Condições de saúde e desempenho da memória: um estudo com idosas

RESUMO

Objetivo:

Verificar a correlação entre condições de saúde e desempenho da memória de idosas da comunidade.

Método:

Estudo transversal analítico, realizado com 28 idosas residentes em Cuiabá-MT. Essas foram submetidas a rastreio para demências e sintomas depressivos por meio do Miniexame do Estado Mental (MEEM) e Escala de Depressão Geriátrica Abreviada (GDS-15). A avaliação das habilidades de memória ocorreu por meio do Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT).

Resultados:

A idade média foi de 66,36 anos e 75% possuíam escolaridade maior que sete anos. A média do MEEM foi 28,45. As correlações encontradas foram: escolaridade e memória imediata (r = 0,49; p = 0,008); evocação tardia e memória de reconhecimento com memória imediata (r = 0,71; p < 0,001 e r = 0,43; p = 0,021) e memória de reconhecimento com evocação tardia (r = 0,47; p = 0,012).

Conclusão:

Evidenciou-se escore elevado no MEEM e percepção de saúde satisfatória entre os participantes. Não houve correlação entre desempenho da memória e percepção de saúde.

Descritores:
Idosos; Cognição; Memória; Testes Neuropsicológicos; Nível de Saúde

ABSTRACT

Objective:

to verify the correlation between health condition and memory performance of older adult women in the community.

Method:

Analytical cross-sectional study developed with 28 older adult women living in Cuiabá-MT. They answered the Mini-Mental State Examination (MMSE), and a shortened Geriatric Depression Scale (GDS-15) to screen for dementia and depression symptoms. Memory skills were assessed through Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT).

Results:

The mean age was 66.36 years and 75% of the participants had educational level higher than 7 years. The MMSE mean score was 28.45. The correlations found were: educational level and immediate memory (r = 0.49; p = 0.008); delayed recall and immediate memory (r = 0.71; p < 0.001); memory recognition and immediate memory (r = 0.43; p = 0.021) and recognition memory with delayed recall (r = 0.47; p = 0.012).

Conclusion:

High scores in the MMSE and a satisfactory health perception among the participants were evident. There was no correlation between memory performance and health perception.

Descriptors:
Aged; Cognition; Memory; Neuropsychological Tests; Health Condition

RESUMEN

Objetivo:

Comprobar la interrelación entre las condiciones de salud y el desempeño de la memoria de mujeres mayores de la comunidad.

Método:

Estudio transversal analítico, realizado con 28 mujeres mayores residentes en Cuiabá-Mato Grosso. Dichas mujeres se sometieron a sondeo para demencias y síntomas depresivos por medio del Mini Test del Estado Mental (MEEM, sigla en inglés) y de la Escala de Depresión Geriátrica Abreviada (GDS-15). La evaluación de las habilidades de la memoria se realizó por medio de la Prueba de Aprendizaje Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT).

Resultados:

La edad promedio era de 66,36 años y 75% poseían escolaridad mayor que siete años. La media del MEEM fue del 28,45. Las interrelaciones encontradas fueron las siguientes: escolaridad y memoria inmediata (r = 0,49; p = 0,008); evocación tardía y memoria de reconocimiento con memoria inmediata (r = 0,71; p < 0,001 y r = 0,43; p = 0,021) y memoria de reconocimiento con evocación tardía (r = 0,47; p = 0,012).

Conclusión:

Se hizo evidente el marcador elevado del MEEM y la percepción de salud satisfactoria entre los participantes. No hubo interrelación entre el desempeño de la memoria y la percepción de la salud.

Descriptores:
Personas Mayores; Cognición; Memoria; Pruebas Neuropsicológicas; Nivel de Salud

INTRODUÇÃO

A queda na taxa de fecundidade, a redução da mortalidade infantil e o aumento na expectativa de vida da população mundial vêm provocando, nos últimos anos, uma alteração na pirâmide etária e um aumento expressivo da população de idosos^(1,2). No ano de 2010, o número de pessoas com mais de 65 anos era 524 milhões, representando 8% da população mundial. Estima-se que para essa mesma população, no ano de 2050, o número de pessoas triplique, atingindo cerca de 1,5 bilhão de idosos e representando 16% da população mundial⁽³⁾.

