008;16(2):324-7. Doi: 10.1590/S0104-11692008000200024
https://doi.org/10.1590/S0104-1169200800...
).

As famílias encontrarão forças para superar esse momento à medida que elas recebem apoio social, estimulando uma ótica positiva sobre o futuro e os obstáculos derivados da doença, proporcionando enfrentamento de todas as demandas, com construção de redes de apoio social (33 Mendes-Castillo AMC. Manejo familiar no transplante hepático da criança [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011. doi: 10.11606/T.7.2011.tde-16052011-103823
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,66 Nóbrega VM, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede e apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev Eletr Enferm. 2010;12(3):431-40. doi: 10.5216/ree.v12i3.7566
https://doi.org/10.5216/ree.v12i3.7566...
).

O apoio social tem sido definido como um fenômeno de múltiplas dimensões, relacionado à saúde do indivíduo, sendo o conjunto de todos os recursos providos por outras pessoas à outrem, à totalidade de informações que faz com que o indivíduo considere-se amado e cuidado, pois pertence a uma rede social de pessoas que podem contribuir no enfrentamento de problemas e proporcionar benefícios à saúde física, mental e social (77 Vaux A. Social support: theory, research, and intervention. New York: Praeger Publishers; 1988.).

Nas últimas décadas, houve grande interesse em se pesquisar o apoio social em diversos contextos, em virtude do impacto positivo na saúde física e emocional do indivíduo. Abordado sob diferentes enfoques na literatura, seu conceito foi definido por diferentes autores, dentre os quais Hans Veiel, que descreve o modelo de Apoio Social e suas Dimensões (88 Veiel HO. Dimensions of social support: a conceptual framework for research. Soc Psychiatry [Internet]. 1985 [cited 2017 Mar 15];20(4):156-62. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/BF00583293
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).

Entende-se que o enfermeiro deve conhecer a experiência de apoio social das famílias de crianças traqueostomizadas, a fim de direcionar estratégias para fortalecer tais famílias no enfrentamento da situação, o que motivou o presente estudo.

OBJETIVO

Compreender o apoio social de famílias de crianças traqueostomizadas.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto foi conduzido para avaliação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), recebendo aprovação em 21 de junho de 2017, respeitando as normativas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (99 Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e revoga as Resoluções CNS nos. 196/96, 303/2000 e 404/2008 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [cited 2017 Mar 15]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). Os nomes dos participantes foram substituídos por nomes fictícios.

Referenciais teóricos

O modelo de Apoio Social e suas Dimensões (88 Veiel HO. Dimensions of social support: a conceptual framework for research. Soc Psychiatry [Internet]. 1985 [cited 2017 Mar 15];20(4):156-62. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/BF00583293
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), desenvolvido pelo pesquisador Dr. Hans Veiel, foi utilizado para delinear a coleta e análise de dados. Veiel desenhou um quadro conceitual modelando o apoio social em três dimensões: tipo de apoio, dividido em apoio psicológico, instrumental, diário e na crise; contexto das relações (fontes) e avaliação do apoio. Com o propósito de conceituar, instrumentalizar e avaliar o apoio social, o modelo de Veiel oferece resposta às seguintes perguntas: O que é fornecido? Quem o fornece? Como é avaliado? As questões remetem-se ao tipo de apoio fornecido, vínculo presente entre o provedor e o receptor do apoio e avaliação do apoio, respectivamente.

O modelo de Veiel delineia a compreensão da experiência de apoio social, facilitando o entendimento da dinâmica do apoio social. Por isso, guiou a coleta e a interpretação dos dados. Entretanto, considerando o fenômeno em estudo como uma condição crônica, bem como o contexto e a densidade das experiências, entendeu–se que a melhor forma de apresentar os dados seria em função de cada fase da trajetória da doença, que em termos de apoio social, apresentam características muito particulares. Para tal, usou-se como base o modelo de Sistema-Familiar Doença (1010 Rolland JS, Walsh F. Facilitating family resilience with childhood illness and disability. Curr Opin Pediatr. 2006;18(5):527-38. doi: 10.1097/01.mop.0000245354.83454.68
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).

Tal modelo, proposto por John Rolland e Froma Walsh, indica que, para promover discussões de enfrentamento da doença crônica, é necessário levantar questões diversas variando em conformidade com os períodos de desenvolvimento da doença e o estágio do tratamento de cada indivíduo, chamado de fases temporais da doença. Os autores a dividem em três fases: crise, crônica e terminal (1010 Rolland JS, Walsh F. Facilitating family resilience with childhood illness and disability. Curr Opin Pediatr. 2006;18(5):527-38. doi: 10.1097/01.mop.0000245354.83454.68
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). No contexto dessa pesquisa, foi relevante considerar a experiência da traqueostomia da criança como contendo as fases de crise e crônica.

