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O gerenciamento em enfermagem frente a pauperização das condições materiais de trabalho

Management in nursing in the current state impoverishment of working conditions

La gestión en enfermería frente a pauperización de las condiciones materiales de trabajo

Resumos

O estudo visa proporcionar elementos para a reflexão do processo de gerenciar frente a pauperização das condições físicas disponíveis para a assistência em enfermagem em um serviço público de saúde do Estado de Mato Grosso. Nos apoiamos em conceitos como vulnerabilidade, direitos do usuário e princípios éticos, buscando compreender como estes podem ampliar nosso olhar cidadão, na busca por melhores condições de assistência à saúde para os usuários e também de trabalho na instituição estudada. A flagrante pauperização detectada nas condições estudadas aponta para a necessidade de uma ressensibilização coletiva em todos os níveis onde pensamos, executamos e nos submetemos à ações de saúde.

enfermagem; condições de trabalho; cidadania; ética de enfermagem


This study aims to provide reflection points on the nursing management process in the current state impoverishment financial conditions facing nursing work in a public health service in the State of Mato Grosso. We used the concepts of vulnerability, user rights and ethic to seek to understand how these concepts can broaden the view of citizenship in the search for better health care conditions for the users and workers in the institution studied. The blatant impoverishment of conditions that was detected point to the need for more awareness raising all levels where we think about, carry out and submit ourselves to the health care Nursing, working conditions, nursing ethics.

nursing; work conditions; citizenship; nursing ethics


EL estudio tiene el objetivo de proporcionar elementos para reflexionar acerca del proceso de gestión frente a condiciones precarias para el asistir en enfermería en un servicio público de salud de lo Estado de Mato Grosso. Nos embasamos en conceptos como vulnerabilidad, derechos del usuario e en principios éticos, buscando comprender como estos pueden ampliar nuestra mirada ciudadana, en la busca por mejores condiciones de asistencia a la salud de los usuarios e también de trabajo en la institución estudiada. La flagrante pauperización detectada en las condiciones estudiadas señala en dirección a la necesidad de una ressensibilización colectiva en todos los niveles donde pensamos, ejecutamos e nos sometemos a acciones de salud.

enfermería; condiciones de trabajo; ciudadanía; ética en enfermería


REFLEXÃO

O gerenciamento em enfermagem frente a pauperização das condições materiais de trabalho

Management in nursing in the current state impoverishment of working conditions

La gestión en enfermería frente a pauperización de las condiciones materiales de trabajo

Roseney BellatoI; Wilza Rocha PereiraII

IEnfermeira. Professora Doutora Adjunto II do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso. Vice Coordenadora do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania.

IIEnfermeira. Professora Doutora Adjunto III do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania.

Correspondência Correspondência: E-mail do autor: roseney@terra.com.br; wilzarp@terra.com.br

RESUMO

O estudo visa proporcionar elementos para a reflexão do processo de gerenciar frente a pauperização das condições físicas disponíveis para a assistência em enfermagem em um serviço público de saúde do Estado de Mato Grosso. Nos apoiamos em conceitos como vulnerabilidade, direitos do usuário e princípios éticos, buscando compreender como estes podem ampliar nosso olhar cidadão, na busca por melhores condições de assistência à saúde para os usuários e também de trabalho na instituição estudada. A flagrante pauperização detectada nas condições estudadas aponta para a necessidade de uma ressensibilização coletiva em todos os níveis onde pensamos, executamos e nos submetemos à ações de saúde.

Descritores: enfermagem; condições de trabalho; cidadania; ética de enfermagem

ABSTRACT

This study aims to provide reflection points on the nursing management process in the current state impoverishment financial conditions facing nursing work in a public health service in the State of Mato Grosso. We used the concepts of vulnerability, user rights and ethic to seek to understand how these concepts can broaden the view of citizenship in the search for better health care conditions for the users and workers in the institution studied. The blatant impoverishment of conditions that was detected point to the need for more awareness raising all levels where we think about, carry out and submit ourselves to the health care Nursing, working conditions, nursing ethics.

Descriptors: nursing; work conditions, citizenship, nursing ethics.