No Brasil, em 2010, o número de indivíduos com 60 anos ou mais era de 20.588.890 correspondendo a um pouco mais de 10% da população total do país⁽⁴⁾. Há estimativas que em 2025 existam 32 milhões de idosos, ao passo que em 2050 estes representem 22,71% da população total brasileira⁽²⁾.

O aumento da população idosa com o consequente processo do envelhecimento pode acarretar aos indivíduos desde pequenas incapacidades até grandes limitações, tanto nos aspectos funcionais quanto nos psíquicos e cognitivos, interferindo diretamente nas condições de saúde do idoso⁽²⁾.

Condições de saúde podem ser definidas como as diferentes circunstâncias na saúde das pessoas com duração variável, que necessitam de respostas sociais, dos sistemas de saúde, dos profissionais e dos usuários⁽⁵⁾. Diversas variáveis estão relacionadas e podem afetar as condições de saúde dos idosos, como o uso de medicamentos⁽⁶⁾, autopercepção de saúde, prática de atividade física⁽⁷⁾, doenças físicas e, em especial, a presença de alterações cognitivas^(6,7).

Com o avançar da idade, algumas funções cognitivas específicas são mais afetadas, como atenção, função executiva e a memória⁽⁸⁾, sendo esta última considerada a mais vulnerável ao processo de envelhecimento⁽⁹⁾. A memória é caracterizada pela capacidade de reter informações passadas, armazená-las e utilizá-las no presente, e é analisada de maneira hierárquica, de acordo com o tempo de retenção da informação armazenada (longo prazo e curto prazo) e o tipo de informação a ser recuperada⁽⁹⁾.

O declínio das funções cognitivas no idoso é um evento esperado e não compromete de forma significativa a execução das atividades de vida diária, contudo esse declínio pode ir além, caracterizando as demências, que afetam a execução das tarefas mais simples do dia a dia interferindo diretamente nas condições de saúde do idoso⁽¹⁰⁾.

Em um estudo realizado nos Estados Unidos com 3.030 indivíduos de 34 a 85 anos - o qual objetivou examinar a relação entre as variáveis atividade física, cognitiva, social e percepção de saúde com queixas subjetivas de memória - evidenciou que, entre os idosos, aqueles indivíduos que apresentaram queixas subjetivas de memória possuíam menor escolaridade e percepção de saúde ruim⁽¹¹⁾.

Vale enfatizar: idosos nos quais se evidencia algum nível de comprometimento cognitivo apresentam, via de regra, uma percepção de sua condição de saúde diferente em relação aos idosos cognitivamente saudáveis⁽¹²⁾, ou seja, superestimam as suas possíveis alterações. Desse modo, a avaliação cognitiva por meio de instrumentos neuropsicológicos, como testes, escalas e questionários, tem sido uma ferramenta eficiente para avaliar a capacidade cognitiva global, assim como as funções cognitivas específicas⁽⁸⁾, fornecendo um diagnóstico preciso da condição cognitiva do idoso. O exame neuropsicológico auxilia no diagnóstico do declínio cognitivo (que normalmente precede os quadros de demência) e na diferenciação e classificação das mesmas⁽¹³⁾.

Frente ao exposto, conhecer o desempenho da memória em seu processo de envelhecimento, é fundamental para que o profissional de saúde seja capaz de identificar alterações cognitivas do idoso precocemente, intervindo com ações em prol da melhoria nas condições de saúde e, consequentemente, na qualidade de vida dessa população.

OBJETIVO

Verificar a correlação entre condições de saúde e desempenho da memória de idosas da comunidade.