Tipo de estudo

A pesquisa foi desenvolvida através de uma abordagem qualitativa, por fornecer subsídios adequados e substanciados, examinados pela ótica do indivíduo estudado, sendo possível aprofundar na subjetividade observada a partir das ações e relações sociais (1111 Ludke M, André MEDA. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 2ª ed. Rio de Janeiro: EPU; 2017.).

Cenário do estudo

O estudo foi realizado no serviço ambulatorial de otorrinolaringologia pediátrica, de um hospital público do interior do estado de São Paulo.

Fonte de dados

Os dados foram coletados com famílias de crianças traqueostomizadas. Os critérios de inclusão foram familiares maiores de 18 anos, de crianças previamente hígidas antes dos procedimentos para colocação da traqueostomia, e que não possuíam outros dispositivos tecnológicos além da traqueostomia.

Coleta de dados

As famílias foram convidadas a participarem da pesquisa, recebendo os devidos esclarecimentos. Após o aceite, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi exposto e assinado pelas famílias.

Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, e por meio do genograma e ecomapa, instrumentos de avaliação familiar reconhecidos por sua eficácia no levantamento de informações sobre a família no âmbito da prática clínica e pesquisa em saúde (1212 Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5ª ed. São Paulo: Roca; 2012.). A coleta de dados ocorreu no período de setembro de 2017 a fevereiro de 2018. Como critério para definir o momento de interromper a coleta de dados, foi utilizada a saturação (1313 Tarozzi M. O que é a grounded theory? Metodologia de pesquisa e de teoria fundamentada nos dados. Petrópolis: Vozes; 2011.).

As entrevistas partiram de uma questão norteadora: Conte-me como tem sido sua rotina e de sua família desde o momento em que foi realizado a traqueostomia em sua criança. Posteriormente, foram utilizadas perguntas baseadas nas subdimensões de apoio na crise e apoio diário, segundo modelo de Apoio Social e suas Dimensões (88 Veiel HO. Dimensions of social support: a conceptual framework for research. Soc Psychiatry [Internet]. 1985 [cited 2017 Mar 15];20(4):156-62. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/BF00583293
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). Exemplos dessas perguntas seriam: Que tipo de apoio você precisa quando está com algum problema em relação ao seu filho/neto? Que tipo de apoio você precisa nos cuidados diários com seu filho?

Cada participante foi entrevistado somente uma vez. Foram gravadas nove entrevistas com duração média de 25 a 30 minutos.

Análise dos dados

Os dados foram analisados através do modelo híbrido de análise temática (1414 Fereday J, Muir-Cochrane E. Demonstrating rigor using thematic analysis: a hybrid approach of inductive and deductive coding and theme development. Int J Qualit Methods. 2006;5(1):80-92. doi: 10.1177/160940690600500107
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) que combina tanto uma abordagem indutiva quanto dedutiva.

As etapas de codificação para investigação dos dados nesse modelo de análise híbrida consistem em: desenvolver um template, neste estudo, o template foi construído a partir do referencial teórico Modelo de Apoio Social e suas dimensões (88 Veiel HO. Dimensions of social support: a conceptual framework for research. Soc Psychiatry [Internet]. 1985 [cited 2017 Mar 15];20(4):156-62. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/BF00583293
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); síntese do dados e identificação dos temas iniciais, nessa segunda etapa, foram realizadas leituras cuidadosas das entrevistas, posteriormente, uma síntese dos dados brutos permitiu rascunhar os pontos destacados pelos participantes; aplicação do template, nessa etapa, ocorreu a codificação dedutiva, o template foi aplicado para o reconhecimento de unidades de textos significativas dedutivas (partindo do modelo teórico de Veiel); conexão dos códigos e identificação dos temas, nesse estágio, os códigos foram conectados e novos temas surgiram a partir dessa conexão ou foram acrescentados aos pré-existentes; confirmação, nessa etapa, foi definido o processo de agrupamento dos temas anteriormente identificados e feita investigação minuciosa de todas as etapas anteriores pelas duas pesquisadoras, como recomendado (1414 Fereday J, Muir-Cochrane E. Demonstrating rigor using thematic analysis: a hybrid approach of inductive and deductive coding and theme development. Int J Qualit Methods. 2006;5(1):80-92. doi: 10.1177/160940690600500107
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).

RESULTADOS

Participaram do estudo nove famílias de crianças traqueostomizadas. Todas as entrevistadas eram mulheres, sendo sete mães, uma avó materna e uma avó paterna. A idade das participantes variou entre 19 e 51 anos, oito se apresentaram como donas de casa. Em relação a situação marital, sete eram casadas, entretanto, no momento, duas não moravam com o companheiro, e duas eram divorciadas. As crianças traqueostomizadas, tinham idades entre 40 dias e 9 anos, e o tempo de permanência com a traqueostomia variou de 1 mês a 4 anos.