RESUMEN

EL estudio tiene el objetivo de proporcionar elementos para reflexionar acerca del proceso de gestión frente a condiciones precarias para el asistir en enfermería en un servicio público de salud de lo Estado de Mato Grosso. Nos embasamos en conceptos como vulnerabilidad, derechos del usuario e en principios éticos, buscando comprender como estos pueden ampliar nuestra mirada ciudadana, en la busca por mejores condiciones de asistencia a la salud de los usuarios e también de trabajo en la institución estudiada. La flagrante pauperización detectada en las condiciones estudiadas señala en dirección a la necesidad de una ressensibilización colectiva en todos los niveles donde pensamos, ejecutamos e nos sometemos a acciones de salud.

Descriptores: enfermería; condiciones de trabajo; ciudadanía; ética en enfermería

1 Introdução

Partindo de dados obtidos em pesquisa já finalizada (1) procuramos, nesse estudo, problematizar alguns aspectos do processo de gerenciar serviços de saúde e enfermagem perante a pauperização das condições físicas, no que se refere ao mobiliário, aos materiais e equipamentos, disponíveis para a assistência à saúde, pois entendemos que essas condições tornam o usuário e o trabalhador de enfermagem mais expostos a situações desnecessárias, como constrangimentos legais ou riscos a integridade física que se tornam mais freqüentes em condições precárias de assistência.

Guia-nos na busca por essa compreensão o pressuposto de que as condições precárias, tanto de materiais como de equipamentos destinados à assistência prestada na instituição em estudo contribuem, sobremaneira, para a privação da cidadania, tanto dos usuários, que se vêem submetidos a uma assistência à saúde carente de qualidade, quanto dos trabalhadores de enfermagem, que exercem suas atividades profissionais sob condições precárias de trabalho, processo esse que torna ambos os segmentos vulneráveis, embora de forma diferenciada.

Estamos, nesse estudo, dando continuidade acerca dos pressupostos que devem ser construídos para que possamos iniciar a problematização acerca das garantias e dos direitos daqueles que têm maiores necessidades dentro dos contextos dos serviços públicos de saúde, iniciando uma reflexão da aplicação de conceitos como vulnerabilidade, ética e responsabilidade técnica, presentes no processo de gerenciar, assistir e cuidar a partir de uma realidade específica(2).

2 Metodologia

Nos baseamos em pesquisa já finalizada(1) para, retomando os dados sob uma nova ótica, aprofundar a análise dos mesmos tendo em vista o objetivo deste artigo. Fizemos um estudo do tipo exploratório-descritivo em uma instituição hospitalar pública de porte médio da cidade de Cuiabá - MT. Os dados foram colhidos junto a 71 pessoas, dessas 65 se encontravam internadas e 06 eram acompanhantes de crianças na clínica pediátrica. Tivemos então, 25 pessoas entrevistadas na clínica médica, 19 na clínica cirúrgica, 20 na clínica gineco-obstétrica, 01 na clínica pediátrica, e mais as 06 acompanhantes de crianças internadas na clínica pediátrica da instituição em estudo.

Tivemos como técnica de coleta de dados a estratégia da Observação Sistemática através de um roteiro que nos permitiu avaliar o espaço físico, o mobiliário, os materiais e equipamentos disponíveis para a assistência à saúde nas clínicas estudadas. Nessa observação foram coletados dados relativos tanto a existência desses itens, como também quanto ao número e condições de uso e de manutenção dos mesmos, sendo que posteriormente foram analisados qualitativamente no que se refere a sua implicação na assistência à saúde das pessoas internadas e confrontados com alguns aspectos da legislação em vigor na área.

O período de coleta de dados deu-se de setembro/2003 a março/2004, sendo que, além das pesquisadoras, participaram também dessa fase alunas de enfermagem bolsistas PIBIC/CNPq.

Todos os preceitos éticos estabelecidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde no que se refere à pesquisa envolvendo seres humanos foram respeitados (3). Tivemos a anuência de todos os sujeitos da pesquisa, e também do responsável pela instituição de saúde onde a pesquisa se desenvolveu.

