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Saúde da mulher na gestação, parto e puerpério: 25 anos de recomendações de organismos internacionais

A saúde da mulher durante a gestação, o parto e o puerpério tem constituído preocupação de organismos internacionais desde a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, promovida pela Organização das Nações Unidas, em 1994 no Cairo, Egito, que teve por tema a Saúde da Mulher e a Maternidade Segura. A justificativa para a escolha do temário decorreu da constatação de que as complicações relacionadas à gravidez e ao parto estavam entre as principais causas de mortalidade de mulheres em idade reprodutiva em muitas partes do mundo em desenvolvimento e pela grande distância entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, quando se discutiam aspectos relacionados à morbimortalidade materna (11 United Nations Organization. Report of the International Conference on Population and Development [Internet]. Cairo, 5-13 september, 1994[cited 2019 Aug 7]. Available from: http://www.un.org/popin/icpd/conference/offeng/poa.html
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).

No manual intitulado Maternidade Segura - assistência ao parto normal: um guia prático, de 1996, a Organização Mundial de Saúde (OMS), tomando por base as melhores evidências científicas então disponíveis, propôs a classificação das práticas relacionadas ao parto normal em quatro categorias levando em consideração sua utilidade, efetividade e ausência de periculosidade. Essas categorias foram: práticas demonstradamente úteis e que devem ser estimuladas; práticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas; práticas sobre as quais não existem evidências suficientes para apoiar uma recomendação clara, e, por isso, devem ser usadas com cautela; e práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado. Esse documento constitui marco para a promoção do parto normal baseado em evidências científicas (22 Organização Mundial de Saúde. Assistência ao parto normal: um guia prático [Internet]. Saúde materna e neonatal. Unidade de maternidade segura. Saúde reprodutiva e da família. Genebra: OMS, 1996[cited 2019 Aug 7]. Available from: https://www.yumpu.com/pt/document/view/42116270/maternidade-segura-abenfo-nacional
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).

Anos depois, em 2001, preocupada com o cuidado à mulher na gestação, a OMS conduziu um estudo multicêntrico randomizado, com o apoio do Banco Mundial, para comparar o modelo ocidental padrão de cuidado pré-natal, com oito a 12 consultas, e o novo modelo básico que propunha a limitação do número de consultas a quatro; e diminuição na quantidade de exames e procedimentos pré-natais para gestantes elegíveis. O estudo concluiu não haver diferenças nos resultados maternos e perinatais entre os dois modelos, passando a indicar a implementação das atividades do componente básico do novo modelo (33 World Health Organization. Antenatal care randomized trial: manual for the implementation of the new model [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2002[cited 2019 Aug 7]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42692/1/WHO_RHR_01.30_spa.pdf
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-44 Villar J, Ba'ageel H, Piaggio G, Lumbiganon P, Belizán JM, Farnot U, et al. WHO antenatal care randomised trial for the evaluation of a new model of routine antenatal care The Lancet 2001;357:1551-64. doi: 10.1016/s0140-6736(00)04722-x
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).

Apesar do reduzido número de consultas e exames propostos, a estratégia de cuidados básicos não representou maior oportunidade de acesso das mulheres aos cuidados pré-natais, ou seja, estimativas da OMS indicam que, globalmente, no período entre 2007 e 2014, apenas 64% das mulheres grávidas haviam realizado as quatro consultas recomendadas. Reconhecendo a necessidade de revisão, em decorrência da possível inadequação do modelo, em 2016, a OMS divulgou uma diretriz consolidada e atualizada para os cuidados pré-natais de rotina como parte de seu trabalho normativo em apoiar práticas e políticas públicas (55 World Health Organization. Recommendations on antenatal care for a positive pregnancy experience [Internet]. Geneva: World Health Organization, 2016[cited 2019 Aug 7]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250796/9789241549912-eng.pdf?sequence=1
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).