MÉTODO

Aspectos éticos

Este estudo consiste em uma parte de uma pesquisa quase experimental, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso - Campus Araguaia, de acordo com a Resolução 466/2012, que rege as pesquisas com seres humanos. O anonimato aos participantes foi garantido, bem como a livre desistência do estudo a qualquer momento. As participantes foram comunicadas sobre a condição de participação voluntária e convidadas a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo transversal analítico, desenvolvido no campus sede da UFMT, no munícipio de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso. O período de realização do estudo foi de fevereiro a abril de 2016.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população foi constituída por mulheres residentes em Cuiabá-MT e municípios circunvizinhos, convidadas a participar de um projeto de extensão desenvolvido por docentes da UFMT e denominado "Programa Longevidade Saudável".

O projeto vincula-se à Universidade da Terceira Idade - UNATI, é aberto a comunidade e contempla indivíduos de ambos os sexos com mais de 60 anos. Conta com cerca de 300 idosos, dos quais aproximadamente 95% são mulheres, fato que determinou a escolha pelo sexo feminino no presente estudo. As atividades desenvolvidas são hidroginástica, musculação, entre outras, além de aulas de informática, línguas e canto.

Visando o recrutamento de indivíduos para o estudo, foi realizada ampla divulgação em redes sociais e mídia, e a seleção contou com os seguintes critérios de inclusão: estar participando pela primeira vez do "Programa Longevidade Saudável"; ser do sexo feminino; possuir 60 anos ou mais; ter cursado pelo menos os primeiros quatro anos de ensino formal; apresentar escore no Miniexame do Estado Mental (MEEM)⁽¹⁴⁾ acima do ponto de corte pela escolaridade; apresentar pontuação < 5 na Escala de Depressão Geriátrica Abreviada (GDS-15)⁽¹⁵⁾.

O MEEM é um instrumento utilizado para o rastreio de demências o qual avalia orientação no tempo e espaço, atenção e cálculo, memória de evocação e linguagem, de maneira que a nota de corte está relacionada com os anos de escolaridade⁽¹⁶⁾. A GDS-15 também é uma escala de rastreio, porém utilizada para sintomas depressivos. Contém 15 perguntas direcionadas ao idoso, sendo que resultados acima de cinco pontos são sugestivos de presença de sintomas depressivos⁽¹⁵⁾. A utilização de ambos os testes para o rastreio das participantes ocorreu no sentido de evitar uma possível alteração na pontuação do teste neuropsicológico pela presença de transtorno cognitivo leve, demência e/ou depressão, reconhecendo que tais patologias podem atuar como modificadores de efeito.

Como critérios de exclusão, foram definidos os seguintes aspectos: possuir antecedentes neurológicos; usar medicamentos psicotrópicos; presença de limitações auditivas e/ou visuais sem aparelhos corretivos; dificuldade de deambulação com uso de instrumentos de auxílio à marcha; e portadores de deficiência motora e/ou doenças musculoesqueléticas que impossibilitassem a execução de atividades físicas.

Protocolo do estudo

A partir do estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão foi realizada a triagem de 41 voluntárias com a aplicação do MEEM e GDS-15 e um questionário sociodemográfico e de condições de saúde, estando esse último dividido em três sessões, sendo elas: sociodemográfica (idade e escolaridade); condições de saúde (percepção de saúde e problemas de saúde); hábitos de vida (prática de exercícios físicos). O tempo de aplicação dos instrumentos de triagem foi de aproximadamente 30 minutos. Nessa fase, foram excluídas duas candidatas por uso de antidepressivos e ansiolíticos, uma por presença de sintomas depressivos e cinco por analfabetismo, totalizando 33 participantes.

Após a seleção, foram realizadas as avaliações neuropsicológicas no Serviço de Psicologia Aplicada da UFMT, de maneira individual, em sala apropriada, com avaliador treinado e supervisionado por uma psicóloga docente da UFMT e membro da pesquisa. Nessa etapa, houve cinco desistências por incompatibilidade de horários das avaliações e motivos pessoais. Ao final, a amostra foi constituída por 28 idosas.