3 As condições físicas dos materiais e equipamentos para a execução da assistência de enfermagem aos usuários da instituição estudada

Em trabalho recente(4) foi constatado que os trabalhadores de enfermagem sentem-se desconfortáveis no exercício de sua função principalmente devido às más condições de trabalho que encontram nas estruturas físicas, nos recursos materiais, equipamentos e mobiliários disponíveis para o processo de cuidar e prestar conforto ao usuário. Relatam também preocupação com a biossegurança dos profissionais e dos clientes, fatos que aumentam o desgaste de todos no processo de assistir em enfermagem. Neste estudo pudemos confirmar estas inquietações ao analisarmos todos os itens que compunham a unidade do paciente, bem como todos os equipamentos e materiais disponíveis para executar a assistência de enfermagem em uma realidade específica estudada.

Lembramos que esta análise é um aprofundamento de material já colhido para outra pesquisa e que percebemos o potencial ainda contido nos dados para explorar um novo arcabouço conceitual, que relacionasse os aspectos legais com os gerenciais, seus limites éticos e de cidadania dentro do serviço estudado a partir da avaliação das condições materiais que estão dadas para o paciente internado e para o processo de cuidar.

O Ministério da Saúde define que a unidade do paciente deve ser composta minimamente por: cama e colchão, escadinha, mesa de cabeceira, travesseiro e cadeira, sendo que há uma área mínima para que esses elementos sejam adequadamente posicionados e ainda permitam a circulação de pessoas, cadeiras de rodas e macas dentro das enfermarias e ainda ofereçam espaço para a execução de cuidados com segurança.

Em relação ao item espaço físico da unidade do paciente constatamos que em todas as clínicas há déficit importante no espaço destinado ao paciente, sendo isto agravado no sistema de alojamento conjunto, no qual há também os berços para os recém-nascidos que ficam junto às suas mães, na mesma metragem destinada a um leito comum. Temos aqui um problema de natureza gerencial pois se o espaço é menor que o mínimo legal exigido, aumentam as possibilidades de infecção cruzada(3) e de caracterização de conduta negligente por parte de quem administra, pois este não deve ignorar as normas do Ministério da Saúde para construção e adequação do espaço físico hospitalar, que são definidas de forma exata e não relativa(5).

A banalização do olhar cotidiano dos profissionais de saúde sobre o espaço das pessoas internadas revela a naturalização com que estes convivem com essa realidade, pois se temos déficit de espaço físico, no que se tange ao estado de conservação das camas utilizadas pelos pacientes, pudemos observar que a superfície encontra-se, em muitas delas, danificada e com áreas de corrosão pelo longo tempo de uso e pela ação dos agentes químicos empregados na sua limpeza e desinfecção. A grande maioria se encontra também com problemas no seu funcionamento, com mecanismo de elevação da cabeceira e pés ou de rolagem em péssimo estado de funcionamento ou mesmo sem funcionamento.

Esses problemas trazem conseqüências de duas naturezas: uma relacionada ao trabalho daqueles que manipulam esses equipamentos, principalmente a equipe de enfermagem que necessita despender um grande esforço para poder mobilizá-los, e outro relativo ao conforto e segurança da pessoa internada(4).

Quanto ao tempo e esforço dos trabalhadores, esses além de aumentados, prejudicam os resultados obtidos pela equipe na ação de cuidar. No que ser refere ao conforto e segurança da pessoa internada, a garantia da mobilidade das camas está relacionada às diferentes posições em que se necessita colocar a pessoa internada, dependendo de seu problema de saúde, sendo que alguns necessitam da elevação do tórax, outros dos membros inferiores e a não possibilidade de efetivar esses cuidados pode diminui a ação terapêutica desejada e coloca em cheque a qualidade da assistência de enfermagem prestada, aparentemente caracterizando aqui uma outra "ação negligente" desta equipe, ou mesmo reafirmando pesquisa anterior(6) que diz estar o trabalhador de enfermagem submetido a constantes desgastes físicos e emocionais devido as constantes adaptações e "jeitinhos" que tem que fazer no seu cotidiano de trabalho.

É necessário lembrar ainda que o posicionamento no leito está também diretamente relacionado com a busca de conforto para aquele que precisa permanecer acamado por tempo prolongado. Fica claro, portanto, que a não existência de manutenção preventiva ou substituição das camas danificadas prejudica o processo de cuidado e cura, acarretando conseqüências na saúde da pessoa internada e problemas de diferentes naturezas para as equipes que prestam cuidados.