Nesta diretriz, os cuidados pré-natais constituem oportunidade para estabelecer comunicação efetiva com as mulheres grávidas acerca de questões fisiológicas, biomédicas, comportamentais e socioculturais, e de estabelecer apoio respeitoso e efetivo, aspectos essenciais não só para salvar vidas, mas também para melhorar a vida, utilizar os cuidados de saúde e sua qualidade. As experiências positivas das mulheres durante o pré-natal e o parto podem constituir a base da maternidade saudável, propondo a adoção de estratégias voltadas à oferta de cuidados de qualidade centrados nas mulheres e suas famílias, a partir da implementação oportuna e adequada de práticas baseadas em evidências. Elabora guia com recomendações relacionadas a intervenções nutricionais relativas à avaliação da mãe e do feto, medidas preventivas e intervenções para sintomas fisiológicos comuns e para melhorar a utilização e a qualidade dos cuidados pré-natais. Propõe 19 intervenções aplicáveis a todas as mulheres grávidas no contexto dos cuidados pré-natais de rotina (55 World Health Organization. Recommendations on antenatal care for a positive pregnancy experience [Internet]. Geneva: World Health Organization, 2016[cited 2019 Aug 7]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250796/9789241549912-eng.pdf?sequence=1
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Ainda no contexto das experiências positivas, em 2018 a OMS divulga o texto Recomendações da OMS sobre os cuidados durante o parto para uma experiência positiva. Essas recomendações são voltadas à transformação da atenção a mulheres e neonatos para melhorar sua saúde e bem-estar. Apontam que a experiência de parto positiva é desfecho que transcende o trabalho de parto, superando crenças e expectativas pessoais e socioculturais prévias da mulher contemplada pela possibilidade de dar à luz a um bebê saudável, em ambiente seguro dos pontos de vista clínico e psicológico e de receber apoio prático e emocional contínuo por profissionais amáveis e tecnicamente competentes. Tomam por base a premissa que a maior parte das mulheres deseja ter trabalho de parto e parto fisiológicos, e ser incluída na tomada de decisões, mesmo quando estas envolvam intervenções médicas (66 World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization, 2018[cited 2019 Aug 7]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/260178/9789241550215-eng.pdf?sequence=1
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).

Recentemente, na 72ª Assembleia Mundial de Saúde, realizada em maio de 2019, em informe do diretor geral da OMS, foi divulgada a Estratégia Mundial para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, 2016-2030. No que diz respeito ao ciclo gravídico-puerperal, o documento apresenta a atenção pré-natal de qualidade e o acesso a profissionais de saúde qualificados durante a gravidez e o período pós-natal como essenciais para prevenir mortes maternas e de recém-nascidos. Sobre o parto, discutem que, paradoxalmente, a atenção excessiva e inadequada pode ter consequências tão graves quanto a ausência de atenção. O documento reporta as publicações da OMS, experiência positiva no pré-natal e parto, como base para o planejamento das ações à mulher e à criança no ciclo gravídico puerperal, propondo que o período posterior ao parto constitui oportunidade para iniciar ou manter a atenção relacionada a afecções não obstétricas, como as doenças crônicas não transmissíveis e os transtornos mentais (77 World Health Organization. 72nd World Health Assembly. Global strategy for women's, children's and adolescents' health (2016-2030) [Internet]. Report by the Director-General. 2016[cited 2019 Aug 7]. Available from: http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA72/A72_30-en.pdf
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).

Pelo exposto, nos últimos 25 anos, está em pauta o cuidado pré-natal e ao parto de qualidade como estratégia crucial para reduzir a morbimortalidade materna e infantil. A enfermagem, enquanto área do conhecimento, tem muito a contribuir nessa direção, assim como para o alcance da cobertura universal de serviços de saúde essenciais. Nesse sentido, destaca-se o importante papel das enfermeiras inseridas nos serviços de atenção primária pela atuação e possibilidade de qualificação dos cuidados pré-natais; e das obstetrizes e enfermeiras egressas de cursos lato sensu na área de obstetrícia, pela formação que as encaminha a realizar mudanças efetivas, especialmente por assumirem que as mulheres são o foco do cuidado, e por promoverem a redução de intervenções desnecessárias nos cuidados de parto.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019
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