Através da análise híbrida dos dados, a experiência de apoio social tornou-se conhecida e, em virtude de suas diferentes demandas e características no decorrer da evolução da condição crônica da criança, optou-se por organizar os dados em três temas, em função da trajetória da doença crônica na família, descritas no Modelo de Sistema Familiar Doença (1010 Rolland JS, Walsh F. Facilitating family resilience with childhood illness and disability. Curr Opin Pediatr. 2006;18(5):527-38. doi: 10.1097/01.mop.0000245354.83454.68
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), a saber, duas fases de crise (saber da necessidade da traqueostomia e realizar a traqueostomia), e uma fase crônica (conviver com a traqueostomia).

Saber da necessidade da traqueostomia

As famílias deste estudo entraram na jornada de ter um filho com traqueostomia de forma súbita. São famílias que vivenciaram por dias ou meses a internação de suas crianças, que, anteriormente, apresentavam-se em perfeitas condições de saúde. Acometidas por patologias diversas que demandaram internação em unidades de terapia intensiva com sedação, ventilação mecânica e restritas ao leito, as crianças já estavam em estado de sofrimento prolongado, o que também gerava sentimentos de desesperança, medo, incertezas, e perda de autonomia nas famílias.

Trata-se de uma experiência de muita aflição, que desencadeia a primeira crise familiar nessa trajetória. Saber da necessidade da traqueostomia é o momento de maior dificuldade enfrentada por essas famílias. Essa circunstância desperta altos níveis de ansiedade e estresse podendo gerar conflito e negação, relacionados aos cuidados que a criança irá necessitar.

Nossa... eu entrei em desespero, porque pra mim isso era o fim do mundo e eu não aceitava de jeito nenhum... pra mim foi um desespero, pensei... acabou tudo. (Maria Clara)

A relutância em consentir com o procedimento está baseada na perda da normalidade, pois essas famílias são confrontadas com as mudanças que o procedimento irá causar ao seu cotidiano. O pouco conhecimento a respeito da traqueostomia, quais os riscos da cirurgia, quais os cuidados necessários, como sua criança viveria após esse procedimento, também são os causadores de inúmeras preocupações.

Realmente no começo a gente relutou em questão de colocar, porque a gente pensou que nunca mais teria uma vida normal... aí veio a médica e ainda comentou como que seria de seis meses a dois anos, nossa! Aí eu falei: nossa filha! Vai ser o fim, a gente não vai fazer mais nada na vida, vai viver só pra cuidar dele. (Wilma)

As demandas que as famílias apresentam nessa etapa são de caráter psicológico e instrumental, principalmente e o apoio recebido é pontual, caracterizado como apoio na crise. Nessa fase, elas estão dispostas a aceitar todo apoio oferecido.

Eu estava disposta a aceitar tudo aquilo que fosse bom pra me ajudar. No momento da internação da Luana, eu não tive nenhum apoio psicólogo, eu gostaria de ter tido um acompanhamento. (Janaína)

Diante de tamanho choque e desconhecido, as famílias olham ao redor e buscam por apoio. Algumas são prontas em perceber nos profissionais da equipe de enfermagem uma possibilidade de recebê-lo, pois deles receberam encorajamento e estímulo, o que acaba gerando maior confiança a respeito das muitas preocupações futuras no cuidado com a criança traqueostomizada.

[...] no hospital, tinha muita gente da equipe de enfermagem para ajudar. (Mariana)

A demanda por informação é a mais significativa nessa etapa da jornada da família. Nesse sentido, elas encontram na equipe médica esclarecimentos a respeito dos motivos para a intervenção cirúrgica e de suas implicações no quadro de saúde da criança.

Os médicos deram muito apoio passaram as instruções, eles falavam tudo o que estava acontecendo com o Leandro. Quando a gente tinha dúvidas eles explicavam novamente. (Wilma)

Em relação ao apoio na crise que receberam de suas famílias, alguns relatam que usufruíram da companhia de alguns familiares. Existe um movimento dessas famílias no sentido de unirem forças dentro do seu sistema familiar.

Então, quem me ajuda é só meu marido. Aqui mesmo no hospital, as outras pessoas não tinham coragem de vir para ficar com ela não, só meu marido mesmo. (Natália)

Por ouro lado, outras famílias se sentiram sozinhas, pois não puderam desfrutar do apoio da família extensa, do cônjuge, estando com a certeza do isolamento em qualquer circunstância, o que aumentava a sobrecarga de um único membro da família.