Outro aspecto no que se refere a equipamentos é a precariedade da superfície das camas que, em várias clínicas, apresenta extensas áreas de corrosão, o que dificulta o processo de limpeza e desinfecção e favorece a proliferação de microorganismos pela sua não remoção através de meios mecânicos e/ou químicos, expondo a pessoa internada a maior risco de adquirir infecção hospitalar(3) ou mesmo de se ferir nas superfícies descontínuas e agudas, fato agravado pela excessiva proximidade entre as camas.

Quanto aos colchões foi observado que grande número deles apresenta rupturas nas capas de proteção, que deveriam ser impermeáveis, dificultando, assim, sua limpeza e desinfecção, a ser feita semanalmente e após a alta hospitalar. Frisamos aqui que, pela alta taxa de ocupação dos leitos na instituição estudada e pelas condições físicas precárias de muitas das pessoas internadas, bem como pela falta de áreas de lazer ou recreação em que possam permanecer durante o dia, as camas e colchões são intensivamente utilizados, o que diminui ainda mais seu tempo de vida útil.

O emprego de tecido impermeável como barreira de proteção dos colchões se, por um lado, facilita a limpeza e desinfecção dos mesmos, por outro, causa desconforto à pessoa internada, pois aumenta a temperatura corporal visto que a cidade é bastante quente e a instituição não dispõe de ventiladores ou ventilação natural suficiente para arejar o ambiente, o que se configura como um aumento no desconforto para aqueles que aí permanecem, refletindo o descaso com o seu bem estar.

No que se refere à presença de mesas de cabeceira como parte integrante da chamada "unidade do paciente" constatamos que, embora elas estejam presentes nas clínicas médica, cirúrgica, gineco-obstétrica e pediátrica, elas não são suficientes para o número de leitos existente, estando ainda em condições inadequadas de conservação. Se considerarmos que a mesa de cabeceira é o único espaço disponível para que a pessoa internada possa acomodar seus pertences, a inexistência dessas faz com que estes sejam mantidos sobre a própria cama ou no chão. Na clínica gineco-obstétrica os berços desocupados acabam sendo utilizados para esse fim, evidenciando os arranjos quotidianos necessários frente à escassez imposta àqueles que procuram a instituição de saúde.

É interessante lembrar ainda que é comum que as pessoas residentes em outras cidades tragam roupas e outros pertences quando vão ser internadas, e pelo fato do hospital não contar com uma área específica para a guarda dos pertences que não serão utilizados durante a internação, estes permanecem na enfermaria, não podendo ser acomodados adequadamente. Também o fato do hospital não contar com uma lavanderia disponível para que as pessoas internadas possam mandar suas roupas íntimas e toalhas ou outras por ela utilizadas, as obriga a lavá-las na pia do banheiro e utilizar as guardas das camas ou berços ou portas para secá-las, sendo este recurso empregado mesmo para as roupas íntimas. Esse arranjo encontrado pelas pessoas internadas e por seus acompanhantes, embora resolva, em alguma medida, as necessidades imediatas destas, empresta às enfermarias um aspecto pouco agradável visualmente, impondo constrangimentos às próprias pessoas que não percebem alternativas institucionais para essa questão.

Como componente da chamada unidade do paciente a escadinha também deveria estar presente, porém, foi observado que em todas as clínicas estudadas ela se encontra em número bastante escasso. Além disso, entre as que existem há escadinhas que foram reformadas, sendo acrescidos degraus de madeira e muitos deles estão soltos, pondo em risco aqueles que as utilizam. A insuficiência numérica de escadinhas revela a face perversa da lógica hospitalar, uma vez que as camas são altas para facilitar o trabalho da equipe de saúde e as escadas viriam a sanar a dificuldade que a pessoa internada tem para acessar o leito. Porém, o seu número reduzido mostra que tal lógica favorece apenas um dos segmentos, ou seja, dos trabalhadores do serviço de saúde estudado, o que deve ocorrer, mas ao não atender os direitos da pessoa em acessar o seu leito com conforto e segurança, temos mais uma vez, o reforço do significado desses últimos na instituição estudada.

Se considerarmos as peculiaridades de cada uma das clínicas estudadas, onde temos gestantes, puérperas, pessoas em pós-operatório de cirurgias extensas, idosos com dificuldade de locomoção, o numero reduzido dessas escadas se torna um problema importante para ser enfrentado por elas e pela equipe de enfermagem.