O instrumento utilizado para a avaliação da memória foi o Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Ray (RAVLT), adaptado e validado para a população idosa brasileira⁽¹⁷⁾. Consiste em uma lista de 15 palavras (lista A) que é lida em voz alta e então realizado um teste de evocação imediata (A1). Tal procedimento é repetido cinco vezes (A2, A3, A4 e A5), e, na sequência, é lida outra lista de palavras (lista B), com a realização do teste de evocação para esta lista (B1). Após a aplicação da lista B, é solicitado que o avaliado relembre o maior número de palavras da lista A (A6), sendo esse processo repetido após um intervalo de 20 minutos (A7). Por fim, é apresentado ao avaliado uma lista com 50 palavras contendo tanto as da lista A quanto da lista B e mais 20 outras palavras, semântica ou foneticamente parecidas com as de ambas as listas, a fim de que o indivíduo reconheça aquelas pertencentes à primeira lista; nesta etapa é avaliada a memória de reconhecimento (REC)⁽¹⁷⁾.

Esse teste é reconhecido na literatura por sua sensibilidade em detectar déficits de memória e, portanto, é amplamente utilizado. Neste estudo, foi empregado para a avaliação da memória de longa duração as variáveis de evocação tardia (A7) e memória de reconhecimento (REC); e da memória de curto prazo pela variável memória imediata (A1)⁽¹⁷⁾, pois essas habilidades cognitivas da memória são suscetíveis ao processo de envelhecimento⁽⁸⁾.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram analisados no programa estatístico Statistical Package For The Social Sciences (SPSS) 17.0. Para verificação da distribuição dos dados, utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk, sendo constatada não normalidade para a variável memória imediata, e, portanto, foram utilizados testes não paramétricos para as análises bivariadas.

Os resultados das variáveis contínuas foram apresentados sob a forma de média ± desvio-padrão conforme distribuição, e as variáveis categóricas foram expressas como proporções. Utilizou-se o Coeficiente de Correlação de Spearman para análise das correlações de variáveis numéricas e nominais. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

Das 28 idosas avaliadas, a média de idade foi 66,36 anos e 75% possuíam escolaridade de sete anos ou mais. A média do escore do MEEM foi de 28,45. Entre as idosas, 60,7% consideraram a saúde como boa; 25%, ótima; 78,6% relataram possuir pelo menos um problema de saúde. Referente à prática de exercícios físicos, 53,6% mencionaram não realizar nenhum tipo de exercício (Tabela 1).

Tabela 1
Característica de condições de saúde da amostra de idosas, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, 2016 (N = 28)

	Média ± D-P**	n (%)
Idade	66,36 ± 6,12
MEEM*	28,45 ± 1,60
Escolaridade
1-3		1 (3,6)
4-7		6 (21,4)
> 7		21 (75,0)
Percepção de saúde
Regular		4 (14,3)
Boa		17 (60,7)
Ótima		7 (25,0)
Problema de saúde
Nenhum		6 (21,4)
Um ou mais		22 (78,6)

• Nota:
• ^*
  MEEM: Miniexame do Estado Mental;
• ^**
  D-P: Desvio padrão.

Os resultados descritivos dos testes neuropsicológicos encontram-se na Tabela 2, sendo que a média para o número de palavras relembradas na memória imediata foi de 6,04; na evocação tardia, de 8,57; e para a memória de reconhecimento da lista de palavras, de 12,82.

Tabela 2
Estatística descritiva do desempenho nos testes neuropsicológicos da amostra de idosas, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, 2016 (N = 28)

Testes	Média ± D-P*	Mínimo	Mediana	Máximo
Memória imediata	6,04 ± 1,83	2	6	9
Evocação tardia	8,57 ± 2,96	3	8	13
Memória de reconhecimento	12,82 ± 2,39	6	13	15

• Nota: D-P*: Desvio padrão

A Tabela 3 apresenta as correlações entre os testes neuropsicológicos e variáveis de condições de saúde, verificando correlação entre escolaridade e memória imediata (r = 0,49; p = 0,008); evocação tardia e memória de reconhecimento com memória imediata (r = 0,71; p < 0,001 e r = 0,43; p = 0,021); e memória de reconhecimento com evocação tardia (r = 0,47; p = 0,012).