Eu estava sozinha, porque o pai dela está preso, então, eu não tive ajuda de ninguém. Minha mãe tem depressão e na época estava em tratamento e não podia me ajudar. (Francisca)

Dessa forma, olhando para os desafios impostos por Saber da necessidade da traqueostomia da criança, entende-se que, diante da demanda por informação e suporte emocional em meio a essa fase, o tipo de apoio recebido é o apoio na crise, e as fontes de apoio nessa fase foram a equipe de saúde que cuida da criança e a família extensa. A avaliação do apoio influencia na forma como a família vivencia essa fase, podendo dar confiança e ajudando-a a decidir com autonomia, ou também aumentando as incertezas e sentimento de isolamento.

Realizar a traqueostomia

Sem tempo para se ajustar à necessidade de realização da traqueostomia, a família embarca numa segunda mudança abrupta e repentina, desencadeada pela primeira: realizar a traqueostomia. As famílias entendem o procedimento como ameaçador e muito perigoso, temem a possibilidade de morte da criança, pois as consideram muito frágeis e debilitadas para passar pela cirurgia. Esse temor em relação ao procedimento cirúrgico, necessário para inserção da traqueostomia, gera insegurança e outros sentimentos que assombram as famílias.

Tive muito medo dela não sobreviver à cirurgia para colocar a traqueostomia, porque ela teve que tomar uma anestesia geral e ela é muito novinha, aí eu fiquei com medo. (Janaína)

Enquanto as famílias aguardavam a realização do procedimento, elas imergiam em sentimentos de ansiedade, tristeza, incertezas. Esse momento ficou marcado na vida dessas famílias, de forma que muitas delas não conseguem conter as lágrimas e a emoção ao recordá-lo.

Eu tive uma crise de pânico, [mãe se emociona bastante], enquanto estavam fazendo a traqueostomia na Emanuelle, eu estava na emergência do hospital sendo atendida. (Francisca)

Ao realizar a traqueostomia, as demandas da família dizem respeito ao novo desajuste que ocorre, tão seguido do anterior, na experiência de doença. Para atender as diversas demandas no cuidado e ajuste, a família busca apoio instrumental e psicológico em meio à nova crise que vivencia. Muitas das atividades necessárias para atender e acompanhar esse período exigem além do que as fontes de apoio anteriores poderiam oferecer.

Com o intuito de sanar as dúvidas e ensinar os cuidados necessários para manutenção da traqueostomia, a equipe de saúde introduz a família ao processo de treinamento dos cuidados. Algumas famílias sofreram com a realidade e a pressão causada pela obrigatoriedade de aprender a realizar os cuidados diários, outras ainda não haviam se desligado da dificuldade em aceitar que sua criança possuía a traqueostomia.

Meu medo era aspirar, meu medo era isso... acontecer alguma coisa com ela, meu medo era esse. (Natália)

Os médicos falavam que eu tinha que aceitar... que pra mim aceitando seria mais fácil para cuidar dela. Eu falei: eu aceito uma parte..., mas falar eu aceitei, aceitei não, tá mexendo muito comigo, eu choro bastante. (Maria Clara)

As famílias deste estudo referem alterações nos papeis familiares em decorrência da realização da traqueostomia e as demandas dela decorrentes. Desde a necessidade da traqueostomia até à realização, a atenção à alimentação, higienização e atividades relacionadas a escola ou creche, são reprimidas. Quando existem outras crianças na família, isso aumenta o desgaste e sobrecarga, especialmente nas mães e avós.

Neste sentido, o apoio recebido foi de caráter instrumental e psicológico e vem, essencialmente, da própria família. Familiares como mães e cônjuges supriram demandas materiais relacionadas aos cuidados com os outros filhos. Outros membros, como cunhadas e tios, promoveram a realização de tarefas domésticas. O apoio psicológico foi oferecido por meio de ligações diárias de alguns avós da criança, que mesmo estando longe externavam seu interesse e preocupação com o estado de saúde do neto e com a família, demostrando afeto, companheirismo e se apresentando prontos a ouvir as queixas e inquietações.

Mudou porque eu tinha outro filho, e ele ia pra escola, daí tivemos que trocar totalmente o ritmo. Meu marido já teve que tomar um pouco mais à frente do meu filho. [...] e eu tenho uma cunhada que me ajudava [...] ela ia lá em casa e lavava algumas roupas, fazia uma comida. (Natália)

As famílias valorizam todo o apoio recebido nesta fase. As principais fontes de apoio consideradas foram os profissionais, e a família extensa. Avaliaram como essencial o apoio psicológico e instrumental, que receberam do cônjuge e/ou familiares, tais como mãe, filho, cunhada, sogra, avó paterno e tios.

O apoio da minha mãe me influencia em tudo praticamente. (Neide)

Entretanto, para algumas famílias, nem sempre atende as necessidades das famílias de forma integral, podendo ser observadas limitações e restrições do apoio recebido pelas famílias.