Vemos assim, que o desrespeito aos direitos da pessoa internada está presente nas pequenas e grandes situações vivenciadas durante a hospitalização, mas já tão banalizado que passa despercebido àqueles que aí atuam profissionalmente. Aqui os "jeitinhos" encontrados pelas pessoas internadas mostram que as necessidades quotidianas delas não são consideradas como importantes pela instituição que não as vêem como pessoas, e sim como corpos portadores de um mal físico a ser tratado. Nos parece óbvio pensar que pessoas utilizem roupas íntimas, e que estas precisem ser lavadas diariamente. No entanto, essa obviedade parece não estar presente na lógica da instituição que não se prepara para atendê-la, causando constrangimentos desnecessários à pessoa internada.

Outro elemento que faz parte da unidade do paciente é o travesseiro e a cadeira, sendo que o primeiro inexiste em todas as clínicas estudadas e as cadeiras são em número muito inferior ao número de leitos. Essa situação nos remete mais uma vez ao descaso com o conforto mínimo necessário à pessoa doente durante sua hospitalização, de maneira que possa ter minimizado seu sofrimento físico muitas vezes já exacerbado pela doença. É necessário considerar que a pessoa durante a hospitalização precisa permanecer longo tempo recolhida ao leito, não dispondo de um apoio adequado para sua cabeça e pescoço, obrigando-a a improvisar 'travesseiros' com roupas e cobertores dobrados, o que pode provocar levá-la o aparecimento de dores musculares pelo mau posicionamento físico do pescoço.

Quanto às cadeiras, sua insuficiência numérica obriga as pessoas internadas a permanecerem sentadas nas camas, sem apoio para as costas, mesmo para tomarem suas refeições ou durante o processo de amamentação pelas mães na clínica gineco-obstétrica. Esse desconforto atinge também as visitas, visto que estas são proibidas de se sentarem nas camas, devendo permanecer em pé durante sua estada na instituição, o que denota o não estímulo a sua presença e o que incômodo que esta causa na rotina assistencial.

Outro item que observamos através de roteiro empregado, foi aquele referente às condições das roupas de uso diário pela pessoa internada, como camisolas e pijamas, avaliando se elas existem em número suficiente e se encontram em razoáveis condições de uso em todas as clínicas. Tivemos como resultados que inexistem fronhas, toalhas de rosto e de banho, bem como lençóis para berços. A falta de toalhas é sanada através da utilização de lençóis ou camisolas para esse fim. Os lençóis se prestam ainda na improvisação de fraldões para serem usados em pessoas com incontinências esfincterianas, o que nos leva a pensar no risco de lesão que o uso de um tecido grosso, com várias dobras, pode causar na pele das pessoas acamadas.

É importante salientar também que em relação aos lençóis empregados para forrar os colchões, estes não possuem elástico que os mantenham no lugar, sendo improvisada uma amarração sob o colchão. Devido a esse arranjo, tornou-se necessário a confecção de lençóis extra-largos, o que leva a um gasto desnecessário de tecido e aumento dos custos hospitalares, que seria facilmente resolvido com o sistema de lençóis com elástico, pois mesmo que estes possam vir a ser danificados com o tratamento térmico, ainda seria menos oneroso, e pouparia trabalho e também a formação de rugas que predispõe os pacientes acamados por longo tempo às úlceras de pressão.

Com o emprego de um Roteiro de Observação Sistemática diferenciado avaliamos também os materiais e equipamentos de uso na assistência quanto as suas condições de funcionamento e adequação do seu número em relação às necessidades da clientela atendida. Durante a observação sistemática foram avaliados, em todas as clínicas, quanto ao número e as condições de funcionamento, os seguintes itens: esfigmomanômetro, estetoscópio, suporte de soro, biombo, termômetro, carrinho de curativo, hamper, torpedo de oxigênio, frasco coletor de aspiração, frasco de umidificação dos gases, foco portátil de luz, oxímetro de pulso, respirador, nebulizador, ambú e máscara, carrinho de urgência.