Tabela 3
Correlação entre variáveis idade, escolaridade, percepção de saúde e testes neuropsicológicos da amostra de idosas, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil (N = 28)

	Idade	Escolaridade	Memória imediata	Evocação tardia	Memória de reconhecimento
Escolaridade	-0,33	-
Memória imediata	-0,25	0,49**	-
Evocação tardia	-0,27	0,36	0,71**	-
Memória de Reconhecimento	0,01	0,35	0,43*	0,47*	-
Percepção de saúde	-0,18	0,22	0,19	0,27	0,24

• Nota:
• ^*
  A correlação é significativa no nível 0,05 (2 extremidades);
• ^**
  A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades)

DISCUSSÃO

Os indivíduos que compuseram o presente estudo possuíam um escore elevado no MEEM e faixa de escolaridade prevalente maior que sete anos, corroborando evidências da literatura de que o desempenho no MEEM é fortemente influenciado pelos anos cursados de ensino formal^(14,16,18), além da escolaridade ser considerada também um aspecto de proteção neuronal⁽¹⁸⁾.

Tal fato pode ser elucidado por meio de pesquisas com a população brasileira, como o estudo desenvolvido em Uberlândia-MG com adultos e idosos, o qual verificou que quanto maior a escolaridade, maiores os valores obtidos nos escores do MEEM, indo desde 25,56 para um a quatro anos de escolaridade até 28,35 para aqueles indivíduos com mais de 12 anos de ensino formal⁽¹⁸⁾. Outro estudo com 20 idosos do Ambulatório do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo evidenciou um escore médio para o MEEM de 28,35 pontos para a média de 7,75 anos de ensino formal⁽¹⁹⁾, dados esses muito semelhantes aos encontrados no presente estudo.

Quando comparada a variável "escolaridade" e os escores do MEEM com estudos internacionais, como o desenvolvido no Japão com 47 indivíduos com escolaridade média de 13 anos⁽²⁰⁾ e na Espanha com 20 indivíduos e média de escolaridade 13,43 anos⁽²¹⁾, é possível constatar que, embora a escolaridade tenha sido maior nesses estudos, os resultados do MEEM de 28,20 e 28,86 pontos, respectivamente, são muito próximos aos obtidos na presente pesquisa.

Diante de tal constatação, a diferença de aproximadamente cinco anos a menos na escolaridade, comparada aos estudos internacionais, parece não ter influenciado significativamente os valores obtidos no MEEM entre esses estudos e a pesquisa em questão. Essa diferença na escolaridade sem impacto no resultado do teste de rastreio para demências pode ter ocorrido devido à baixa média de idade da população estudada. Estudos apontam que a idade também está diretamente relacionada ao escore do MEEM, pois o avançar da idade é um dos maiores fatores de risco para as demências^(1,22) tornando o indivíduo suscetível a um desempenho inferior no MEEM. Nesse caso, a população dos estudos internacionais apontados possuíam média de idade superior à população que compôs este estudo, cujos achados reforçam as evidências já encontradas na literatura quanto à influência de escolaridade e idade no desempenho do MEEM^(14,23).

Embora neste trabalho estejam apresentados os resultados do MEEM - e este instrumento tenha sido utilizado apenas com a finalidade de rastreio para declínio cognitivo, e não como o instrumento principal de avaliação do objeto estudado -, a discussão dos achados é importante na medida em que os estudos realizados no Brasil fazem uso do teste extensivamente, porém, com resultados ainda contraditórios devido a não existência de uma versão padronizada⁽²⁴⁾. Ainda, ressalta-se que, no Brasil, os estudos abordando avaliação cognitiva geralmente fazem uso exclusivo do MEEM como o instrumento de avaliação, diferentemente dos estudos internacionais, que realizam o exame cognitivo utilizando-se de instrumentos específicos para cada função. No entanto, este trabalho preocupou-se com a especificidade da avaliação do desempenho da memória, utilizando um instrumento exclusivo para o exame dessa função, diferenciando-se da maioria dos estudos realizados com a mesma população no Brasil.