O apoio facilita, mas assim ... elas [cunhada e sogra] também têm medo né. Elas não são profissionais, eu não me sinto segura... Me sinto um pouco segura por ter pessoas do meu lado, mas não totalmente. (Janaína)

Conviver com a traqueostomia

Esse novo momento é caracterizado como a fase crônica da experiência (1010 Rolland JS, Walsh F. Facilitating family resilience with childhood illness and disability. Curr Opin Pediatr. 2006;18(5):527-38. doi: 10.1097/01.mop.0000245354.83454.68
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), uma vez que representa maior estabilidade da condição da criança, e englobará as modificações na rotina, as dificuldades nos cuidados da traqueostomia, episódios pontuais de crises de saúde, e o retorno às atividades sociais. Para suprir as demandas e ajustes dessa etapa da trajetória, as famílias necessitam, além do apoio em momentos eventuais de crise que possam surgir, de apoio diário.

As crianças traqueostomizadas possuem muitas demandas peculiares aos cuidados, que requerem dos familiares determinação, periodicidade e vigilância. A manutenção e cuidado com o dispositivo são integrais, tornando-se necessário aspirar a criança várias vezes durante a madrugada, por exemplo, impossibilitando que o familiar atuante tenha uma noite de sono com qualidade. Aliado a essa atividade, existe a necessidade de se estar em vigilância e sensível a qualquer sinal de desconforto da criança, pois o choro é inaudível, potencializando o sofrimento das famílias.

Ah! É muito difícil... porque eu não durmo, tem que aspirar à noite. Eu tenho medo de dormir e não ouvir ela e ela encher de secreção, esse é meu maior medo. (Janaína)

A vida social familiar também passa por muita transformação. Diferentemente da época sem a traqueostomia, atividades que antes pareciam simples, agora são obstáculos que as famílias precisam enfrentar ao conviverem com a traqueostomia. Os muitos artefatos necessários para os cuidados da criança e a frequência em realizá-los, em um local estável e com possibilidade de acesso à rede elétrica, as impedem de estar por longos momentos dentro de um ônibus, sendo ele o único meio de transporte de algumas famílias para levá-las às consultas médicas. Em consequência dos impedimentos encontrados por essas famílias para saírem de suas casas com a criança traqueostomizada, muitas se afastam de atividades externas, inviabilizando atividades de lazer e entretenimento em família. Dessa forma algumas famílias sentem que a condição da criança transformou permanentemente o universo familiar, gerando isolamento e separação social.

É uma vida de isolamento e preconceito total... até mesmo o pai dele depois que ele colocou a traqueo ele não foi mais visitar. (Wilma)

[...] de ônibus fica a 2 horas do hospital, não tem como vir com ela sozinha de ônibus para as consultas, porque não tem como aspirar ela no ônibus. (Francisca)

As crianças traqueostomizadas também se afastam de suas atividades. A longa hospitalização, a necessidade de inserção do dispositivo, as intercorrências ao conviver com a traqueostomia e a falta de um tutor habilitado na unidade escolar para realizar os cuidados com o dispositivo, despertam grande insegurança nas famílias em permitir que a criança volte para a escola ou creche. Por vezes, faz-se necessário recorrer a ordens judiciais para garantia de um profissional especializado nos cuidados.

[...] Alice não vai na escola, porque eu não sinto segurança, e a rede não me dá segurança de deixar ela sem ninguém com uma tutora, eu preciso disso porque se ela tirar a traqueo alguém tem que colocar. (Karina)

As famílias enfrentaram grandes obstáculos para execução de algumas atividades de cuidados diários com a criança traqueostomizada, como por exemplo a troca da fixação da traqueostomia e o banho. Nas primeiras semanas, essas eram as atividades que mais geravam medo, devido a possibilidade de retirada da cânula pela criança durante a troca e a entrada de água na cânula. Algumas famílias não se sentiam preparadas e aptas para realizá-las sem apoio.

[...] assim, nas primeiras semanas que eu fui para casa, para trocar o cadarço da traqueo eu precisei de alguém pra segurar, então, assim, eu tive que pagar uma enfermeira pra ir lá em casa trocar, porque eu tinha medo, eu não sabia, eu chorava achava que ia soltar. (Francisca)

A doença da criança também repercute no aspecto financeiro da família, com o acúmulo e acréscimo de muitas despesas voltadas ao transporte para realização do tratamento. Há também gastos adicionais com as contas de energia elétrica, devido as várias aspirações diárias, com os materiais de consumo para manutenção do dispositivo em razão da limitada quantidade disponibilizada à cada família pelas unidades de saúde, com os remédios e alimentos específicos não encontrados na rede de saúde.

Mesmo a traqueostomia da criança impondo modificações, após meses, algumas famílias consideram que não acarretam grandes problemas em sua rotina, e se sentem aptas para, aos poucos, promoverem atividades de entretenimento em família, fazer novos planos, estudar e nessa dinâmica percebem que, podem redefinir o conceito de normalidade em suas vidas, voltando a estabelecer um equilíbrio entre as relações intra e extra familiares, e também entre as atividades cotidianas da família e os cuidados com a traqueostomia.