Pudemos constatar que todas as clínicas possuem esfigmomanômetro e estetoscópio, porém, os mesmos só estão em boas condições de uso nas clínicas médica e pediátrica, sendo que nesta última foi possível observar a existência de manguitos de tamanho adequado para uso em criança. Não foi observada a existência de esfigmomanômetros com manguitos largos para pessoas obesas em nenhuma clínica, o que pode levar a uma leitura subdimensionada, colocando o paciente em risco, pois dificulta a adequação da dose terapêutica de medicamentos aos níveis pressóricos reais, podendo tal dose ficar além ou aquém das suas necessidades.

Quanto ao suporte de soro, eles são em número insuficiente em todas as clínicas, mesmo tendo sido adquirido recentemente alguns deles. Os suportes antigos apresentam problemas de conservação e utilização, pois não é possível aumentar sua altura por estarem com o mecanismo de elevação enferrujado. É conveniente lembrar que os suportes de pedestal, destinados a permanecerem ao lado do leito são bastante pesados, razão pela qual haveria necessidade de suportes com rodas para facilitar a deambulação da pessoa internada que esteja em uso de solução endovenosa. No entanto, estes não existem no hospital, sendo que estão disponíveis alguns poucos suportes de soro para maca que são empregados durante a deambulação da pessoa internada, não lhe permitindo, porém, apoiá-lo para descanso. Esse fato desestimula a movimentação da pessoa pelo hospital, restringindo-a ainda mais ao leito.

No que se refere à existência de biombos, estes estão presentes em todas as clínicas, porém, em número reduzido e em precárias condições de uso, ora com rodinhas que não funcionam, ora com sistema de articulação emperrado, o que dificulta seu manuseio. Considerando que o biombo é um equipamento destinado à proteção e preservação da intimidade da pessoa internada durante a realização dos cuidados, sua insuficiência e/ou precariedade de funcionamento desestimula o seu uso, o que leva os profissionais de saúde a promoverem uma maior exposição da pessoa internada aos olhares dos demais companheiros de enfermaria durante os procedimentos executados pela equipe de saúde, o que é particularmente agravado quando há necessidade de algum atendimento de urgência.

É necessário salientar que os tecidos de revestimento dos biombos devem ser confeccionados especialmente para esse fim, sendo que a sua não existência nas clínicas tem levado a improvisação com lençóis amarrados ou presos com fita crepe, o que, mais uma vez, expõe a precariedade das condições mínimas necessárias para assistir a pessoa internada na instituição estudada.

Os termômetros como equipamentos indispensáveis ao cuidado da pessoa internada estão presentes em todas as clínicas, apresentando boas condições de uso. Porém, por serem empregados termômetros digitais e não havendo a rotina de troca das pilhas quando estas estão inutilizadas, pode levar a substituição dos próprios aparelhos, fato que remete mais uma vez a questão dos custos e da gestão de materiais na instituição estudada.

Quanto ao item hamper, é importante salientar que, assim como todos os equipamentos de manipulação intensa, eles também estão em precárias condições de funcionamento, sendo que muitos deles têm as rodinhas emperradas ou mesmo inexistentes, necessitando serem arrastados por quem os utiliza. Entendemos que esse dado precisa ser problematizado de maneira mais intensa em relação às normas ergonômicas, visto que, assim como outros equipamentos que apresentam dificuldade no seu transporte por emperramento/inexistência dos sistemas de rodízio, exige um esforço bastante aumentado e inadequado no seu manuseio, que se dá, na quase totalidade das vezes, por membros da equipe de enfermagem. Acresce-se a esse fato que os suportes de hamper não estão também disponíveis em número suficiente em todas as clínicas.

Em relação aos itens frasco de aspiração, frasco umidificador de gases, nebulizador, ambú e máscara, estes existem em todas as clínicas e apresentam razoáveis ou boas condições de uso. Já em relação ao foco portátil de luz, este não está presente em todas as clínicas, sendo que alguns dos existentes estão bastante danificados, não sendo possível direcionar o foco de luz e que, devido ao aquecimento causado pelo uso de lâmpadas incandescentes, leva ao risco de queimadura, tanto no profissional que o manipula como na pessoa internada durante a sua utilização em algum procedimento.