Em relação à percepção de saúde dos idosos, foi constatado que a maior parte das participantes caracterizou a sua saúde como "boa". Esse achado vai ao encontro da literatura, pois evidências sugerem que a autopercepção negativa de saúde está intimamente relacionada com o declínio cognitivo⁽²⁵⁾. Considerando que a população do estudo em questão não apresentava indícios de déficit cognitivo, tinham a capacidade funcional preservada, eram ativas e engajadas socialmente, pode-se justificar o alto percentual das respostas "boa" e "ótima" (80%).

Um inquérito domiciliar desenvolvido em três cidades de diferentes regiões do Brasil, com objetivo de analisar os fatores associados à percepção negativa em idosos brasileiros, encontrou associação significante entre uso de dois medicamentos ou mais, presença de hipertensão arterial e incapacidade funcional com autopercepção de saúde negativa⁽²⁶⁾. Portanto, pode-se considerar a autopercepção de saúde como um reflexo da situação de saúde global do idoso, estando diretamente relacionada com a autonomia e independência⁽²⁶⁾, além de ser um importante indicador de mortalidade, sendo que aqueles que percebem a saúde como ruim possuem maiores chances de morte do que os que a relatam como boa⁽²⁷⁾.

Quando interrogados sobre os problemas de saúde, a maior parte das entrevistadas referiu possuir um problema de saúde ou mais. Interessante ressaltar: por mais que as participantes possuíssem algum tipo de doença, a percepção de saúde positiva foi prevalente. O mesmo pode ser evidenciado em um estudo que objetivou avaliar a autopercepção de saúde de 274 idosos de Passo Fundo-RS⁽²⁸⁾. Esse achado pode ser elucidado pelo fato de esses indivíduos ainda não apresentarem incapacidades e limitações, além do que, muitas vezes, convivem sem nenhum tipo de sintoma⁽²⁹⁾, reforçando a ideia de que, para o idoso, a condição de saúde ruim está ligada diretamente ao declínio na execução das atividades e a necessidade de auxílio para as mesmas, caracterizando a dependência, e não necessariamente a presença e/ou número de patologias que o acometem⁽²⁶⁾.

Na avaliação da memória imediata, a média da pontuação obtida nessa pesquisa se assemelha ao resultado encontrado no estudo de validação do teste RAVLT em mulheres brasileiras na faixa etária de 65 a 69 anos⁽¹⁷⁾. Já a média dos escores de evocação tardia e memória de reconhecimento foram inferiores e superiores, respectivamente, à pontuação obtida pela amostra do estudo de referência. Outro estudo realizado no Paraná com 57 indivíduos de 65 anos ou mais, de ambos os sexos, encontrou média para a memória imediata de 5,1, para evocação tardia de 7,1 e para memória de reconhecimento de 12,2, todos resultados inferiores aos encontrados no presente estudo⁽³⁰⁾.

Uma correlação positiva entre a escolaridade e o desempenho no teste RAVLT para memória imediata (p < 0,01) foi evidenciada neste estudo, significando que quanto maior a escolaridade, maior também era o número de palavras recordadas após a primeira leitura da lista de palavras do teste. Esse dado assemelha-se ao resultado obtido em uma pesquisa com 158 idosos brasileiros de Juiz de Fora-MG, a qual objetivou verificar a correlação entre os resultados de testes cognitivos obtidos pela bateria CERAD (Consortium to Establish a Registry for Alzheimer's Disease) e variáveis sociodemográficas, demonstrando uma correlação forte (p < 0,001) entre escolaridade e memória imediata⁽²³⁾. O estudo de Magalhães e Hamdam⁽³⁰⁾ também evidenciou a mesma correlação.

Apesar de ainda não estar completamente esclarecido, o nível educacional parece ser um fator protetor para o declínio não só do desempenho da memória, mas também da função cognitiva de uma maneira geral. Essa afirmação pode ser justificada pelo modelo da reserva cognitiva, ou seja, uma rede neuronal de maior complexidade e eficácia, proporcionada por maior tempo de estudo, pode compensar, de certo modo, perdas neuronais e sinápticas decorrentes do envelhecimento⁽²²⁾.