Se eu tiver que ir no Shopping eu não deixo de ir porque ela também tem que pegar uma resistência eu vou e levo ela. Se eu tiver que ir no mercado, antes eu não levava ela, hoje eu já levo, porque ela não usa mais o oxigênio eu não preciso mais ficar levando o aspirador. (Mariana)

As famílias avaliaram o apoio na fase crônica como algo de suma importância e que a ausência dele tornaria a trajetória mais dolorosa e conflituosa, entretanto, gostariam que fosse contínuo e regular.

Se minha irmã não me ajudasse eu não sei o que iria acontecer [...] mas eu ainda sinto muita falta de ajuda [...]. Oh, meu cabelo, não consigo fazer meu cabelo, não consigo fazer unha, não consigo fazer nada, não consigo ir em um mercado fazer uma compra. (Francisca)

DISCUSSÃO

As famílias deste estudo descrevem sentimentos de choque, tristeza, incertezas, medo, negação e perda da autonomia ao passarem por cada fase dessa trajetória, iniciando ao receberem o diagnóstico até chegarem a fase do conviver com a doença. A literatura já tem descrito um misto de sentimentos que famílias de crianças com doenças crônicas enfrentam ao serem informadas acerca da patologia e tratamento, bem como algumas de suas demandas principais, sendo que a de informação é uma das principais, assim como encontrado neste estudo (1515 Rodgers CC, Stegenga K, Withycombe JS, Sachse K, Kelly KP. Processing information after a child's cancer diagnosis: how parents learn: a report from the Children's Oncology Group. J Pediatr Oncol Nurs. 2016;33(6):447-59. doi: 10.1177/1043454216668825
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).

Muitas são as dúvidas e questionamentos advindos do diagnóstico e do tratamento da patologia, algumas famílias não possuíam qualquer conhecimento a respeito da doença da criança, fazendo-se necessário esclarecimentos sobre as intervenções apropriadas para melhoria do quadro. Além de todas as incumbências em relação à criança traqueostomizada e manutenção do sistema familiar, outros anseios surgem, como os relacionados com a exigência da apropriação dos cuidados para alta. Existe a necessidade de treinamento e planejamento para o momento da alta, porém o insucesso na preparação das famílias traz de volta os mesmos medos e instabilidades, concernente a possibilidade de que ocorra algum tipo de intercorrência ou imperícia no ambiente doméstico.

Entretanto, as famílias alegam que recebem apoio informacional nesses momentos, mas que ele ocorre de forma rápida e pontual, sendo que fazê-lo de forma mais lenta e gradual é o mais indicado em vários contextos. Estudos vêm apontando sobre a importância em considerar o ritmo de processamento e assimilação de conteúdo das famílias acerca do diagnóstico, conciliado ao percurso de tratamento, pois o início é mais dificultoso e árduo e mencionam obstáculo em apropriar-se de grande quantidade de informação acumulada (1515 Rodgers CC, Stegenga K, Withycombe JS, Sachse K, Kelly KP. Processing information after a child's cancer diagnosis: how parents learn: a report from the Children's Oncology Group. J Pediatr Oncol Nurs. 2016;33(6):447-59. doi: 10.1177/1043454216668825
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16 Kornburger C, Gibson C, Sadowski S, Maletta K, Klingbeil C. Using "teach-back" to promote a safe transition from hospital to home: an evidence-based approach to improving the discharge process. J Pediatr Nurs. 2013;28(3):282-91. doi: 10.1016/j.pedn.2012.10.007
https://doi.org/10.1016/j.pedn.2012.10.0...
-1717 Siqueira CSS, Reis AT, Pacheco STA. Models of care for families of technology-dependent children in a hospital context. Rev Enferm UERJ. 2017;25:e27529. doi: 10.12957/reuerj.2017.27529
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).

Mesmo com a existência de um treinamento de capacitação para alta da criança, ainda persiste a hesitação na realização dos cuidados sem a supervisão de um profissional. A literatura tem mostrado a importância de estruturar programas de treinamento para famílias de crianças com doenças crônicas e dependentes de tecnologia, uma vez que lacunas no procedimento da alta são apontadas como desencadeadoras de readmissões hospitalar, erros de medicações, desencorajamento e aumento dos níveis de estresse familiar (1818 Martins H, Oliveira IS, Silveira T. A criança com traqueostomia e a sua família face à alta clínica. Salutis Scientia [Internet]. 2011 [cited 2018 Aug 10];3:33-40. Available from: http://www.salutisscientia.esscvp.eu/Site/Artigo.aspx?artigoid=30555
http://www.salutisscientia.esscvp.eu/Sit...
-1919 Tolomeo CT, Major NE, Szondy MV, Bazzy-Asaad A. Standardizing care and parental training to improve training duration, referral frequency, and length of stay: our quality improvement project experience. J Pediatr Nurs. 2017;32:72-9. doi: 10.1016/j.pedn.2016.10.004
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).