Temos a ressaltar que os carrinhos de curativo estão presentes em todas as clínicas, porém, há materiais insuficientes nestes na clínica cirúrgica, que deveriam ser repostos após cada utilização do mesmo. Além disso, esses carrinhos apresentam danos na sua superfície, com várias áreas de corrosão que tornam deficiente a sua desinfecção. Não é pouco freqüente também que apresentem problemas nos seus rodízios, o que dificulta sua movimentação pela clínica o que corrobora o que já foi apontado anteriormente em relação ao esforço extra necessário para a sua movimentação. Essa dificuldade na movimentação dos carrinhos tem levado os membros da equipe de enfermagem a lançarem mão de uma outra estratégia para a realização dos curativos através da utilização de bandejas para o transporte dos materiais necessários. Acresce-se um problema a essa improvisação que é o fato das lixeiras das enfermarias não disporem de tampa, o que leva a exposição de material contaminado nesses locais com grande risco para a disseminação da infecção hospitalar.

Quanto ao oxímetro de pulso, apenas as clínicas médica e pediátrica dispõem do mesmo, sendo que as demais fazem o empréstimo quando necessitam desse equipamento, sendo que, nem sempre é possível empresta-lo, visto que seu uso é intensivo nessas clínicas. Se considerarmos que esse é um equipamento a ser empregado, principalmente, no cuidado as pessoas com alterações hemodinâmicas e que, por oferecer múltiplos parâmetros vitais facilita o acompanhamento de possíveis alterações no momento mesmo em que aconteçam, entendemos que haveria necessidade de um número maior deles em todas as clínicas.

O respirador artificial é um equipamento que não está presente na clínica gineco-obstétrica, sendo que nas demais o mesmo está em razoáveis condições de uso. Quanto ao carrinho de urgência, ele existe em todas as clínicas, apresentando boas condições de funcionamento nas clínicas médica e pediátrica, razoáveis condições na clínica gineco-obstétrica e precárias condições na clínica cirúrgica. É importante salientar que o carrinho de urgência deve ser revisado após cada utilização, devendo ser feita a reposição dos materiais e equipamentos utilizados para que esteja em pleno funcionamento em situações de urgência, quando todo material e equipamento necessários devem estar disponíveis em um único local de fácil acesso, agilizando o atendimento da pessoa internada.

Salientamos que os dados aqui apresentados se constituem "em um retrato", possível de ser alterado, portanto, no tempo, das condições físicas oferecidas para que a assistência à saúde das pessoas internadas aconteça. E, frente a essas condições, precárias na maioria das vezes, torna-se necessário um grande número de improvisações todos os dias, principalmente por parte dos membros da equipe de enfermagem que, mais diretamente, manipulam, utilizam e são responsáveis pela disponibilidade e funcionamento de tais materiais e equipamentos. É necessário, no entanto, questionarmos de maneira ampliada que, em uma instituição tão carente de planejamento e avaliação dos recursos materiais e equipamentos disponíveis para a prestação da assistência, ou seja, de uma gestão administrativa eficaz e eficiente, acaba acarretando um alto custo humano e financeiro, visto que estes poderiam ter uma sistemática manutenção preventiva, evitando/minimizando o seu desgaste, que, caso contrário, sendo utilizados de maneira inadequada pelo seu mau funcionamento, ocasionam sérios prejuízos no cuidado a pessoa internada.

Nos arriscamos a dizer que tal prejuízo atinge também a saúde dos profissionais que, nas suas atividades quotidianas nas clínicas, os manipulam/utilizam, visto haver necessidade de um esforço extra, tanto físico, quanto mental e psicológico frente a demanda constante de utilização de tais materiais e equipamentos e o seu oferecimento em condições precárias e/ou inexistência. E a "naturalização" que parece estar presente nesta instituição estudada quanto a falta de recursos materiais e equipamentos, que é suprida, em parte, pelas improvisações constantes. Esta situação aponta para a cultura da ausência de planejamento e avaliação das ações, o que conduz ao círculo vicioso de parcos investimentos em saúde que redundam em ainda menores resultados efetivos que seriam evidenciados através dos indicadores de saúde da população.

Instala-se, assim, a lógica perversa do custo elevado para uma eficiência e eficácia pouco consideráveis, o que, mais uma vez, aponta para o desrespeito aos direitos das pessoas assistidas em instituições públicas de saúde, visto que estas também contribuem para o pagamento do setor saúde, através de uma carga tributária bastante pesada como a que impera em nosso país, e recebem uma assistência bastante carente de qualidade em muitos aspectos como pudemos evidenciar nesta pesquisa quando se tornam usuários desses serviços.