Na análise de correlação de evocação tardia e memória de reconhecimento, a forte correlação obtida com a memória imediata também foi confirmada em um estudo com idosos brasileiros (p ≤ 0,05 e p ≤ 0,001)⁽²³⁾, significando que quanto maior o número de palavras evocadas após a primeira leitura da lista de palavras do teste, maior também foi o número das recordadas após os 20 minutos de intervalo e distinguidas em meio as 50 palavras da lista de reconhecimento. Interessante ressaltar que, mesmo com a utilização de instrumentos diferentes para a avaliação das mesmas variáveis, os resultados encontrados são semelhantes inclusive na força de correlação.

A percepção de saúde apresentou correlação positiva com escolaridade e com a variável "memória imediata" no estudo realizado em Juiz de Fora-MG⁽²³⁾. No entanto, no presente estudo, não foi observada correlação entre a variável "percepção de saúde" e os resultados do teste neuropsicológico.

Quando analisada a correlação entre o desempenho no teste neuropsicológico e a percepção de saúde, este trabalho não evidenciou nenhuma correlação, diferentemente do estudo com 98 idosos realizado em Belo Horizonte-MG, onde indivíduos sem declínio cognitivo constatado pelo MEEM, tenderam a apresentar percepção de saúde ruim (p = 0,006)⁽²⁵⁾. Uma possibilidade para as diferenças entre as correlações dos estudos apresentados pode ser o fato de que, entre os idosos do grupo de Belo Horizonte-MG, alguns apresentavam eventos cardiovasculares, reafirmando a influência da presença de doenças crônicas na percepção das condições de saúde.

Um ponto relevante desse estudo é que, enquanto na literatura tem sido discutido as correlações de queixas subjetivas de memória e condições de saúde⁽¹¹⁾, esta pesquisa mensurou o desempenho da memória por meio de um teste neuropsicológico, dando maior fidedignidade aos achados, já que a avaliação dessa função, considerando a subjetividade, torna-se abstrata e vulnerável ao status psíquico e cognitivo do indivíduo entrevistado⁽²⁶⁾, como já comentado anteriormente.

Limitações do estudo

Este estudo apresenta algumas limitações referentes a comparação e discussão dos achados, uma vez que poucos estudos nacionais fazem uma avaliação sistematizada do desempenho da memória na população idosa e a correlacionam com as condições de saúde. Acrescenta-se, ainda, o fato de que a ausência de correlação entre a variável percepção de saúde e os resultados do teste neuropsicológico pode ser decorrente do número reduzido de participantes no estudo, fato o qual demonstra a necessidade de novos estudos que discutam a temática.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A contribuição do presente estudo, até onde os autores puderam evidenciar, se dá na medida em que apresenta resultados pouco explorados no Brasil. Ressalta-se que a identificação precoce das alterações de memória e sua relação com as condições de saúde podem auxiliar na prevenção do declínio cognitivo, influenciando diretamente na autonomia e independência do idoso, fatores esses determinantes na qualidade de vida. Desse modo, o profissional de enfermagem pode se apropriar, em sua prática profissional, de instrumentos que permitam a sistematização das avaliações, dentre eles, os testes neuropsicológicos.

A partir do conhecimento das variáveis que se correlacionam com o desempenho da memória e suas possíveis alterações, o profissional de saúde, em específico o enfermeiro, pode identificar problemas e direcionar o planejamento da assistência ao idoso, bem como o acompanhamento, considerando que a perda cognitiva nessa população ocorre de maneira gradual.

CONCLUSÃO

Pode ser evidenciado neste estudo que a população participante apresentou um escore elevado no MEEM e uma percepção de saúde satisfatória, apesar de relatarem um ou mais problemas de saúde. Em relação ao teste neuropsicológico que avaliou o desempenho da memória, não houve correlação das variáveis desse teste com a percepção de saúde.

• FOMENTO Projeto financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Edital nº 071/2013 - Programa Nacional de Cooperação Acadêmica 2013.

AGRADECIMENTO

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, bolsa de mestrado.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  May-Jun 2017

Histórico

• Recebido
  04 Nov 2016
• Aceito
  20 Fev 2017