Nesse sentido, um programa recente de apoio às famílias, no contexto da oncologia pediátrica, merece destaque. Com a proposta de melhorar o conhecimento e as habilidades de famílias, de crianças recém-diagnosticadas com câncer, ele reforça a importância em iniciar a capacitação para alta desde o momento do diagnóstico. O programa se baseia nas principais dificuldades relacionadas com a alta hospitalar em vários contextos de doenças crônicas e traça uma “rota de retorno para casa”, um trajeto que se avança de acordo com o cumprimento de certas etapas, denominado Road to Home (2020 Wilson Smith MG, Sachse K, Perry MT. Road to Home Program: a performance improvement initiative to increase family and nurse satisfaction with the discharge education process for newly diagnosed pediatric oncology patients. J Pediatr Oncol Nurs. 2018;35(5):368-74. doi: 10.1177/1043454218767872
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).

Ao longo da caminhada do conviver com a traqueostomia, os desafios continuam nas atividades de cuidado com a criança, nas tarefas rotineiras da família, no aumento dos gastos e sobrecarga de trabalho. Os outros filhos carecem de atenção e cuidados, as atividades de manutenção com o lar são intensas, as intercorrências, os gastos mensais extrapolados, as consultas agendadas e de emergência e as recorrentes noites sem dormir, todos esses fatores, desencadeados pela piora do quadro de saúde, acarretam muitas implicações na vida familiar. O isolamento social também é percebido como consequência desses fatores, sendo necessário apoio prático e informacional para organizar e administrar as demandas. Essas e outras modificações na rotina das famílias, também foram vistas em outros estudos de famílias de crianças dependentes de tecnologia (2121 Lindahl B, Lindblad BM. Being the parent of a ventilator-assisted child: perceptions of the family-health care provider relationship when care is offered in the family home. J Fam Nurs. 2013;19(4):489-508. doi: 10.1177/1074840713506786
https://doi.org/10.1177/1074840713506786...

22 Lindahl B, Lindblad BM. Family members' experiences of everyday life when a child is dependent on a ventilator: a metasynthesis study. J Fam Nurs. 2011;17(2):241-69. doi: 10.1177/1074840711405392
https://doi.org/10.1177/1074840711405392...
-2323 Joseph RA. Tracheostomy in infants: patient education for home care. Neonatal Netw. 2011;30(4):231-42. doi: 10.1891/0730-0832.30.4.231
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).

Os momentos de intercorrências são desanimadores e assustadores, algumas famílias pensam que independente do tempo e treinamento nunca vão saber lidar. Um estudo internacional apresenta algumas intervenções para preparar as famílias para gerenciar possíveis intercorrências ou emergências clínicas que podem surgir na fase de convivência com a traqueostomia da criança. Simulação de alta fidelidade tem sido utilizada como metodologia de ensino, incluindo também materiais audiovisuais e impressos, treinamento para práticas de ressuscitação cardiopulmonares e cenários que reproduzem emergências relacionadas à traqueostomia (2424 Thrasher J, Thrasher J, Ventre KM, Martin SE, Dawson J, Cox R, et al. Hospital to home: a quality improvement initiative to implement high-fidelity simulation training for caregivers of children requiring long-term mechanical ventilation. J Pediatr Nurs. 2018;38:114-21. doi: 10.1016/j.pedn.2017.08.028
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).

Uma alternativa também sugerida pelas famílias e que poderia apoiá-las nesses momentos, seria o uso de ferramentas de compartilhamento de informação virtual, como mídias sociais, blogs e sites. Cada vez mais a internet tem sido utilizada por famílias de crianças com diversas condições crônicas como meio essencial para auxiliar nos cuidados dessas crianças. Podendo ainda se tornar um local onde as famílias possam trocar informações a respeito de alternativas terapêuticas, diagnósticos e, assim, aumentar a compreensão dos familiares e contribuir para reduzir o sentimento de insegurança ao lidar com alguma situação relacionada ao quadro de saúde da criança. É possível encontrar conteúdo específico para famílias de crianças com traqueostomia, vídeos explicativos e protocolos de cuidados, conferindo autonomia às famílias nas resoluções de problemas e troca instantânea de informações e experiências. Portanto, é fundamental que seja acrescentado às condutas das equipes de saúde o universo virtual como ferramenta para suprir demandas das famílias acometidas pela cronicidade da criança, garantindo credibilidade, veracidade e consistência no teor dos dados (2525 Mazza VA, Lima VF, Carvalho AKS, Weissheimer G, Soares LG. Online information as support to the families of children and adolescents with chronic disease. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1):e63475. doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.63475
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26 Huby K, Swallow V, Smith T, Carolan I. Children and young people's views on access to a web-based application to support personal management of long-term conditions: a qualitative study. Child Care Health Dev. 2017;43(1):126-32. doi: 10.1111/cch.12394
https://doi.org/10.1111/cch.12394...
-2727 Armstrong AW, Johnson MA, Lin S, Maverakis E, Fazel N, Liu FT. Patient-centered, direct access online care for management of atopic dermatitis. JAMA Dermatol. 2015;151(2):154-60. doi: 10.1001/jamadermatol.2014.2299
https://doi.org/10.1001/jamadermatol.201...
).