Nesse ponto de nossa reflexão, impõe-se a questão da implicação que a pauperização das condições físicas no que se refere à materiais e equipamentos para a assistência à saúde têm para o profissional enfermeiro que, histórica e ilegitimamente, tem sido responsabilizado pelo provimento de tais condições nas instituições onde atua, desobrigando àqueles que, de fato, são os legítimos responsáveis, de se posicionarem frente a situação aqui apresentada.

5 Considerações finais

Entendemos que, para pensarmos em gerenciamento da assistência de enfermagem ou, mais amplamente, no gerenciamento à saúde, faz-se necessário o envolvimento de todos os segmentos interessando em melhores condições de saúde e de trabalho no setor.

Como este estudo visou proporcionar novos elementos para a reflexão do processo de gerenciar em enfermagem frente a pauperização das condições físicas disponíveis para a assistência em enfermagem em um serviço público de saúde do Estado de Mato Grosso, nosso intuito foi refletir sobre os conceitos de vulnerabilidade, direitos do usuário e princípios éticos, pois entendemos que os mesmo podem ampliar o nosso olhar cidadão e contribuir na busca por melhores condições de assistência à saúde para os usuários e também de trabalho na instituição estudada. A flagrante pauperização detectada nas condições estudadas aponta para a necessidade de uma ressensibilização coletiva em todos os níveis onde pensamos, executamos e nos submetemos à ações de saúde.

Defender a vida com radicalidade, pressupõe "mudanças no modelo vigente de atenção à saúde"(7), ao que acrescentamos: há a necessidade de produção de novos sujeitos e de novos vetores no modelo social que está dado, reintegrando todos os sujeitos interessados em processos onde possam atuar ativamente para além da interinidade dos serviços e categorias profissionais.

Assim concluímos pela necessidade de investir na ampliação da cidadania dos usuários e trabalhadores dos serviços de saúde através da capacitação crescente dos mesmos, deixando claro quais são seus direitos, onde e como reivindicá-los, dessa forma podemos diminuir a sua vulnerabilidade e também fortalecer as instâncias comunitárias para demandar por serviços de saúde de boa qualidade, com repercussões que se farão sentir também nas nossas condições de trabalho.

Data de Recebimento: 29/07/2004

Data de Aprovação: 29/09/2004

a Estudo diagnóstico das condições de atendimento aos direitos da pessoa internada em um serviço público hospitalar na cidade deCcuiabá - MT, financiada pela FAPEMAT e pelo CNPq, através do programa PIBIC, coordenada pela Profª Drª Wilza Rocha Pereira.

  • 1 . Pereira W R, Bellato R. Estudo diagnóstico das condições de atendimento aos direitos da pessoa internada em um serviço público hospitalar na cidade de Cuiabá - MT, Relatório Final de Pesquisa. FEN/UFMT Cuiabá (MT), 2003, 98 p.
  • 2 Pereira W R, Bellato R. A relação entre a precarização do ambiente físico e o risco de infecção hospitalar: um olhar sob a perspectiva da ética, dos direitos e da cidadania. Relatório Final de Pesquisa. FEN/UFMT, Cuiabá (MT), 2004, 28 p.
  • 3 . CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução No. 196, de 10 de outubro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. In: Rev. Bioética.1996.v. 4, n. 2:15-25.
  • 4. Barreto SS, Pereira MN, Santos JA, Neves EP. (Des) conforto de trabalhadores de enfermagem: uma questão de (in) justiça social. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília (DF) 2003 nov/dez; 56(6): 615-18.
  • 5
    MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Normas e Padrões de Construções e Instalações de Serviços de Saúde - Conceitos e Definições para Hospital geral de Pequeno e Médio Porte. Brasília, 1995.
  • 6 . Matos E, Pires D. A organização do trabalho da enfermagem na perspectiva dos trabalhadores de um hospital escola. Texto&Contexto Enf, Florianópolis (SC) 2002 jan/abr, v.11:187-205,
  • 7. Campos, GWS. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em equipes de saúde. In: MERHY, E. E.; ONOCKO. R. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec. 1997.
  • Correspondência:
    E-mail do autor:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Recebido
      29 Jul 2004
    • Aceito
      29 Set 2004
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