Outra demanda fortemente indicada pelas famílias deste estudo está associada ao desligamento da vida social. A dependência tecnológica da criança cria barreiras sociais, devido aos muitos artefatos necessários para os cuidados com criança, a frequência em realizá-los em local estável e acesso à rede elétrica, a vulnerabilidade do estado de saúde da criança, a dificuldade para o transporte e a falta de apoio. Todos esses pontos contribuem para que as famílias se isolem do convívio social (2323 Joseph RA. Tracheostomy in infants: patient education for home care. Neonatal Netw. 2011;30(4):231-42. doi: 10.1891/0730-0832.30.4.231
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,2828 Okido ACC, Zago MMF, Lima RAG. Care for technology dependent children and their relationship with the health care systems. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(2):291-8. doi: 10.1590/0104-1169.0258.2554
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0258.2...
).

Os empecilhos para a volta das atividades escolares estão coadunados a falta de tutor habilitado para os cuidados com a traqueostomia, apesar de despertar insegurança nas famílias, muitas buscavam apoio nas instituições educacionais, no entanto, quase que na totalidade, as crianças não eram admitidas, aumentando os desafios para o retorno das mães e avós às atividades remuneradas, uma vez que foram impedidas de continuarem no exercício de suas funções regulares. Como consequência, involuntariamente a criança se isola, ficando impedida de participar das atividades voltadas ao desenvolvimento social e cognitivo, contribuindo para gerar mudanças negativas no comportamento das crianças traqueostomizadas maiores, fazendo-se necessária a busca por apoio psicológico.

Limitações do estudo

Considera-se como limitação do estudo a impossibilidade de entrevistar participantes do sexo masculino. Das nove famílias entrevistadas, duas tinham o pai presente no momento da abordagem, mas estes não quiseram participar da entrevista.

Contribuições para a área da Enfermagem

Acredita-se que o conhecimento da vivência das famílias de crianças traqueostomizadas e a busca por estruturas de apoio que as ajudem a se adaptarem e redefinirem normalidade, possam despertar na equipe de enfermagem iniciativas que auxiliem essas famílias.

Nesse sentido, a implementação de um programa estruturado, para evitar que as famílias voltem para casa com lacunas no conhecimento, deve ser observado pela equipe de enfermagem, evitando, assim, insegurança ao realizar os cuidados, recorrentes hospitalizações, riscos de comprometimentos no estado de saúde da criança e sobrecarga emocional na família, cooperando para que, aos poucos, consigam redefinir um novo jeito de funcionar e atingir o equilíbrio.

Outras contribuições indicam a importância de intervenção no manejo e convívio das famílias de crianças traqueostomizadas, criando formas de ofertar o apoio social necessário e adequado, observando as particularidades de cada família. Por exemplo, promover atividades de interação social com outras famílias que estão passando ou já passaram pela mesma experiência, criando grupos de apoio para reduzir o isolamento social familiar e compartilhamento de estratégias e habilidades. Aponta também para a urgência de pensarmos no ambiente virtual como uma janela de oportunidade para o trabalho do enfermeiro, que deve estar presente e aproveitar esse espaço e toda a possibilidade de troca, interação e oferta de apoio que ele permite.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os modelos adotados permitiram, por intermédio das narrativas das famílias, desvelar a compreensão do apoio social dessas famílias ao longo da trajetória da doença. O uso de dois modelos associados foi uma escolha desafiadora, mas que gerou um entendimento muito mais claro e aprofundado acerca do quão particulares são as demandas familiares em cada etapa da doença, bem como as possibilidades e ofertas de apoio social. Foi possível perceber que o direito da criança traqueostomizada de voltar às atividades escolares de forma segura tem sido negligenciado pela falta de tutor habilitado. Essa realidade tem gerado isolamento da criança, podendo ainda desencadear prejuízos em seu desenvolvimento social. Considera-se que fica a cargo dos profissionais de saúde a orientação sobre a temática, bem como avançar nessa discussão em nível de políticas públicas, para apoiá-las e encorajá-las a buscar a garantia por esses direitos.

  • FOMENTO
    Bolsa de mestrado concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2018
  • Aceito
    02 Mar 2019
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